Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | RUI MACHADO E MOURA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO PRIORIDADE DE PASSAGEM | ||
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Data do Acordão: | 04/27/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | A regra de prioridade de passagem dos veículos que se apresentam pela direita (cfr. art. 30º, nº 1, do C.E.) está subordinada aos princípios gerais da segurança do trânsito, não dispensando o condutor da observância das regras de prudência que constituem os normais deveres de diligência na condução estradal. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | P.149/16.8T8BJA.E1 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: (…) intentou a presente acção declarativa comum contra Companhia de Seguros (…), S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 10.805,78, acrescida dos respectivos juros de mora (vencidos desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento), por danos causados em consequência de acidente de viação, o qual ocorreu face à conduta negligente e culposa do segurado da R., sendo: - € 6.055,78 pelo valor estimado para a reparação do veículo; - € 1.500,00 pela privação de uso do veículo do A., dificuldade em arranjar emprego e demais transtornos; - € 3.250,00 pelo valor do veículo que teve de adquirir para poder trabalhar. Devidamente citada par o efeito veio a R. apresentar a sua contestação, por impugnação motivada, concluindo pela improcedência pelo menos parcial do pedido e pela absolvição da maior parte do pedido. Realizou-se audiência prévia, tendo sido fixados o valor da causa, o objecto do litígio e os temas de prova. Foi ainda o A. convidado a aperfeiçoar a sua petição inicial, no que respeita ao valor peticionado relativamente à reparação do veículo, no sentido de concretizar se esse montante diz respeito à efectiva reparação do mesmo, atendendo a que esta não se encontrava alegada ou a indicar qual a causa de pedir deste montante, sendo que o A. acedeu a tal convite. Mais peticionou a redução do pedido aos valores de: - € 1.500,00 pela privação do veículo, dificuldade em arranjar emprego e demais transtornos; - € 3.250,00 pelo valor do veículo que teve de adquirir para poder trabalhar. A redução do pedido foi admitida pelo Tribunal. Posteriormente foi realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção e, em consequência, condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 4.000,00, absolvendo-se a R. do demais peticionado. Inconformada com tal decisão dela apelou a R. tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminado as mesmas com as seguintes conclusões: 1 – Dos factos provados decorre a natureza pública do caminho de onde provinha o veículo TN. 2 – Não existindo sinalização no local e apresentando-se o mesmo pela direita, cabia-lhe prioridade de passagem, face ao disposto no art.º 30.º do Código da Estrada. 3 – Estando o autor obrigado a ceder a passagem ao primeiro. 4 – Não o tendo feito, e tendo saído da metade direita da faixa de rodagem, é o mesmo o único responsável pela produção do acidente. 5 – A douta sentença recorrida violou, além do mais, os arts. 13.º e 30.º do Código da Estrada, pelo que deverá ser revogada, sendo a acção julgada improcedente e a ré absolvida do pedido. 6 – Subsidiariamente e caso assim não se entenda, a responsabilidade pelo acidente deverá ser repartida em partes iguais por ambos os condutores, por não ter sido possível apurar a responsabilidade dos intervenientes, nos termos do art.º 506.º do Código Civil. 7 – Repartição essa que deverá verificar-se também se se entender que existe prova de que ambos os condutores contribuíram para a produção do acidente por violação das regras de direito estradal. Pelo A. foram apresentadas contra-alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da sentença recorrida. Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos. Cumpre apreciar e decidir: Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2]. Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela R., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das questões de saber, por um lado, se o acidente de viação em causa nestes autos se deveu a culpa exclusiva do A. e não do condutor segurado na R. e, por outro, se assim não se entender, se a responsabilidade do acidente deverá ser repartida em partes iguais por ambos os condutores. Antes de apreciar as questões enunciadas importa ter presente qual a factualidade apurada na 1ª instância que, de imediato, passamos a transcrever: 1. No dia 04 de Outubro de 2015, pelas 20 horas e 20 minutos, na Estrada Municipal 511, que faz a ligação entre as localidades de Cabeça Gorda e Beja, no “cruzamento do Monte da Raposinha e Carrascal”, freguesia de Cabeça Gorda, concelho e distrito de Beja, ocorreu uma colisão entre os seguintes veículos: ligeiro de passageiros com a matrícula BG, conduzido pelo seu proprietário (…) e o ligeiro de mercadorias com a matrícula TN, conduzido pelo seu proprietário (…). 