| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | ELISABETE VALENTE | ||
| Descritores: | INOFICIOSIDADE LEGÍTIMA VALOR AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
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| Data do Acordão: | 10/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ANULADA A SENTENÇA RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
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| Sumário: | 1. Justifica-se que que o interessado recorra ao processo comum para pedir a declaração de inoficiosidade das liberalidades que atinjam a sua legítima, nos casos em que não haja lugar à partilha, nem liquidação de dívidas, quando os AA são os herdeiros legitimários e quando as liberalidades foram feitas a favor de quem não assume aquela qualidade. 2. É questão fundamental apurar o valor das liberalidades para a recomposição da herança e a redução das mesmas, que ocorrem quando a liberalidade excede a quota disponível do doador, prejudicando os herdeiros legitimários. 3. Deve ser considerado o valor de mercado à data do óbito, já que os valores patrimoniais ficam consideravelmente aquém do valor de mercado dos imóveis, mas é necessária a avaliação das liberalidades em causa, com vista ao apuramento do seu valor de mercado, à data do falecimento do autor da sucessão, para apreciar da inoficiosidade (ou não) das mesmas. 4. Impõe-se o uso dos poderes cassatórios (oficiosos) previstos no art. 662º, nº 2, a) do CPC ordenando-se a ampliação da matéria de facto para consagrar o valor de mercado referido, o que deve ser feito através de perícia por implicar matéria de natureza técnica. | ||
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| Decisão Texto Integral: | 512/22.5T8STR.E1 
 Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório. AA, BB e herança aberta por óbito de CC, representada pelo cabeça-de-casal e herdeiro, AA, intentaram a presente acção de processo comum, contra, DD, pedindo que, pela procedência da acção, seja a Ré: a) condenada a pagar/restituir à 3ª Autora, a quantia de € 82.000,00 (oitenta e dois mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa supletiva legal de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento, e correspondente ao valor da venda dos usufrutos, recebidos e não entregues pela Ré, ao falecido CC, ou à herança deste, e b) condenada a pagar/restituir aos 1º e 2º Autores, a quantia de € 94.174,58 (noventa e quatro mil, cento e setenta e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa supletiva legal de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento, correspondente ao valor da reintegração das legítimas dos 1º e 2º Autores; Alegam em síntese que são únicos herdeiros do seu pai, falecido em ..-..-2021, no estado de divorciado de sua mãe. À data do óbito não estava, na sua titularidade 5 imóveis objecto de liberalidades em vida do falecido à Ré, no valor de 191.795,20 euros, que devem ser objecto de redução, pelo montante de 94.174,58 euros, cujo pagamento deve ser efctuado pela Ré aos AA. A Ré invocou o erro na forma do processo e a ineptidão da PI, a par da impugnação parcial da factualidade alegada. No saneador foi adequada a instância, retirando do lado ativo a 3ª Autora, a herança, mantendo os 1º e 2º Autores, enquanto herdeiros e em representação daquela, e que conheceu igualmente da arguida excepção de erro na forma de processo, que julgou inverificada, assim como a ineptidão da Petição Inicial, igualmente julgada inverificada. Procedeu-se a julgamento. Veio a ser proferida sentença, que julgou a presente acção totalmente procedente, por provada, e em consequência: a) condeno a Ré a restituir aos Autores, a quantia de € 82.000,00 (oitenta e dois mil euros), correspondente ao produto da venda dos usufrutos, por si recebidos e não entregues ao falecido CC, e b) condeno a Ré a pagar aos Autores, a quantia de € 37 661,98 (trinta e sete mil, seiscentos e sessenta e um euros e noventa e oito cêntimos), correspondente ao valor do preenchimento da legítima, da herança aberta por óbito de CC, c) quantias essas acrescidas dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa supletiva legal de 4% ao ano, desde a citação da Ré e até efectivo e integral pagamento. Os AA. recorreram apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): «A) Salvo o devido respeito, a douta decisão da primeira instância faz uma errada interpretação dos factos, da prova e do direito; B) A condenação relativa ao pedido de condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de 37.661,98 €, correspondente ao valor do preenchimento da legítima da herança aberta por óbito de CC resulta da errada interpretação dos factos e da aplicação da lei; C) Entre 14 de Outubro de 1994 e 2 de Maio de 2002, o CC adquiriu cinco imóveis cujo valor patrimonial totalizava 135.217,89 €; D) Àdata do seu óbito, o património da herança correspondia ao montante de 6.355,55 €; E) Os imóveis que tinham sido propriedade do CC deveriam integrar o respectivo acervo hereditário caso este não tivesse, em vida, disposto dos mesmos; F) O que fez, doando à Ré, em 15 de Janeiro de 2015, a nua propriedade de um dos imóveis com o valor patrimonial de 40.550,00 €, correspondendo à nua propriedade o valor patrimonial de 26.357,50 € e ao usufruto o valor patrimonial de 14.192,50 € (cfr. sentença, factos provados 9, a)); G) Doando à Ré, em 19 de Março de 2015, um outro imóvel com o valor patrimonial de 76,32 € (cfr. sentença, factos provados 9, b)) H) E cedendo à Ré, em 13 de Janeiro de 2018, por contrato de renda vitalícia, a nua propriedade dos restantes três imóveis (sentença, factos provados, 8, a), b), c)), reservando para si o seu usufruto vitalício, cujos valores patrimoniais somam a quantia de 92.430,80 €, sendo o total do valor patrimonial da nua propriedade de 64.701,56 € e o total do valor patrimonial do usufruto de 27.729,24 € (cfr. sentença, factos provados 9, c) e PI, doc 17); I) O CC e a Ré viriam, subsequentemente a vender os imóveis relativamente aos quais subsistia o usufruto em benefício daquele; J) O que fizeram nos seguintes termos: K) Em 31 de Julho de 2019, o imóvel referido em 8. a), pelo preço de 39.500,00 €, correspondendo o usufruto a 11.850,00 € e a nua propriedade a 27.650,00 € (vd. factos provados 10. a) e 12); L) Em 15 de Novembro de 2019, o imóvel referido em 8. c), pelo preço de 137.500,00 €, correspondendo o usufruto a 41.250,00 € e a nua propriedade a 96.250,00 € (vd. factos provados 10. b) e 14); M) Em 23 de Janeiro de 2020, os imóveis referidos em 8. b) e d), pelo preço de 83.000,00 €, correspondendo o usufruto a 28.000,00 € + 900,00 € = 28.900,00 €, e a nua propriedade a 52.000,00 € + 2.100,00 € =54.100,00 € (vd. factos provados 10. c) e 16). N) Correspondendo o preço de venda de todos eles a 260.000,00 € (cfr. sentença, factos provados, 10); O) Preço no qual se inclui o montante de 82.000,00 € relativo ao direito de usufruto do CC sobre todos estes imóveis (cfr. sentença, factos provados, 11), recebido pela Ré e que determinou a procedência do primeiro pedido; P) E o montante de 178.000,00 € correspondente à venda da nua propriedade a terceiros, pela Ré. Q) Conforme estabelece a norma do artigo 2162.º, n.º 1, do Código Civil, para cálculo da legítima deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança; R) Para determinação do valor dos bens doados, a sentença considera o respectivo valor patrimonial; S) Dos instrumentos de doação e de renda vitalícia resulta a atribuição do valor correspondente ao valor patrimonial dos imóveis; T) Tal referência serve o requisito legal de indicação de tal valor para efeitos fiscais, sendo normal e provável que se refira ao menor valor possível, isto é, ao valor patrimonial, porquanto tal determina um encargo fiscal, também menor. U) Isto é, a referência ao valor patrimonial nos actos de doação tem natureza formal e não revela o efectivo valor das doações, a que se refere o artigo 2162.º, n.º 1, do Código Civil. V) Nos termos do disposto no artigo 2109.º, n.º 1, aplicável ao caso, o valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão. W) O facto que melhor revela o valor dos bens doados, na data mais próxima da data de abertura da sucessão, é o valor de mercado determinado na data da sua venda e desta resultante (cfr. Factos provados 12, 14 e 16), e deve ser este o valor atribuído às doações e não o valor patrimonial indicado no acto de doação. X) A sentença em crise viola a norma do artigo 2109.º, n.