Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
392/24.6GBABF-A.E1
Relator: JORGE ANTUNES
Descritores: SEGREDO DE JUSTIÇA
ART.86º
Nº3
DO CPP
PRAZO
NATUREZA DO PRAZO
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A sujeição do inquérito a segredo de justiça pode prejudicar de forma intolerável os direitos de defesa do arguido, tal como a sua não determinação pode prejudicar também de forma grave a eficácia da investigação (com todas as consequências daí decorrentes, que em último caso se relacionam com a necessidade de segurança e de paz jurídica) e/ou afetar de forma igualmente intolerável direitos de outros sujeitos processuais.
Porque pode ocorrer tal afetação de direitos fundamentais, a sujeição do inquérito a segredo de justiça não pode deixar de implicar a intervenção do juiz de instrução criminal. Mas o escopo do prazo estipulado no nº 3 do artigo 86º não é outro que o de controlar o ato processual do Ministério Público de decretamento do segredo, por suscetível de ter reflexos sobre direitos fundamentais, impondo-se a intervenção célere do juiz, a quem cabe efetuar a ponderação sobre a justificação da aplicação desse regime excecional e restritivo.

Tal como sucede com a validade das apreensões referidas no artigo 178º, nº 6 do CPP, também a “validade” do ato de decretamento do segredo de justiça pelo Ministério Público não será afetada pela ultrapassagem do prazo de 72 horas previsto no art. 86º n.º 3 do CPP. O que o Legislador pretendeu ao estipular o prazo foi apenas garantir a celeridade da apresentação do processo ao juiz de instrução para controlo jurisdicional da decisão do Ministério Público, sem se pretender impor ao JIC um prazo perentório para o ato de validação.

O prazo estabelecido no artigo 86º, nº 3, do Código de Processo Penal é um prazo de mera ordenação processual e a sua ultrapassagem não tem qualquer reflexo sobre a validade do ato de decretamento do segredo de justiça pelo Ministério Público.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
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I – RELATÓRIO

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. Nos autos de Inquérito nº 392/24.6GBABF o Ministério Público determinou a aplicação do segredo de justiça tendo o Senhor Juiz de Instrução Criminal, após remessa dos autos ao Juízo de Instrução Criminal de Portimão para validação, proferido despacho com o seguinte teor:

“SEGREDO DE JUSTIÇA

O Ministério Público determinou, ao abrigo do disposto no artigo 86.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a aplicação ao presente processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, invocando que existe a necessidade premente de salvaguardar os interesses de investigação e de diligências de prova a realizar futuramente que ficariam afectadas com o conhecimento por parte do suspeito, além de que, estando sob investigação a eventual prática de um crime de natureza sexual, importa ainda proteger a vítima do eventual escrutínio público.

Cumpre apreciar e decidir.

O artigo 86.º, n.º 3, do Código de Processo Penal escreve que: “sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução, no prazo máximo de setenta e duas horas.” [negrito e sublinhado nosso]

Ora, da leitura do processado resulta que o detentor da acção penal determinou a aplicação do segredo de justiça a este inquérito por despacho de 07.03.2024.

Pese embora tenha existido a remessa electrónica dos autos para acto jurisdicional em 08.03.2024 [ref.ª …], uma vez que o suporte físico do processo foi enviado por correio registado [fls. 21] só no dia 13.03.2024 é que o mesmo foi submetido a distribuição junto deste Juízo de Instrução Criminal.

Por conseguinte, facilmente se constata que o prazo máximo de 72 horas a que alude o artigo 86.º, n.º 3, do Código de Processo Penal se encontra ultrapassado.

Nestes termos e pelos fundamentos que antecedem não validamos a decisão do Ministério Público de determinar a aplicação do segredo de justiça a estes autos.

Notifique.

D.N.”.

2. Não se conformando com o teor do aludido despacho judicial, dele recorreu o Ministério Público, pedindo a sua revogação e que seja ordenada a sua “substituição por outro em que o Tribunal a quo, considerando tempestiva a sujeição do processo para validação do segredo de justiça, venha a validar tal determinação nos termos e para os efeitos do disposto no art. 86º, nº 3, do CPP”.

Extraiu o recorrente as seguintes conclusões da motivação de recurso:

“1. O objecto do presente recurso é o despacho proferido pelo Mm.º Juiz a quo, em 14/03/2024 [ref.ª …], no qual se decidiu não validar a sujeição dos presentes autos a segredo de justiça por se encontrar ultrapassado o prazo de 72 horas, a que alude o art. 86º, nº 3 do CPP.

