Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FILIPE AVEIRO MARQUES | ||
Descritores: | EXECUÇÃO LIVRANÇA ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
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Data do Acordão: | 01/30/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA | ||
Área Temática: | CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário: 1. Os requisitos impostos para a admissibilidade da impugnação da decisão de facto têm em vista garantir uma adequada delimitação do objecto do recurso, não apenas para circunscrever o âmbito do poder de cognição do Tribunal de recurso, mas também para que a outra parte tenha a possibilidade de exercer o contraditório. 2. No requerimento executivo baseado em livrança válida está o exequente dispensado de alegar a relação subjacente à sua emissão. 3. Pretendendo invocar a violação do pacto de preenchimento ou invocar a invalidade, ineficácia ou outra causa de extinção da obrigação causal, caberá ao demandado o respectivo ónus de alegar e provar os correspondentes factos. 4. Quando a parte tenha agido sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento, deve ser condenada como litigante de má fé. | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 2878/23.0T8LLE-A.E1 (1.ª Secção) Relator: Filipe Aveiro Marques 1.º Adjunto: Manuel Bargado 2.º Adjunto: Fernando Marques da Silva * *** * Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO: I.A. AA, embargante à execução que contra ele havia sido intentada por “BANCO BPI, S.A.”, veio recorrer da sentença proferida pelo Juízo de Execução de ... - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, que terminou com o seguinte dispositivo: “Nos termos expostos, o Tribunal decide: a) Julgar os embargos de executado improcedentes por não provados e, em consequência, a execução deverá prosseguir os seus trâmites normais, o que se determina; b) Condenar o Embargante/executado AA como litigante de má-fé no pagamento de uma multa no valor de 3 UC e ainda em indemnização a favor do Embargado/exequente em montante a fixar oportunamente; c) Condenar o Embargante/executado AA no pagamento das custas e demais encargos com o processo; d) Absolver o Embargado/exequente «Banco BPI, S. A» do pedido de condenação como litigante de má-fé deduzido pelo Embargante/executado.”
I.B. O embargante/executado/apelante apresentou alegações onde termina com as seguintes conclusões: “I) Está verificada a exceção dilatória por falta de fundamentação da petição inicial. II) Existe falta de causa de pedir por parte do exequente, Banco BPI S.A. III) O exequente preencheu (sem o executado agora recorrente) uma livrança no valor de 38.067,17 euros. IV) E apresentou essa livrança à execução como título executivo. V) O executado não deu autorização para o preenchimento da referida livrança! VI) A petição inicial, do ponto de vista do executado, é inepta por falta de causa de pedir. VII) Não estão preenchidos os requisitos/pressupostos do instituto jurídico de litigância de má-fé. VIII) Razão pela qual deverá ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância de ... na parte que diz respeito à condenação como litigante de má-fé de recorrente AA. IX) O recorrente tinha todo o direito a opor-se à execução, como fez. X) A oposição à execução é um direito legítimo do recorrente, tal como o presente recurso de apelação para o Tribunal de Relação de Évora é um direito que assiste ao recorrente, sob pena de ser violado o seu direito ao contraditório. XI) Com esta condenação como litigante de má-fé, ficou claramente violado o direito ao contraditório do executado, agora recorrente, o que viola o disposto no artigo 3.º n.º 1 e n.º 3 do CPC. XII) Foi também violado o direito ao contraditório previsto na CRP. XIII) O requerimento executivo era inepto por falta de causa de pedir. XIV) O executado não foi regularmente interpelado para pagar os montantes em dívida, uma vez que os objetos do CTT foram devolvidos. XV) Deverão os embargos de executado ser julgados procedentes por provados. XVI) Deverá ser absolvido o recorrente de condenação por litigância de má-fé. XVII) Deveria ser o recorrente absolvido do pagamento de custas e demais encargos do processo. XVIII) Não foi tido em consideração nos autos que o Recorrente não recebeu qualquer notificação via CTT. XIX) Pelo que não se deveria ter nunca dado como provado que o mesmo foi regularmente notificado pelo BANCO BPI S.A. XX) O Executado agora recorrente limitou-se a exercer o direito previsto no artigo 728.º n. º1 do CPC que lhe permite deduzir embargos! XXI) Está mal aplicado o artigo 542.º n.º 1 e n.º 2 do CPC no que respeita ao instituto da litigância de má-fé no que ao Recorrente diz respeito. XXII) Não está preenchido o conceito de litigante de má-fé do artigo 542.º n.º 1 do CPC no que diz respeito ao recorrente porquanto este apenas se limitou a deduzir o seu direito a deduzir embargos! XXIII) E é mais do que evidente que vai ser revogada esta sentença do tribunal de primeira instância no que respeita à interpretação e aplicação do instituto da litigância de má-fé, no que respeita à pessoa do Recorrente. XXIV) No que tange à multa está mal aplicado o disposto no artigo 27.º do Regulamento de Custas Processuais. XXV) Deverão os embargos ser julgados procedentes por provados revogando-se a decisão recorrida da 1.ª instância. XXVI) Deverá o Recorrente ser absolvido do pagamento de multa de 3 UC e ainda da indemnização a favor do Embargado. XXVII) Deverá o Recorrente ser absolvido do pagamento de custas processuais. Nestes termos e nos melhores de direito que V.exa. Doutamente suprirá, deverá o presente recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora ser julgado totalmente procedente por provado com as legais consequências, nomeadamente revogando-se a decisão recorrida proferida pelo tribunal de primeira instância de ..., absolvendo-se o executado/recorrente da condenação como litigante de Má-fé e absolvendo-se o Recorrente do pagamento de qualquer quantia ao Banco BPI S.A, devendo mandar-se repetir o Julgamento feito na 1.ª instância, assim se fazendo a NECESSÁRIA E HABITUAL JUSTIÇA!”
