Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ELISABETE VALENTE | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DIREITO DE REGRESSO PRAZO DE PRESCRIÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 04/23/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Se só com a decisão do processo-crime foi identificado o condutor do veículo seguro no momento do acidente, só a partir desse momento é possível exercer o direito de regresso e só nesse altura se inicia o prazo de prescrição do artigo 498º, n.º1 do Código Civil. (Sumário elaborado pela relatora) | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório. Nestes acção declarativa comum que GENERALI SEGUROS, S.A, portadora do NIF com o n.º 500940231, com sede na Av. Da Liberdade, n.º 242, Lisboa, veio propor contra AA, nascido a ../../1993, portador do NIF ...48, residente na Rua ..., ..., ..., ... pedindo, com base no direito de regresso sobre o Réu, o pagamento de todas as quantias liquidadas no âmbito do acidente no valor de 10.659,32€ acrescidos de juros de mora vencidos, desde a citação até integral pagamento, veio o R. deduzir excepção de prescrição e a A. respondeu concluindo em sentido contrário. Em 29/06/2023, foi proferido despacho saneador, nos termos previstos no artigo 595.º do CPC, que conheceu da excepção de prescrição, julgando-a improcedente, com o seguinte teor: «O réu, em sede de contestação, excepcionou a verificação da prescrição relativamente ao montante peticionado, atento o prazo estabelecido no artigo 498º, nº 1 do Código Civil. Para o efeito alega que a autora refere ter liquidado os montantes que deram origem ao seu pedido entre ../../2018 e ../../2019, tendo sido citado para a acção no dia 7 de Março de 2023, ou seja, decorridos mais de 3 anos desde a liquidação das quantias. A autora respondeu alegando que, o prazo de prescrição só se iniciou quando teve conhecimento de quem era o condutor do veículo causador do acidente, o que apenas ocorreu no dia 16 de Dezembro de 2021, com a prolação do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, devendo a alegada excepção ser julgada improcedente. Cumpre apreciar e decidir. É dado assente que, por vezes, o decurso do tempo tem influência no campo do direito. Efectivamente se, com o decurso do tempo, o titular do direito nada fizer para fazer valer a sua pretensão, a lei, através do instituto jurídico da prescrição, no intuito de garantir a segurança jurídica e sancionar a inércia daquele que é titular do direito, faz presumir uma renúncia ou considera o titular indigno da tutela do direito - neste sentido Vaz Serra, RLJ, ano 105, pág. 27. Assim, para se aferir se se encontra prescrito o direito a qualquer indemnização, cumpre, desde logo, determinar qual o prazo prescricional aplicável. “A prescrição – de que o Código Civil não dá uma noção – assenta num facto jurídico involuntário: o decurso do tempo. A ideia comum que lhe preside é a de uma situação de facto que se traduz na falta de exercício dum poder, numa inércia de alguém que, podendo ou porventura devendo actuar para a realização do direito, se abstém de o fazer. Logo, prescrição não tem, portanto, uma eficácia extintiva, antes se limita a paralisar o direito do credor, dado que apenas confere o direito potestativo de a invocar: se este direito não for exercido, a obrigação mantém-se civil, não se produzindo quaisquer efeitos; se a prescrição for invocada, a obrigação converter-se-á em obrigação natural – como tal inexigível, mas com solutio retendi.” O prazo comum de prescrição do direito de indemnização por responsabilidade extracontratual, tal como o direito de regresso (artigo 498º n.º 2 Código Civil) entre os responsáveis é o de três anos - nº 1 - contado, para o exercício deste direito de regresso, desde o cumprimento por quem exerce tal direito. Em consonância com o regime estabelecido pelo nº 1 do artigo 306º do Código Civil, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido. O direito de regresso, paradigma nas obrigações solidárias, é um direito novo, que nasce ou se constitui na esfera do solvens, em consequência do cumprimento de uma obrigação: é um novo direito de crédito a que corresponde também um novo dever de prestar. Constitui um direito novo, completamente dissociado quer do facto gerador da responsabilidade civil: o facto do pagamento da indemnização ao lesado opera a extinção da obrigação primária de indemnização, extinção que, do mesmo passo, faz constituir, na esfera jurídica do segurador um direito novo que releva e se baseia no regime específico do contrato de seguro obrigatório – tendo, portanto, uma base contratual – e não tanto na ilicitude extracontratual em que se fundamenta o direito de indemnização cuja satisfação está na base do regresso. Porém, alega a autora que apenas teve conhecimento da identificação do condutor do veículo causador do acidente com a prolação do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, em 16 de Dezembro de 2021, pelo que o prazo de prescrição apenas começou a correr nessa data. Vejamos. O artigo 498º, nº 1 do Código Civil prescreve que “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.”