º 1, do Código Civil. Y) O cálculo da legítima dos Autores deverá ser, tendo em conta os valores de venda da nua propriedade dos imóveis em apreço (cfr. sentença, factos provados, 10, a), b) e c), 12, 14, 16), acrescido da doação do prédio rústico, calculada pelo valor patrimonial (factos provados, 8. e)) e do valor dos bens existente à data do óbito (factos provados, 7): a) Valor da venda dos usufrutos: 82.000,00 € b) Doações calculadas pelo valor de venda: 178.000,00 € c) Doação do prédio rústico (valor patrimonial): 76,32 € d) Bens da herança à data do óbito: 6.355,55 € Z) Calculando-se, assim, a legítima dos Autores a partir do total destes valores, que é de 266.431,87 (cfr. artigo 2162.º, n.º 1, do Código Civil): (82.000,00 + 178.000,00 + 76,32 + 6.355,55) AA) E sendo a legítima de 2/3 deste valor: 266.431,87 X 2/3 = 177.621,25 BB) Estando garantido o recebimento, pelos Autores, do montante de 88.355,55 €, no qual se inclui a condenação no primeiro pedido, deve, ainda a Ré ser condenada a pagar aos Autores a quantia de 89.265,70 €, correspondente ao valor em falta para o preenchimento da legítima. Nestes termos, e nos demais de Direito, requer-se a V. Exas. que se dignem considerar o presente recurso totalmente procedente, revogando-se a decisão proferida em primeira instância, quanto ao segundo pedido, e substituindo-a por outra que, quanto a este pedido, declare procedente a acção, condenando-se a Ré a pagar aos Autores a quantia de 89.265,70 € (oitenta e nove mil, duzentos e sessenta e cinco euros e setenta cêntimos), correspondente ao valor em falta para preenchimento da legítima da herança aberta por óbito de CC, acrescida da juros de mora vencidos e vincendos, Assim se fazendo a costumada Justiça!» Inconformada Ré também veio interpor recurso, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): 1) Foi proferida sentença que julgou a ação procedente, por provada e, consequentemente: a) Condenada a R. a restituir aos AA. a quantia de 82000,00 € (oitenta e dois mil euros), correspondente ao produto de venda dos usufrutos, por si recebidos e não entregues ao falecido CC e, b) Condenada a R. a pagar aos AA. a quantia de 37661,98 € (trinta e sete mil seiscentos e sessenta e um euros e noventa e oito cêntimos), correspondente ao valor do preenchimento da legitima da herança aberta por óbito de CC; 2) Esta decisão final que foi precedida de despacho saneador que julgou improcedentes as excepções alegadas pela R., em sede de contestação e que, não se enquadrando nas situações de recurso imediato, não transitaram em julgado e aqui se impugnam, com o presente recurso da decisão final, nos termos e de acordo com o artigo 644º nº 3 do CPC, 595º nº 3, 620 nº 1 e 628º do CPC; 3) A ação de redução de liberalidades, por inoficiosas, prevista no artigo 2168º do CC, será́, neste caso concreto, necessariamente recorrer ao processo de inventário e, por referência à doutrina e jurisprudência que tem entendido que, em caso de pluralidade de herdeiros, é o processo de inventário o meio adequado pois, só nos casos de um único herdeiro legitimário, a ação declarativa pode ser utilizada; 3) É no processo de inventário - artigo 1082º nº 1 al.b ) do CPC - que cabe proceder à averiguação de quais os bens que pertencem à herança, qual o ativo e o seu passivo, averiguar da existência de liberalidades inoficiosas, bem como à sua eventual redução, pois que no caso de existir mais que um herdeiro, a atribuição dos bens envolve operações de partilha; 4) A decisão sobre inoficiosidade é exercitada pela via de incidente em processo de inventário, seguindo os tramites previstos e regulados no artigo 1118º do CPC, pois que a concretização de tal redução está sujeito aos tramites e operações previstos nos artigos 2169º e segs. do CC e no artigo 1119º do CPC; 5) Na presente ação, temos mais que um herdeiro legitimário, não é peticionada sequer o reconhecimento da herança, nem a declaração da inoficiosidade das liberalidades e, existindo mais do que um herdeiro que aparecem como titulares de um património hereditário, cria-se uma situação de indivisão que é necessário pôr termo por via da partilha, concretizando o direito de cada titular em elementos determinados; 6) Sendo este o entendimento da doutrina e jurisprudência, atenta a nova Lei 117/2019 de 13.09 que veio regulamentar a tramitação dos processos de inventário instaurados nos tribunais e, que apela assim a um princípio da concentração, com o incidente de inoficiosidade previsto nos artigos 1118 e 1119 do CPC; 7) O artigo 1118º do CPC prevê̂ os tramites da discussão e apreciação da inoficiosidade, que termina com uma decisão que versa sobre a existência de inoficiosidade e, na afirmativa é determinado a restituição à herança, nos termos do artigo 1119 do CPC; 8) Pelo que, o tribunal “ a quo” ao entender não existe erro na forma do processo incorreu em erro de julgamento, violando o disposto legal previsto no artigo 2168 do CC e 1118º e 1119º do CPC, devendo a decisão ser revogada e ser julgada procedente a exceção de erro na forma do processo, nos termos do artigo 193º do CPC, com a nulidade de todo o processado e absolvição da R. da instância; 10) Decidiu igualmente o “tribunal a quo” pela improcedência da exceção de ineptidão da petição inicial, nos termos dos artigos 193º nº e 2 do CPC, considerando que a R. ao contestar entendeu perfeitamente aquela petição. 11) Com o devido respeito, a recorrente invoca a ineptidão, não com aquele fundamento, mas com o fundamento da ineptidão de pedidos, por não poderem ser cumulativos, por incompatíveis entre si, nos termos e de acordo com os artigos 588º e 186º nº 1 al. c) do CPC; 12) Os AA. peticionam a restituição à herança da quantia referente aos valores da venda dos direitos de usufruto do falecido, em vida, a terceiro, alegando que a R. os recebeu indevidamente e não os entregou ao irmão, nem aos AA., fundamentando existir um enriquecimento sem causa, nos termos e de acordo com o artigo 473º do CC; 13) E, cumulativamente, peticiona a restituição de uma outra quantia para reintegração das suas legitimas e onde contabiliza esses mesmo valores de venda dos usufrutos pelo de cujos em vida e a terceiro correspondendo a uma ação de redução de liberalidades, por inoficiosa, prevista e regulada no artigo 2168º do CC; 14) Não se peticiona o reconhecimento da herança e da qualidade de herdeiros, nem a declaração de inoficiosidade para, se proceder à redução e por forma a cumprir as regras estabelecidas nos artigos 2171º e segas do CC e artigo 1119º do CC, o que consubstancia uma ausência absoluta do pedido, nos termos do artigo 186º nº 2 al. a) do CPC, o que é insuprível e determina a nulidade, inviabilizando o conhecimento de mérito; 15) Por outro lado, as reduções inoficiosas tratam-se de um mecanismo que visa proteger a intangibilidade quantitativa da legitima no sistema sucessório português, tratando-se de um instituto que visa limitar a vontade do de cujos, privilegiando a sucessão legitimaria em detrimento da liberdade de disposição patrimonial. 16) O pedido de devolução das quantias a título de enriquecimento sem causa, relativamente ao direito de usufruto alienados a terceiro pelo falecido em vida, trata-se de um ato de disposição que o falecido pode praticar e dispor em vida como bem entender. 17) Resultando que a ação baseada nas regras do instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo recorrer-se a ela quando a lei não facultar ao empobrecido outros meios de reação, o que implica que não pode ser pedido cumulativamente com outros direitos, mas apenas quando outras ações não forem aplicáveis; 18) No presente caso, o pedido não é subsidiário,, mas cumulativo, pelo que deverá aqui a decisão ser revogada por outra que julgue a exceção procedente, por incompatibilidade na cumulação de pedidos, nos termos e de acordo com o artigo 1268º e 474º nº 3 do CC, 588º e 186º nº 1 al. a) e c) do CPC, declarando a nulidade de todo o processado. 19) Sucede ainda que, durante o processo foram carreados documentos que os valores da venda do falecido em vida, a terceiro foram depositados mediante três cheques numa conta bancária coletiva solidária que é co titulada não só pela R., mas também pelas suas filhas EE e FF, testemunhas do processo; 20) Ora, as contas bancárias solidárias nos termos e de acordo com o regime legal previsto nos artigos 515 a 517º do CC, são aquelas em que os titulares podem movimentar a conta livremente e, relativamente à propriedade desse dinheiro, nas relações entre si, presumem-se que os devedores comparticipam em partes iguais na divida ou no crédito, explicitando o artigo 515º nº 2 do CC que, em caso da herança só conjuntamente podem ser exonerados, para além do artigo 517º que prevê um litisconsórcio necessário; 21) E que, claramente foi preterido neste processo, pois que na fundamentação da sentença se refere que a R. é co- titular, para se concluir, sem mais que fez o dinheiro seu e o não entregou, quando estes valores foram depositados pelo falecido e pelos terceiros compradores na conta bancária destas três pessoas, titulares da conta; 22) Neste caso concreto, com estes elementos documentais carreados para o processo, incumbia ao Juiz, ao abrigo do disposto nos artigo 6º nº 2 e 590º nº 1 do CPC a prolação de um despacho vinculado, convidando os AA. Ao suprimento de um pressuposto processual suscetível de sanação, como é a exceção de litisconsórcio necessário passivo, através da adequada intervenção dos terceiros interessados. 