I.C. O recorrido apresentou resposta em que pugna pela improcedência do recurso.
I.D. Após manifestação de vontade nesse sentido (requerimento de 8/11/2024 - REFª: 50407719), foi admitida a desistência do pedido de indemnização por litigância de má fé deduzido pelo embargado/exequente. O recurso foi devidamente recebido pelo tribunal a quo. Após os vistos, cumpre decidir.
*** II. FUNDAMENTAÇÃO: II.A. As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma). Assim, no caso, impõe-se apreciar: a. Impugnação dos factos provados; b. Ineptidão do requerimento inicial; c. A exigibilidade da quantia exequenda, designadamente por eventual violação do pacto de preenchimento; d. A litigância de má fé por parte do embargante/executado/recorrente; e. Condenação em custas. * II.B. Fundamentação de facto: II.B.1 Impugnação da matéria de facto: Importa notar que o recorrente não cumpriu minimamente os requisitos do artigo 640.º do Código de Processo Civil. O recorrente (na sua conclusão XIX) parece querer colocar em causa os factos provados. Percorrendo as restantes conclusões não se vislumbra que tenha apontado quais os concretos pontos dos factos que consideram incorrectamente julgados e, sobretudo, quais os meios probatórios que impunham decisão diversa e a indicação de qual deveria ter sido a resposta. Ora, quando impugna a matéria de facto, o recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição, conforme preceituado no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) a c), e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil. De tal preceito decorre que, na impugnação da matéria de facto, a lei exige o cumprimento pelo Recorrente dos seguintes requisitos cumulativos: 1. a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; 2. a indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados; 3. a indicação da decisão que, no seu entender, deve ser proferida quanto aos indicados pontos da matéria de facto; 4. a indicação, com exatidão, das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, isto quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sem prejuízo da faculdade que a lei concede ao Recorrente de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Estes requisitos impostos para a admissibilidade da impugnação da decisão de facto têm em vista garantir uma adequada delimitação do objecto do recurso, não apenas para circunscrever o âmbito do poder de cognição do tribunal de recurso, mas também para que a outra parte tenha a possibilidade de exercer o contraditório com o âmbito previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 640.º, designadamente indicando os meios de prova que, a seu ver, infirmem as conclusões do recorrente. O que se visa é circunscrever a reapreciação do julgamento efetuado a pontos concretos da matéria controvertida, uma vez que os poderes da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto não visam a realização de um segundo julgamento de toda a matéria de facto, devendo consequentemente recusar-se a admissibilidade de recursos genéricos contra uma invocada errada decisão da matéria de facto. Quando falte a especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, deve ser rejeitado o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, o mesmo sucedendo quanto aos restantes dois requisitos, nomeadamente a falta de indicação da decisão pretendida sobre esses mesmos factos (ver Abrantes Geraldes[1]). Como se sumariou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2022 (processo n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1[2]): “I. Os ónus primários previstos nas alíneas a), b) e c) do art.º 640.º do CPC são indispensáveis à reapreciação pela Relação da impugnação da decisão da matéria de facto. II. O incumprimento de qualquer um desses ónus implica a imediata rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões.” No mesmo sentido, sumariou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/02/2024 (processo n.º 2351/21.1T8PDL.L1.S1[3]): “Para o cumprimento do ónus de especificação do art. 640.º, n.º 1, do CPC, os concretos pontos de facto impugnados devem ser feitos nas respectivas conclusões, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão. Já quanto à especificação dos meios probatórios e à exigência da decisão alternativa, a lei não impõe que seja feita nas conclusões, podendo sê-lo no corpo da motivação”. Também para esta solução aponta a jurisprudência constante deste Tribunal, de que é exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/10/2024 (processo n.º 1109/21.2T8ENT.E1[4]). Não está prevista a possibilidade de convidar o recorrente a aperfeiçoar as alegações de recurso quanto ao incumprimento dos ónus impostos a quem impugne a decisão relativa à matéria de facto. Não será, consequentemente, de reapreciar no presente caso a decisão proferida sobre a matéria de facto, impondo-se a imediata rejeição do recurso nessa parte. Pelo exposto, rejeita-se o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto, mantendo-se a decisão de facto expressa na decisão recorrida. * II.B.2. Factos provados: Considera-se, por isso e tal como consta da sentença recorrida, a seguinte matéria de facto provada: 1. O exequente «Banco BPI, S. A» intentou em 24/10/2023 contra AA a execução que corre termos neste Juízo de Execução de ... sob o nº 2878/23.0..., apresentando como título executivo, a Livrança nº ... no valor de 38.067,17 € (trinta e oito mil e sessenta e sete euros e dezassete cêntimos), com data de emissão de 22/08/2023 e data de vencimento de 01/09/2023, subscrita pelo executado AA. 2. A Livrança referida em 1) não foi paga na data do seu vencimento, nem posteriormente. 3. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, o qual faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor “.... Contrato de Crédito Pessoal. Balcão: 0087-...- 5 Outubro. Nº de Contrato: .... Entre o Banco BPI, S. A. (…) doravante designado por Banco e, os Mutuários, doravante designados como Mutuários, 1º Mutuário: AA. Morada: .... É ajustado e reciprocamente aceite o seguinte Contrato de Crédito que se rege pelas condições gerais e particulares seguintes; Condições Particulares do Contrato de Empréstimo. Finalidade: Crédito Pessoal BPI Standard- Outras Finalidades- Outra Finalidade (…) Montante total do crédito: 40.000,00 €. Taxa Nominal: 7,759% T.A.E.G.: 10,158%. Tipo de Taxa: Fixa. Valor da 1ª prestação: 486,58 €. Nº de Prestações: 120. Duração: 120 meses. Periodicidade: Mensal (…) Dia de Débito: 30 (…) Montante total imputado ao Mutuário: 61.846,80 € (…) Declaro serem verdadeiras as informações por mim prestadas e que tomei conhecimento e aceito plenamente a cláusula d Acesso a Informações, as Condições Particulares e as Condições Gerais constantes deste Contrato de Crédito que subscrevo. Data de assinatura: 26/06/2019. Assinatura do Mutuário (…) Pelo Banco BPI, S. A. (…) Condições Gerais do Contrato. Cláusula 1ª-Montante, Disponibilização do Empréstimo e Entrada em vigor 1. O Banco concede ao Mutuário um empréstimo, no Montante Total do Crédito indicado nas Condições Particulares deste Contrato. 2. O montante do empréstimo será disponibilizado na conta do Mutuário identificada nas Condições Particulares ou por outra forma que as partes venham a ajustar (…) Cláusula 2ª – Reembolso. 1. Sem prejuízo do nº 4 da presente cláusula, o empréstimo será reembolsado em prestações mensais e constantes de capital, juros e imposto do selo, sucessivas, cujo número, valor, tipo e data do débito da primeira prestação são as constantes das Condições Particulares (…) Cláusula 3ª- Juros 1. O empréstimo vencerá juros à taxa nominal indicada nas Condições Particulares (…) Cláusula 5ª – Titulação e Convenção de Preenchimento 1. O Mutuário e Avalista entrega nesta data ao Banco uma livrança em branco, por si subscrita e avalizada, a favor do Banco, com a cláusula “Não à Ordem”, a qual ficará em poder deste para caucionar o integral pagamento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades, actuais e futuras, decorrentes do presente Contrato, designadamente, da obrigação de pagamento ao Banco do capital e juros em caso de exercício do direito de livre revogação (…) 3. O Banco fica expressa e irrevogavelmente autorizado a completar o preenchimento da Livrança referida no número anterior, nomeadamente no que diz respeito à data de vencimento, valor e local de pagamento, quando o entender necessário para a boa cobrança dos seus créditos, encargos e despesas que tenha que suportar 4. O presente Contrato é titulo executivo bastante para efeitos de reclamação do crédito ou da acção executiva, qualquer que seja a natureza do processo e a espécie de tribunal em que ocorra (…) Cláusula 9ª- Não cumprimento do contrato de crédito pelo Mutuário. 1. Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo Mutuário, o Banco pode invocar a perda do benefício do prazo e/ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes: a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito; b) Ter o Banco, sem sucesso, concedido ao Mutuário um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato 2. Para efeitos do disposto na antecedente alínea a), os pagamentos efectuados servirão para liquidar as prestações que primeiro se tiverem vencido. 3. As situações indicadas no número antecedente serão comunicadas ao Mutuário por carta registada com aviso de recepção. 4. A resolução do contrato pelo Banco não obsta a que este possa exigir o pagamento de eventual sanção contratual ou a indemnização, nos termos gerais (…) Cláusula 16ª -Actualização dos Dados. 1. O Mutuário obriga-se a comunicar de imediato ao Banco qualquer alteração ocorrida nos elementos de informação disponibilizados para efeitos da sua identificação. 2. Sem prejuízo da obrigação constante do nº 1 da presente cláusula, o Mutuário obriga-se, ainda, a informar o Banco de qualquer alteração da sua residência ou da residência do Avalista, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias a contar da referida alteração, sm o que se consideram sempre válidas as moras constantes nas Condições Particulares deste Contrato. 