. Como refere António Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, V, 2ª edição revista e actualizada, Almedina, 2015, pág. 202), o início do prazo é inquestionavelmente “factor estruturante do próprio instituto da prescrição, dele dependendo, depois, todo o desenvolvimento subsequente, existindo, a tal propósito, no Direito comparado dois grandes sistemas: o objectivo e o subjectivo”. O artigo 306º, nº 1, do Código Civil, adoptou o sistema objectivo (o. Cit. Págs. 202 e 203), que dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição “quando o direito puder ser exercido”, sendo que a injustiça a que tal sistema possa dar lugar é temperada pelas regras atinentes à suspensão e interrupção da prescrição (artigos 318º a 327º, do Código Civil). Esta expressão “quando o direito puder ser exercido” deve ser interpretada no sentido de o prazo de prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objectivas) de o titular o poder actuar, isto é, ocorre a partir do momento em que o credor tem a possibilidade de exigir do devedor que realize a prestação devida e, uma vez iniciado o prazo de prescrição de qualquer direito, a respectiva contagem prossegue a menos que ocorra qualquer suspensão ou interrupção (artigos 318º e segs. do Código Civil). Conforme referem P. Lima e A. Varela (Código Civil Anotado, em anotação ao artigo 498º) “se o lesado só tiver conhecimento da identidade do responsável depois de verificada a lesão, o prazo de três anos para propor a acção não se conta desse momento, mas a partir do momento que em o lesado teve conhecimento do seu direito”. Também refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 17/12/2015, no Processo 525/13.8TBVRS.E1, disponível em www.dgsi.pt, “Para efeitos de início da contagem do prazo de prescrição de 3 anos, a que alude o nº 1 do art.º 498º do C. Civil, o que releva não é o conhecimento do direito em termos jurídicos mas sim o conhecimento dos factos constitutivos do direito. Assim, emergindo o direito do lesado de acidente de viação, e conhecendo aquele, na data do acidente as circunstâncias do acidente, relativas à identidade do responsável e à existência do dano, é em princípio nessa data que se inicia a contagem do prazo prescricional.”. Conforme resulta dos documentos juntos aos autos, designadamente da certidão do Processo Comum Singular nº 358/18...., a questão da identidade do condutor causador do acidente esteve controvertida até à decisão proferida pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora em 16 de Dezembro de 2021, que identificou o réu como sendo o condutor do veículo. Verifica-se assim que, apenas nesta data a autora teve conhecimento sobre quem poderia exercer o seu direito de regresso, pelo que é a partir desta data que se inicia a contagem do direito de prescrição. Assim, e tendo o réu sido citado para os termos da presente acção no dia 7 de Março de 2023, sendo que a acção deu entrada em juízo em 23 de Fevereiro de 2023, verifica-se que, nos 5 dias seguintes a esta data ainda não havia decorrido o prazo de prescrição do direito que a autora pretende fazer valer. De facto, o artigo 323º, nº 1 do Código Civil consagra um dos casos em que o prazo de prescrição se interrompe, ou seja, a citação. Por outro lado, o nº 2 do mesmo artigo refere que “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”. Pelo exposto, declara-se improcedente a excepção peremptória de prescrição, e nesses termos, deve o processo prosseguir os seus termos.” Inconformado com tal decisão, veio o Réu interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): «1º Tendo a A., supostamente, liquidado, conforme alegado no art.º 24.º, da sua P.I., “10.140,47€ pela perda total do veículo ..., em 26 de Outubro de 2018, conforme doc. ... (…).”, “107,91€ de assistência hospitalar do condutor do veículo ..., em ../../2019, conforme doc. ... (…).”; “212,32€ de assistência hospitalar de ocupante do .., BB, conforme doc. ... a ...1 (…).”, a 24/05/2019 e a 04/07/2019, “101,71€ de assistência hospitalar de ocupante do .., CC, em 9 de Maio de 2019, conforme doc. ...2 (…).”; e “99,91€ de assistência hospitalar de ocupante do veículo ..., DD, em 9 de Maio de 2019, conforme doc. ...3 (…).”, e tendo o R. sido citado para a presente acção, somente, no dia 07/03/2023 (não tendo, a A., invocado, de resto, na sua Resposta, qualquer facto passível de suspender ou de interromper a prescrição arguida/invocada e prevista no art.