2. O despacho recorrido, ao não ter sindicado a decisão de sujeição do processado ao regime do segredo, não se limitou a prover ao normal andamento do processo antes se debruçou sobre matéria com impacto nos termos em que o acesso ao processado pode ser obtido e com natural repercussão nos termos do escrutínio processual (e mesmo extraprocessual) dos actos praticados no seu seio; como tal, é legalmente recorrível nos termos do disposto no art. 399.º do CPP.

3. O presente processo iniciou-se em 06/03/2024, nele se investigando a prática sobre a menor, AA, nascida a …, de pelo menos um crime de abuso sexual de crianças (agravado), p. e p. pelos arts. 171º, nºs 1 e 2 e 177º, do CP, não se encontrando ultrapassado o prazo máximo de duração do inquérito previsto no art. 276º, nº 3, al. a) do CPP

4. Compulsados os autos constata-se o seguinte:

a. Em 07/03/2024, em sede de primeiro despacho [ref.ª, …] entre o mais, o Ministério Público determinou a sujeição dos presentes autos ao regime do segredo de justiça (cfr. art. 86.º do CPP).

b. Em 08/03/2024, em cumprimento de tal despacho, o processo foi remetido, pelos Serviços do DIAP de …, electronicamente, aos Serviços da Unidade Central de …, para “distribuição como Inquérito (Ato jurisdicional)” [ref.ª …].

c. Simultaneamente, na mesma data, o suporte físico do mesmo foi enviado, por correio registado [ref.ª …].

d. Em 12/03/2024, o processo foi “fisicamente” recepcionado na Unidade Central de … [ref.ª …].

e. Pelo que, só em 13/03/2024, os Serviços da Unidade Central de …, distribuíram os autos ao Juízo de Instrução Criminal de … [ref.ª …] para “Inquérito (Atos jurisdicionais).

f. Em 14/03/2024, foram os mesmos conclusos [ref.ª …], na sequência do que foi proferido o despacho de que se recorre.

5. O Mm.º Juiz de Instrução entendeu que o prazo de 72 horas previsto no art. 86.º, nº 3 do CPP, no que tange à validação da determinação da sujeição dos autos ao regime do segredo foi ultrapassado. Porém, o Ministério Público entende que não!

6. Por força do disposto no art. 1.º, nº 2 da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, o Ministério Público, ao remeter, em 08/03/2024, os presentes autos, electronicamente, à Unidade Central de … [ref.ª …], no prazo legalmente estipulado para o efeito, cumpriu o previsto no art. 86.º, nº 3 do CPP, já que sujeitou, dentro de 72 horas, a sua determinação à validação do Juiz, cumprindo o desiderato da norma de, em curto espaço de tempo, sujeitar à apreciação do Juiz de Instrução a determinação de aplicação do regime do segredo ao processo (em termos paralelos face à identidade das redacções veja-se a este propósito o Ac. do TRC de 09/01/2008, proferido no âmbito do proc. n.º2/05.0GAAND.C1, disponível in www.dgsi.pt).

7. Ademais, em 08/03/2024 procedeu-se à simultânea remessa do suporte físico inexistindo qualquer razão para indeferir a solicitada sujeição a segredo do processo, uma vez que sempre o acto terá de ser considerado praticado tempestivamente – cfr. arts. 104.º do CPP e 144.º, nº 7, al. b) do CPC.

8. Não pode imputar-se ao Ministério Público o eventual atraso dos Correios (CTT) na entrega do processo físico 1, nem o lapso de tempo decorrido entre a remessa electrónica dos autos aos Serviços da Unidade Central de … e a sua posterior distribuição e “abertura de conclusão” ao Mm.º Juiz de Instrução.

9. Na verdade, com a remessa electrónica dos autos à Unidade Central de …, em 08/03/2024, para “distribuição para acto jurisdicional”, o Ministério Público cumpriu com o que lhe era legalmente exigível pelo disposto no art. 86.º, nº 3 do CPP, sendo alheio, por não poder controlar as acções de terceiros, a quaisquer outras vicissitudes na tramitação dos autos.

10. Assim, conclui-se pela inexistência de motivo para o Mm.º Juiz a quo indeferir a validação da sujeição dos autos a segredo de justiça, por, alegadamente, se encontrar ultrapassado prazo de 72 horas a que alude o art. 86.º, nº 3, do CPP.

11. Razão pela qual o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 86.º, nº 3 e 104.º ambos do CPP, art. 1.º, nº 2 da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, e art. 144.º, nº 7, al. b) do CPC.”.

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3. Por despacho judicial de 12 de abril de 2024, foi admitido o recurso, tendo o Senhor Juiz de Instrução Criminal, sem proferir despacho de sustentação da decisão recorrida, ordenado a remessa do recurso a este Tribunal.

