| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | ANA MARGARIDA LEITE | ||
| Descritores: | REFORMA DA SENTENÇA NULIDADES DA DECISÃO PODERES DO TRIBUNAL | ||
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| Data do Acordão: | 10/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Sumário: | O não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, quer as partes hajam invocado. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 446/23.6T8TVR.E1 Juízo de Competência Genérica de Tavira Tribunal Judicial da Comarca de Faro Acordam, em Conferência, os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Os apelados (…) e (…), notificados do acórdão proferido em 25-06-2025 -- no qual se julgou procedente a apelação, em consequência do que se decidiu: a) na improcedência da ação, absolver a ré do pedido formulado; b) revogar, em conformidade, o segmento condenatório da decisão recorrida; condenar os autores/apelados nas custas –, requereram a reforma do acórdão e arguiram a respetiva nulidade, peticionando se determine a anulação do acórdão e a reposição da decisão proferida pela 1ª instância. Fundamentam a requerida reforma do acórdão sustentando que o documento que identificam, denominado “Acordo de Reserva”, não prevê qualquer penalidade, perda ou compensação em caso de não celebração do contrato-promessa, afirmando que tal elemento probatório implica, por si só, decisão diversa da proferida. Mais imputam ao acórdão, como causas de nulidade, os vícios seguintes: oposição entre os fundamentos e a decisão, sustentando que a decisão proferida se encontra em oposição com os fundamentos de facto em que se baseia, os quais deveriam ter conduzido a diversa decisão jurídica, bem como que existem contradições entre determinados pontos da decisão de facto; omissão de pronúncia, alegando que não foi apreciada a questão relativa à perda de interesse por parte dos autores, assente em quebra de confiança, decorrente da ausência de licenciamento e da não concretização do contrato-promessa; excesso de pronúncia, invocando o conhecimento pela Relação de matéria não submetida a recurso, ao determinar a exclusão de pontos da matéria de facto com fundamento diverso do invocado pela apelante em sede de impugnação da decisão de facto, como tudo melhor consta do requerimento apresentado. A apelante não apresentou resposta. Cumpre apreciar. O poder jurisdicional do julgador, em regra, esgota-se com a prolação da decisão, princípio geral estatuído no artigo 613.º, n.º 1, aplicável por força do disposto no artigo 666.º, n.º 1, ambos do CPC. No entanto, verificadas determinadas circunstâncias, admite a lei que o juiz possa retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a decisão, conforme decorre dos artigos 613.º, n.º 2, 614.º, 615.º e 616.º, aplicáveis por força do citado artigo 666.º, n.º 1, todos do referido Código. Face à alegação dos reclamantes, há que ter em conta o estatuído no artigo 616.º, o qual, sob a epígrafe Reforma da sentença, dispõe o seguinte: 1 - A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3. 2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida. 3 - Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação. Decorre deste preceito que a decisão poderá ser reformada quanto a custas e multa ou, desde que não admita recurso, se tiver ocorrido manifesto lapso do juiz. Além das situações de reforma quanto a custas ou multa, a decisão da causa só pode ser reformada nos casos em que não seja admissível recurso e só perante a existência de manifesto lapso na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou desconsideração de documentos ou outro meio de prova plena constantes dos autos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida. Face ao teor da reclamação apresentada, na qual defendem os reclamantes que o teor de determinado documento, denominado “Acordo de Reserva”, implica, por si só, decisão jurídica diversa da proferida, cumpre aferir se o fundamento invocado integra a previsão da alínea b) do n.º 2 do artigo 616.º. Não invocando os reclamantes a desconsideração, no âmbito da decisão relativa à matéria de facto, de qualquer documento com força probatória plena ou outro meio de prova com efeito semelhante, não se vislumbra que a situação invocada, relativa à interpretação do teor do contrato celebrado entre as partes e consequente decisão jurídica da causa, configure a situação prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 616.º ou qualquer outro dos fundamentos de reforma da decisão. Não se mostrando preenchidos os pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 616.º para a peticionada reforma da decisão, improcede o pedido de reforma do acórdão. Os reclamantes arguiram a nulidade do acórdão, imputando-lhe os vícios oposição entre os fundamentos e a decisão, omissão de pronúncia e excesso de pronúncia. As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do artigo 615.