23) Esta preterição implica a revogação desta sentença, por outra que decida pela nulidade de todo o processado, com absolvição da R., nos termos e de acordo com os artigos 33º, 576º, 577º nº 1 al. e) e 578º do CPC; 24) Também a recorrente não se conforma com a decisão proferida sobre a matéria de facto, que se impugna, nos termos e de acordo com o artigo 640º do CPC, pois que, os factos provados em 9, 13, 15, 17, 18, 22, 23 e 24 e os factos não provados em c. a g. foram incorretamente julgados, por existirem provas documentais e plena que, só por si implicam decisão diversa, nos termos do artigo 616º nº 2 al. a), um erro notó rio na apreciação da prova e contradição entre a fundamentação e a decisão que geram ambiguidades e obscuridade ininteligível, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 do CPC; 25) O facto provado em 9., conclusivo, viola o princípio da livre disposição patrimonial, dado que as pessoas em vida são livres para dispor do seu património, inexistindo restrições legais para a venda de imoveis a terceiros. Pelo que, não pode o acervo hereditário calculado, tendo por base, essas vendas realizadas a terceiro e, em vida. O acesso hereditário é identificado no momento da abertura da sucessão, que coincide com a data da morte do autor (cf. artigo 2031º do CC), compreendendo os bens existentes no património do falecido à data do óbito. 26) Pelo que, contabilizar no acervo hereditário os quatro imoveis que foram, antes e em vida, vendidos a terceiro configura um erro de julgamento, violador do artigo 2162º do CC; 27) Os factos provados em 13, 15 e 17 também terão de ser alterados, pois que estão no processo documentos que, só por si, implicam decisão diversa, nomeadamente, que demonstram que a R. não foi quem recebeu o dinheiro dos produtos da venda dos usufrutos e que o fez seu, que são: as escrituras de compra e venda em que CC declara que recebeu os valores e dá quitação; os documentos/ordens de depósitos dos cheques dos compradores na conta co titulada pela R. e filhas e o cheque emitido à ordem de CC e por ele endossado. 28) O facto provado em 18. terá́ de ser considerado como não provado, considerando que está demonstrado e consta expresso na fundamentação da douta sentença que, foi CC que quis e decidiu que as quantias fossem depositadas nesta conta bancária. Não existe prova que CC não recebeu o dinheiro e, muito menos que a R. fez seu o dinheiro e, alguma vez tivesse sido interpelada ou estivesse obrigada a devolvê-lo, o que configura um erro notório na apreciação da prova e contradição entre os factos provados e a fundamentação da sentença, o que aqui se impugna. 29) Os factos provados em 22 e 23 deverão também serem alterados, pois o património imobiliário do de cujus não entram os valores de venda feitas em vida a terceiro. À data da morte, o acervo patrimonial é o descrito no facto provado em 7 e, para efeitos de redução de liberalidades, terão de ser ter em conta o valor das doações feitas em vida; 30) Os factos não provados de c. a g. deverão constar do elenco dos factos provados, dado que resulta claro da documentaçãõ o que o falecido tinha dividas e execuções pendentes contra si; 31) As declarações prestadas e que constam nas escrituras publicas fazem prova plena dos factos ali atestado, pelo que não pode o tribunal dar como não provado que CC recebeu o dinheiro, sob pena de violação do disposto no artigo 371º do CC; 32) Á cautela, caso se entende esta ação ser possível, sempre se dirá que discordamos da contabilização dos valores para efeitos de “reintegração das legitimas”, por violação do disposto no artigo 2162º do CC, visto não poderem ser contabilizados os valores referentes aos contratos onerosos celebrados em vida pelo falecido com terceiros, como já́ foi dito; 33) Assim, como não pode ser contabilizado, para efeitos de redução de liberalidade, os valores dos imoveis, objeto do contrato de renda vitalícia celebrado entre CC e a R., pois que se trata de um contrato bilateral, oneroso (com obrigações para ambas as partes) e, não uma liberalidade, sob pena de violação do artigo 2162º do CC. 34) Por último, relativamente à condenação da R. na Restituição de quantias, “por indevidamente recebidas e ter feito suas” reiteramos que não pode proceder, nem mesmo através dos mecanismos da ação de petição de herança prevista o artigo 2075º do CC, como parecer referir a sentença. 35) Desde logo, porque esta ação é um mecanismo judicial com a finalidade de ser reconhecido o título ou estatuto de herdeiro e, a consequente restituição de bens indevidamente apropriados. 36) Não se vislumbrando nesta Acão, por um lado, qualquer pedido de reconhecimento do estatuto de herdeiros e, por outro qualquer alegação de apropriação “indevida”, por ilegal e ilícita, dado que na petição inicial é referido (artigo 39º) pelos AA que, CC consentiu que a obrigação de pagamento fosse para a irmã, invocando o disposto no artigo 770º do CC; 37) Alegando-se naquela petição um enriquecimento injustificado da R., peticionando a restituição, com base no enriquecimento sem causa, previsto no artigo 473º do CC que, como já́ defendemos supra, não pode proceder, pois se tratam de atos de disposição praticados em vida e que o falecido pode dispor como bem entender, 38) Bem como, a natureza subsidiária deste instituto (artigo 474 do CC) impede que se possa recorrer cumulando-a com outras ações ou direitos. 39) Pelo que, também aqui deverá a sentença ser revogada e alterada por outra que julgue a exceção de nulidade, por violação do disposto no artigo 474º do CC; 40) Nem se mostrando reunidos quaisquer pressupostos de facto e de direito para uma ação de petição de herança, nos termos do artigo 2075º do CC; 41) Devendo assim a presente sentença ser revogada por outra, absolvendo-se a R. e com todas as consequências legais, 42) E, assim ser feita a devida e acostumada JUSTIÇA» Contra-alegaram os AA. Com as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): « A) As presentes contra-alegações não prejudicam o que os ora Recorridos alegam e peticionam no seu recurso. B) As questões que se colocam nos presentes autos são as seguintes: a) A obrigação de restituição do montante de 82.000,00 €, indevidamente recebido pela Ré, ora Recorrente; b) A redução de liberalidades inoficiosas, por ofenderem a legítima dos herdeiros, pelo montante de 94.174,58 €. C) As normas do artigo 1082.º, al. a) e b), do Código de Processo Civil, estabelecem que “O processo de inventário cumpre, entre outras, as seguintes funções: a) Fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens; b) Relacionar os bens que constituem objeto de sucessão e servir de base à eventual liquidação da herança, sempre que não haja que realizar a partilha da herança;” D) Não se alcança que a restituição do montante peticionado, por ter sido indevidamente recebido, implique ou, sequer, seja conexa com o relacionamento de bens da herança ou com a sua liquidação; E) Também, no que se refere à redução de liberalidades, não se pretende partilhar ou relacionar quaisquer bens, como refere a citada disposição do Código de Processo Civil; F) Mas sim que se condene a Ré no pagamento de quantia certa, com fundamento na inoficiosidade das liberalidades de que beneficiou; G) Por não estarem em causa operações de partilha, não tem lugar o recurso ao processo de inventário; H) O facto de, no âmbito do processo de inventário, poder ter lugar o incidente de inoficiosidade, não determina que seja o inventário o processo especial adequado à presente Acão; I) Conforme se diz na sentença do Tribunal a quo, nada na lei impõe que a eventual redução de liberalidades por inoficiosidade seja obrigatoriamente deduzida a título incidental no processo de inventário (1118.