Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1525/23.5T8EVR.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
CONVOLAÇÃO
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - O conhecimento pela 1.ª instância de questão de que não podia tomar conhecimento sem auscultar previamente as partes, com a consequente prolação de decisão-surpresa, configura excesso de pronúncia, causa de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do CPC;
II - O decretamento pelo tribunal do divórcio por mútuo consentimento, designadamente em resultado da convolação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, importa a prévia definição do regime a aplicar às questões referidas no n.º 1 do artigo 1775.º, a fixar pelo juiz, tomando em conta o acordo dos cônjuges, conforme dispõe o artigo 1778.º-A, ambos do CC;
III - Encontrando-se em vigor regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à filha menor do casal, a falta de acordo dos cônjuges sobre a regulação definitiva de tais responsabilidades não obsta à conversão do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento, nem ao decretamento do divórcio.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1525/23.5T8EVR.E1
Juízo de Família e Menores de Évora
Tribunal Judicial da Comarca de Évora


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

(…) intentou em 01-09-2023 a presente ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges contra a sua esposa, (…).
Realizada tentativa de conciliação em 03-11-2023, consta da respetiva ata que os cônjuges manifestaram a vontade de se divorciarem e requereram a convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento, tendo declarado o seguinte:
- Quanto às filhas menores do casal corre termos o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais n.º 790/22.0T8EVR, onde já foi judicialmente homologado acordo definitivo quanto à menor (…) e foi homologado acordo provisório quanto à menor (…);
- A casa de Morada de Família fica atribuída ao cônjuge mulher até a partilha ou venda.
- Prescindem reciprocamente de pensão de alimentos;
- Não existem animais de estimação;
- Quanto aos bens comuns, indicam os seguintes bens:
Relação de Bens apresentada pelo Autor – (…)
(…)
Relação de Bens apresentada pela Ré – (…)
(…)
Consta da ata da aludida diligência que, de seguida, foi proferida a decisão que se transcreve:
(…) propôs contra (…), a presente acção com processo especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge.
No dia de hoje, teve lugar a tentativa de conciliação a que alude o artigo 1779.º do Código Civil, na qual não foi possível a reconciliação, por ambas as partes pretenderem divorciar-se. Porém, acordaram os cônjuges em convolar a acção de divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento. Assim, prevalece como conferência a que alude o artigo 1776.º do Código Civil a presente diligência, na qual não foi possível a reconciliação, por ambos os cônjuges pretenderem divorciar-se, tendo, no entanto, os cônjuges logrado alcançar parte dos acordos exigidos por lei.
*
Face ao circunstancialismo descrito e ao abrigo do disposto nos artigos 1775.º, 1776.º e 1779.º do Código Civil e 931.º, n.ºs 3 e 4, 994.º e 996.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, decide-se:
- Homologar os acordos já alcançados entre os requerentes, julgando-os válidos, quer pelo seu objecto, quer pela qualidade dos intervenientes.
- Determinar que se aguarde a prolação de decisão definitiva quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo à menor (…) no processo que corre termos com o n.º 790/22.0T8EVR.
Notifique.
Solicite-se ao identificado processo que, oportunamente, remeta a estes autos a decisão que aí vier a ser proferida.

Inconformado, o autor interpôs recurso desta decisão, na parte em que determinou que se aguarde a prolação de decisão definitiva quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo à menor (…) no processo que corre termos com o n.º 790/22.0T8EVR, terminando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«A) A Meritíssima Juiz a quo, malgrado ambas as partes terem manifestado a vontade inequívoca de se divorciarem e de pretenderem a convolação do divórcio sem consentimento, em divórcio por mútuo consentimento, não determinou a dissolução do vínculo matrimonial;
B) Apesar de ambas as partes terem alcançado o acordo quanto às matérias aludidas no art. 4.º (…), a Meritíssima Juiz, ainda que homologando tais acordos, manteve o entendimento que não poderia decretar o divórcio, em virtude de ainda inexistir decisão definitiva no que se reporta à regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa à menor, (…) que corre termos com o n.º 790/22.0T8EVR;
C) A instância ficou suspensa até ser ditada a aludida decisão definitiva, no âmbito do indicado processo judicial;
D) Com tal entendimento, o A. não se conforma, por contrário, quer à letra, quer ao espírito da lei, assim como, à vontade manifestada pelas partes, em se divorciarem.