4. Neste Tribunal, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

5. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.

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II – QUESTÕES A DECIDIR.

Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»).

Atentas as conclusões apresentadas, a questão a examinar e decidir é, apenas, a de saber se foi intempestiva a apresentação dos autos para validação da decisão que determinou a sujeição do inquérito a segredo de justiça.

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III –FUNDAMENTAÇÃO.

Para apreciação da questão a decidir relevam as seguintes circunstâncias que resultam dos autos:

i. Em 07/03/2024 (quinta-feira), em sede de primeiro despacho [ref.ª …], entre o mais, o Ministério Público determinou a sujeição dos autos a segredo de justiça;

ii. Em 08/03/2024 (sexta-feira), em cumprimento de tal despacho, o processo foi remetido, pelos Serviços do DIAP de …, eletronicamente, aos Serviços da Unidade Central de …, para “distribuição como Inquérito (Ato jurisdicional)” [ref.ª …];

iii. Simultaneamente, na mesma data, o suporte físico do mesmo foi enviado, por correio registado [ref.ª …];

iv. Em 12/03/2024 (terça-feira), o processo foi “fisicamente” rececionado na Unidade Central de … [ref.ª …];

v. Em 13/03/2024, os Serviços da Unidade Central de …, distribuíram os autos ao Juízo de Instrução Criminal de … [ref.ª …] para “Inquérito (Atos jurisdicionais);

vi. O despacho recorrido foi proferido em 14.03.2024.

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Cumpre apreciar.

A matéria controvertida obriga-nos, desde logo, a tomar posição sobre a natureza do prazo previsto no artigo 86º, nº 3, do Código de Processo Penal.

O preceito dispõe que “Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas.” (destacado nosso).

A mesma expressão “… no prazo máximo de setenta e duas horas” é utilizada pelo Legislador na parte final do nº 6 do artigo 178º do CPP (“As apreensões efetuadas por órgão de polícia criminal são sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de setenta e duas horas”).

Como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 6 de fevereiro de 2013 (1), o “prazo de 72 horas referido naquele normativo é, a nosso ver, um prazo de mera ordenação processual e a sua ultrapassagem não tem qualquer reflexo sobre a validade das apreensões levadas a cabo. Com efeito, se bem vemos tal prazo tem tão-somente por escopo controlar os atos processuais com reflexos sobre direitos, nomeadamente sobre o direito de propriedade, impondo-se à autoridade que tome posição sobre o motivo das apreensões levadas a cabo de forma a evitar que se conservem apreendidos bens cuja apreensão já se não legitime.”.

Do mesmo modo se deverá entender o prazo estabelecido no artigo 86º, nº 3, do Código de Processo Penal.

A sujeição do inquérito a segredo de justiça pode prejudicar de forma intolerável os direitos de defesa do arguido, tal como a sua não determinação pode prejudicar também de forma grave a eficácia da investigação (com todas as consequências daí decorrentes, que em último caso se relacionam com a necessidade de segurança e de paz jurídica) e/ou afetar de forma igualmente intolerável direitos de outros sujeitos processuais (2).

Porque pode ocorrer tal afetação de direitos fundamentais, a sujeição do inquérito a segredo de justiça não pode deixar de implicar a intervenção do juiz de instrução criminal. Mas o escopo do prazo estipulado no nº 3 do artigo 86º não é outro que o de controlar o ato processual do Ministério Público de decretamento do segredo, por suscetível de ter reflexos sobre direitos fundamentais, impondo-se a intervenção célere do juiz, a quem cabe efetuar a ponderação sobre a justificação da aplicação desse regime excecional e restritivo.

Tal como sucede com a validade das apreensões referidas no artigo 178º, nº 6 do CPP, também a “validade” do ato de decretamento do segredo de justiça pelo Ministério Público não será afetada pela ultrapassagem do prazo de 72 horas previsto no art. 86º n.º 3 do CPP. O que o Legislador pretendeu ao estipular o prazo foi apenas garantir a celeridade da apresentação do processo ao juiz de instrução para controlo jurisdicional da decisão do Ministério Público, sem se pretender impor ao JIC um prazo perentório para o ato de validação.

Por isso, validada que seja pelo juiz de instrução a aplicação do segredo de justiça ao inquérito pelo Ministério Público, os efeitos do despacho judicial retroagem ao dia da aplicação do segredo de justiça pelo Ministério Público.

No caso concreto, o despacho de aplicação do segredo de justiça foi proferido em 07.03.2024, tendo nessa data sido ordenada a apresentação do processo ao JIC para validação.