º, CPC); J) Porquanto, entre os Autores e a Ré, não existe conflito quanto à eventual partilha dos bens deixados pelo pai daqueles, referindo-se o diferendo, apenas, à circunstância de a Ré ser beneficiária de doações feitas pelo de cujus. K) Apesar de os Autores serem ambos herdeiros do de cujus, a controvérsia a decidir nos presente autos não se coloca entre estes, mas sim entre estes, conjuntamente, e a Ré, que não é herdeira legitimária. L) Pelo que, para os presentes efeitos, a pluralidade de herdeiros em nada determina o recurso ao processo de inventário. M) Não se está perante uma situação de indivisão a que é necessário pôr termo por via da partilha, porquanto, entre os herdeiros legitimários não existe diferendo, nem entre estes é necessário, nem lhes é imposto, proceder à partilha, pelo que a lei não impõe o recurso ao processo de inventário. N) Não obstante, na petição inicial, os Autores não fazerem um pedido expresso de redução do negócio jurídico por via da inoficiosidade, não deixa de ser claro que referem em b) que o valor que pedem lhes seja entregue, a saber € 94.174,58 corresponde ao valor de reintegração das suas legítimas, pelo que é bom de ver que implicitamente está indicado a existência de inoficiosidade. O) Não sendo, em consequência, os pedidos ineptos. P) A Ré entendeu perfeitamente a petição inicial, tanto que ao longo de mais de cinquenta artigos – para lá da invocação do erro na forma do processo e ineptidão da petição – apresenta a sua versão dos factos. Q) Nos termos do disposto no artigo 186.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, tendo a Ré contestado e sido ouvido o Autor, verificou-se que aquela interpretou convenientemente a petição inicial, a arguição da ineptidão não deve ser considerada procedente, R) A presente acção cumula dois pedidos diferentes, que se referem a realidades diferentes: os montantes devidos ao de cujus que a Ré, ora Recorrente, recebeu indevidamente, e que carecem de ser restituídos à herança, e a redução de liberalidades inoficiosas. S) Quanto aos montantes recebidos indevidamente, entendeu, bem, a sentença em crise que: É certo que a restituição implícita na alínea a), não se prende com redução de liberalidade por inoficiosidade, mas com a obrigação de restituição à herança, aqui representada pelos seus dois únicos e universais herdeiros, de bens da herança, enquanto acção de petição de herança, conforme art.º 2075º do Código Civil. Só subsidiariamente, art.ºs 41º e ss. da PI, se peticionou a restituição, com base no instituto do enriquecimento sem causa, conforme o disposto no art.º 473º, n.º 1 do CC. Já a restituição explícita na alínea b), prende-se com a redução de liberalidades por inoficiosidade, com a obrigação de preenchimento, pelo donatário, da legitima em dinheiro, no caso a quantia de € 37 661,98 (€ 119.661,98 - € 82.000,00), supra referida. T) Tendo os Autores formulado o pedido de restituição dos referidos montantes à herança, subsidiariamente com recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, entendeu bem a MM.ª Juiz a quo que tais montantes eram devidos nos termos do disposto no artigo 2075.º, do Código Civil. U) Ainda que se tivesse entendido que o direito dos Autores se fundasse no instituto do enriquecimento sem causa, não se manifesta qualquer incompatibilidade entre os pedidos, porquanto estes se referem a realidades diferentes e autónomas. V) Concretamente, o facto de a Ré ter recebido indevidamente montantes devidos ao de cujus, cuja restituição se peticionou, e a circunstância de as liberalidades realizadas terem carácter inoficioso. W) Estes pedidos são cumulativos (cfr. artigo 555.º, do Código de Processo Civil) por se referirem a realidades diferentes, como bem considerou a sentença da primeira instância. X) A circunstância de a Ré ter depositado em conta solidária de que é titular com as suas filhas, os montantes que recebeu indevidamente e que eram devidos ao autor da herança, não determina a preterição de litisconsórcio necessário passivo. Y) Não tem interesse para os presentes Autos o destino que a Ré deu ao montante em causa, salvo na medida em que se impôs e se logrou demonstrar que esta recebeu a contrapartida dos negócios que cabia ao de cujus. Z) Tal questão releva, simplesmente, das relações entre a Ré e as suas filhas, pois que é a Ré que é condenada a pagar aos Autores tal montante e não as suas filhas. AA) As quantias em dinheiro têm carácter fungível e, para o caso em apreço, releva a existência de um crédito por parte dos Autores e não o destino dado aos meios financeiros que manifestaram a existência desse crédito. BB) A Ré entende recorrer, com fundamento em tal preterição, da decisão proferida no despacho saneador, porém, nem a Ré alegou, na sua contestação, tal excepção, nem o despacho saneador se debruçou sobre a mesma. CC) Quanto à impugnação do facto provado 9, a Ré entende de forma errada o respectivo teor, porquanto, quando se diz que Os supra identificados prédios deveriam integrar o acervo hereditário deixado por morte de CC, não tivesse este em vida deles disposto..., resulta claro que o facto em questão corresponde à circunstância de que, o evento da disposição em vida impediu, factualmente, que os prédios se mantivessem no acervo hereditário, pese embora pudessem ter ocorrido outros. DD) Tal facto não descreve um juízo sobre a validade e normatividade de uma acção do CC, mas sim uma sequência factual de eventos. EE) E a descrição de um facto não tem, por si, o potencial de violar um princípio, seja o da alegada livre disposição patrimonial, seja outro. FF) Sendo as pessoas livres de dispor do seu património, tal não prejudica a consagração legal do regime da sucessão legitimária e dos mecanismos de redução de liberalidades que ofendam a legítima dos herdeiros que dela beneficiem. GG) A Recorrente alega contra a norma expressa no artigo 1262.º, do Código Civil porquanto neste se estabelece que, para o cálculo da legítima se deve atender ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão, bem como ao valor dos bens doados. HH) Razão pela qual, quanto ao facto 9, é totalmente insustentável a tese defendida pela Recorrente. II) Quanto aos factos provados 13, 15, 17 e 18, é irrelevante para a decisão do presente diferendo, qual o destino que a Recorrente tenha dado os montantes em questão, pelo que não existe fundamento para a sua impugnação e para a menção ao depósito, independentemente de quem fossem os titulares da respectiva conta bancária. JJ) O que se demonstrou e é relevante para a decisão do presente diferendo, é que, independentemente dos cheques emitidos, das pessoas à ordem de quem foram emitidos, os montantes não foram recebidos pelo CC, mas sim pela Ré, ora Recorrente. KK) A Recorrente confessa estes factos quando afirma que “foi o CC que quis e decidiu que as quantias seriam depositadas na conta da irmã...” - já não das suas sobrinhas, porquanto o endosso de cheques foi feito à sua irmã, Ré, ora Recorrente. LL) São total e absolutamente contraditórias, a afirmação de que os cheques tenham sido depositados em contas da Recorrente e a alegação de que “não existe qualquer prova documental ou testemunhal que o CC não recebeu o dinheiro”, pelo que a tese da Ré é insustentável. MM) Quanto aos factos provados 22 e 23, o primeiro serve o propósito de contabilizar o acervo hereditário para efeitos do cálculo da legítima, nos termos do disposto no artigo 2162.º, n.º 1, do Código Civil, cujo valor deve integrar o valor dos bens doados. NN) Sem prejuízo do que se peticiona no recurso dos Autores, no entendimento da sentença este valor resulta da soma das seguintes parcelas: a) Valor da venda dos usufrutos: 82.000,00 € b) Liberalidades calculadas pelo valor patrimonial: 91.137,42 € A que acresce o valor do bens da herança à data do óbito, 6.355,55 €; OO) Devendo a legítima dos Autores ser calculada a partir do total destes valores: 82.000,00 + 91.137,42+6.355,55 = 179.492,97 € PP) A qual é determinada da seguinte forma: 179.492,97 X 2/3 = 119.661,98 QQ) A Recorrente despreza de forma errada, por um lado, o facto de o património da herança dever incluir o montante de 82.000,00 €, correspondente ao crédito deste sobre a Ré, ora Recorrente, bem como as liberalidades a que se refere o facto provado 9 c., contabilizadas pelo valor patrimonial da respectiva nua propriedade; RR) A Recorrente, erradamente, ignora a norma do artigo 2162.º, n.º 1, do Código Civil, na parte em que se refere ao valor dos bens doados; SS) Sendo que os créditos da herança devem ser contabilizados para efeitos de determinação do património hereditário e, por conseguinte, da legítima. TT) Quanto aos factos considerados não provados c., d., e., f. e g., não se alcança das suas alegações o cumprimento do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil. UU) Pelo que a impugnação deve ser rejeitada, nos termos do n.º 1, do referido artigo. VV) Em especial, se dirá que, quanto ao facto e., de acordo com o qual resultou não provado que A R. não recebeu esse dinheiro, nem ficou com tais montantes que foram pagos, a Recorrente vem alegar que “O preço das vendas do direito de usufruto foram depositados na conta bancária co-titulada pela R. e filhas”. WW) Do que resulta que a Recorrente deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignora, com manifesta má-fé, pelo que, como tal, deve ser condenada, nos termos do disposto no artigo 543.