E) Condicionar o decretamento do divórcio por mútuo consentimento ao trânsito em julgado da decisão a proferir no apenso de regulação das responsabilidades parentais consubstancia, no caso, uma restrição desproporcional e desnecessária do direito dos cônjuges a convolarem o divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento (cfr. artigos 1779.º, n.º 2, do Código Civil, 931.º, n.º 4, do Código de Processo Civil e 18.º, n.º 2, da Constituição), acautelado que se mostra o interesse dos menores com a vigência de um regime provisório e prosseguindo a regulação das responsabilidades parentais tendo em vista a prolação de uma decisão que fixe um regime definitivo;
F) A circunstância do regime ser provisório em nada bole com o que fica dito porquanto o mesmo vigora até que seja fixado um regime definitivo e, mesmo quando o acordo sobre as responsabilidades parentais é apresentado como definitivo pelas partes, tal não obsta a que o mesmo seja objeto de alteração posterior se circunstâncias supervenientes o justificarem;
G) A aludida suspensão não foi solicitada por qualquer das partes, nem o tribunal proporcionou às partes o exercício do contraditório para, querendo, se pronunciarem sobre tal suspensão – cfr. n.º 3 do artigo 3.º do CPC;
H) Tal douto despacho constituiu uma verdadeira decisão-surpresa, o que configura uma nulidade, por excesso de pronúncia, ora expressamente suscitada – cfr. alínea d), n.º 1, do artigo 615.º do CPC;
I) A Meritíssima Juiz a quo violou o correcto entendimento dos preceitos legais invocados na presente peça recursiva;
J) Deverá o Venerando Tribunal da Relação conhecer de mérito, nos termos do estatuído no n.º 1 do artigo 665.º do CPC, o que se requer, alcançando-se a almejada Justiça.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
i) da nulidade da decisão recorrida;
ii) da convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto
Relevam para a apreciação das questões suscitadas na apelação, além dos elementos elencados no relatório supra, ainda os seguintes elementos, que se consideram assentes:
a) o apelante (…) e a apelada (…) casaram catolicamente no dia 10-04-1999, na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, freguesia de Sé e São Pedro, concelho de Évora;
b) corre termos sob o n.º 790/22.0T8EVR, no Juízo de Família e Menores de Évora, ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa a (…), nascida a 05-11-2013, em que é requerente a ora ré, mãe da criança, e requerido o ora autor, seu pai;
c) em conferência de pais realizada no processo identificado na alínea b) em 18-10-2022, à qual ambos compareceram, por decisão constante da respetiva ata, foi homologado acordo provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo à (…), sendo ordenado o prosseguimento dos autos;
d) em conferência de pais realizada no mesmo processo em 04-07-2023, à qual ambos compareceram, por decisão constante da respetiva ata, foi homologada alteração ao acordo provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo à (…), sendo ordenado o prosseguimento dos autos;
e) não foi proferida decisão definitiva quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa à (…).
[O facto constante da alínea a) foi considerado assente em resultado do teor da certidão junta aos autos como doc. 1 com a petição inicial e os factos constantes das alíneas b) a e) em resultado da certidão junta aos autos em 16-04-2024]

2.2. Apreciação do objeto do recurso

2.2.1. Nulidade da decisão recorrida
O apelante arguiu a nulidade da decisão recorrida, imputando-lhe o vício de excesso de pronúncia previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do Código de Processo Civil.
Sustenta o recorrente que, na sequência da requerida convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento, a 1.ª instância não procedeu a tal convolação e não decretou o divórcio por mútuo consentimento entre os requerentes, antes tendo decidido determinar que se aguarde a prolação de decisão definitiva quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo à menor (…) no processo que corre termos com o n.º 790/22.0T8EVR, sem que tal tenha sido requerido por qualquer das partes e sem que as mesmas tenham tido oportunidade de se pronunciarem quanto à prolação desta decisão.
A nulidade invocada, prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do CPC, ocorre quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, assim incumprindo o estatuído no artigo 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do mesmo código, nos termos do qual o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Estando em causa a aplicação do direito ao presente litígio, trata-se de uma questão de conhecimento oficioso, conforme decorre do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, pelo que o respetivo conhecimento não depende de arguição por qualquer das partes.
No entanto, tratando-se da prolação de decisão baseada em fundamento não considerado pelas partes e que conduz à aplicação de regime jurídico diverso do que fora por estas equacionado, impõe o artigo 3.º, n.º 3, do CPC, a audiência prévia das mesmas, devendo ser alertadas para a eventualidade de vir a decisão a ser proferida no âmbito daquele quadro normativo e ser-lhes facultada a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão de direito nova.
Dispõe o artigo 3.º, n.º 3, do CPC, o seguinte: O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Consagra este preceito o princípio do contraditório, proibindo a chamada decisão-surpresa, isto é, nas palavras de José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 31), “a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes”. Esclarecem os autores (ob. cit., pág. 32) que “antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso)”.