º 498.º, n.º 2, do C.C., nem, tampouco, invocado, nessa, mesma, Resposta, como podia e devia, que o suposto desconhecimento da concreta pessoa que conduzia o veículo automóvel segurado lhe não é imputável), in casu verifica-se, salvo melhor entendimento, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 498.º, n.º 2, do C.C., por referência à, suposta, liquidação de todas essas quantias, a prescrição de qualquer putativo direito de regresso da A., previsto, de resto, quer no art.º 27.º, n.º 1, al. d), do D.L. n.º 291/2007, de 21/08, quer, ainda, na Cláusula 31.ª, al. d), da Condições Gerais, do Contrato de Seguro celebrado. 2.º Ao decidir, no Despacho Saneador, por ele, proferido, a 29/06/2023, nos termos e com os fundamentos, aí, constantes, pela improcedência da excepção peremptória de prescrição invocada/arguida, oportunamente, pelo R., na sua Contestação, e prevista no art.º 498.º, n.º 2, do C.C., o Tribunal a quo violou, com tal, concreta, Decisão, o disposto nesse, mesmo, normativo legal, sendo que, acaso tivesse interpretado/aplicado, devida e curialmente, como podia e devia, tal normativo legal, certamente que teria chegado a conclusão diversa daquela a que chegou, como seja a de que, in casu, se verifica, para os devidos efeitos e consequências legais, a excepção peremptória de prescrição invocada/arguida, oportunamente, pelo R., e prevista no art.º 498.º, n.º 2, do C.C.. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE O PRESENTE “RECURSO” SER CONSIDERADO PROCEDENTE, DEVENDO O DESPACHO SANEADOR EM CRISE SER, JUSTA E DEVIDAMENTE, ANULADO/REVOGADO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE, PARA OS DEVIDOS EFEITOS E CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, JULGUE VERIFICADA E, POR CONSEGUINTE, TOTALMENTE, PROCEDENTE, A EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA DE PRESCRIÇÃO QUE, PREVISTA NO ART.º 498.º, N.º 2 DO C.C., FOI, PELO R., OPORTUNAMENTE INVOCADA/ARGUIDA, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!!! Não há contra-alegações. Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. Os factos com relevância para a decisão do recurso são os que constam deste relatório. 2 – Objecto do recurso. Questão a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC: Saber se o direito exercido na acção pela A está ou não prescrito. 3 - Análise do recurso. Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou improcedente a excepção da prescrição, considerando que, a autora apenas teve conhecimento da identificação do condutor do veículo causador do acidente com a prolação do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, em 16 de Dezembro de 2021, já que a questão da identidade do condutor causador do acidente esteve controvertida até essa decisão e que só com a mesma foi o Réu identificado como condutor do veículo. Considera a decisão recorrida que, apenas nesta data a autora teve conhecimento sobre quem poderia exercer o seu direito de regresso, pelo que, é a partir desta data que se inicia a contagem do direito de prescrição pelo que o prazo de prescrição apenas começou a correr nessa data. O recorrente discorda desta decisão, argumentando que, o prazo de prescrição do direito invocado pela autora começou a correr a partir da data do pagamento efetuado a cada um dos sinistrados, ou seja, encontra-se prescrito por referência à data da suposta, liquidação de todas essas quantias e o facto do art.º 498.º, n.º 2, do C.C. ser “(…) perentório ao determinar que o prazo de prescrição se inicia a contar do cumprimento da obrigação, sem qualquer referência ao conhecimento do seu responsável. – vide Ac. do S.T.J., de 26/11/2020, Proc.º n.º 1946/16.0T8CSC-A.L1.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt... Refere ainda que, a não ser assim, estaria a conceder-se à A., enquanto putativa titular do direito de regresso, ao arrepio da ratio legis presente no art.º 498.º, n.º 2, do C.C., um prazo indefinidamente alargado (dependente do desfecho do processo crime) – neste sentido, vide, ainda, Ac. do S.T.J., de 26/11/2020, Proc.º n.º 1946/16.0T8CSC-A.L1.