3. O Mutuário declara ter sido informado das regras d citação legalmente previstas, sendo assim do seu conhecimento que, em caso de litigio, se consideram citados e notificados de qualquer acto judicial, nas moradas constantes das Condições Particulares deste Contrato, salvo se tiver havido alteração de residência e a mesma tiver sido comunicada conforme previsto no número anterior (…)”; 4. O Exequente «Banco BPI, S. A» subscreveu e remeteu ao executado AA, por via postal registada com aviso de receção, a missiva que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor “Exmo Senhor (…). Registada c/AR. ..., 11 de Julho de 2023. Responsabilidades em Mora-Empréstimo nº .... Exmo Senhor. Informamos V. Exa que, dada a atual situação de mora no pagamento de 8 prestações relativas ao contrato em epígrafe, que excedem 10% do montante total do crédito, vimos pela presente interpelar V. Exa para, no prazo de 20 dias a contar da data da receção da presente comunicação (data que se tem por ocorrida 3 dias úteis após a sua emissão), proceder ao pagamento das seguintes quantias: Prest. Nº 41. Data de Vencimento: 30-11-2022- Amortização de Capital: 191,22 (…) Juros mora: 12,68. Imposto de Selo: 0,51. Total a pagar: 204,41 (…) Prest. Nº 48. Data de Vencimento: 30-06-2023. Amortização de Capital: 299,26. Juros: 217,98. Imposto de selo: 8,72. Total a Pagar: 525,96. Total: 4.080,07. Às quantias acima referidas, acrescerão os correspondentes juros de mora, comissões e respetivo imposto de selo calculados até à data da liquidação. Mais informamos que decorrido o referido prazo sem que as quantias em mora acima indicadas sejam integralmente liquidadas, o Banco BPI considerará o contrato imediatamente resolvido, ficando automaticamente vencido o capital vincendo que a esta data se encontra regular (€ 33.452,83) e, em consequência, exigível toda a dívida, sendo executadas todas as garantias do mesmo, bem como accionados todos os meios legalmente disponíveis para exercer os direitos que nos assistem (…)”; 5. A missiva referida em 4) veio devolvida ao remetente (Exequente Banco BPI, S. A), com as indicações “Não atendeu” e “Objecto não reclamado”; 6. O executado não liquidou, no prazo de 20 dias referido na missiva referida em 4) qualquer quantia por conta das prestações em atraso; 7. O Exequente «Banco BPI, S.A.» subscreveu e remeteu ao executado, por via postal registada com aviso de receção, a missiva que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor “Exmo. Senhor (…). Registada Com Aviso de Recepção. Lisboa, 22 de Agosto de 2023. Empréstimo nº .... Exmo Senhor. Informamos V. Exa que, apesar dos vários contactos estabelecidos com vista ao pagamento da dívida referente ao empréstimo identificado em epígrafe, a situação de mora e incumprimento relativa às prestações vencidas e não pagas manteve-se conforme infra discriminado. Valores em Eur à data de emissão da carta: Prest. Nº 41. Data de Vencimento: 30-11-2022- Amortização de Capital: 191,22 (…) Juros mora: 15,13. Imposto de Selo: 0,61. Total a pagar: 206,96 (…) Prest. Nº 49. Data de Vencimento: 30-07-2023. Amortização de Capital: 301,20. Juros: 216,05. Juros Mora: 2,07. Comissão Recuperação: 20,69. Imposto de selo: 9,55. Total a Pagar: 549,56. Assim, em virtude de se encontrarem vencidas e não pagas mais de 2 prestações consecutivas que excedem 10% do montante total do crédito e tendo decorrido o prazo suplementar de 20 dias já concedido, o respectivo contrato foi por este Banco considerado resolvido. Em consequência, fica V. Exa obrigado a proceder ao pagamento de tudo quanto é devido ao abrigo do referido contrato, a saber: a) Capital: 35.699,00 € b) Juros remuneratórios (acrescido da sobretaxa de mora) calculados sobre o montante do capital referido na alínea anterior, desde a data dos respetivos vencimentos até à presente data, no valor de: 1.928,55 € c) Comissões: 165,52 € d) Outros Encargos: 83,76 €. Tudo no montante de: 37.876,83 €. Comunicamos-lhe, ainda que preenchemos e procederemos à execução da livrança que nos entregou no momento da celebração do contrato para garantia do seu bom cumprimento, nos seguintes termos: Data de vencimento: 01-09-2023. Valor da Livrança: 38.067,17 €. Sobre este montante, continuarão a vencer-se juros até à data do integral pagamento. Em consequência da resolução efetuada, o assunto será encaminhado para execução judicial, o que poderá ainda ser evitado caso V. Exa entenda apresentar, no prazo máximo de 10 dias após a data de emissão da presente carta, uma solução consensual para o pagamento da dívida (…)”. * II.B.3. Factos não provados: Do elenco dos factos não provados nada consta. * II.C. Fundamentação jurídica: a) Ineptidão do requerimento executivo: Nas conclusões I), II), VI) e XIII) o recorrente volta a dizer, sem apresentar quaisquer argumentos, que o requerimento executivo é inepto por falta de causa de pedir. A este propósito fundamentou a sentença recorrida nos seguintes termos: “Por uma questão lógica, comecemos por averiguar se assiste razão ao Embargante/executado quando invoca a ineptidão do requerimento executivo por falta de causa de pedir. Preceitua a alínea c), do nº 1, do artigo 703º, do Código de Processo Civil que “À execução apenas podem servir de base os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”. Por sua vez a alínea e), do nº 1, do artigo 724º, do mesmo diploma legal estatui que “No requerimento executivo, dirigido ao tribunal de execução, o exequente expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, podendo ainda alegar os factos que fundamentam a comunicabilidade da dívida constante de título assinado apenas por um dos cônjuges”. Feito o enquadramento legal, revertendo agora ao caso dos autos, temos que o exequente «Banco BPI, S. A» instaurou a execução contra o executado/embargante apresentando como título executivo uma livrança subscrita por este, na qual, além do mais, conta “Garantia do Empréstimo nº 5079885-830-002”. A livrança constitui um titulo de crédito e pode servir de base à execução (cfr. alínea c), do