º, do Código de Processo Penal. XX) O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 2011, publicado em www.dgsi.pt (processo n.º 184-A/1999.P1.S1), que: Na caracterização do contrato de renda vitalícia, resta acrescentar que esta, tanto pode ter natureza onerosa, como gratuita, conforme a renda tenha o carácter de um correspectivo da alienação da coisa ou direito ou simples encargo modal imposto numa atribuição gratuita, como a doação. YY) Dado o valor de 700,00 € que se atribuiu à prestação da Ré, no contrato de renda vitalícia, como contrapartida de cedência dos bens, conforme resulta do documento junto à petição inicial com o n.º 17, e dado o valor desses bens, referido, pelo menos, ao seu valor patrimonial, de 92.430,80 € (cfr. facto provado 9, c.), é forçoso concluir que estamos, efectivamente, perante uma liberalidade, pelo que, em conclusão, esta deve ser considerada como tal para efeitos da redução de liberalidades inoficiosas. Nestes termos, e nos demais de Direito, e sem prejuízo do que se peticiona no recurso dos Autores, ora Recorridos, deve considerar-se o recurso da Ré, ora Recorrente, totalmente improcedente, Assim se fazendo a costumada Justiça!» Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. Foram considerados provados na 1.ª instância os seguintes factos: 1. CC, faleceu no dia ... de ... de 2021, na freguesia de Local 1 e concelho de Cidade 1, sem outorgar testamento ou celebrar qualquer outra disposição de última vontade, e teve a sua última residência habitual na Rua 1, n.º 54, ..., Local 1, Cidade 1, distrito de Santarém, no estado de divorciado de GG, conforme assento de óbito junto como Doc. 1 com a Pi e cujo teor aqui se reproduz integralmente para os devidos efeitos legais; 2. Deixou como seus únicos e universais herdeiros, AA e BB, seus filhos, conforme escritura pública de habilitação de herdeiros, outorgada em 12 de abril de 2021, junta como Doc. 2 com a Pi e cujo teor aqui se reproduz integralmente para os devidos efeitos legais; 3. A herança aberta por óbito de CC permanece, até ao presente, indivisa; 4. Em 25 de maio de 2021, foi participado o aludido óbito à ATA, pelo 1º Autor, para efeitos de liquidação de imposto de selo, conforme Doc. 3 com a Pi e cujo teor aqui se reproduz integralmente para os devidos efeitos legais; 5. DD é irmã de CC; 6. Ao aqui Autor, AA, herdeiro legítimo na herança, supra identificada, e aberta por óbito de seu pai, CC, incumbe o cargo de cabeça de casal; 7. À data do seu óbito, o de cujus deixou, o seguinte ativo, como participado e referido em 4): a. Bens Móveis sujeitos a registo: O veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Peugeot, e modelo C, com a matrícula ..-MV-.., com o valor declarado de € 5.000,00, b. Créditos: Verba n.º 2 – 1/1 da conta de depósito à ordem, n.º 0003-..., do Banco Santander Totta, S.A., com o saldo de € 1.048,14, Verba n.º 3 – 1/2 da conta de depósito à ordem, n.º ..., do Novo Banco, S.A., com o saldo de € 307,41, totalizando tais verbas o montante de € 6.355,55; 8. Sucede que, a. em 2 de maio de 2002, CC, adquiriu a fracção autónoma, designada pela letra “A”, destinada ao comércio, correspondente ao r/c – loja, com o n.º 43-A, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua 2, n.ºs 43 e 43-A, em Cidade 2, inscrito na matriz predial urbana, da freguesia de ..., sob o artigo 377 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 2, sob o n.º 937/19890301, da freguesia de ..., concelho de Cidade 2, com registo da aquisição a seu favor, mediante Apresentação 19, de 2 de maio de 2002, com o valor patrimonial avaliado em 2019, de € 33.875,02, conforme docs. 4, 5 e 17 juntos com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; b. em 17 de março de 2000, CC adquiriu a fracção autónoma, designada pela letra “GN”, destinada a parqueamento, correspondente ao r/c – parqueamento 11, do piso zero, do Bloco 4, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua 3, n.ºs 66, 66ª, 66B, 68, 68ª, 68B, 68C, 70, 70ª, 70B, 70C, 70D, 72, 72ª, 72B, 72C, 72D, 74, 74ª, 74B, 76, 76ª e 76B, e Travessa 1, n.ºs 4 e 4A, e Rua 4 n.ºs 104, 104A, 104B e 104C, na união das freguesias de ... e ..., concelho de Cidade 3, inscrito na matriz predial urbana, da união das freguesias de ... e ..., sob o artigo 5151º e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cidade 3, sob o n.º 3606/19970812, da freguesia de ..., com registo de aquisição a seu favor, mediante apresentação n.º 5, de 17 de março de 2000, com o valor patrimonial avaliado em 2021, de € 4.039,70, conforme docs. 6, 7 e 17 juntos com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; c. em 20 de janeiro de 1995, CC adquiriu a fracção autónoma, designada pela letra “M”, destinada a habitação, com arrecadação n.º 3 no sótão e um lugar de estacionamento automóvel n.º 8 na cave, correspondente ao terceiro andar, letra C, de prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito Rua 4, n.º 76, inscrito na matriz predial urbana, da freguesia de ..., sob o artigo 1110º, e descrito na Conservatória do Registo Predial e Comercial da Cidade 4, sob o n.º 244/19890704, freguesia de ..., concelho de Cidade 4, com registo de aquisição a seu favor, mediante apresentação 3005, de 10 de abril de 2017, com o valor patrimonial avaliado em 2021, de € 56.068,60, conforme docs. 8, 9 e 17 juntos com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; d. em 25 de janeiro de 1999, CC adquiriu a fracção autónoma, designada pela letra “G”, destinada a habitação, correspondente ao segundo andar A, Piso 2, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua 5, n.ºs 81 e 81-A, em Caparica, inscrito na matriz predial urbana, da união das freguesias de ... e ..., sob o artigo 5228º, e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cidade 3, sob o n.º 3593/19980223, da freguesia de ..., concelho de Cidade 3, com registo de aquisição a seu favor, mediante a apresentação 6, de 25 de janeiro de 1999, com o valor patrimonial avaliado em 2021, de € 41.158,25, conforme docs. 10, 11 e 14 juntos com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; e. em 14 de outubro de 1994, CC adquiriu o prédio rústico sito em ..., freguesia de Local 1 e concelho de Cidade 1, com a área de 1.800 m2, composto de terra de cultura arvense, olival e vinha, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Local 1, sob o artigo 130º, secção AE, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1, sob o n.º 1840/19941014, com registo de aquisição a seu favor, mediante apresentação 7, de 14 de outubro de 1994, com o valor patrimonial avaliado em ..., de € 76,32, conforme docs. 12, 13 e 16 juntos com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; totalizando tais verbas o montante de € 135.217,89; 9. Os supra identificados prédios, deveriam integrar o acervo hereditário deixado por morte de CC, não tivesse este, em vida, deles disposto, da seguinte forma, a. em 15 de Janeiro de 2015, CC, mediante escrito celebrado na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cidade 3 declarou doar e a aqui Ré, declarou aceitar a doação, do direito sobre a nua propriedade da fracção supra identificada em d) 8), sita em ..., com o valor patrimonial de € 40.550,00, reservando para si o usufruto do mesmo, atribuindo-se o valor de € 26.357,50 à nua propriedade, e o valor de € 14.192,50 ao usufruto, em função da idade do doador, conforme doc. 14 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; b. em 19 de março de 2015, CC, mediante escrito celebrado no Cartório Notarial de Cidade 1, da Dr.ª HH, declarou doar e a aqui Ré, declarou aceitar a doação, do prédio rústico supra identificado em e) 8), sito em ..., com o valor patrimonial de € 76,32, conforme doc. 16 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; c. em 13 de janeiro de 2018, CC, a aqui Ré, bem como FF e EE, outorgaram no Cartório Notarial de Cidade 1, da Dr.