º, nos termos do qual é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Cumpre apreciar se o acórdão proferido padece das causas de nulidade que lhe são imputadas pelos apelados na reclamação. A primeira das causas de nulidade invocadas, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º, verifica-se quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, o que ocorre quando aqueles, seguindo um raciocínio lógico, devam conduzir a resultado decisório diverso. Conforme explica José Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, pág. 333), “(…) se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade (…)”. Os reclamantes baseiam a invocação desta causa de nulidade alegando contradição entre a matéria de facto considerada provada e a decisão proferida, bem como a existência de contradições entre determinados pontos da decisão de facto. Porém, a previsão do preceito em análise não se encontra preenchida com qualquer das situações invocadas pelos apelados, reportadas a supostas contradições entre a factualidade considerada provada e a decisão proferida, bem como entre pontos da decisão de facto; sem prejuízo de poderem estar em causa erros de julgamento, nenhuma das situações invocadas configura o vício arguido, não sendo causas de nulidade do acórdão. Neste sentido, afirmam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, págs. 737-738) o seguinte: “A nulidade a que se reporta a 1.ª parte da alínea c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente”. Assim sendo, verifica-se que o acórdão não enferma da primeira das causas de nulidade arguidas pelos apelados. Os reclamantes imputaram, ainda, à decisão recorrida, os vícios de omissão e de excesso de pronúncia, causas de nulidade previstas, respetivamente, na 1ª e na 2ª partes da alínea d) do n.º 1 do citado artigo 615.º. A omissão de pronúncia ocorre quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, assim incumprindo o estatuído no artigo 608.º, n.º 2, 1ª parte, do mesmo Código, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. O excesso de pronúncia, por seu turno, ocorre quando o juiz aprecie questões de que não podia tomar conhecimento, desrespeitando o disposto na 2ª parte do n.º 2 do citado artigo 608.º, nos termos do qual não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Na perspetiva dos arguentes, esta Relação deveria ter apreciado, e não apreciou, a invocada perda de interesse por parte dos autores, assente em quebra de confiança, decorrente da ausência de licenciamento e da não concretização do contrato-promessa. A verificação da existência desta causa de nulidade impõe se tenha em conta a ressalva estabelecida no n.º 2 do citado artigo 608.º, quanto às questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, as quais se encontram, evidentemente, excluídas da obrigação de pronúncia por parte do juiz. Explicam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 737) o seguinte: “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (artigo 608.º-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, quer as partes hajam invocado”. Consta da fundamentação do acórdão proferido, além do mais, o seguinte: «(…) Face ao decidido pela 1ª instância e ao objeto do recurso, impõe-se apreciar se a factualidade julgada provada permite considerar preenchidos os requisitos da obrigação de restituição da aludida quantia com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa. O enriquecimento sem causa encontra-se previsto no artigo 473.º do Código Civil, cujo n.º 1 dispõe: (…) A obrigação de restituir fundada em enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, conforme se extrai do artigo 474.º do mesmo Código, que estatui: (…) Resulta do artigo 473.º que o enriquecimento sem causa depende da verificação cumulativa de três pressupostos, a saber: a) o enriquecimento de alguém; b) que este enriquecimento seja obtido à custa de outrem; c) a falta de causa justificativa. Decorre do artigo 474.º, por seu turno, que o recurso a este instituto depende da inexistência de outro meio jurídico idóneo para a restituição, bem como que não opera se a lei negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento. No caso presente, provou-se que, no decurso de negociações encetadas com vista à compra, pelos autores à ré, de fração autónoma de um prédio a construir no imóvel identificado no ponto 1, a ré apresentou a proposta a que alude o ponto 2 – no sentido de que fosse efetuada a reserva da futura fração autónoma mediante o pagamento da quantia de € 15.000,00, valor que seria posteriormente descontado ao montante do sinal a ser pago pelos autores aquando da outorga do contrato-promessa de compra e venda –, vindo as partes a acordar na reserva dessa futura fração autónoma nos termos exarados no documento escrito intitulado Acordo de Reserva, datado de 24-01-2022, que subscreveram, cujo teor se encontra transcrito sob o ponto 3. Analisando o teor do documento intitulado Acordo de Reserva subscrito pelas partes, verifica-se que dele consta o seguinte: - elementos de identificação da ré, designada por “Proprietário”, e dos autores, designados “Proponentes”; - sob a designação “Proposta”, especificação da fração F do empreendimento aí identificado; - sob a designação “Preço”, indicação da quantia de € 460.000,00; - sob a designação “Reserva”, indicação do valor de € 15.000,00, seguida da expressão “reembolsável pelo período de 8 semanas”; - a título de “Nota”, indicação de que foi executada transferência para a conta cujo IBAN se especifica; - a título de “Condições Gerais”, a indicação de que “O Montante entregue a título de Reserva e parte do sinal, será descontado na assinatura do Contrato de Promessa de Compra e Venda (CPCV)”, seguida da especificação “€ 15.000,00 (…) de Reserva” e de um plano de pagamentos, a começar “no Contrato de Promessa de Compra e Venda