Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2351/24.0YLPRT.E1
Relator: ANA PESSOA
Descritores: DESPEJO
EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
REIVINDICAÇÃO
SENTENÇA
INSOLVÊNCIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CIVIL
Sumário: Sumário:

Declarada a insolvência, não se vislumbra qualquer motivo válido para a suspensão de execução para entrega de imóvel baseada em sentença que tenha decretado o respetivo despejo ou de execução para entrega de bens de qualquer natureza baseada sentença que tenha julgado procedente uma ação de reivindicação. De uma forma mais genérica, julgamos que da suspensão deverão excluir-se as execuções que não tenham por objeto bens patrimoniais do insolvente.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO


AA, e BB, requereram junto do BAS contra CC, o despejo do locado, com fundamento na oposição à renovação do contrato de arrendamento comercial firmado entre as partes.


Regularmente citado, o Réu apresentou oposição alegando apenas ter as rendas pagas e ter sido declarado insolvente. Nada disse quanto à oposição à renovação do contrato pelos senhorios.


Foram as partes notificadas de que o Tribunal estava em condições de decidir de mérito.


Foi depois proferida sentença em cujo dispositivo pode ler-se:


“Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente e, em consequência, decide-se:


a)Declarar a cessação do contrato de arrendamento comercial celebrado entre Autores e Réu referente à loja com o n.º 20 R/c, do prédio urbano sito na Rua 1, ... Cidade 1, inscrito na matriz predial urbana freguesia da S... sob o artigo U-...232 e descrita na CRP de Cidade 1 sob o n.º ...955/20141105, com a licença de ocupação n.º 71 de 2 de Agosto de 1967 emitida pela CM...;


b) Condenar o Réu a entregar aos Autores o prédio identificado em 1., completamente livre e devoluto de pessoas e bens, no prazo de 30 dias – cfr. artigo 1087.º do Código Civil;


c) Autorizar a entrada imediata no prédio no caso de não entrega nos termos da alínea b), ou da alínea d) se for o caso – cfr. artigo 15.º-EA, n.º 1, al. a), da Lei n.º 6/2006, de 27.02 (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 56/2023 de 06.10);


d) As partes podem livremente acordar prazo diferente do indicado na alínea b) para a entrega do locado – cfr. artigo 15.º-EA, n.º 5, da Lei n.º 6/2006, de 27.02 (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 56/2023 de 06.10).


Custas pelo Réu – cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil.


Registe e Notifique às partes e agente de execução – cfr. artigo 15.º-EA, n.º 5, da Lei n.º 6/2006, de 27.02 (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 56/2023 de 06.10).”


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Inconformado com tal decisão, veio o Réu interpor o presente recurso, formulando, após alegações, as seguintes conclusões:


“1 - Estando em causa um arrendamento entre apelante e apelados, de natureza comercial, e tendo a apelante sido declarada insolvente pelo Tribunal, manifesto é que, o estabelecimento comercial corporizado pela Universalidade de Direito, que compõe o conceito de estabelecimento comercial, em que, de entre os vários elementos, que compõem o conceito de universalidade de Direito, destaca-se o arrendamento do espaço onde funciona, o estabelecimento comercial, pelo que, a douta sentença, devia ter tido em consideração e dado relevância à manutenção do arrendamento comercial, uma vez que agora faz parte, da massa insolvente, da apelante.


2 - A douta sentença em recurso, ao não tomar em consideração, a natureza jurídica comercial do arrendamento, do espaço onde funciona o estabelecimento comercial, veio a privar os credores, reclamantes de créditos da massa insolvente, de um activo patrimonial, que, no mínimo se consubstancia, no contrato de trespasse do estabelecimento comercial.”

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Os Autores juntaram contra-alegações, pugnando em resumo pela manutenção da decisão recorrida e pela improcedência do recurso e concluindo da seguinte forma:

1. Os Recorridos comunicaram a oposição à renovação do contrato de arrendamento que vigorou entre Recorrente e Recorridos, tendo essa comunicação feito operar validamente a caducidade do contrato de arrendamento comercial com efeitos a dia 31 de Agosto de 2024.