nº 1, do artigo 703º, do Código de Processo Civil), e enquanto titulo cambiário, caracteriza-se pela autonomia, literalidade e abstração, o que equivale a dizer que vale por si só, como titulo executivo válido, ficando o exequente dispensado de alegar no requerimento executivo a relação subjacente à emissão da livrança. Acresce que na própria livrança consta a menção “Garantia do Empréstimo nº 5079885-830-002”, pelo que não assiste razão ao embargante/executado quando invoca a ineptidão do requerimento executivo. Acresce que com a contestação aos presentes embargos de executado o Exequente/embargado juntou o Contrato de Crédito Pessoal celebrado com o Embargante/executado em 26/06/2019 e no qual o mesmo consta como Mutuário, sendo certo que os créditos reclamados pelo Exequente na execução e titulados pela livrança emergem desse Contrato de Crédito Pessoal. Porque é assim, não se verifica a ineptidão do requerimento executivo alegada pelo Embargante/executado. Porque a situação é em tudo semelhante à dos presentes autos, pedimos vénia para citar, por todos, o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora de 25/06/2020, proferido no processo nº 4023/18.5T8ENT-A, disponível na internet in www.dgsi.pt/jtre em cujo sumário se pode ler “I- No requerimento executivo exige-se apenas que se exponha sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo (artigo 724º, nº 1 d) do CPC).II-Uma livrança, enquanto titulo de crédito, pode ser dada à execução de per si, sem a alegação da relação jurídica subjacente, da qual o título cambiário se abstrai…”. Em tal aresto pode ainda ler-se, a dado passo “…Comungamos do raciocínio perfeitamente expresso no Acórdão do STJ de 15.5.2003 de que o “fundamento substantivo da acção executiva é a própria obrigação exequenda e não o próprio título executivo e de que este é o seu instrumento documental legal de demonstração. Mas a acção executiva não visa a definição do direito violado, porque se destina a providenciar quanto à sua reparação efectiva, surgindo o titulo executivo como sua condição suficiente” (artigo 10º, nº 4 e nº 5, do C.P.C.) (…) É certo que os factos integrantes da causa de pedir e os documentos que visam demonstra-la são realidades diversas. Mas como o título executivo assume a particularidade de demonstração legal bastante do direito a uma prestação, segue-se a dispensa na acção executiva de qualquer indagação prévia sobre a existência ou subsistência do direito substantivo a que se reporta”. E porque assim é, no requerimento executivo exige-se apenas que se exponha sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo (artigo 724º, nº 1 d) do CPC). No caso, o título executivo são as livranças anexas ao requerimento executivo, que foram subscritas pela embargante, pessoa colectiva, e avalizadas pelos demais embargantes, pessoas singulares. No formulário do requerimento executivo, sob a menção “factos” a exequente fez constar o seguinte: A Exequente é legitima portadora das livranças no valor de € 27 891,96 (vinte e sete mil oitocentos e noventa e um euros e noventa e seis cêntimos) e de € 27 842,88 (vinte e sete mil oitocentos e quarenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos), vencidas e não pagas - cfr. Doc. 1 e 2. A tal valor acrescem juros vencidos e vincendos, e respectivo imposto do selo, até efectivo e integral pagamento, assim como despesas e honorários do Agente de Execução. Considerando o fim e a estrutura da acção executiva propriamente dita, isto é, não contando com os procedimentos de natureza declarativa que nela são susceptiveis de se inserir, bem como a particularidade e função do título executivo a que acima se fez referencia, a exigência de menção da causa de pedir no caso basta-se com a remissão para ele, nos termos em que o fez a exequente. É que, como se salienta no Acórdão desta Relação de 16.10.2017 uma livrança, enquanto título de crédito, pode ser dada à execução de per si, sem a alegação da relação jurídica subjacente, da qual o título cambiário se abstrai. A conclusão não pode, por isso, deixar de ser no sentido de que o requerimento executivo em causa não está afectado de ineptidão, improcedendo, por isso, sem necessidade de ulteriores considerações, este fundamento recursório…”” Na verdade, a jurisprudência tem sido constante no sentido apontado na decisão recorrida, de que é mais um exemplo o decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8/02/2024 (processo n.º 1773/22.5T8SLV-A.E1[5]): “1. A causa de pedir na ação executiva assenta na obrigação exequenda, que constitui o seu fundamento substantivo, apresentando-se o título executivo como o instrumento documental dessa relação. 2. Sendo o título executivo um título de crédito dotado de literalidade, abstração e autonomia, a causa de pedir da ação executiva é enformada pela relação cartular que o título documenta e evidencia, encontrando-se o Exequente dispensado de alegar e provar a relação subjacente. 3. O requerimento executivo não é inepto por ininteligibilidade da causa de pedir quando o Exequente alega de forma discriminada os valores que compõem a quantia aposta na livrança dada à execução.” Não apresenta o recorrente qualquer novo argumento que não tenha sido considerado na decisão recorrida nem tal argumento se vislumbra, pelo que, dada a simplicidade, remete-se para tal fundamentação e improcede a alegação nesta parte.