Reportando-se ao conhecimento pelo juiz de questões de que não podia tomar conhecimento [excesso de pronúncia – art. 615.º, n.º 1, alínea d)], explicam João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual de Processo Civil, volume I, Lisboa, AAFDL Editora, 2022, pág. 633) o seguinte: «(…) a não possibilidade do conhecimento de uma questão pode ser absoluta, se o tribunal não pode conhecer, em circunstância alguma, dessa questão (como sucede quando a questão não tiver sido levantada pelas partes e não for de conhecimento oficioso), ou relativa, se o tribunal não pode conhecer, em certas condições, dessa questão, mas poderia conhecê-la em outras circunstâncias (por exemplo: (…) o tribunal não pode proferir uma decisão-surpresa (artigo 3.º, n.º 3), mas pode decidir com base num fundamento não alegado pelas partes depois de as ouvir previamente)».
Verificando que a decisão proferida se baseou em fundamento não anteriormente considerado pelas partes e que estas não foram previamente auscultadas sobre a prolação de decisão no âmbito de um quadro normativo distinto do invocado, impõe-se concluir que se trata de uma decisão-surpresa.
O conhecimento pela 1.ª instância de questão de que não podia tomar conhecimento sem auscultar previamente as partes, com a consequente prolação de decisão-surpresa, configura excesso de pronúncia, causa de nulidade prevista 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do citado artigo 615.º, invocada pelo recorrente.
Procedendo a arguição de nulidade da decisão recorrida, cumpre atender à regra da substituição ao tribunal recorrido estatuída pelo artigo 665.º do CPC, cujo n.º 1 dispõe que ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.
Nesta conformidade, cumpre apreciar a questão suscitada, operando a substituição ao tribunal recorrido.
Procede, assim, a arguição de nulidade da decisão recorrida, a qual será suprida pela Relação.

2.2.2. Convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento
Na presente ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, intentada pelo apelante contra a apelada, verifica-se que, na tentativa de conciliação, ambos os cônjuges manifestaram o propósito de se divorciarem e requereram a convolação em divórcio por mútuo consentimento.
Impõe-se averiguar se se encontram reunidos os pressupostos da requerida convolação e se é de decretar o divórcio por mútuo consentimento.
Reportando-se à tentativa de conciliação na ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, dispõe o n.º 3 do artigo 1779.º do Código Civil o seguinte: Se a tentativa de conciliação não resultar, o juiz procurará obter o acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento; obtido o acordo ou tendo os cônjuges, em qualquer altura do processo, optado por essa modalidade do divórcio, seguir-se-ão os termos do processo de divórcio por mútuo consentimento, com as necessárias adaptações.
O artigo 931.º do Código de Processo Civil, por seu turno, referente à tentativa de conciliação no processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, dispõe, no n.º 5, o seguinte: Na tentativa de conciliação, ou em qualquer outra altura do processo, as partes podem acordar no divórcio ou separação de pessoas e bens por mútuo consentimento, quando se verifiquem os necessários pressupostos; acrescenta o n.º 6 do preceito, além do mais, o seguinte: Estabelecido o acordo referido no número anterior, seguem-se no próprio processo, com as necessárias adaptações, os termos dos artigos 994.º e seguintes.
Tendo os cônjuges, na tentativa de conciliação, declarado expressamente a vontade de se divorciarem e requerido a convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento, impõe-se atender ao regime previsto nos artigos 994.º e seguintes do CPC e no artigo 1778.º-A do CC.
Reportando-se à apreciação pelo tribunal de pedido de divórcio por mútuo consentimento, o artigo 1778.º-A do CC, com a epígrafe Requerimento, instrução e decisão do processo no tribunal, dispõe o seguinte:
1 - O requerimento de divórcio é apresentado no tribunal, se os cônjuges não o acompanharem de algum dos acordos previstos no n.º 1 do artigo 1775.º.
2 - Recebido o requerimento, o juiz aprecia os acordos que os cônjuges tiverem apresentado, convidando-os a alterá-los se esses acordos não acautelarem os interesses de algum deles ou dos filhos.
3 - O juiz fixa as consequências do divórcio nas questões referidas no n.º 1 do artigo 1775.º sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo, como se se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.
4 - Tanto para a apreciação referida no n.º 2 como para fixar as consequências do divórcio, o juiz pode determinar a prática de atos e a produção da prova eventualmente necessária.
5 - O divórcio é decretado em seguida, procedendo-se ao correspondente registo.