com o início da construção”, a que se seguem reforços de sinal escalonados no tempo e a terminar com “a assinatura da escritura de Compra e Venda, até 90 dias depois do último reforço de sinal”. Decorre destes elementos que as partes acordaram na reserva pela ré de um imóvel –no caso, um bem futuro –, mediante a entrega pelos autores da quantia de € 15.000,00, visando a celebração entre ambos de um contrato-promessa de compra e venda relativo a esse bem, em termos que parcialmente estipularam; mais acordaram que esse valor de € 15.000,00 é “reembolsável pelo período de 8 semanas”, bem como que será imputado no valor devido a título de sinal aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda. Mostra-se acertada a qualificação, constante da decisão recorrida, da relação jurídica estabelecida entre autores e ré como contrato de reserva de imóvel, visando a futura celebração de um de contrato-promessa de compra e venda relativo a esse bem. O contrato de reserva de imóvel é um contrato atípico, em sentido estrito, dado que não se encontra previsto na lei, sendo-lhe aplicáveis, além das cláusulas acordadas pelos contraentes, as normas do Código Civil que consagrem regras gerais, bem como as disposições reguladoras de contratos nominados com os quais apresente maior afinidade. Analisando o acordo efetuado, verifica-se que são estabelecidos determinados termos relativos ao negócio visado com a reserva, isto é, ao contrato-promessa de compra e venda – o imóvel a que respeita, o preço da venda e o valor do sinal, os termos e prazos para o pagamento de tais montantes – e estipulada a entrega pelos autores da quantia de € 15.000,00, a título de reserva, “reembolsável pelo período de 8 semanas”, a imputar no valor devido a título de sinal aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda. Decorre do contrato celebrado que a entrega pelos autores da quantia de € 15.000,00 foi acompanhada pela assunção, por parte da ré, das obrigações seguintes: i) a obrigação de reservar o imóvel que as partes ponderavam transacionar, isto é, de não aceitar outra proposta de aquisição daquele bem, bem como de celebrar o contrato-promessa com os autores nos termos acordados; ii) a obrigação de restituição do montante entregue, caso os autores pretendessem desvincular-se da acordada celebração do contrato-promessa, sendo estabelecido o prazo de oito semanas para o efeito; iii) a obrigação de imputação dessa quantia no valor devido a título de sinal aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda. O contrato celebrado prevê um conjunto de obrigações recíprocas que incumbem aos contraentes e confere aos autores o direito ao arrependimento, estabelecendo para o efeito o prazo de oito semanas, caso em que caberá à ré restituir o montante de € 15.000,00 recebido a título de reserva. (…) Na situação em apreciação, a ré assumiu a obrigação de restituição aos autores do montante de € 15.000,00 recebido a título de reserva, se os mesmos exercessem o direito ao arrependimento no prazo de oito semanas fixado para o efeito no contrato; encontrando-se assente que os autores não comunicaram a respetiva desistência da celebração do contrato-promessa no prazo de oito semanas estabelecido no contrato de reserva, dúvidas não há de que não incumbe à ré a obrigação de restituição de tal montante com fundamento no direito ao arrependimento consagrado neste contrato. Acresce que, decorrendo do contrato celebrado que a entrega de tal quantia pelos autores foi acompanhada pela assunção de várias obrigações pela ré, designadamente a obrigação de reservar o imóvel que os autores ponderavam adquirir, não aceitando outras propostas de aquisição do bem, bem como a obrigação de celebrar o contrato-promessa com os autores nos termos acordados, não poderá considerar-se que a prestação tenha deixado de ter causa justificativa na sequência da desistência dos autores, conforme considerou a 1ª instância, que apenas atendeu à obrigação de imputação dessa quantia no valor devido a título de sinal aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda, olvidando a mencionada obrigação de reserva do imóvel para celebração com os autores do acordado contrato-promessa. Tendo-se provado que, como contrapartida da entrega pelos autores do montante de € 15.000,00, a ré, além da obrigação de imputação de tal montante no valor devido a título de sinal aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda, assumiu outras obrigações, designadamente a obrigação de reserva do imóvel para celebração com os autores do acordado contrato-promessa, não permite a factualidade provada considerar que a entrega daquela quantia à ré deixou de ter causa justificativa na sequência da desistência operada pelos autores, dado que a reserva do imóvel até tal desistência, comunicada pelos autores após o acordado período de oito semanas, constituiu uma causa para aquele dispêndio. Não decorrendo da factualidade provada a inexistência de uma obrigação que tenha justificado o dispêndio patrimonial dos autores, antes se extraindo de tal factualidade a existência de uma causa justificativa para o efeito – a obrigação assumida pela ré de reservar o imóvel para celebração com os autores do acordado contrato-promessa –, causa essa que não deixou de existir, considerando que a ré reservou o imóvel até à desistência operada pelos autores, não poderá considerar-se preenchido o terceiro dos supra elencados pressupostos integradores do enriquecimento sem causa, o que afasta a verificação cumulativa dos requisitos do instituto. É sabido que, face às regras de distribuição do ónus da prova estatuídas no artigo 342.