b) Violação do pacto de preenchimento: O recorrente, nas suas conclusões III), IV), V), XIV), XV), XVIII), invoca que a exequente preencheu abusivamente a livrança. Quanto a esta questão, fundamentou a sentença recorrida nos seguintes termos: “Vejamos agora se assiste razão quando invoca o preenchimento abusivo da livrança por parte do Embargado/executado, sendo certo que este alega que o exequente preencheu abusivamente a livrança dada à execução, porquanto preencheu a livrança sem a sua autorização. Resulta da cláusula 5ª das Condições Gerais do Contrato de Crédito Pessoal celebrado entre o embargante/executado e o embargado/exequente, datado de 26/06/2019, que na data da celebração do mesmo o mutuário, a ora embargante/executado, entregou ao mutuante, ora embargado/exequente, uma livrança em branco, por si subscrita para caucionar o integral cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades, actuais e futuras, decorrentes do presente contrato, e mais resulta do nº 3 dessa cláusula que o Banco fica expressa e irrevogavelmente autorizado a completar o preenchimento da livrança, nomeadamente no que diz respeito à data de vencimento, valor e local de pagamento, quando o entender, para boa cobrança dos seus créditos, encargos e despesas que tenha que suportar. Estamos perante uma livrança em branco, porquanto quando a mesma foi entregue ao Embargado/exequente faltavam-lhe alguns dos requisitos indicados no artigo 75º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças. Como se refere no douto acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça de 03 de Maio de 2005, proferido no processo nº 05A1086, disponível na internet in www.dgsi.pt/jstj “...II - O preenchimento de uma livrança em branco, condição imprescindível para que possam verificar-se os efeitos normalmente resultantes da livrança, faz-se de harmonia com o respectivo pacto de preenchimento, expresso ou tácito. III - O contrato de preenchimento é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, designadamente, a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo de vencimento, a sede pagamento, a estipulação dos juros…”. Vejamos então se o embargado/exequente violou o pacto de preenchimento. Resulta dos elementos carreados para os autos que o exequente remeteu para a morada do executado a missiva datada de 11/07/2023 onde o interpelava para, no prazo de 20 dias, proceder ao pagamento das 8 prestações vencidas e não pagas e dos respectivos juros de mora, tudo no montante total de 4.080,07 €, sob pena de considerar resolvido o contrato de crédito pessoal e exigir o pagamento de todos os montantes ainda em divida. Porque o executado não regularizou a situação naquele prazo de 20 dias, o exequente remeteu-lhe a missiva datada de 22/08/2023, informando-o que considerava resolvido o contrato de crédito pessoal, por incumprimento da parte do executado (falta de pagamento das prestações nºs 41 (vencida em 30/11/2022) a 49 (vencida em 30/07/2023), com a consequente exigibilidade de todos os montantes ainda em divida emergentes do contrato (37.876,83 €) e informava-o também que tinha procedido ao preenchimento da livrança que lhe tinha sido entregue em branco subscrita pelo executado, pelo montante de 38.067,17 € e com data de vencimento de 01/09/2023, e foi isso que o exequente fez, pelo que não assiste qualquer razão ao embargante/executado quando alega que o exequente violou o pacto de preenchimento, porquanto está assente que se verificou o incumprimento do contrato por parte do executado, que deixou de pagar as prestações acordadas/previstas em Novembro de 2022, e não regularizou a situação no prazo adicional de 20 dias que lhe foi concedido pelo exequente na missiva datada de 11/07/2023, assistindo ao exequente a faculdade de considerar o contrato resolvido e proceder ao preenchimento da livrança apondo-lhe o valor em divida emergente do contrato e a data de vencimento, uma vez que estava expressa e irrevogavelmente autorizado a fazê-lo. Do exposto, resulta que o Embargante/executado foi interpelado para pagar os montantes em divida e não o fez e foi também notificado do preenchimento da livrança, sendo certo que a livrança foi preenchida de acordo com o pacto de preenchimento, pelo que não se verifica abuso de preenchimento por parte do Exequente, constituindo a livrança titulo executivo válido e que pode servir de base à execução.”