6 - Na determinação das consequências do divórcio, o juiz deve sempre não só promover mas também tomar em conta o acordo dos cônjuges.
O mencionado n.º 1 do artigo 1775.º, por seu turno, dispõe que o divórcio por mútuo consentimento pode ser instaurado a todo o tempo na conservatória do registo civil, mediante requerimento assinado pelos cônjuges ou seus procuradores, acompanhado pelos documentos seguintes:
a) Relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respetivos valores, ou, caso os cônjuges optem por proceder à partilha daqueles bens nos termos dos artigos 272.º-A a 272.º-C do Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de Setembro, acordo sobre a partilha ou pedido de elaboração do mesmo;
b) Certidão da sentença judicial que tiver regulado o exercício das responsabilidades parentais ou acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais quando existam filhos menores e não tenha previamente havido regulação judicial;
c) Acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça;
d) Acordo sobre o destino da casa de morada de família;
e) Certidão da escritura da convenção antenupcial, caso tenha sido celebrada.
f) Acordo sobre o destino dos animais de companhia, caso existam.
Regulando a apresentação pelos cônjuges de requerimento para, designadamente, o divórcio por mútuo consentimento, dispõe o n.º 1 do artigo 994.º do CPC que o mesmo deverá ser instruído com os documentos elencados nas diversas alíneas do preceito, a saber:
a) Certidão de narrativa completa do registo de casamento;
b) Relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respetivos valores;
c) Acordo que hajam celebrado sobre o exercício das responsabilidades parentais relativamente aos filhos menores, se os houver;
d) Acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que careça deles;
e) Certidão da convenção antenupcial e do seu registo, se os houver;
f) Acordo sobre o destino da casa de morada da família.
Reportando-se à realização de conferência, o artigo 996.º do CPC prevê que, não terminando por desistência do pedido (n.º 1), seja exarado em ata o acordo dos cônjuges quanto à separação ou divórcio, bem como as decisões tomadas quanto aos acordos a que se refere o artigo 1775.º do Código Civil (n.º 2).
Da análise conjugada destes preceitos decorre que o decretamento pelo tribunal do divórcio por mútuo consentimento, designadamente em resultado da convolação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, importa a prévia definição do regime a aplicar às questões referidas no n.º 1 do artigo 1775.º, a fixar pelo juiz, tomando em conta o acordo dos cônjuges, conforme dispõe o artigo 1778.º-A do CC.
No caso presente, existe acordo dos cônjuges quanto à relação de bens comuns – apresentaram relações especificadas de bens comuns –, quanto à prestação de alimentos – prescindiram reciprocamente de prestação de alimentos – e quanto ao destino da casa de morada de família – atribuída à apelada até à partilha ou à venda –, tendo declarado inexistirem animais de companhia, acordos estes que foram homologados por decisão proferida pela 1.ª instância.
Mais declararam os cônjuges que, quanto à filha menor do casal, (…), foi homologado acordo provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais no âmbito do processo n.º 790/22.0T8EVR.
Não se encontrando definitivamente regulado o exercício das responsabilidades parentais relativo à filha menor do casal, impõe-se apreciar se tal obsta à requerida convolação e ao decretamento do divórcio por mútuo consentimento.
Quanto a esta questão, encontram-se assentes os elementos seguintes:
- corre termos sob o n.º 790/22.0T8EVR, no Juízo de Família e Menores de Évora, ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa a (…), nascida a 05-11-2013, em que é requerente a ora ré, mãe da criança, e requerido o ora autor, seu pai;
- em conferência de pais realizada nesse processo em 18-10-2022, à qual ambos compareceram, por decisão constante da respetiva ata, foi homologado acordo provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo à criança (…), sendo ordenado o prosseguimento dos autos;
- em conferência de pais realizada no mesmo processo em 04-07-2023, à qual ambos compareceram, por decisão constante da respetiva ata, foi homologada alteração ao acordo provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo à (…), sendo ordenado o prosseguimento dos autos;
- não foi proferida decisão definitiva quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa à (…).
Extraindo-se do regime previsto no artigo 1778.º, n.º 3, aplicável por força do estatuído no 1779.º, n.º 2, ambos do CC, que o juiz fixa as consequências do divórcio nas questões referidas no n.º 1 do artigo 1775.º sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo, daqui decorre que a falta de acordo dos cônjuges quanto a alguma dessas questões não impede a conversão do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento.
