| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | FILIPE AVEIRO MARQUES | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO REQUISITOS ÓNUS DO RECORRENTE | ||
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| Data do Acordão: | 10/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | SOCIAL | ||
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| Sumário: | Sumário: 1. O artigo 640.º do Código de Processo Civil veda a impugnação genérica da matéria de facto ao impor, na sequência dos princípios da cooperação, lealdade e boa-fé processuais, que o recurso da matéria de facto incida sobre pontos determinados da matéria de facto e que sejam claramente apontados nas conclusões de recurso. 2. Quando o recorrente mais não faz que impugnar genericamente a decisão de facto não cuidando, sequer, de isentar de crítica os factos provados da sentença que transcrevem integralmente a alegação a que levou a cabo na sua petição inicial não cumpre o ónus de impugnação da matéria de facto. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 1763/20.2T8STR.E1 (Secção Social) Relator: Filipe Aveiro Marques 1.ª Adjunta: Paula do Paço 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa * *** * Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO: AA, autor na acção de processo comum que instaurou contra “TALDIS S.A.”, veio recorrer da sentença proferida em 15/10/2024 pelo Juízo do Trabalho de Santarém - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém. Após a realização do julgamento, foi proferida a sentença objecto do presente recurso e que terminou com a seguinte decisão: “Atento o exposto, na procedência apenas parcial da presente ação, indo no mais absolvida, condena-se a Ré TALDIS S.A. no pagamento ao Autor AA dos seguintes valores: ⎯ A quantia de quantia de 44,34€ (quarenta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos) referente ao subsídio de férias do ano de 2018; ⎯ A quantia de 17,40€ (dezassete euros e quarenta cêntimos), referente a formação profissional não ministrada; ⎯ Acrescendo juros à taxa legal desde o vencimento até integral pagamento. Mais se julga totalmente improcedente o Pedido Reconvencional deduzido pela Ré, dele absolvendo o Autor. Custas da Ação da Reconvenção, nos termos aludidos (sem prejuízo da isenção de que o Autor beneficia - art. 4.º n.º 1 al. h) do RCP).” I.B. O autor recorreu e produziu as suas alegações. Após convite de aperfeiçoamento, apresentou as seguintes conclusões: “1) o presente recurso visa revogar a sentença como um todo, começando por impugnar toda a matéria de facto decidida, seja nos factos dados como provados e não provados, atento ser entendimento firme do A. que até os factos dados como provados e aparamente favoráveis ao A. não foram dados provados nos precisos termos e com o sentido alegado e provado pelo mesmo; 2) Cumpria, então, dar-se como provados os factos vertidos do artigo 1.º ao artigo 137.º da Petição Inicial e devia o pedido global vertido no artigo 138.º ser dado como totalmente procedente com os legais efeitos, devendo, por sua vez, ser dados como não provados todos os factos alegados em sede de reconvenção pela ré, dados como não provados, sendo, inclusive, decretado que os mesmos foram alegados de má-fé. 3) Ora, dão-se aqui por reproduzidos o vertido nos artigos 1.º a 137.º da pi, sendo esses os factos a que cumpria dar como provados e todos os demais não provados e sendo estes factos em concreto que o peticiona sejam reapreciados em sede recursiva, porquanto, todo o quadro legal, constitucional e de direito comunitário, aplicável à presente “pedaço de vida laboral” (incluindo em sede de Direitos Fundamentais Europeus), bem como o respeito pelas presunções legais e ónus da prova aplicáveis e toda a prova produzida, impunham decisão diferente em primeira instância. 4) Foram mal julgados, sendo os mesmo diretamente impugnados por este recurso, todos os factos que o tribunal julgou, quer os provados, de 1 a 57 (dando-se aqui por reproduzida a sentença nessa parte para todos os legais efeitos), quer os não provados de a) a p) - dando-se aqui por reproduzida a sentença nessa parte para todos os legais efeitos. 5) Tudo começou mal por o Tribunal optar por fazer uma análise de lógica de mecânica quântica ab initio e não fazer o devido enquadramento inicial global nos termos da física clássica; 6) Para surpresa nossa, o Tribunal a quo optou por julgar a causa sem fazer um enquadramento prévio do campo fático e de direito a apreciar. 7) Qual o pedaço de vida laboral estava a ser colocado à apreciação do tribunal? no fundo, era isto que se pedia, no nosso modesto entendimento, responder previamente: a metodologia utilizada, de avançar logo para um fatiar da causa de pedir, sem análise do prévio global, feriu de morte, no nosso modesto entendimento, o mérito da decisão. 