º do Código Civil, salvo casos especiais, cabe àquele que invocar um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (n.º 1), pelo que compete aos autores o ónus da prova da verificação dos requisitos do instituto do enriquecimento sem causa, que invocaram como fundamento da obrigação de restituição da quantia entregue a título de reserva. Não permitindo a factualidade assente considerar verificada a inexistência de causa justificativa do enriquecimento da ré, cumpre concluir que os autores não lograram provar factos que preencham os requisitos cumulativos do instituto, que invocaram, do enriquecimento sem causa, o que impõe a improcedência da pretensão deduzida com tal fundamento. Face ao objeto da apelação, afastada a obrigação de restituição pela ré da quantia entregue pelos autores com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, cumpre revogar a parte impugnada da decisão recorrida e absolver a ré da totalidade do pedido formulado pelos autores. (…)» Da análise do excerto transcrito extrai-se, com clareza, que se considerou prejudicada a apreciação da questão invocada pelos reclamantes, atenta a solução dada à questão apreciada, em resultado da qual se julgou não verificada a obrigação de restituição pela ré da quantia entregue pelos autores com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa. Estando em causa o não conhecimento de matéria cuja apreciação ficou prejudicada pela decisão anteriormente dada a outra questão, não enferma a sentença do vício de omissão de pronúncia que lhe é imputado pelos apelados. Os apelados imputam o vício de excesso de pronúncia, ao acórdão, sustentando que a Relação conheceu de matéria não incluída no objeto do recurso, ao determinar a exclusão de pontos da matéria de facto com base em fundamento não invocado pela apelante na impugnação da decisão de facto. Analisado o acórdão, verifica-se que está em causa a exclusão dos pontos 6 e 18 da factualidade provada, decidida em sede de apreciação da impugnação da decisão de facto, com fundamento na seguinte motivação: (…) Mais defende a apelante a exclusão da matéria provada dos factos constantes dos pontos 6 e 18, com a redação seguinte: 6 - Os Autores, face à inércia da Ré, perderam a confiança nesta e na celebração do negócio e por conseguinte perderam o interesse na aquisição daquele imóvel; 18 – Com tal conduta, não tendo facultado a licença de construção, os Autores perderam a confiança na celebração do negócio e na própria Ré, tendo perdido a vontade e interesse em contratar e, por conseguinte, tendo pedido a restituição do valor da reserva. No que respeita ao ponto 18, verifica-se que o respetivo teor foi invocado pelos autores na parte da petição inicial relativa aos fundamentos de direito, concretamente no artigo 41.º, inserido no capítulo II, denominado «Do Direito». Analisando este ponto, não poderá deixar de se considerar que o respetivo teor assume natureza conclusiva, baseada num conceito jurídico, a saber, a perda do interesse na prestação, que configura um dos elementos jurídicos invocados pelos autores como fundamento da solução que preconizam para o presente pleito. Quanto ao ponto 6, não obstante ter sido alegado pelos autores na parte da petição inicial relativa aos fundamentos de facto, concretamente no artigo 8.º do capítulo I, denominado «Dos Factos», verifica-se que o respetivo teor, semelhante ao constante do ponto 18, igualmente assume natureza conclusiva, baseada no aludido conceito jurídico de perda do interesse na prestação, que constitui um dos fundamentos da peticionada condenação da ré a restituir determinado montante que os autores sustentam ser-lhes devido. Como tal, considerando que o teor dos pontos 6 e 18 não constitui matéria de facto, antes assumindo natureza conclusiva, cumpre determinar a respetiva exclusão da factualidade julgada provada, assim procedendo, ainda que por fundamento diverso, a impugnação deduzida pela apelante a esta parte da decisão de facto, o que torna inútil a pretendida reapreciação dos elementos invocados para o efeito pela recorrente. (…). Analisando o excerto transcrito, verifica-se que a eliminação dos dois aludidos pontos, inseridos no elenco de factos julgados provados, foi determinada por se ter entendido que não configuravam matéria de facto. Ora, a apreciação da natureza, jurídica ou factual, dos pontos em apreciação, consiste em matéria de direito, sendo certo que a aplicação do direito constitui questão de conhecimento oficioso, conforme decorre do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, o que afasta o invocado excesso de pronúncia. Nesta conformidade, impõe-se considerar improcedente o pedido de reforma do acórdão e não verificadas as nulidades que lhe são imputadas. Nestes termos, acorda-se em considerar improcedente o pedido de reforma do acórdão formulado pelos apelados e não verificadas as nulidades pelos mesmos imputadas à aludida decisão. Custas pelos reclamantes/apelados. Notifique. Évora, 02-10-2025 (Acórdão assinado digitalmente) Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora) Mário João Canelas Brás (1º Adjunto) Maria Domingas Simões (2ª Adjunta) |