Explicam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra, Almedina, 2020, pág. 450) o seguinte: «A falta de acordo dos cônjuges quanto às consequências do divórcio não converte o processo de divórcio num divórcio sem consentimento dos cônjuges. Assim, faz mais sentido aplicar os princípios gerais da jurisdição voluntária (artigos 986.º a 988.º), na medida em que o divórcio por mútuo consentimento se insere no âmbito desses procedimentos, bem como aplicar os artigos 994.º a 997.º e 999.º. Nesta senda, as questões sobre as quais as partes não lograram acordo constituem incidentes da ação de divórcio por mútuo consentimento judicial, devendo ser tramitadas nos próprios autos, podendo o juiz determinar a prática de atos e a produção de prova considerada necessária (artigo 1778.º-A, n.º 4, do CC), com observância dos princípios processuais, designadamente do contraditório e da igualdade (…)».
No que respeita à regulação do exercício das responsabilidades parentais respeitantes à (…), filha menor do casal, encontra-se pendente uma ação judicial que visa especificamente a decisão de tal questão, no âmbito da qual foi acordado e homologado um regime provisório que se encontra em vigor. Assim sendo, não há de determinar, nos presentes autos, a prática de quaisquer atos ou a produção de meios de prova, dado que se encontra já fixado o aludido regime provisório, antes se impondo remeter os cônjuges para a ação já pendente, visando a regulação definitiva do exercício das responsabilidades parentais respeitantes à criança.
Nesta conformidade, face à homologação pela 1.ª instância dos acordos apresentados pelos cônjuges e à fixação do regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo à filha menor do casal, nada obsta à requerida convolação do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento e ao subsequente decretamento do divórcio.
Neste sentido, no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (relator: Luís Filipe Pires de Sousa) em 08-06-2021, no processo n.º 19673/20.1T8LSB.L1-7 (publicado em www.dgsi.pt), entendeu-se o seguinte:
(…) não faz sentido atuar o princípio da adequação formal tendo em vista produzir prova para prolação de uma decisão quanto às responsabilidades parentais porquanto já existe um regime acordado e homologado. A circunstância do regime ser provisório em nada bole com o que fica dito porquanto o mesmo vigora até que seja fixado um regime definitivo (cfr. regime equivalente do n.º 2 do artigo 994.º do Código de Processo Civil, bem como o artigo 28.º do RGPTC) e, mesmo quando o acordo sobre as responsabilidades parentais é apresentado como definitivo pelas partes (cfr. artigos 994.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil), tal não obsta a que o mesmo seja objeto de alteração posterior se circunstâncias supervenientes o justificarem (cfr. artigo 42.º do RGPTC). Ou seja, o acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais está sempre sujeito às mutabilidades decorrente da cláusula rebus sic stantibus.
O que importa é que haja um regime de regulação das responsabilidades parentais vigente e que acautele o superior interesse das crianças. Condicionar o decretamento do divórcio por mútuo consentimento ao trânsito em julgado da decisão a proferir no apenso de regulação das responsabilidades parentais consubstancia, no caso, uma restrição desproporcional e desnecessária do direito dos cônjuges a convolarem o divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento (cfr. artigos 1779.º, n.º 2, do Código Civil, 931.º, n.º 4, do Código de Processo Civil e 18.º, n.º 2, da Constituição), acautelado que se mostra o interesse dos menores com a vigência de um regime provisório e prosseguindo a regulação das responsabilidades parentais tendo em vista a prolação de uma decisão que fixe um regime definitivo.
Tendo-se concluído que, encontrando-se em vigor regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à filha menor do casal, a falta de acordo dos cônjuges sobre a regulação definitiva de tais responsabilidades não obsta à conversão do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento, nem ao decretamento do divórcio, mostra-se desnecessário conceder contraditório às partes sobre a questão a que alude o ponto 2.2.1., o que permite a esta Relação operar a substituição ao tribunal recorrido, suprindo a nulidade da decisão proferida e conhecendo do mérito da causa, nos termos expostos.
Procede, assim, a apelação.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, em consequência do que se decide:
i) declarar nula a decisão recorrida;
ii) convolar o divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento;
iii) decretar o divórcio por mútuo consentimento entre as partes, (…) e (…), com a consequente dissolução do matrimónio celebrado em 10-04-1999, cessando as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges.

Custas na 1.ª instância por autor e ré, em partes iguais (artigo 931.º, n.º 4, do CPC).
Custas do recurso recaem sobre a apelada, na vertente de custas de parte (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Fixa-se à causa o valor de € 30.000,01 (artigo 303.º, n.º 1, do CPC).
Após trânsito, cumpra o disposto no artigo 78.º, n.º 1, do CRgC).

Notifique.
*
Évora, 23-05-2024
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Anabela Luna de Carvalho (1.ª Adjunta)
José Manuel Tomé de Carvalho (2.º Adjunto)