8) Houve ostensivo erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, porquanto o tribunal deu credibilidade e deu como bons depoimentos que eram totalmente falsos: O normal acontecer impunha que o tribunal se apercebesse da sua falsidade. 9) Pior: Foi omitido de forma deliberado e criminosa ao tribunal pelas ditas testemunhas que as relações laborais-comerciais com a Ré não tinham cessado: em bom rigor mentiram, pois, disseram que já não trabalhavam lá, dando a entender que nada tinham que ver com a Ré, que sabiam ser falso. 10) - DE facto, continuaram a prestar serviços, de forma permanente (BB: continua a trabalhar para a Ré, no presente, mas, o que não é surpresa, transformando-se recibos em faturas de prestações de serviços, ocorrendo a Terceirização ou externalização ou o outsourcing) ou esporádica (...) - – o que permite, MAIS UMA VEZ, DE FORMA ARTIFIAL, GERAR UMA VANTAGEM ILEGITIMA FACE À CONCORRÊNCIA; 11) - Mais grave ainda foi dado credibilidade à testemunha CC que falou, pasme-se, do que não sabia nem tinha conhecimento direto: i) falou de uma base da Ré na Bélgica que ela nunca viu (é administrativa em Portugal), nem podia ter ouvido falar: ela não existe. Basta ver emails onde se refere que a citada base é da FOCKEDEY TRANSPORTS. Mais: fala de voos cancelados quando não havia cancelamento e diz que tinha voos programados que afinal nunca existiram. O atrevimento foi total quando foi dito que não compraram bilhetes quando já havia voos pois temiam que eles fossem cancelados e assim a empresa ficava com o dinheiro preso, á espera do reembolso (portanto: o dinheiro que era para gastar nas viagens a que estavam vinculadas por lei e pelo contrato, despesa fixa, não foi gasto pois não se queria correr o risco de ficar preso – portanto, dinheiro preso par despesa fixa, passou a ser dinheiro livre para lucro bruto e duro – não ocorreram as viagens, diminuíram os custos laborais, deixou de haver descansos e toda a gente a trabalhar sem regressar a Portugal e sem respeitar as regras do descanso, que visam evitar a sinistralidade rodoviária e a saúde e integridade física dos motoristas. 12) - Repare-se: esta testemunha falta á verdade de forma gritante quando diz que os camiões ficaram parados pois os clientes estavam fechados, quando é reconhecido e os documentos junto aos autos o demonstram que o A. e os Colegas continuaram a fazer entregas diárias (só esteve parado uma semana). 13) - Veja-se que esta testemunha disse e o Tribunal deu por reproduzo na sua sentença que houve uma redução da ajuda de custo no período em que se verificou uma redução dos serviços e com os trabalhadores parados. Como? Então, de forma unilateral, esquecendo os riscos da operação e os lucros milionários passados à custa de dumping social e laboral e à custa das práticas contra a livre concorrência, à primeira alegada adversidade para a margem comercial e financeira que se lixa é o mexilhão: as custas de vida do Trabalhador Deslocado ainda se agravou (inflação dos bens de consumo alimentar e outros, sendo o preço dos bens de consumo mais caros na Bélgica) e, como prémio, ainda lhes cortam o ordenado (via redução das ajudas de custo). 14) Ela própria confessa que nunca lá esteve na Bélgica e Depois, atreve-se a dizer que os trabalhadores já não lhes interessavam ter na Bélgica e que, “em matemática do surreal”, os motoristas trabalhavam 6 semanas fora e, depois, no exercício do direito ao descanso, regressavam por um período de duas semanas. 15) - Ora, como era possível a lógica anual e 6 semanas fora e duas em casa e também abranger os dias em casa as férias? Não faz qualquer sentido e a testemunha bem o sabe. 16) - Aliás, foi assaz inusitado a Ré tentar provar factos próprios da administração e de gestão da empresa com recurso à administrativa que se limita a marcar viagens para os motoristas. 17) - Ela não pode ter qualquer razão de ciência sobre as situações remuneratórias dos motoristas, bem como da situação financeira da empresa Ré e da sua sócia Belga, bem como das razões de gestão e de direito laboral relativa às decisões de tentar ofender o princípio sagrado da proteção da remuneração devida e contratualizada, bem como da decisão de avançar para lay-off (simples ou complexo) 18) - Mais: todos sabem que aqui a convenção coletiva não é aplicável, nos termos que interessa à ré: como se está a falar de um simulacro de transportes internacionais (não havendo transportes internacionais quando os camiões e os trabalhadores só trabalham ex exclusividade num determinado país – bélgica). 