A tal fundamentação se pode acrescentar que execução a que estes embargos foram apensos teve por base, como título executivo, uma livrança que o recorrente/embargante subscreveu. A livrança é um título cambiário sujeito às formalidades enunciadas no artigo 75.º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças (Convenção de Genebra de 7 de Junho de 1930, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 23721, de 29 de Março de 1934) e mediante o qual uma pessoa (o subscritor ou tomador) se obriga perante outra (beneficiário) a pagar-lhe determinada quantia em certa data, sendo a livrança uma promessa de pagamento. Em regra, uma vez subscrita e entregue a livrança pelo subscritor ao tomador, este fica em condições de a fazer circular, o que pode fazer mediante endosso. O título apresentado nos autos, contendo os requisitos essenciais para que possa valer como tal, constitui um título cambiário autónomo. Ou seja, a obrigação exigida em sede de execução é, não a constante da obrigação causal, mas a obrigação cambiária que uma vez constituída, por autónoma e abstracta, é independente da relação subjacente ou causal à sua emissão. Por outro lado, como fundamenta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/04/2022 (processo n.º 15165/19.0T8SNT-C.L1.S1[6]): “em matéria de preenchimento abusivo da livrança em branco (rectius do título de crédito em branco), há muito se estabeleceu que o ónus de prova desse preenchimento abusivo cabe ao obrigado cambiário, constituindo facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito emergente do título de crédito (art.º 342.º n.º 2 CCiv). Isto se prevê no art.º 10.º LULL (ex vi art.º 77.º), para o domínio das chamadas relações mediatas, em termos limitados, mas, nas relações imediatas, designadamente entre os sujeitos da relação fundamental que esteve na origem da subscrição do título, é livremente oponível a inobservância do acordo de preenchimento, ficando a obrigação cambiária sujeita ao regime geral das obrigações, ou seja, às excepções fundadas nas relações pessoais entre aqueles sujeitos (Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, III, pgs. 71 e 131ss., cit. in S.T.J. 28/5/96 Bol.457/404). Assim, o que cabe concluir é que o portador da livrança exerce, em princípio, contra o subscritor, os direitos correspondentes ao título cambiário, tal como se mostra preenchido, constituindo título executivo. Já ao subscritor cabe o ónus da prova do preenchimento abusivo, cabendo-lhe alegar, para o efeito os termos do pacto de preenchimento de que decorre o abuso. Assim, quem entrega uma livrança em branco, fica com o encargo de fazer a prova do seu preenchimento abusivo, ao igual de que, na petição de oposição à execução por embargos de executado, cabe ao embargante uma posição idêntica à do demandado em processo comum de declaração”. Ponto essencial é que, pretendendo invocar a violação do pacto de preenchimento ou invocar a invalidade, ineficácia ou outra causa de extinção da obrigação causal, caberá ao demandado o respectivo ónus de alegar e provar os correspondentes factos. Percorrendo os factos provados (que não mereceram oposição relevante por parte do recorrente), não provou o executado/embargante/recorrente o que lhe competia. Assim, improcede nesta parte a alegação.
c) Litigância de má fé: Nas conclusões VII), VIII), IX), X), XI), XII, XVI), XVII), XX) a XXVI) insurge‑se o recorrente contra a sua condenação como litigante de má fé. As partes (ainda para mais as que se fazem acompanhar de Ilustres advogados), no âmbito da resolução de conflitos de direito privado nos Tribunais, devem pautar a sua actuação pelas regras da cooperação inter-subjectiva, pela lealdade e pela boa fé. A justa composição do litígio só será justa se “tiver sido promovida a descoberta da verdade material, se os diversos intervenientes tiverem cooperado no sentido da sua busca, se a actividade processual se tiver pautado pelos princípios da boa fé se, enfim, os mecanismos processuais tiverem sido usados dentro do espírito do sistema” (nas palavras de Abrantes Geraldes[7]). Actualmente, logo nos artigos 7.º e 8.º do Código de Processo Civil decorrem, para as partes, os deveres de cooperação e de boa fé processual. Entre outros deveres, deverão as partes colaborar na resolução do litígio com a maior brevidade, o que impõe que se harmonizem os respectivos comportamentos e se adopte uma postura ética e deontologicamente irrepreensível. Por ser assim, a ilegitimidade do exercício do direito de acção ou defesa é sancionada, no processo civil, com a litigância de má fé e a correspondente condenação do litigante em multa e, eventualmente, em indemnização à parte contrária. Na verdade, dispõe o artigo 542º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que, tendo alguma das partes litigado de má fé, será condenada em multa. A condenação por litigância de má fé não se encontra na dependência de nenhum pedido das partes expressamente formulado nesse sentido, podendo/devendo o Tribunal conhecer da sua existência, oficiosamente. E as sanções não deixarão de se aplicar mesmo à parte vencedora, sem qualquer diferenciação. Dispõe artigo 542.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que se diz litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: - alínea a): tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; - alínea b): tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; - alínea c): tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; - alínea d): tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. No que concerne à citada alínea a), não basta uma simples desconformidade da versão da parte com a realidade, tornando-se necessário que litigue sabendo e querendo prevalecer-se de algo que sabe ser falso, a que não tem direito. Mas esse comportamento não se confunde com uma mera ausência de prova, nem com a uma lide temerária; vai para além disto em gravidade e censurabilidade. A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância de má fé, tornando-se necessário que se demonstre que a parte não observou os deveres processuais de probidade, de cooperação e de boa fé. A exigência legal de demonstração de litigância com dolo ou negligência grave, pressupõe a consciência de que se não tem razão, sendo necessário que a parte tenha agido com intenção maliciosa, e não apenas com leviandade ou imprudência. Exige-se, pois, que a parte tenha agido sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento. Daí que se possa afirmar que litiga com má fé a parte que alega uma realidade que se provou inexistir e cuja inexistência forçosamente conhecia, o que significa ter alterado a verdade dos factos a fim de deduzir intencionalmente pretensão ou oposição, cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer – ver, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/05/2015 (processo n.