2. O requerimento de despejo deu entrada no Balcão do Arrendatário e do Senhorio em 26 de Novembro de 2024.

3. A declaração de insolvência da Recorrente foi proferida em 1 de Abril de 2025, conforme a sentença junta pela Recorrente com a sua oposição ao requerimento de despejo.

4. Ao contrário do que alega a Recorrente não está em vigor qualquer contrato de arrendamento entre as Partes, pois o contrato que mantinham cessou por caducidade.


5. A Recorrente mantem ilegitimamente até à presente data a posse do imóvel.


6. Não assiste à Recorrente qualquer direito ao arrendamento, pelo que nunca poderá o mesmo integrar a transmissão do estabelecimento, não sendo elemento constitutivo da universalidade de Direito.


7. Acresce que, a presente Ação Especial de Despejo, não se enquadra no disposto no n.º 1 do artigo 88.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que levaria à sua suspensão.


8. E o arrendamento que vigorou entre as partes não integra os bens da massa insolvente, nem decorre da lei a obrigação da suspensão dos presentes autos.


9. Nem sequer a presente ação se enquadra em nenhum dos casos previstos no artigo 85.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que determinam a apensação de processos.


10. Trata-se assim de um direito que assiste aos Recorridos, o de reaver a posse do imóvel, por efeito da caducidade do contrato de arrendamento, direito este à margem de qualquer processo de insolvência em curso.


11. Pelo que não procede o efeito jurídico que a Recorrente pretende retirar da declaração de insolvência singular proferida.


Em face do supra exposto, decidiu bem o Tribunal a quo na Sentença recorrida, devendo a mesma manter-se nos precisos termos em que foi proferida, com todas as consequências legais, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”

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II. QUESTÕES A DECIDIR.


O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 634º e 639º do Código de Processo Civil).


Assim, no caso, está para apreciar e decidir se a declaração de insolvência do Réu deveria ter obstado ao prosseguimento dos autos e à prolação de sentença.


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III. FUNDAMENTOS DE FACTO


O Tribunal Recorrido considerou relevantes para a decisão em causa, assentes os seguintes factos:

1. Por acordo escrito intitulado Contrato de Arrendamento Comercial e datado de 01.09.2019, os Autores cederam ao Réu o gozo da loja com o n.º 20 R/c, do prédio urbano sito na Rua 1, ... Cidade 1, inscrito na matriz predial urbana freguesia da S... sob o artigo U-...232 e descrita na CRP de Cidade 1 sob o n.º ...955/20141105, com a licença de ocupação n.º 71 de 2 de Agosto de 1967 emitida pela CM..., mediante a contrapartida mensal de €500,00 e para fim de Mini Mercado com predominância de produtos alimentares, bebidas e tabaco.

2. Pelo escrito referido em 1) ficou ainda estabelecido que o acordado era por períodos anuais, automática e sucessivamente renováveis, com início em 01.09.2019.

3. Por carta registada com aviso de recepção, enviada em 19.03.2024 e recebida em 20.03.2024, com referência ao contrato aludido em 1. e 2., os Autores comunicaram ao Réu que se opunham à renovação do contrato e que por isso o contrato caducaria em 31.08.2024, na sequencia do que o locado deveria ser, até essa data, entregue livre de pessoas e bens.

4. A carta aludida em 3. foi recebida pelo Réu.

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IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO


A declaração de insolvência tem, além do mais, efeitos processuais que são todos aqueles que atingem processos e que, sendo exteriores ao processo de insolvência e podendo, inclusivamente, envolver pessoas distintas do devedor, são relevantes para a massa insolvente.


Esses efeitos processuais consistem na apensação (artºs 85º, nºs 1 e 2, 86º, nºs 1 e 2 e 89º, nº 2, na impossibilidade de instauração (artºs 88º, nº 1 e 89º, nº 1) e na suspensão (artºs 87º, nº 1 e 88º, nº 1) de certas ações.


Atentemos nos fundamentos de tal regime.


O processo de insolvência tem a abrangência de uma “execução universal” destinada a liquidar o património de um devedor incumpridor para, depois, o dividir pelos credores, ou pagar a estes de acordo com um plano de insolvência, que “nomeadamente se baseie na recuperação” de uma empresa apreendida para a massa insolvente (cf. artigo 1º do CIRE).