2. A Estrada Municipal n.º 511 cruza-se com um caminho vicinal público que permite o acesso às localidades de Padrão e Cabeça Gorda e a várias propriedades agrícolas e que faz ligação entre a Estrada Municipal n.º 511 e o Caminho Municipal n.º 1045. 3. O caminho referido em 2., desde os tempos imemoriais, encontra-se no uso directo e imediato do público, cuja existência é conhecida de todos os que residem nas imediações, incluindo do Autor. 4. O referido caminho é ladeado por oliveiras. 5. O veículo de matrícula TN circulava pelo referido caminho, vindo do lado oeste e pretendia entrar na Estrada Municipal n.º 511 para seguir no sentido Beja - Salvada. 6. O autor, condutor do veículo BG, circulava pela Estrada Municipal n.º 511 no sentido Cabeça Gorda – Beja. 7. O TN avançou e tomou a faixa direita do sentido Beja – Salvada da Estrada Municipal n.º 511. 8. O autor perdeu o controlo da sua viatura e saiu da sua mão de trânsito, indo colidir com a parte dianteira direita na parte dianteira direita do referido veículo, transpondo a berma esquerda da via, considerando o seu sentido de marcha, acabando por embater na vedação da Herdade da (…), situada já após o cruzamento referido e fora da faixa de rodagem, à esquerda desta, considerando o sentido de marcha do autor. 9. O embate ocorreu na faixa de rodagem esquerda da via, considerando o sentido de marcha do Autor. 10. No local onde ocorreu a colisão existem algumas marcas de travagem deixadas pelo veículo do Autor. 11. O caminho de terra batida, à data do acidente, não apresentava qualquer sinalização vertical. 12. Após a colisão, o condutor do veículo TN, pôs-se em fuga tendo sido perseguido por um terceiro que o interceptou mais à frente e ao qual justificou a sua fuga com o facto de ter ingerido bebidas alcoólicas. 13. Do acidente resultaram danos materiais no veículo BG, cuja peritagem considerou de perda total. 14. À data, a reparação do veículo do Autor estimava-se em € 6.055,78, sendo o valor de mercado de venda do veículo de € 5.951,00 e valor do salvado de € 1.520,00. 15. É habitual os condutores que fazem o percurso do Padrão para a Cabeça Gorda, ao entrarem na EM 511 pararem e darem prioridade a quem nela circula, por considerarem tratar-se de uma via de categoria superior, não só pela enorme diferença de tráfego, como pelas localidades que uma e outra ligam. 16. Por contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice nº (…), (…) transferiu para a Ré a responsabilidade civil emergente de acidente de viação do veículo TN, até ao montante de € 6.000.000,00. 17. Após o acidente, o Autor deixou de ter meio próprio de transporte e teve dificuldade em deslocar-se. 18. O Autor adquiriu, em 07.01.2016, um veículo automóvel pelo valor de € 3.250,00. 19. A estrada onde ocorreu o embate descreve uma recta, com dois sentidos sem separador, sem iluminação, sendo que, à data da colisão, o tempo estava bom. Apreciando agora a primeira questão suscitada pela recorrente – saber se o acidente de viação em causa se deveu a culpa exclusiva do A. e não do condutor segurado na R. – haverá que ter presente o que, a tal respeito, estipula o disposto no art. 30º, nº 1, do C.E.: - Nos cruzamentos ou entroncamentos o condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentem pela direita. Por isso, deve abrandar a marcha, se necessário parar, ou em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste (cfr. art. 29º, nº 1, do C.E.). Por seu turno, o condutor que goze de prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito (cfr. nº 2 do citado art. 29º). E, no caso em apreço, com relevância para a dinâmica do acidente, temos como apurada a seguinte factualidade: O condutor do veículo TN, segurado na R., circulava no caminho vicinal público que permite o acesso às localidades de Padrão e Cabeça Gorda e a várias propriedades agrícolas e que faz ligação entre a Estrada Municipal n.º 511 e o Caminho Municipal n.º 1045, vindo do lado Oeste e pretendia entrar na Estrada Municipal n.º 511 para seguir no sentido Beja - Salvada. Por sua vez, o A., condutor do veículo BG, circulava pela Estrada Municipal n.º 511 no sentido Cabeça Gorda – Beja. O veículo TN avançou e tomou a faixa direita do sentido Beja – Cabeça Gorda da Estrada Municipal n.