ª II, em escrito intitulado “Renda Vitalícia”, mediante o qual, o primeiro, reservando para si o usufruto vitalício, cede à segunda, a Nua Propriedade, de três imóveis (os restantes) supra identificados em a) b) e c) 8), o primeiro, com o valor patrimonial de € 33.210,80, o segundo, com o valor patrimonial de € 3.980,00, e o terceiro, com o valor patrimonial de € 55.240,00, e em contrapartida, da cedência da nua propriedade, a Ré obrigou-se a prestar a CC, “assistência e cooperação, designadamente, a obrigação de alojamento, de prestar alimentos, de socorro, segurança e auxílio na saúde e na doença, (…) prestação de serviços durante toda a sua vida, prestação esta que se traduz actualmente no valor de setecentos euros (€ 700,00)”, conforme cláusula 1º, e escrito junto sob o doc. 17 com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 10. E ulteriormente, juntamente com a aqui Ré, da seguinte forma: a. por contrato de compra e venda, celebrado em 31 de julho de 2019, CC declarou vender o usufruto e a aqui Ré, declarou vender a nua propriedade, e JJ, declarou comprar, pelo preço de € 39.500,00, a fracção autónoma supra identificada em a) 8), com o valor patrimonial de 33.210,80 euros, conforme doc. 18 com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; b. por contrato de compra e venda, celebrado em 15 de novembro de 2019, CC declarou vender o usufruto, e a aqui Ré, declarou vender a nua propriedade, e KK, declarou comprar, pelo preço de € 137.500,00, a fracção autónoma supra identificada em c) 8), com o valor patrimonial de € 56.068,60, conforme doc. 19 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; c. e, por contrato de compra e venda, celebrado em 23 de janeiro de 2020, CC declarou vender o usufruto e a aqui Ré, declarou vender a nua propriedade, e LL e MM, declaram comprar, pelo preço global de € 83.000,00, das duas fracções supra identificadas em b) e d) 8), conforme doc. 15 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 11. Assim, no período que decorreu entre 31 de julho de 2019 e 23 de janeiro de 2020, o CC deveria ter recebido dos negócios supra, o montante total de € 82.000,00 (€ 11.850,00, € 41.250,00, € 28.000,00 e € 900,00), referente às vendas do seu direito de usufruto, sobre os prédios supra, conforme docs. 15, 18 e 19 juntos com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 12. Sucede que, o preço global de € 39.500,00 (usufruto/€ 11.850,00 e nua propriedade/€ 27.650,00), referido em 10) a) foi pago mediante a entrega de um único cheque, no referido montante, com o n.º ..., sacado sobre o Banco Millenium BCP, conforme doc. 18 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 13. O mencionado montante não foi recebido por CC, mas sim pela Ré, que o depositou em conta por esta titulada; 14. E, o preço global de € 137.500,00 (usufruto/€ 41.250,00 e nua propriedade/€ 96.250,00), referido em 10) b) foi pago mediante a entrega de um único cheque, no referido montante, com o n.º ..., sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos, conforme doc. 19 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 15. Porém, o mencionado montante não foi recebido por CC, mas sim pela Ré, que o depositou em conta desta; 16. E, finalmente, o preço global de € 83.000,00 (usufruto/€ 28.000,00 mais € 900,00), referido em 10) c) foi pago mediante a entrega de um único cheque, no referido montante, com o n.º ..., sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos, conforme doc. 15 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 17. O mencionado montante não foi recebido por CC, mas sim pela Ré, que o depositou em conta desta; 18. Ora, a Ré recebeu indevidamente o preço da venda dos direitos de usufruto, vendidos por CC, e nunca reembolsou este, pelos respectivos montantes, pois 19. o cheque n.º ..., sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos, e o cheque n.º ..., sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos, foram apresentados na compensação em 27.01.2020 e 18.11.2019, respectivamente, pelo Banco Caixa Económica do Montepio Geral, e depositados na conta depósito à ordem n.º 021/10.0...-2, co-titulada pela aqui Ré, conforme docs. juntos com ofício de 20.07.2022 e docs. juntos com oficio de 3.02.2023, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 20. e o cheque n.º ..., sacado sobre o Banco Millenium BCP, foi apresentado na compensação em 6.08.2019, pelo Banco Caixa Económica do Montepio Geral, e depositado na conta depósito à ordem n.º 021/10.0...-2, co-titulada pela aqui Ré, conforme docs. juntos com ofício de 17.08.2023 e docs. juntos com oficio de 25.01.2024, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 21. O prédio rústico supra referido em e) 8), com valor patrimonial de € 76,32, com a área de 1.800 m2 depois com 1.270 m2, fora à data da sua doação (2015), objecto de reclamação cadastral, entregue no Serviço de Finanças de Cidade 1, em 18.02.2015, com requerimento de “desanexação de parcela urbana, bem como a rectificação da sua área”, conforme documentos exibidos, junto ao doc. 16 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 22. Atentos os valores de venda e doação, supra identificados, do acervo hereditário do de cujus, deveria constar património imobiliário, no valor global de € 173.137,42; 23. Sendo a legítima, no valor de € 119.661,98 (ou seja, 2/3 de € 179.492,97, correspondente a soma de € 173.137,42 e € 6.355,55); 24. Por notificação judicial de 7 de setembro de 2016, no âmbito do processo executivo n.º 8493/14.2..., da 1ª secção, da instância central de execuções de Sintra, da Comarca de Lisboa Oeste, em que era executado CC, foi este notificado para pagar remanescente de quantia exequenda e a conta de custas, no valor global de € 48.236,63, conforme doc. 3 junto com a Contestação, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 25. Em 20 de outubro de 2017, a aqui Ré, recebeu uma notificação do Novo Banco, informando-a que no âmbito do processo executivo n.º 7934/16.9..., em que era executado CC, fora efectuada uma penhora de conta bancária de que a Ré era co-titular, no montante de € 2.251,85, conforme doc. 2 junto com a Contestação, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 26. E em 9 de abril de 2019, CC recebeu uma comunicação do Banco Santander, informando-o que no âmbito de “reclamação” dirigida ao Banco de Portugal, confirma ter o Banco Santander sido notificado para proceder a penhora de saldos bancários em seu nome, no âmbito dos, - processo executivo n.º 7934/16.9..., Comarca de Almada, e - processo executivo n.º 8493/14.2..., Comarca de Lisboa Oeste, conforme doc. 1 junto com a Contestação, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 27. Em junho de 2017, CC residia na Rua 1, n.º 54, ..., Local 1, ... Cidade 1, conforme doc. 4 junto com a Contestação, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 28. Por referência à data do seu decesso, há vários anos que os Autores não mantinham qualquer contacto com o Pai; 29. A Ré “acolheu” o pai dos Autores, em finais de 2016, em moradia que foi edificada, no terreno que este lhe doara, e supra identificado em 8) e) e 9) b), sito em Local 1, Cidade 1; 30. Foi a Ré quem, desde então, o apoiou e cuidou, prestando-lhe toda a assistência e cooperação, designadamente alojamento, alimentação, segurança e auxílio na doença até ao seu decesso; Não provados: a. O prédio rústico supra referido em e) 8), com valor patrimonial de € 76,32, com a área de 1.800 m2 depois com 1.270 m2, tinha à data da sua doação (2015), valor de mercado não inferior a € 13.795,20; b. CC, fora construtor civil; c. E, em 2017, necessitava de dinheiro para liquidar várias dívidas que contraíra; d. CC recebeu o preço das vendas de usufruto supra referidas em 10) a) b) e c); e. A Ré não recebeu esse dinheiro, nem ficou com tais montantes que foram pagos; f. Foi CC quem recebeu as referidas quantias que utilizou para pagamento de dívidas, gestão e uso pessoal; g. CC pagou a quantia referida em 24); h. E ainda liquidou à mãe dos Autores, uma quantia em valor nunca inferior a € 65.642,23; 2 – Objecto do recurso. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões formuladas, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso: 1ª questão -Se a forma de processo deve ser o inventário ou pode ser a forma comum (recurso da Ré). 2ª questão -- Se a PI é inepta (recurso da Ré). 3ª questão – Se existe litisconsórcio necessário passivo (recurso da Ré). 4ª questão- Se estamos perante uma situação do art.º. 616º nº 2 al. a) e a sentença é ambígua e ininteligível nos termos do art.º. 615º nº 1 do CPC (recurso da Ré). 5ª questão -- Se para apurar a inoficiosidade deve ser considerado, não o valor patrimonial, mas sim o valor de mercado, correspondente ao valor da venda da nua propriedade dos imóveis (recurso dos AA.) 6ª questão- Se os factos 9,13,15,17,18,22,23 e 24 provados e c) a g) não provados devem ser alterados (recurso da Ré). 7ª questão -- Se os contratos celebrados pelo falecido devem ser considerados e de que forma no apuramento da legítima (recurso da Ré). 3 - Análise do recurso. 