Logo que declarada a insolvência, o devedor fica inibido, por si ou pelos seus mandatários, de gerir ou dispor dos bens que integram o acervo insolvente, sendo que tais poderes passam a competir ao administrador da insolvência (n.º 1 do artigo 81.º do diploma acima citado), que deverá assegurar a gestão com rigor e parcimónia.


Em consonância, o n.º 1 do artigo 85.º do CIRE dispõe que uma vez “declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensados ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.”.


O n.º 2 do mesmo preceito determina que a requisição oficiosa para apensação à insolvência de todos os processos “nas quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente”.


Finalmente, dispõe o n.º 3 que “o administrador da insolvência substitui o insolvente ‘em todas aquelas ações’ independentemente da apensação ao processo de insolvência e do acordo da parte contrária.”


Tal preceito citado regula somente, as ações declarativas, já que as execuções estão reguladas no artigo 88.º do mesmo diploma, como veremos mais à frente.


Quanto às ações declarativas deve proceder-se à distinção entre as reais e as obrigacionais e, de entre estas últimas, as que o insolvente intentou.


O conceito de massa insolvente, constante do artigo 46.º, n.º 1 do CIRE, abrange todo o património do devedor à data da declaração da insolvência, tal como os bens e os direitos que venha a adquirir na pendência do processo, e que não sejam absolutamente impenhoráveis (cfr. o n.º 2 do preceito e Luís Carvalho Fernandes e João Labareda in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2009, 222).


Os efeitos processuais da declaração da insolvência têm, pois, ínsita a regra “par conditio creditorum” que, aliás, inspira o citado artigo 1.º do CIRE citado, segundo o qual todos os credores – que não gozem de nenhuma causa de preferência relativamente aos outros credores – se encontram em igualdade de situação, concorrendo paritariamente ao património do devedor, para obter a satisfação dos respectivos créditos.


O CIRE não regula de forma sistematizada os efeitos da declaração de insolvência sobre as acções declarativas intentadas contra o insolvente, o que se compreende, porque estas acções não colocam em crise, pelo menos de forma imediata, o princípio par conditio creditorum, ao contrário do que pode suceder com as acções executivas.” (cfr. Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Março de 2012, relatado por Sebastião Póvoa, proc. n.º 501/10.2TVLSB.S1).


Como resulta do n.º 3 do artigo 128.º do citado diploma, mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele se quiser obter pagamento - da articulação do n.º 1 com o n.º 3, primeira parte, com o artigo 128.º resulta que todos os credores da insolvência, qualquer que seja a natureza e fundamento do seu crédito devem reclamá-lo no processo de insolvência, para aí poderem obter satisfação.


É por esta razão que no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2011 – 2435/09. 4TBMTS.P1.S1.- se decidiu que “transitada em julgado a sentença que declara a insolvência da demandada, a acção que visa o reconhecimento de um direito de crédito sobre o insolvente deve ser declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, de harmonia com o disposto no artigo 287.º, alínea e) do Código de Processo Civil.” 1


Ora, no caso dos autos, os Autores não peticionam o reconhecimento de qualquer crédito, pelo que os citados preceitos e a indicada jurisprudência não tem aplicação – o pedido de o despejo do locado, com fundamento na caducidade do contrato por oposição à renovação do contrato de arrendamento comercial firmado entre as partes não se confunde com o reconhecimento de um crédito.


No que concerne ao contrato de locação, importa atender ao que dispõe o artigo 108º do CIRE, designadamente ao respetivo n.º 4:


Recordemos o teor de tal preceito:


“Artigo 108.º - Locação em que o locatário é o insolvente


1 - A declaração de insolvência não suspende o contrato de locação em que o insolvente seja locatário, mas o administrador da insolvência pode sempre denunciá-lo com um pré-aviso de 60 dias, se nos termos da lei ou do contrato não for suficiente um pré-aviso inferior.