19) - Enquadramento geral que se impunha e não foi feito pelo Tribunal a quo: O motorista profissional ora A., num contexto de fraude à lei, “foi contratado pela Ré”, quando na verdade, como é facto público e notório na situação laboral em apreço, foi contratado (em lógica de pluralidade de entidades patronais) quer pela R. quer pela dita, em ofensa da verdade e em clara litigância de má-fé, cliente parceira (já agora: o que é ser parceira para o tribunal de primeira instância?). Sim, a FOCKEDEY, tal como a Ré, fizeram a entrevista de trabalho ao A., em Portugal, e decidiram, em conjunto contratá-lo, até lhe ofereceram € 400,00 por cada motorista profissional angariado para vir trabalhar para estas duas empresas, sendo que o A., após se deslocar para o estabelecimento empresarial da FOCKEDEY (é surreal, permita-se, como o Ilustre Tribunal a quo não perceba aquilo que resulta aos gritos de toda aprova produzida nos autos: A Ré não tem qualquer instalação ao estabelecimento permanente na Bélgica (isso nunca existiu, nem as testemunhas da Ré se atreveram a dizer conhecer tal estabelecimento - como podem conhecer o que não existe), onde o A. trabalhou ao serviço desta em exclusivo (sob autoridade das duas empresas em apreço), nas suas instalações, para os seus clientes e com as referências externas com dizeres FOCKEDEY TRANSPORTS ( A RÉ não existe na Bélgica in sentido próprio). 20) - Está-se perante uma situação clara e objetiva de fraude à lei, com violação grosseira das normas laborais, segurança social, fiscais, de concorrência e em violento aproveitamento de mão de obra qualificada barata, pois, no país da sede do atividade a prestar (Bélgica) os salários são o dobro e as garantias laborais mais exigentes (operou-se aqui uma associação criminosa para gerar um dumping social e laboral e visando a exploração de mão de obra estrangeira qualificada, isto, com ostensiva violação do quadro europeu e nacional da livre concorrência (gerou-se um inqualificável, reiterada e permanente, e dolosa atividade de concorrência desleal, que viveu à custa do “truque” de falsear o custo dos Recursos Humanos, para obter ganhos em sede de redução dos custos e assim ter vantagens na elasticidade e agressividade do preço apresentado aos seus potenciais clientes (ganha-se margem no mercado com batota clara – repare-se que este negócio do transporte rodoviário tem por maior fonte dos custos, precisamente, os Recursos Humanos). 21 - por ser notório, logo não carecer de alegação e prova, sendo do conhecimento oficioso, impunha-se constatar que se os motoristas internacionais são contratados por uma empresa portuguesa para trabalhar em exclusivo para uma empresa estrangeira, no país da sua sede (dumping laboral e concorrência desleal e más práticas fiscais e de segurança social e da violação da lei Macron) e são os gerentes desta que fazem as entrevistas de emprego em Portugal e são os seus clientes que são servidos e são as suas cisternas-camiões que são usados por estes motoristas e se as ordens para fazer as recolhas e as entregas partem desta mesma empresa, etc, o mais certo é tal contrato de trabalho ter sido celebrado em clara fraude à lei (portuguesa e internacional) garrafal. 22 - o Tribunal a quo devia ter dado como provado os seguintes factos: O vertido do artigo 1.º ao artigo 137 da petição inicial, sendo que, com todo o respeito (que é muito), ao não ser dado toda esta matéria factual como provada, o Tribunal a quo incorreu em erro na decisão da matéria de facto, no limite do grosseiro; 23 - Face ao exposto, sendo revogada na sua integra a sentença em apreço, o que ora se peticiona para todos os legais efeitos, e sendo substituída por acórdão que dê como provados todos os factos da PI, cumpre, nos termos de direito também devidamente alegados pelo A., e sendo reconhecido, o que se peticiona, que foram clamorosa e dolosamente violados direitos laborais ao Autor (sendo válida a rescisão com justa causa por iniciativa do Autor pelos factos imputados à Ré), e que o A. tem, assim, créditos laborais que a Ré tem de pagar, DECRETAR A CONDENAÇÃO DA Ré a pagar ao Autor: a) Numa indemnização pela rescisão contratual com justa causa no valor de € 4.962,30 (quatro mil novecentos e sessenta e dois euros e trinta cêntimos); b) No ressarcimento do valor da diária que foi unilateralmente reduzida no valor de € 1.145,00 (mil cento e quarenta e cinco euros). c) No pagamento do trabalho suplementar realizado e não pago no valor de € 4.345,06 (quatro mil rezentos e quarenta e cinco euros e seis cêntimos); d) No pagamento dos descansos compensatórios não gozados no valor de € 897,94 (oitocentos e noventa e sete euros e noventa e quatro cêntimos); e) No pagamento das férias não gozadas no valor € 1.606,84 (mil seiscentos e seis euros e oitenta e quatro cêntimos); f) No pagamento da integração na retribuição de férias e subsídio de férias, da remuneração variável no valor de € 1.385,19 (mil trezentos e oitenta e cinco euros e dezanove cêntimos); g) No pagamento das horas de formação profissional que não lhe foram ministradas no valor de € 727,99 (setecentos e vinte e sete euros e noventa e nove cêntimos); h) No pagamento das despesas de viagem de regresso a Portugal no valor de € 283,29 (Duzentos e oitenta e três euros e vinte e nove cêntimos); i) Numa indemnização por danos morais no valor de € 10.000,00 (Dez mil euros). 