º 1120/11.1TBPFR.P1.S1[8]). Na decisão recorrida, a este propósito, consignou-se o seguinte: “(…) veio deduzir os presentes embargos de executado, alegando que o exequente preencheu abusivamente a livrança, sem a sua autorização, que a existir alguma divida a mesma seria da responsabilidade de 2 sociedades das quais tinha sido sócio e/ou gerente, quando bem sabia que tais sociedades não tiveram qualquer intervenção no contrato de Crédito Pessoal celebrado com o exequente e de onde emergem os créditos reclamados na execução, titulados pela livrança, e para além disso invocou o instituto do beneficio da excussão prévia quando bem sabe que não assume a veste de fiador, mas de devedor, porquanto o montante de 40.000,00 € foi-lhe emprestado a ele e, como se tudo isso não bastasse, ainda pede a condenação do Embargado/exequente como litigante de má-fé, pelo não se pode concluir de outro modo que não seja no sentido de que o Embargante deduziu oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar e alterou a intencionalmente a verdade dos factos, pretendendo convencer o Tribunal que os responsáveis pelo pagamento dos montantes mutuados pelo exequente e cujo pagamento é reclamado na execução seriam as sociedades comercias das quais tinha sido sócio e/ou gerente, e juntou mesmo aos autos as sentenças que declararam essas sociedades insolventes, quando as mesmas nada têm a ver com o objecto da execução, pelo que se justifica que seja condenado como litigante de má-fé em multa”. Deve admitir-se uma ampla margem de defesa. Pode admitir-se, até, o simples esgrimir de fundamentos jurídicos, ainda que eventualmente errados. Acontece que o executado/embargante/recorrente veio invocar factos que sabia serem falsos. Mais uma vez, como se disse na sentença recorrida: “Não se compreende porque razão o Embargante/executado alega que a existir alguma dívida, a mesma será da responsabilidade de pessoas colectivas das quais foi sócio e/ou gerente, porquanto os créditos reclamados pelo exequente, estão titulados por uma livrança subscrita apenas por ele (Embargante/executado) e são emergentes de um Contrato de Crédito Pessoal, no qual apenas ele (Embargante/executado) consta como Mutuário”. Não podia o executado/embargante/recorrente, precisamente porque teve intervenção na negociação do mútuo bancário – ainda para mais um crédito pessoal – vir invocar que esse crédito tinha sido assumido por empresas (cuja insolvência até já tinha sido decretada). Só pode, por isso, concluir-se pela falsidade consciente da alegação tal como veio a ser feita no requerimento de oposição à execução. O executado/embargante/recorrente pretendeu alterar a verdade dos factos a fim de deduzir intencionalmente, ou seja, com dolo, oposição cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer, preenchendo os requisitos para se concluir pela sua litigância de má fé. Invoca o recorrente que terá sido “violado o direito ao contraditório previsto na CRP” (conclusões XI) e XII), mas não lhe assiste razão. Na verdade, percorrendo os autos, verifica-se que a sua condenação como litigante de má fé foi pedida pela parte contrária e, depois disso, foi-lhe dada ampla possibilidade de responder: desde logo aquando da realização da audiência prévia. Finalmente, insurge-se o recorrente (conclusão XXIV) contra o montante da multa aplicada a este título. Ora, nos termos conjugados do artigo 542.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Judiciais (“Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC”), tendo a condenação ficado muito próximo do seu limite mínimo, nada se pode apontar. Improcede, por isso, também esta parte do recurso.
d) Condenação em custas: Finalmente, defende o recorrente, na sua conclusão XXVII), que deverá ser absolvido do pagamento das custas processuais. Mas, mais uma vez, sem razão. Tendo ficado vencido, atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil, a sentença recorrida só poderia terminar com a sua condenação em custas. As custas do presente recurso também deverão ficar a cargo do recorrente, por ter ficado vencido, nos termos do disposto no mesmo artigo 527.º do Código de Processo Civil. *** III. DECISÃO: Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se integralmente a sentença recorrida. Condena-se o embargante/apelante nas custas do recurso. Notifique. Évora, 30 de Janeiro de 2025 Filipe Aveiro Marques Manuel Bargado Fernando Marques da Silva
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1. Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição, Almedina, pág. 200 e ss..↩︎ 2. Acessível em https://www.dgsi.pt/JSTJ.NSF/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/526a06e36e808e84802587e3003cb7ce.↩︎ 3. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1007b672c0f9ed2980258ad6005cfad7.↩︎ 4. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/009a5f03f424577380258bc5005038be.↩︎ 5. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/2ea5a93c8f438bc280258aed0032e189.↩︎ 6. Acessível em http://www.gde.mj.pt/jSTJ.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c745a1e0a3c85fd58025882b008203cf.↩︎ 7. Temas Judiciários, I Volume, Almedina, pág. 304.↩︎ 8. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d6c397c787d2cf7f80257df0004d791a.↩︎ |