º 511, sendo que quando o A. o avistou tentou desviar-se e perdeu o controlo da sua viatura, saindo da sua mão de trânsito, indo colidir com a parte dianteira direita na parte dianteira direita do referido veículo, transpondo a berma esquerda da via acabando por embater na vedação da Herdade da (…), situada já após o cruzamento referido e fora da faixa de rodagem. O embate ocorreu, assim, já na faixa de rodagem esquerda da via, considerando o sentido de marcha do a., ficando na EM 511 algumas marcas de travagem do veículo deste, provocadas pela tentativa de evitar o embate no veículo segurado na R. Acresce que após a colisão o condutor do veículo TN segurado da R., pôs-se em fuga tendo sido perseguido por um terceiro que o interceptou mais à frente e ao qual justificou a sua fuga com o facto de ter ingerido bebidas alcoólicas (submetido ao teste de alcoolemia pela GNR apresentou uma taxa de 0,13 – cfr. participação da referida força de segurança junta a fls. 9). A estrada onde ocorreu o embate é uma estrada municipal, que faz a ligação entre as localidades de Cabeça Gorda e Beja e cruza-se com um caminho vicinal público, ladeado de oliveiras, sem qualquer sinalização vertical à data do acidente, que permite o acesso às localidades de Padrão e Cabeça Gorda e a várias propriedades agrícolas, de onde provinha o veículo segurado na R., que desde os tempos imemoriais, encontra-se no uso directo e imediato do público, cuja existência é conhecida de todos os que residem nas imediações, incluindo do A. Mais se apurou ainda que é habitual os condutores que fazem o percurso do Padrão para a Cabeça Gorda, ao entrarem na EM 511 pararem e darem prioridade a quem nela circula, por considerarem tratar-se de uma via de categoria superior, não só pela enorme diferença de tráfego, como pelas localidades que uma e outra ligam. Finalmente, resultou também provado que a estrada onde ocorreu o embate descreve uma recta, com dois sentidos sem separador, sem iluminação, sendo que, à data da colisão, o tempo estava bom. Ora, sobre um acidente de viação de características similares aos ocorrido nestes autos veio já a pronunciar-se o acórdão desta Relação de 9/7/2011, disponível in www.dgsi.pt (relatado pelo Juiz Desembargador Mata Ribeiro e no qual o aqui relator foi seu Adjunto), onde, a dado passo, é afirmado o seguinte: - (…) No caso em apreço o acidente ocorreu num local em que se formava um entroncamento de uma estrada nacional alcatroada com um caminho público de terra batida, sendo que em ambas as vias não existia qualquer sinalização indicativa da existência do encontro das mesmas. Não obstante, o Código da Estrada vigente e com aplicação ao caso em apreço (ao contrário do que acontecia com o CE de 1954) não fundar o critério da regra da prioridade na classificação e hierarquia das estradas, não podemos deixar de ser sensíveis ao facto das estradas que entroncam entre si apresentarem relativamente ao traçado, largura e características do piso desigualdades manifestas e perceptíveis a qualquer utente da via. Por tal facto e do cotejo das regras gerais previstas no artº 29º do CE «a regra da prioridade não deve aplicar-se irreflectidamente, sem atender àquilo que se poderá designar como uma natural hierarquia das estradas, sobretudo quando o veículo com prioridade provém de um caminho de terra batida ou em calçada, em relação a outro que circula numa estrada nacional, cujo tráfego se caracteriza por ser mais intenso, não se justificando que possa ocorrer sistemático embaraço para o trânsito desta via por causa de estradas ou caminhos secundários, sem qualquer sinalização» e – cfr. Ac. TRP de 16/12/2009, in www.dgsi.pt. Resulta como evidente que a «regra da prioridade não é, nem pode ser, cega. Pelo que não só todos os condutores, surjam ou não pela direita, devem tomar na condução as devidas cautelas para não causar acidentes – sendo que em muitas situações até se impõe que sejam apostos sinais nas vias emergentes pela direita, por se tratar de situações em que de forma especial se justifica a quebra daquela regra da prioridade, de forma a que o trânsito possa (e deva) fluir de forma normal e segura nas vias consideradas substancialmente “mais importantes” (se assim podemos dizer), como é o caso de entroncamento de caminhos em terra batida ou atalhos com as ditas vias: aqui impõe-se, sem dúvida, uma sinalização à aproximação de qualquer via principal, para que dúvidas não haja a quem surja desse atalho ou caminho de que nunca lhe assiste o direito de prioridade, pois caso assim não fosse, então teríamos uma fluidez de trânsito de todo inaceitável, dada a constante necessidade de abrandamento ou paragem do condutor da dita via principal, sempre que à sua direita surgisse um caminho ou atalho.» - cfr. Ac. TRP de 25/10/2007, in www.dgsi.pt. De acordo com tal argumentação vêm-se defendendo que ocorre a inexistência de prioridade «quer se esteja perante caminho particular ou mesmo caminho de domínio público vicinal, pois em ambos os casos é manifesta a intensidade de trânsito relativamente à estrada municipal (ou nacional). Efectivamente, relativamente