24 - Tudo isto acrescido de juros de mora, calculados à taxa de 4% desde a data do seu vencimento até ao integral pagamento. 25 - Nestes termos e nos melhores de direito que VV. Exas. mui doutamente suprirão, peticiona-se que o presente recurso seja declarado totalmente procedente, e, assim, seja revogada na integra a sentença de que ora se recorre, e consequentemente, seja decretado acórdão que condene a Ré nos termos supra referidos. Pede deferimento.” I.C. A embargante/apelada, tendo essa oportunidade, não apresentou resposta. I.C. O recurso foi devidamente recebido pelo tribunal a quo. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação emitiu parecer onde concluiu que: “é culpa da R. o trabalho ininterrupto do A, no tempo referido, sem dias de descanso quer no estrangeiro quer em Portugal. Em suma, porque entendemos que merece provimento o recurso - desde logo, nos termos referidos - já não nos pronunciamos sobre as restantes questões suscitadas no mesmo”. Cumpre decidir. *** II. FUNDAMENTAÇÃO: II.A As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma). Vistas as conclusões apresentadas, o recorrente baseia toda a sua pretensão recursiva na circunstância de o Tribunal ter errado em toda a matéria de facto, provada e não provada. Na verdade, entende o recorrente que deveriam ter sido transpostos para a matéria de factos provada todos os artigos da sua petição inicial (mesmo aqueles onde apenas se indica matéria de direito ou o pedido). Não se vislumbra, percorrendo as conclusões apresentadas, que o recorrente coloque em causa a fundamentação jurídica a que se chegou na sentença recorrida, mas apenas defende que a decisão deveria ter sido outra, caso a decisão sobre os factos fosse outra. Assim, no caso, apenas cumpre decidir se, em face do recurso apresentado, pode ser alterada a matéria de facto considerada pela decisão recorrida. * II.B. Fundamentação de facto: II.B.1 Impugnação da matéria de facto: O que ressalta da leitura das conclusões acima transcritas é que o recorrente não cumpriu minimamente os requisitos do artigo 640.º do Código de Processo Civil. Percorrendo as suas conclusões (e mesmo as suas alegações) não se vislumbra que tenha apontado quais os concretos pontos dos factos que considera incorrectamente julgados. Ora, quando impugna a matéria de facto, o recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição, conforme preceituado no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) a c), e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil. De tal preceito decorre que, na impugnação da matéria de facto, a lei exige o cumprimento pelo Recorrente dos seguintes requisitos cumulativos: 1. a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; 2. a indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados; 3. a indicação da decisão que, no seu entender, deve ser proferida quanto aos indicados pontos da matéria de facto; 4.	a indicação, com exatidão, das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, isto quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sem prejuízo da faculdade que a lei concede ao Recorrente de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Estes requisitos impostos para a admissibilidade da impugnação da decisão de facto têm em vista garantir uma adequada delimitação do objecto do recurso, não apenas para circunscrever o âmbito do poder de cognição do tribunal de recurso, mas também para que a outra parte tenha a possibilidade de exercer o contraditório com o âmbito previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 640.º, designadamente indicando os meios de prova que, a seu ver, infirmem as conclusões do recorrente. O que se visa é circunscrever a reapreciação do julgamento efetuado a pontos concretos da matéria controvertida, uma vez que os poderes da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto não visam a realização de um segundo julgamento de toda a matéria de facto, devendo consequentemente recusar-se a admissibilidade de recursos genéricos contra uma invocada errada decisão da matéria de facto. Quando falte a especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, deve ser rejeitado o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, o mesmo sucedendo quanto aos restantes dois requisitos, nomeadamente a falta de indicação da decisão pretendida sobre esses mesmos factos (ver Abrantes Geraldes1). Como se sumariou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2022 (processo n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S12): “I. Os ónus primários previstos nas alíneas a), b) e c) do art.