1º questão -Se a forma de processo deve ser o inventário ou pode ser a forma comum (RECURSO DA RÉ). A Ré defende que, há erro na forma do processo por ser adequado o processo de inventário , atendendo a que se trata de um caso de pluralidade de herdeiros, já que a ação declarativa só pode ser utilizada nos casos de um único herdeiro legitimário, por implicar a averiguação de quais os bens que pertencem à herança; qual o ativo e o seu passivo; averiguar da existência de liberalidades inoficiosas, bem como à sua eventual redução, sendo que na existência de mais do que um herdeiro, a atribuição dos bens envolve operações de partilha, dada a indivisão. Conclui que, o tribunal “ a quo” ao entender que não existia erro na forma do processo incorreu em erro de julgamento, violando o disposto legal previsto no artigo 2168 do CC e 1118º e 1119º do CPC, devendo a decisão ser revogada e ser julgada procedente a excepção de erro na forma do processo, nos termos do artigo 193º do CPC, com a nulidade de todo o processado e absolvição da R. da instância; Quid júris? Nas palavras de Rodrigues Basto In “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. I, Almedina, 1999, pág. 262. é pela pretensão que se pretende fazer valer, e, portanto, pelo pedido formulado que se há- de aquilatar do acerto ou do erro do processo que se empregou. E há erro na forma de processo consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão. Ora, nos presentes autos pede-se (para além do mais) o pagamento de um montante, correspondente à redução, por inoficiosidade das liberalidades a favor da Ré. Actualmente, vigora o Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela lei n.º 23/2013, de 05 de Março, constando as finalidades do inventário agora do n.º1 do seu artigo 2º, que, na verdade, coincidem com as do antigo artigo 1326º do CPC. Assim, nos termos do referido artigo 2º, n.º1, “o processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária ou, não carecendo de se realizar a partilha, a relacionar os bens que constituem objecto de sucessão e a servir de base à eventual liquidação da herança” e tal regime é por regra o indicado para todas as operações relativas á partilha. Malgrado a possibilidade de recurso a ambos os meios processuais, o processo adequado para discutir a redução por inoficiosidade de liberalidades, feitas pelo de cujus, é o processo de inventário, já quer estamos perante uma das muitas sub-operações que integram uma outra operação, mais complexa, que é a operação de partilha de um património hereditário, sendo que o inventário é o processo que no ordenamento jurídico se encontra especialmente desenhado e vocacionado para esse efeito. Mas a jurisprudência, com base no art. artigo 2168º do CC, tem vindo a admitir que o interessado recorra ao processo comum para pedir a declaração de inoficiosidade das liberalidades que atinjam a sua legítima, nos casos em que não haja lugar à partilha, nem liquidação de dívidas e exista um único herdeiro legitimário. Justifica-se a acção comum quando os AA são herdeiros legitimários quando as liberalidades foram feitas a favor de quem não assume aquela qualidade. No ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Junho de 2022, disponível em www.dgsi.pt admitiu-se a acção comum mesmo com mais de um herdeiro e passa-se a citar: «numa interpretação sistemática e teleológica dos artigos 1082.º e 1119.º do CPC e 2174.º, n.º 2, e 2178.º do CC, proceder a uma análise casuística, a qual não pode deixar de apontar no sentido da possibilidade de uma ação declarativa comum ser intentada pelos herdeiros legitimários com o propósito de redução de liberalidades inoficiosas numa situação como a dos autos, em que o réu legatário e único beneficiário do testamento, não é herdeiro legitimário, existindo um litígio apenas entre este último e os autores, únicos herdeiros legitimários litisconsortes, os quais não se mostram desavindos quanto à partilha da herança ou sequer manifestam a pretensão de proceder à mesma, mas apenas pretendem, subsidiariamente (no caso de improceder o pedido principal de declaração de nulidade do legado do usufruto de prédio “ilegal”), a condenação do réu no pagamento em dinheiro da importância da redução da (única) liberalidade inoficiosa, atinente ao usufruto dos (alegadamente) únicos bens da herança.” Assim, o caminho a percorrer em ambas as acções é o mesmo, mas nos casos em que a pretensão formulada fique muito aquém daquele que seria o desiderato próprio do processo de inventário – a partilha dos bens do inventariado- admite-se o recurso a forma comum. É o nosso caso, já que não há conflito quanto a eventual partilha dos bens deixados por óbito de seu pai, sendo o conflito apenas e só com a R. beneficiária de doações feitas pelo de cujos. Deste modo não se antolha a necessidade de recorrer ao inventário e ao incidente de inoficiosidade, improcedendo nesta parte o recurso. 2ª questão -- Se a PI é inepta (recurso da Ré). Defende ainda a Ré que a decisão recorrida não considerou o motivo por si invocado para a ineptidão da PI. Defende que a ineptidão decorre do facto dos AA. peticionarem a restituição à herança da quantia referente aos valores da venda dos direitos de usufruto do falecido, em vida, a terceiro, alegando que, a R. os recebeu indevidamente e não os entregou ao irmão, nem aos AA., fundamentando existir um enriquecimento sem causa, nos termos e de acordo com o artigo 473º do CC e cumulativamente, peticionam a restituição de uma outra quantia para reintegração das suas legitimas e onde contabiliza esses mesmo valores de venda dos usufrutos pelo de cujus em vida e a terceiro correspondendo a uma ação de redução de liberalidades, por inoficiosa, prevista e regulada no artigo 2168º do CC, mas não se peticiona o reconhecimento da herança e da qualidade de herdeiros, nem a declaração de inoficiosidade para, se proceder à redução e por forma a cumprir as regras estabelecidas nos artigos 2171º e segs do CC e artigo 1119º do CC, o que consubstancia uma ausência absoluta do pedido, nos termos do artigo 186º nº 2 al. a) do CPC, o que é insuprível e determina a nulidade, inviabilizando o conhecimento de mérito; Refere ainda que, sendo a ação baseada nas regras do instituto do enriquecimento sem causa, tem natureza subsidiária, o que não se verifica no presente caso, pois o pedido não é subsidiário, mas cumulativo, existindo incompatibilidade na cumulação de pedidos, nos termos e de acordo com o artigo 1268º e 474º nº 3 do CC, 588º e 186º nº 1 al. a) e c) do CPC, declarando a nulidade de todo o processado. Não cremos que tenha razão. Vejamos: A PI só deve considerar-se inepta quando “se apresente em termos obscuros ou ambíguos de modo que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir”. (Alberto dos Reis, Comentário, volume II, página 371 e A. Montalvão Machado e Paulo Pimenta, O Novo Processo Civil, Almedina, 2009, página 109) “Diz-se qua a petição inicial é inepta quando está viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objecto do processo, que mostre desde logo não ser possível em acto de julgamento.” (Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, tomo III, página 41) Os pedidos típicos desta acção, prevista no art. 2168º do CC, são o reconhecimento da qualidade de herdeiro e a restituição de bens da herança. A causa de pedir - sucessão mortis causa -é complexa, sendo integrada pelos seguintes elementos: - que o autor seja herdeiro do de cuiús; - que o bem peticionado faça parte da herança do de cuiús; - que o réu possua o bem peticionado. Em primeiro lugar, cabe referir que, a mera circunstância de os AA. não terem formulado expressamente o pedido de reconhecimento judicial da qualidade de herdeiros, não obsta ao deferimento da pretensão solicitada (desde que, obviamente, seja alegada e provada a sua qualidade de herdeiro), devendo considerar-se que o pedido formulado (de restituição dos bens da herança) contém implícito o de reconhecimento judicial daquela qualidade.” Assim sendo, uma vez que é alegada a qualidade de herdeiros, entendemos que o pedido de reconhecimento da qualidade de herdeiros, está implícito no pedido. Vejamos agora, a questão da referência ao instituto do enriquecimento sem causa. Argumenta ainda a Ré que, existindo incompatibilidade na cumulação de pedidos dado que o enriquecimento sem causa têm natureza subsidiária, o que não se verifica no presente caso, por o pedido não ser subsidiário,, mas cumulativo , concluindo que, nos termos e de acordo com o artigo 1268º e 474º nº 3 do CC, 588º e 186º nº 1 al. a) e c) do CPC, declarando a nulidade de todo o processado. Vejamos: É formulado o seguinte pedido: a) condenada a pagar/restituir à 3ª Autora, a quantia de € 82.000,00 (oitenta e dois mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa supletiva legal de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento, e correspondente ao valor da venda dos usufrutos, recebidos e não entregues pela Ré, ao falecido CC, ou à herança deste, e b) condenada a pagar/restituir aos 1º e 2º Autores, a quantia de € 94.174,58 (noventa e quatro mil, cento e setenta e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa supletiva legal de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento, correspondente ao valor da reintegração das legítimas dos 1º e 2º Autores; Ambos os pedidos são de condenação no pagamento pelo que não se vislumbra qualquer incompatibilidade. O que a Ré pretende pôr em causa é a alusão ao enriquecimento sem causa, como fundamento do pedido, algo que já está no âmbito da causa de pedir (o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida) e não do pedido. Tudo para dizer que, a petição inicial não é inepta, pese embora a formulação equívoca ou errónea da alusão ao instituto do enriquecimento sem causa, sendo que a possível incorrecção já se situa no domínio da análise do mérito e não da ineptidão da PI, pois não deixa de se entender que o sentido é o de se pretender a restituição. Finalmente importa referir que, não há qualquer cumulação ilegal de pedidos, pois trata-se de pedir o pagamento de quantias monetárias, ainda que com diferentes fundamentos (a título de redução por inoficiosidade e por posse de valores recebidos em nome do falecido, mas sem a consequente entrega). Pelo que improcede a nulidade da ineptidão. 