à situação de circulação por caminhos de terra batida, parece não haver dúvida que a jurisprudência envereda no sentido de relativizar, senão mesmo excluir, por abusivo o direito de prioridade quando se confronte em entroncamento estradas nacionais e caminhos de terra batida (v. AC. TRP de 13/10/1988, BMJ, 382º, 525 e de 08/06/1992, BMJ 418º, 853; AC. TRE de 20/03/1983 in CJ, tomo 2, 237).» - cfr. Ac. TRP de 25/10/2007, in www.dgsi.pt. Também, no acórdão do TRP de 17/06/1997, in www.dgsi.pt, se é peremptório em afirmar que “não goza de prioridade de passagem, apesar de se apresentar pela direita, o condutor de veículo automóvel, que sai de um caminho de terra batida (com aspecto de caminho particular, embora seja público) e entra numa estrada nacional larga, alcatroada e com bastante trânsito.” Em sentido idêntico ao aresto supra transcrito pode ainda ver-se o acórdão desta Relação de 20/3/1983, disponível in CJ, Ano XXVIII, Tomo 2º, pág.237 onde é afirmado o seguinte: - (….) Mas ainda que fosse de natureza pública (o caminho em causa) certamente que no plano das realidades objectivas do dia a dia a que qualquer pessoa é sensível, seria muito difícil sustentar que o entroncamento de um caminho de terra batida numa estrada alcatroada de trânsito internacional não colocaria um problema da hierarquia das vias a solucionar pela preferência concedida à unanimemente reconhecida de categoria superior, uma vez que o caminho de terra batida é “um parente pobre das estradas nacionais (…). E mais adiante: - (…) Da solução legal aceite acriticamente (quanto à prioridade pela direita) decorreria necessariamente que os utentes das estradas nacionais estão obrigados a parar ou a reduzir a velocidade sempre que num caminho público de terra batida à sua direita lhe apareça um veículo e que o condutor deste teria sempre prioridade independentemente do volume e intensidade do tráfego que se apresentasse à sua esquerda por uma via pública de categoria inequivocamente superior (…). Voltando agora ao caso em apreço - no que tange à dinâmica do acidente e às condutas de cada um dos condutores intervenientes no mesmo – não podemos deixar de sufragar, por inteiro, o que pela Julgadora “a quo” foi afirmado na decisão sob censura e que, desde já, passamos a transcrever: - (…) Estamos perante um caso limite, em que não pode considerar-se a aplicação directa das normas do Código da Estrada, sem as interpretar e adequar ao caso concreto. Na verdade, não se entende in casu anular a regra de prioridade enunciada no artigo 30.º do Código da Estrada, mas sim que a situação revela que era exigível ao condutor do veículo seguro na Ré um cuidado e atenção superiores ao normal, tendo em conta que ia entrar numa estrada afecta a um trânsito mais fluente e rápido, pavimentada e dotada das normais infra-estruturas, onde quem nela transitasse podia em princípio de forma confiada, e atendendo à falta de visibilidade e sinalização, avançar para o cruzamento, porventura convencido de que não teria de ceder passagem face às características do dito caminho. Efectivamente, tem de considerar-se que o condutor do veículo seguro na Ré deveria antes de avançar para a faixa de rodagem da estrada asfaltada por onde transitava o veículo do Autor, no sentido Cabeça Gorda-Beja, para tomar sentido inverso ao deste, certificar-se devidamente e com toda a atenção se o exercício do seu direito de prioridade, devido à inexistência de sinal de STOP na data do acidente, não iria causar o risco de acidente atenta a aproximação do veículo do Autor e a velocidade de que viria animado e que determinou a que, apesar da travagem e desvio para a faixa de rodagem contrária, atento o seu sentido de marcha, não pudesse evitar o embate que se deu após o próprio cruzamento. Não pode conceber-se que a Ré se possa escudar apenas na prioridade para, sem mais, eximir-se da culpa que teve o veículo seu segurado na produção do acidente, desde logo porque esta se verifica, nos termos gerais do artigo 29.º, n.º 2, do Código da Estrada, ao não tomar a devida atenção às condições de trânsito existentes na EM 511, uma estrada asfaltada, com mais movimento do que aquela de onde provinha, e que lhe impunham especiais cuidados, não podendo ignorar que as características e finalidade do caminho em que circulava, olhando ao conhecimento das realidades de trânsito que um qualquer condutor médio não pode ignorar, justificaria plenamente sinalização destinada a fazer prevalecer o direito de passar aos veículos que circulavam na EM 511, o que veio posteriormente a suceder, ali sendo colocado um sinal STOP, como já tinha sucedido antes da repavimentação da mesma estrada. Neste contexto, impõe-se concluir pelas regras da experiência, e por ser manifesto, que o condutor do veículo seguro na Ré não tomou