º 640.º do CPC são indispensáveis à reapreciação pela Relação da impugnação da decisão da matéria de facto. II. O incumprimento de qualquer um desses ónus implica a imediata rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões.” Não está prevista a possibilidade de convidar o recorrente a aperfeiçoar as alegações de recurso quanto ao incumprimento dos ónus impostos a quem impugne a decisão relativa à matéria de facto. No caso vertente, o recorrente mais não fez que impugnar genericamente a decisão de facto não cuidando, sequer, de isentar de crítica os factos provados da sentença que transcrevem integralmente a alegação a que levou a cabo na sua petição inicial (ver, desde logo, além de outros, o artigo 2.º da PI[3] e o ponto 2[4] dos factos provados da sentença). Tal forma de proceder não encontra acolhimento na lei, já que o artigo 640.º do Código de Processo Civil veda a impugnação genérica da matéria de facto (para que o recurso não se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[5]) ao impor, na sequência dos princípios da cooperação, lealdade e boa-fé processuais, que o recurso da matéria de facto incida sobre pontos determinados da matéria de facto e que sejam claramente apontados nas conclusões de recurso. Não será, consequentemente, de reapreciar no presente caso a decisão proferida sobre a matéria de facto, impondo-se a imediata rejeição do recurso nessa parte. Pelo exposto, rejeita-se o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto, mantendo-se a decisão de facto expressa na decisão recorrida. * II.B.2. Factos provados: Considera-se, por isso e tal como consta da sentença recorrida, a seguinte matéria de facto provada: (…) II.B.3. Factos não provados: Do elenco dos factos não provados continuará a constar, tal como na sentença recorrida: (…) * II.C. Fundamentação jurídica: O recurso do apelante, vistas as suas conclusões, versa apenas sobre o invocado erro da decisão do Tribunal da Primeira Instância relativa à matéria de facto (embora sem cumprir o ónus de impugnação que lhe cabia). Não diz o recorrente que, perante os factos que resultaram provados, essa decisão tenha errado na determinação das normas aplicáveis ao caso ou que tenha interpretado erradamente as normas aplicáveis ao caso. De resto, no despacho para aperfeiçoamento das suas conclusões, foi o recorrente expressamente convidado a indicar quais as normas jurídicas que, no seu entendimento, tinham violadas e indicar o sentido que deve ser atribuído às normas cuja aplicação e interpretação determinou o resultado que pretende impugnar, mas este optou por nada dizer a esse respeito. Por isso, sem que a matéria de facto tenha sido validamente impugnada, está vedado ao Tribunal de recurso apreciar se os factos provados deveriam levar a outra decisão (já que nenhuma conclusão foi formulada nesse sentido). Sem o sucesso da impugnação da matéria de facto, fica prejudicado o conhecimento ou a pretendida alteração da decisão de mérito recorrida com base nessa argumentação (cf. artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.ºs 2 e 6, ambos do Código de Processo Civil). Só pode, por isso, manter-se a decisão recorrida. As custas do presente recurso deverão ficar a cargo do autor/apelante, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil, por ter ficado totalmente vencido. * III. DECISÃO: Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se a sentença recorrida. Condena-se o autor/apelante nas custas do recurso. Notifique. Évora, 2 de Outubro de 2025 Filipe Aveiro Marques Paula do Paço Emília Ramos Costa 
 _____________________________________________ 1. Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição, Almedina, pág. 200 e ss..↩︎ 2. Acessível em https://www.dgsi.pt/JSTJ.NSF/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/526a06e36e808e84802587e3003cb7ce.↩︎ 3. Que é do seguinte teor: “O Autor é motorista de pesado de mercadorias, e é sindicalizado no SNMMP - Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas, conforme declaração que se junta.”↩︎ 4. Que tem a seguinte redacção: “O Autor AA é motorista de veículos pesados de mercadorias e sindicalizado no SNMMP- Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas”.↩︎ 5. Nas palavras de António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª Ed., pág. 202.↩︎ |