3ª questão -- Se existe litisconsórcio necessário passivo (Recurso da Ré) Finalmente, defende a ré que foi preterido o litisconsórcio necessário, já que foi carreado, para o processo, todos os documentos que demonstram que os valores de venda a terceiro e, em vida, referente aos direitos de usufruto de CC foram depositados mediante os 3 (três) cheques numa conta bancária coletiva solidária D.O. nº 021/10.0...-2, que é co-titulada pela R. E pelas suas filhas EE e FF, conforme decorre da ficha de assinaturas ora junta ao processo, que refere que as condições de movimentação é feita por “qualquer dos intervenientes”. Argumenta que, as contas bancárias solidárias são aquelas em que qualquer um dos titulares pode movimentar a conta, sem necessidade de informar ou pedir autorização aos restantes. Esta modalidade não determina automaticamente a propriedade do dinheiro, no entanto, a lei nos artigos 515º a 517º do Código Civil estabelece que, nas relações entre si, presume-se que os devedores comparticipam em partes iguais na divida ou no crédito, sendo que o artigo 515 nº 2 refere expressamente que em caso de herança só conjuntamente podem ser exonerados, para além do artigo 517º do CC de onde resulta tipificado um litisconsórcio legal necessário que, claramente não foi cumprido neste processo estas normas legais e que, por violadas e ignoradas claramente implicam a nulidade de todo o processado, por preterição de litisconsórcio necessário. Conclui que, face aos elementos que foram carreados para o processo a pedido dos AA., com a informação da conta coletiva solidária co titulada, incumbia ao Juiz, ao abrigo do disposto nos artigos 6º nº 2 e 590º nº 1 do CPC a prolação de despacho vinculado, convidando os AA. ao suprimento de um pressuposto processual suscetível de sanação, como é a exceção de litisconsórcio necessário passivo, através da adequada intervenção dos terceiros interessados. Preterição esta que implica a revogação desta sentença, por outra que decida pela nulidade de todo o processado, com a absolvição da R. dos presentes autos, nos termos e de acordo com os artigos - artigo 33º, 576º, 577º nº 1 a. e), 578º do CPC. Também nesta parte a ré não tem razão. A acção deve ser dirigida contra quem foi beneficiário da liberalidade. Coisa diferente é a titularidade da conta onde foi depositado produto da mesma. Tanto basta para a improcedência do recurso também nesta parte. 4ª questão – Se estamos perante uma situação do art.º. 616º nº 2 al. a) e a sentença é ambígua e ininteligível nos termos do art.º. 615º nº 1 do CPC (recurso da Ré) A Ré refere que existe um erro notório na apreciação da prova nos termos do artigo 616º nº 2 al. a), e contradição entre a fundamentação e a decisão que geram ambiguidades e obscuridade ininteligível, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 do CPC. Também aqui sem razão. Quanto ao primeiro aspecto, decorre do mencionado art. 616.º do CPC que não é esta a sede própria para reportar o vicio em causa, mas sim junto do tribunal que proferiu a sentença. Por outro lado, não se vislumbra qualquer nulidade da sentença, nem a recorrente fundamenta a razão pela qual assim conclui, transparecendo aliás que a sua discordância é em relação à matéria de facto. Tanto basta para afastar o exposto nesta parte do recurso. 5ª questão -- Se para apurar a inoficiosidade deve ser considerado, não o valor patrimonial, mas sim o valor de mercado correspondente ao valor da venda da nua propriedade dos imóveis (recurso dos AA.) O valor da herança é calculado através da soma dos valores: dos bens existentes no património do testador à data da sua morte; dos bens doados; das despesas sujeitas a colação; e, ainda, das dívidas da herança (cfr. artigo 2162.º do CC). Se o valor total das liberalidades feitas em vida e em morte pelo de cujus (…) a favor da Autora, exceder um terço do valor total da herança, tais disposições terão de ser reduzidas na parte correspondente por violarem a legítima dos três filhos do falecido, aqui Autores (cfr. artigos 2156.º, 2169.º e 2172.º, todos do CC). Donde, é questão fundamental apurar o valor das liberalidades para a recomposição da herança e a redução das mesmas, que ocorrem quando a liberalidade excede a quota disponível do doador, prejudicando os herdeiros legitimários. Insurgem-se os AA. quanto ao facto da sentença incorrectamente ter considerado o valor patrimonial para determinação do valor dos bens doados uma vez que a referência ao valor patrimonial nos actos de doação tem natureza formal e não revela o efectivo valor das doações, a que se refere o artigo 2162.º, n.º 1, do Código Civil. Defendem que, nos termos do disposto no artigo 2109.º, n.º 1, aplicável ao caso, o valor dos bens doados é o que eles tiverem – no mercado – valor esse determinado na data da sua venda e desta resultante (cfr. Factos provados 12, 14 e 16), e deve ser este o valor atribuído às doações e não o valor patrimonial indicado no acto de doação. Conclui que, o cálculo da legítima dos Autores deverá ser, tendo em conta os valores de venda da nua propriedade dos imóveis em apreço (cfr. sentença, factos provados, 10, a), b) e c), 12, 14, 16), acrescido da doação do prédio rústico, calculada pelo valor patrimonial (factos provados, 8. e)) e do valor dos bens existente à data do óbito (factos provados, 7): a) Valor da venda dos usufrutos: 82.000,00 €; b) Doações calculadas pelo valor de venda: 178.000,00 €; c) Doação do prédio rústico (valor patrimonial): 76,32 €; d) Bens da herança à data do óbito: 6.355,55 €; Concordamos com os AA. quando defendem que o valor dos bens doados é o que eles tiverem no mercado e não o valor patrimonial, mas discordamos da conclusão de que tal valor de mercado coincide com o valor esse determinado na data da sua venda e desta resultante. Não temos elementos para saber qual é o valor de mercado. Deve ser considerado o valor de mercado à data do óbito, já que os valores patrimoniais ficam consideravelmente aquém do valor de mercado dos imóveis, mas é necessária a avaliação das liberalidades em causa, com vista ao apuramento do seu valor de mercado, à data do falecimento do autor da sucessão, para apreciar da inoficiosidade (ou não) das mesmas. Impõe-se o uso dos poderes cassatórios (oficiosos) previstos no art. 662º, nº 2, a) do CPC ordenando-se a ampliação da matéria de facto para consagrar o valor de mercado referido, o que deve ser feito através de perícia por implicar matéria de natureza técnica. Pelo exposto, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC, importa anular a decisão proferida em primeira instância, para, em novo julgamento, se proceder à ampliação dos temas da prova, de molde a abrangerem o facto em referência e, após a eventual produção de prova, seja suprida a não inserção na factualidade seleccionada, (mantendo-se válidos os restantes actos e demais prova produzida) proferindo-se, subsequentemente, nova sentença. Afigura-se prejudicada a análise das 6ª e 7ª questões. 4 - Dispositivo. Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente improcedentes ambos os recursos, (na parte cuja análise foi efectuada) e anular a sentença, determinando a realização da perícia de avaliação com reabertura do julgamento, mantendo-se a prova já produzida, podendo, no entanto, o tribunal de primeira instância ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, que considere abrangidos pelo tema de prova a enunciar, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão a proferir. Custas da apelação pela parte vencida a final (art.º 527.º, n.º 1, do CPC). 
 16/10/2025 Elisabete Valente Ana Pessoa Maria João Sousa Faro |