as devidas cautelas ao entrar inadvertidamente no cruzamento, invadindo a faixa de rodagem onde circulava o Autor. A conduta do condutor do veículo segurado na Ré deu azo a que o Autor, de imediato, fizesse uma manobra para evitar o embate, manobra que, encontrando-se o veículo segurado na Ré já na faixa de rodagem, necessariamente e por maioria de razão, foi para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, o que determinou o seu despiste e posterior colisão com o veículo seguro na Ré. Assim, e pela conduta descrita é imputável ao condutor do veículo segurado na Ré a culpa por dever ter previsto que o exercício do direito de prioridade envolvia perigo para a segurança da circulação automóvel, numa via com muito mais fluência de trânsito do que o caminho de terra batida de que provinha e em cruzamento que nem sequer estava sinalizado. (…) Tudo conjugado deve concluir-se que seria um exercício abusivo do direito a reclamação e exigência da prioridade de passagem por e para quem através de um caminho de terra batida se apresente pela direita de quem circula em estrada principal. Isto porque, repete-se, o condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito, não ficando desonerado do cumprimento das demais regras estradais aplicáveis, correspondentes à manobra que se propõe realizar, e ainda das regras ditadas pela prudência e boa técnica de condução. O facto de vir de um caminho em terra batida, sem qualquer sinalização na data do acidente, tem um dever de prudência acrescida devido à diversa tipologia e características de cada uma das vias e ao tipo de condução que nelas é comummente exercido. Não pode concluir-se por outro lado, que o Autor não tivesse agido com a devida atenção à proximidade do cruzamento, já que apenas lhe foi possível, ante o avanço de veículo seguro na Ré e que lhe cortava a via de trânsito, pela sua direita, invadir a via de trânsito contrária, nem mesmo assim conseguindo evitar um embate violento deixando marcas de travagem (…). Assim, dúvidas não subsistem de que o segurado da Ré não observou os ditâmes dos dispositivos legais supra citados, concluindo-se necessariamente pela ilicitude da sua conduta. Deste modo, atentas as razões e fundamentos acima explanados, forçoso é concluir que a culpa na produção do acidente em causa nestes autos é de atribuir, em exclusivo, ao condutor do veículo segurado da R. Ora, face a tal conclusão, fica prejudicado o conhecimento da segunda questão levantada pela apelante no presente recurso (saber se a responsabilidade do acidente deveria ser repartida em partes iguais por ambos os condutores). Nestes termos, uma vez que o recurso em análise não versa outras questões, entendemos que a sentença recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões do recurso formuladas pela R., aqui apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ela invocados. *** Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário: - A regra de prioridade de passagem dos veículos que se apresentam pela direita (cfr. art. 30º, nº 1, do C.E.) está subordinada aos princípios gerais da segurança do trânsito, não dispensando o condutor da observância das regras de prudência que constituem os normais deveres de diligência na condução estradal. - Provindo o condutor do veículo segurado da R., que se apresenta pela direita, de um caminho público de terra batida, o qual entronca com uma estrada municipal (EM 511) devidamente asfaltada e alcatroada, impunha-se-lhe o especial dever de prudência e cuidado de só reiniciar a marcha, com vista a passar a circular pela dita estrada municipal, quando verificasse que não existia perigo para si, nem para os outros condutores que por ela circulassem (onde se incluía o A.). - Não tendo sido feita prova nos autos de que o condutor do veículo segurado na R. só reiniciou a marcha quando verificou que o podia fazer sem qualquer perigo para os outros utentes da estrada municipal - pois veio a cortar a linha de trânsito ao veículo do A. que se aproximava e por aí circulava, e que com ele colidiu - deve ter-se aquele (condutor do veículo segurado na R.) como o único e exclusivo culpado do acidente em causa. Decisão: Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pela R., confirmando-se integralmente a sentença proferida pelo tribunal “a quo”. Custas pela R., ora apelante. Évora, 27-04-2017 Rui Manuel Machado e Moura Maria da Conceição Ferreira Mário António Mendes Serrano __________________________________________________ [1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363. [2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279). [3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso). [4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, a páginas 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299). |