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt; E ainda que, a A., tampouco, invoca, na sua Resposta, como podia e devia, que o suposto desconhecimento da concreta pessoa que conduzia o veículo automóvel segurado lhe não é imputável, ou seja, que não lhe era possível, mesmo a ter agido com a diligência normal (a de que era capaz e que, a ela, enquanto Seguradora, sempre seria exigível), proceder à sua própria averiguação do sinistro e, por essa via, conhecer essa, mesma, concreta pessoa para além de que, a A., tampouco, invoca, na sua Resposta, qualquer facto passível de suspender ou de interromper a prescrição arguida/invocada e prevista no art.º 498.º, n.º 2, do C.C.; Cremos que o recorrente não têm razão. Vejamos: Nos termos do artigo 498º, n.º1 do Código Civil: “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.” (sublinhado nosso). E do nº 2: “Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.”; E nos termos do art. Artigo 321.º - «(Suspensão por motivo de força maior ou dolo do obrigado) 1. A prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo. 2. Se o titular não tiver exercido o seu direito em consequência de dolo do obrigado, é aplicável o disposto no número anterior.» A prescrição baseia-se na "negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei, negligência que faz presumir ter ele querido renunciado ao direito, ou pelo menos o torna (o titular), indigno de protecção jurídica (dormientibus non sucurrit ius)." (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 7.ª reimpressão, Almedina, 1987, página 445) . Daí a relevância do seu conhecimento. Ora, concordamos inteiramente com a decisão ao concluir que, antes da decisão do processo-crime sob o n.º358/18.... que culminou com Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 16/12/2021, não existia o “conhecimento” que permitia exercer o direito, o aqui Réu negou sempre ser o condutor do veículo seguro no momento do acidente (tudo isso resulta de documentos juntos aos autos e nem sequer é posto em causa pelo recorrente). Ou seja, no presente caso só com a condenação do aqui Réu no processo penal a Autora teve conhecimento pleno e seguro da pessoa que conduzia o veículo seguro e contra quem podia e devia interpor a presente acção de reembolso. Antes disso, não se sabia quem era o condutor, pelo que se afigura indispensável esperar pela sua identificação. À primeira vista a “dureza” do critério literal do artigo que consagra o decurso do prazo “embora com desconhecimento da pessoa responsável” parece conduzir à conclusão de que de o prazo de prescrição se inicia sem que o direito possa ser exercido. Tal interpretação parece-nos inaceitável. Por isso, como refere Rodrigo Bastos Notas ao Código Civil vol II Lisboa 1988, p. 299: «a doutrina defende neste caso, a aplicação do disposto no art. 321º do CC – neste sentido A. Varela das Obrigações em Geral p. 437.» Também neste sentido, entre outros, veja-se por exemplo o Ac. RP de 8.01.2002, Processo: 0121824, Relator: Afonso Correia, onde se pode ler o seguinte: «Se no momento em que finda o prazo ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem culpa do lesado nessa falta de conhecimento, nada impedirá a aplicabilidade ao caso do disposto no art. 321º: a prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo. [P. Lima - A. Varela, CC Anotado, I, 504 e Obrigações, I, 9ª ed., 650-651.].» É também no mesmo sentido que conclui Paulo Manuel Leal Lacão «A Prescrição da Obrigação de Indemnizar: Notas sobre o artigo 498º, n.º 1, do Código Civil», Junho, 2017 :«O art. 498º desempenha duas funções no regime prescricional: determina o facto constitutivo da prescrição e delimita o objeto prescribente. A distinção entre ambas as funções viabiliza uma análise estática e uma análise dinâmica do objeto da prescrição. A expressão «conhecimento do direito» significa o conhecimento, efetivo ou exigível, dos factos constitutivos do direito indemnizatório. O padrão de diligência exigível ao lesado quanto ao conhecimento do seu direito molda-se em função do conhecimento parcial efetivo e da consagração de deveres de informação a cargo de terceiros. O «desconhecimento da pessoa do responsável» vale como impedimento de força maior para efeitos de suspensão da consumação da prescrição nos últimos três meses do prazo.» Como se pode ler na obra citada, p. 44: «Nos termos do art. 321º, “a prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior (n.º 1) – ou em consequência de dolo do obrigado (n.º 2) – nos últimos três meses do prazo”. Importa, assim, aprofundar a questão e inquirir se a consumação da prescrição nos últimos três meses é impedida, nos termos do art. 321º, a título de força maior (n.º 1), ou a título de dolo do obrigado (n.º 2). A questão não é de somenos importância, pois em causa está o fundamento da suspensão e, consequentemente, a defesa que contra ela o responsável eventualmente possa opor. Atendendo ao desconhecimento da pessoa do responsável, os âmbitos dos dois preceitos podem delimitar-se reciprocamente em função do seu objeto de valoração. O conceito de «força maior», nos termos do n.