2 - Exceptua-se do número anterior o caso de o locado se destinar à habitação do insolvente, caso em que o administrador da insolvência poderá apenas declarar que o direito ao pagamento de rendas vencidas depois de transcorridos 60 dias sobre tal declaração não será exercível no processo de insolvência, ficando o senhorio, nessa hipótese, constituído no direito de exigir, como crédito sobre a insolvência, indemnização dos prejuízos sofridos em caso de despejo por falta de pagamentos de alguma ou algumas das referidas rendas, até ao montante das correspondentes a um trimestre.


3 - A denúncia do contrato pelo administrador da insolvência facultada pelo n.º 1 obriga ao pagamento, como crédito sobre a insolvência, das retribuições correspondentes ao período intercedente entre a data de produção dos seus efeitos e a do fim do prazo contratual estipulado, ou a data para a qual de outro modo teria sido possível a denúncia pelo insolvente, deduzidas dos custos inerentes à prestação do locador por esse período, bem como dos ganhos obtidos através de uma aplicação alternativa do locado, desde que imputáveis à antecipação do fim do contrato, com actualização de todas as quantias, nos termos do n.º 2 do artigo 91.º, para a data de produção dos efeitos da denúncia.


4 - O locador não pode requerer a resolução do contrato após a declaração de insolvência do locatário com algum dos seguintes fundamentos:


a) Falta de pagamento das rendas ou alugueres respeitantes ao período anterior à data da declaração de insolvência;


b) Deterioração da situação financeira do locatário.


5 - Não tendo a coisa locada sido ainda entregue ao locatário à data da declaração de insolvência deste, tanto o administrador da insolvência como o locador podem resolver o contrato, sendo lícito a qualquer deles fixar ao outro um prazo razoável para o efeito, findo o qual cessa o direito de resolução.”


Também este preceito não tem aplicação ao caso dos autos, pois que não está em causa um contrato de arrendamento em vigor nem resolução do mesmo com qualquer dos fundamentos referidos no n.º 4.


Relativamente às ações executivas, importa, como se referiu, atender ao que dispõe o artigo 88º do CIRE, que passamos a reproduzir:


“1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.


2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados e não hajam de ser apensadas ao processo nos termos do n.º 2 do artigo 85.º, é apenas extraído, e remetido para apensação, traslado do processado relativo ao insolvente.


3 - As ações executivas suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.


4 - Compete ao administrador da insolvência comunicar por escrito e, preferencialmente, por meios eletrónicos, aos agentes de execução designados nas execuções afetadas pela declaração de insolvência, que sejam do seu conhecimento, ou ao tribunal, quando as diligências de execução sejam promovidas por oficial de justiça, a ocorrência dos factos descritos no número anterior”.


A fórmula ampla usada pelo legislador – “quaisquer diligências executivas”- permite considerar abrangidas na sua estatuição diligências compreendidas tanto em ações executivas, como em processo comum, processos especiais e em procedimentos cautelares.


Em qualquer dos casos, a suspensão só se verifica em relação a diligências ou providências que tenham por objeto bens integrantes da massa insolvente, a cujo conceito já antes aludimos (Cfr. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Efeitos da declaração de insolvência – efeitos processuais, página 436 e seguintes).


Na sequência do que supra se afirmou, sublinha-se que destinando-se a liquidação do ativo, no processo de insolvência, à satisfação dos créditos reclamados e verificados, a prévia suspensão das execuções pendentes contra o insolvente revela-se um meio eficaz para assegurar que os credores concorram em condições de igualdade a este pagamento, fazendo jus ao princípio par conditio creditorum.


Por tal motivo, com a declaração de insolvência decreta-se a apreensão, para entrega imediata ao administrador da insolvência, de todos os bens do devedor insolvente e destinados à satisfação dos credores da insolvência e pagamento das dividas próprias da massa insolvente (Cfr. artigos 36º, nº 1, g), 149º, nº 1, 150º, nº 4, al. a) e nº 6, todos do CIRE)


Ora, no caso dos presentes autos, como se alcança da matéria de facto transcrita, à data da declaração de insolvência o imóvel a que se reporta os presentes autos não era património do Apelado e o contrato de arrendamento que as partes haviam celebrado relativamente ao mesmo, havia já cessado os seus efeitos.