O Senhor Juiz de Instrução Criminal a quo entendeu que o processo lhe foi presente para despacho após o decurso das referidas 72 horas e, por isso não validou a decisão do Ministério Público de aplicação aos autos do segredo de justiça – “Por conseguinte, facilmente se constata que o prazo máximo de 72 horas a que alude o artigo 86.º, n.º 3, do Código de Processo Penal se encontra ultrapassado…”.

Extraiu, dessa forma, consequências que vão muito para além do que pretendeu o Legislador com a fixação do prazo.

No caso concreto, verifica-se que o Ministério Público agiu com a máxima celeridade na apresentação dos autos para efeito de validação. Logo no dia seguinte ao despacho de decretamento do segredo, o processo foi remetido eletronicamente para o Juízo de Instrução de …, mais concretamente Serviços da Unidade Central de …, para “distribuição como Inquérito” (Ato jurisdicional)” (ref.ª citius …). Uma vez que os autos corriam termos no DIAP de …, o processo físico foi remetido para …, via CTT. Resulta do calendário que o dia 08.03.2024 foi uma sexta-feira, pelo que só houve manuseamento/distribuição de correio no dia útil seguinte (11.03.2024). Por isso, sem sequer se poder falar em “atrasos dos Correios”, foi em 12/03/2024 (terça-feira), que o processo foi “fisicamente” rececionado na Unidade Central de … [ref.ª …].

É incontornável que o Ministério Público apresentou, em tempo, o processo por via eletrónica em 08.03.2024 (refª citius – …) - dia seguinte ao da prolação do despacho que decretou a aplicação do segredo de justiça – e fê-lo em obediência ao disposto na Portaria nº 280/2013, de 26 de agosto, que regula a tramitação eletrónica dos processos judiciais.

O regime regra é o da tramitação eletrónica dos autos. E precisamente por isso, não merece acolhimento o entendimento do Senhor Juiz de Instrução Criminal de que o que valia e relevava era a apresentação física dos autos.

Como acertadamente se refere no recurso: “… tendo presente que a Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, dispõe no art. 1º, nº 2 que «No que respeita à tramitação eletrónica dos processos penais nos tribunais judiciais de 1.ª instância, o regime previsto na presente portaria é aplicável a partir da receção dos autos em tribunal a que se referem o n.º 1 do artigo 311.º e os artigos 386.º, 391.º-C e 396.º do Código de Processo Penal e, apenas no que respeita à distribuição por meios eletrónicos, aos atos processuais que careçam de intervenção jurisdicional até esse momento» temos que o Ministério Público, ao remeter, em 08/03/2024, o processo eletronicamente, no prazo legalmente estipulado, cumpriu o previsto no art. 86.º, nº 3, do CPP, já que sujeitou, dentro de 72 horas, a sua determinação à validação do Juiz, cumprindo o desiderato da norma de, em curto espaço de tempo, sujeitar à apreciação do Juiz de Instrução a determinação de aplicação do regime do segredo ao processo…”.

Por isso, não pode acolher-se o entendimento que subjaz ao despacho recorrido.

No caso em apreço, os autos foram oportunamente remetidos eletronicamente em 08.03.2024 - dia seguinte ao da prolação do despacho pelo Ministério Público – não havendo razão para se considerar que a validação já não poderia ocorrer, por ultrapassagem do prazo máximo de 72 horas a que alude o artigo 86.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Dessa forma, extraíram-se consequências que o Legislador não pretendeu, posto que a celeridade do processamento foi devidamente acautelada, sem haver margem para qualquer reparo acerca do procedimento do Ministério Público.

Assim, o recurso deve proceder, impondo-se revogar a decisão proferida, que deverá ser oportunamente substituída por outra na qual, considerando atempadamente apresentados os autos para validação, o Senhor Juiz de Instrução Criminal proceda à ponderação de interesses pressuposta pelo artigo 86º, nº 3, do Código de Processo Penal.

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IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, em revogar a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra na qual, considerando atempadamente apresentados os autos para validação da aplicação ao inquérito do segredo de justiça, o Senhor Juiz de Instrução Criminal proceda à ponderação de interesses pressuposta pelo artigo 86º, nº 3, do Código de Processo Penal.

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Sem custas.

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D.N.

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O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).

Évora, 7 de maio de 2024

Jorge Antunes (Relator)

Anabela Cardoso (1ª Adjunta)

Nuno Garcia (2º Adjunto)

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1 Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 06.02.2013 – Relatora: Eduarda Lobo – acessível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/28cb03199104d3d480257b1900560eea?OpenDocument

2 Cfr. Maria do Carmo Silva Dias, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Edições Almedina, dezembro de 2019, pág. 926, em anotação ao artigo 86º do Código de Processo Penal.