º 1, permite valorar a conduta do lesado. Sendo que “não há que considerar como força maior somente o obstáculo absoluta e objectivamente invencível, mas aquele que era invencível, para o titular, com a diligência dele exigível segundo as circunstâncias.”- Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, pp. 208-209. No mesmo sentido, Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, pp. 217-218. O conceito de «dolo do obrigado», nos termos do n.º 2, permite valorar a conduta do responsável. Sendo que o dolo relevante para os efeitos do art. 321º, n.º 2, é o que se reporta à causa do impedimento ao exercício do direito, não se confundindo com o dolo relevante para efeitos do art. 483º, n.º 1, que se reporta à causa do próprio direito. A aceitar-se que o fundamento da cláusula legal que concerne ao «desconhecimento da pessoa do responsável» visa obstar a que a incúria do lesado na identificação do responsável dilate a duração efetiva da prescrição ( Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, p. 503.) então há-de concluir-se que é, também, em função da conduta deste que se há-de determinar a suspensão da respetiva consumação. O «desconhecimento da pessoa do responsável» vale, assim, como «motivo de força maior», na aceção do art. 321º, n.º 1. O impedimento, todavia, só perdura e, portanto, a suspensão apenas se mantém, enquanto ao lesado não for exigível um grau de diligência diverso da por ele empregue, não tendo de perdurar necessariamente até que aquele conhecimento seja obtido. Ainda que haja incúria do lesado, tal não impede a prescrição de suspenderse, nos termos do art. 321º, n.º 2, caso se verifique a existência de dolo do obrigado.» De resto, o Acórdão do STJ a que o recorrente faz referência não tem aplicação na questão que se discute, pois não está em causa o desconhecimento da identificação do responsável, como nos autos. E nem se diga, -como faz o recorrente -que a A. teria que ter invocado na sua resposta que «o suposto desconhecimento da concreta pessoa que conduzia o veículo automóvel segurado lhe não é imputável, ou seja, que não lhe era possível, mesmo a ter agido com a diligência normal (a de que era capaz e que, a ela, enquanto Seguradora, sempre seria exigível), proceder à sua própria averiguação do sinistro e, por essa via, conhecer essa, mesma, concreta pessoa» já que tais factos são do conhecimento oficioso do tribunal, por via do exercício de funções . Tanto basta para confirmar a decisão e julgar improcedente o recurso. 4 – Dispositivo. Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pelo recorrente - cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC. Évora, 23.04.24 Elisabete valente José António Moita Declaração de voto: «Com todo respeito pela posição que obteve vencimento, revogaria a decisão recorrida pelas razões que sucintamente enuncio: 1) Pretendendo a aqui Autora exercer o seu direito de regresso contra o aqui Réu ao abrigo do disposto na alínea d) do nº1 do art.27º do D.L. nº 291/2007 de 21.8., o prazo de prescrição para o exercício do mesmo direito é de três anos e conta-se a partir do cumprimento da obrigação, nos termos do no n.º 2, do art.º 498.º, do Cód. Civil; 2) O último pagamento ocorreu em 24.5.2019, pelo que o seu direito já estava prescrito quando a Autora interpôs a acção de regresso em 23.2.2023; 3) A Autora alega na petição inicial que: “Após o sinistro o ora Réu saiu do interior do veículo e ausentou-se do local, colocando-se em fuga apeada, deixando no interior do mesmo a sua carteira com os seus documentos pessoais”; 4) Por conseguinte, a identidade do Réu era conhecida; 5) A circunstância de o Réu negar ser o condutor do veículo não constitui, a meu ver, justificação legítima para a não propositura atempada da acção e pelo seu retardamento até ao trânsito em julgado de sentença proferida no processo criminal que o condenou pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p.p. pelo art. 291º, nº1 b) do Cód. Penal e de quatro crimes à integridade física por negligência, p.p. pelo art.º 148, nº1 e 15º a) do Cód. Penal. 6) Como se refere no acórdão do STJ de 26.11.2020 proferido no processo 1946/16.0T8CSC-A.L1.L1.S1 (que trata de situação análoga): “ a não ser assim, estaria a conceder-se ao titular do direito de regresso (…) um prazo indefinidamente alargado (dependente do desfecho do processo relativo ao acidente de trabalho), solução com que não se pode concordar, por ir ao arrepio da ratio legis presente naquele normativo.”( o nº2 do art.º 498º do Cód Civil).» Maria João Sousa e Faro |