Por conseguinte, a não suspensão dos presentes autos não atinge, de modo algum, os bens integrantes da massa insolvente, não sendo, em virtude disso, enquadrável no disposto no artigo 88.º, n.º 1 do CIRE.


O que não significa que todos os bens que se encontram no imóvel, caso constituam bens integrantes da massa insolvente não possam ser apreendidos pelo Administrador de Insolvência.


O legislador é inequívoco ao referir, no n.º 1 do artigo 88.º do CIRE, no sentido de que a declaração de insolvência só suspende as diligências executivas “que atinjam os bens integrantes da massa insolvente” e “requeridas pelos credores da insolvência”, sendo que no caso, nenhuma das circunstâncias se verifica.


Como refere Artur Dionisio Oliveira in “Os efeitos externos da insolvência - As ações pendentes contra o insolvente” (disponível para consulta em http://julgar.pt/ wp-content/uploads/2015/11/173-187-Efeitos-externos-da-insolv%C3% AAncia.pdf.), “apesar da lei o não referir de forma expressa, cremos que a suspensão não deve abranger a execução para entrega de bens que, por força da resolução de contrato de locação financeira ou de compra e venda com reserva de propriedade, não integrem a massa insolvente. Também não se vislumbra qualquer motivo válido para a suspensão de execução para entrega de imóvel baseada em sentença que tenha decretado o respectivo despejo ou de execução para entrega de bens de qualquer natureza baseada sentença que tenha julgado procedente uma acção de reivindicação. De uma forma mais genérica, julgamos que da suspensão deverão excluir-se as execuções que não tenham por objecto bens patrimoniais do insolvente”2.


No caso dos autos, o pedido não atinge, de modo algum, os bens integrantes da massa insolvente, pelo que não é enquadrável no disposto no artigo 88.º, n.º 1 do CIRE.


Não está em causa bem compreendido na massa insolvente.


Como se referiu na sentença recorrida:


“A oposição à renovação do contrato de arrendamento é uma forma de denúncia do contrato que faz operar a cessação do contrato, nos termos do artigo 1079.º do Código Civil (CC).


No que respeita ao arrendamento para fins não habitacionais, como é o caso, o artigo 1110.º do Código Civil possibilita às partes a estipulação de contrato de arrendamento a termo certo, com afastamento da possibilidade da sua renovação, impondo, todavia, quando tal acordo inexista, que as renovações automáticas tenham um prazo mínimo de cinco anos, apenas podendo tais renovações ser impedidas por via da declaração atempada de oposição às mesmas.


No caso, da data de início do contrato até à data sobre a qual os senhorios comunicaram a cessação do contrato, decorreram 5 anos.


A comunicação da oposição à renovação foi enviada em cumprimento do disposto na lei quanto à forma de comunicação, nomeadamente, o disposto nos artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 6/2006, de 27.02 e foi cumprido a antecedência prevista no artigo 1098.º (ex vi 1110/1) do CC.


Assim, a oposição dos senhorios (aqui Autores) foi totalmente tempestiva e produziu os efeitos desejados.


Nos termos do artigo 1079.º do Código Civil “O arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei.”


Dispõe o artigo 1081.º, n.º 1, do CC que “a cessação do contrato torna imediatamente exigível, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes, a desocupação do local e a sua entrega, com as reparações que incumbam ao arrendatário”.


Mostram-se, pois, infundados os fundamentos da pretensão recursiva, restando concluir pela respetiva improcedência.

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V. DISPOSITIVO


Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, e em consequência em manter a decisão recorrida.


Custas a cargo do Apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).


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Évora, 10.07.2025


Ana Pessoa


Ricardo Peixoto


Maria Adelaide Domingos

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1. Cf. ainda O Ac. do STJ de 08/05/2013, proferido no processo 170/08.0TTALM.L1.S1, com vários votos de vencido, publicado na base de dados do IGFEJ e também na 1ª série do Diário da República de 25/02/2014, pretendeu uniformizar a jurisprudência no seguinte sentido: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287 do CPC”.↩︎

2. CF. no mesmo sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.05.2016, proferido no âmbito do processo n.º 2060/14.8YYPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt.↩︎