Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8576/18.0T8STB.E1
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
APLICAÇÃO DA LEI
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 – Tendo o autor pedido que fosse reconhecida a eficácia da sua oposição à renovação de um contrato de arrendamento na data que indica ou noutra posterior que o tribunal tenha como válida, pode o tribunal atender o pedido para a data que considere ser a resultante da lei.
2 – Com essa alteração o tribunal não vai além do pedido, nem decide coisa diferente do peticionado, mostrando-se respeitados os limites consagrados no art. 609º, n.º 1, do CPC.
3 – O disposto no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil na redação que lhe deu a Lei n.º 13/2019, de 12.02, no que se refere aos contratos de arrendamento habitacionais com prazo certo, quando renováveis, visou garantir um prazo mínimo de renovação de três anos.
3 – Esse prazo imperativo aplica-se a todos os contratos vigentes, dado o disposto no art. 12º do CC, e mesmo ao período de renovação que esteja em curso quando da sua entrada em vigor.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Apelação n.º 8576/18.0T8STB.E1 (1ª Secção Cível)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO
A presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, foi intentada pela Autora inicial, a Massa Insolvente de S..., Unipessoal Lda, contra a Ré AA, uma e outra devidamente identificados nos autos.
Posteriormente, estando já os autos nesta Relação, correram aqui os Autos de Habilitação de Adquirente com o n.º 8576/18...., a estes apensos, nos quais foi julgado procedente o incidente e declarada a adquirente “Proeza Hábil, Lda.” como habilitada para o prosseguimento dos autos principais, ocupando nestes a posição até então pertencente à Autora inicial.
Como se constata da petição inicial, peticionou a Autora, no que releva para os efeitos do presente recurso, que fosse declarado caduco o contrato de arrendamento a que se reportam os autos, na data de 31 de Julho de 2019 ou noutra que se tenha como válida a oposição à renovação e, consequentemente, condenada a R. a entregar as fracções livres e desocupadas, ou subsidiariamente que seja declarado resolvido o dito contrato de arrendamento e, consequentemente, condenada a R. a entregar as fracções livres e desocupadas, e ainda em cumulação que fosse condenada a Ré a pagar à A. a quantia de 6.000,00€ (seis mil euros) e das rendas que se venham a vencer no valor de 100,00€ mensais até à entrega dos locados, acrescida de 200,00€ mensais em caso de mora na entrega das fracções.
Para fundamentar esses pedidos alegou a Autora, em suma, que pretende pela presente acção opor-se à renovação do contrato de arrendamento para habitação celebrado entre a aludida insolvente e a Ré, com a data de 1 de Agosto de 2006, pelo prazo de 6 meses, com renovação automática, o qual incide sobre fracção autónoma e garagem com o valor de renda fixado em 100,00€ mensais.
Alegou que a R. não procedeu ao pagamento das rendas que se venceram após a declaração de insolvência, tendo informado a A. que procede ao depósito da renda sem que a A. se tenha recusado a receber qualquer das rendas vencidas.
Citada, veio a R. apresentar contestação mediante a qual, em síntese, invocou ter sido celebrado o contrato de arrendamento na sequência do qual reside na fracção em causa e utiliza a respectiva garagem, sempre tendo procedido ao pagamento das respectivas rendas devidas, tendo passado a depositar mensalmente a renda na Caixa Geral de Depósitos por a Administradora da Insolvência se ter recusado a receber o pagamento das rendas.
Prosseguindo os autos a tramitação normal, foi proferido despacho saneador, com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prov, e procedeu-se à audiência de discussão e julgamento.
Finalmente, foi proferida sentença, que concluiu com a decisão que se transcreve:
- “O Tribunal decide julgar parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente:
a) declarar a caducidade do contrato de arrendamento celebrado a 01 de Agosto de 2006 entre a S..., Unipessoal Lda. e a R., com efeitos a 31 de Julho de 2019;
b) condenar a R. AA na entrega dos imóveis objecto do contrato;
c) condenar a R. AA no pagamento à A. do montante de 600,00€ (seiscentos euros) a título de rendas vencidas e não pagas;
d) condenar a R. AA no pagamento à A. do montante mensal de 100,00€ (cem euros) a título de indemnização por cada mês que decorra após a caducidade do contrato e até à entrega do imóvel;
b) absolver a R do demais peticionado.”
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II – DAS ALEGAÇÕES DA APELANTE
Contra a sentença proferida a Autora instaurou então o presente recurso de apelação, apresentando no final as seguintes conclusões, que também transcrevemos:
“1. O contrato de arrendamento celebrado entre a S... Unipessoal, Lda. e AA, tem a duração de 5 anos, devido à imposição do n.º 2 do artigo 1095º do Código Civil, na redação em vigor na data de celebração do contrato.
2. Consequentemente, a renovação do referido contrato, ocorre por iguais períodos (de cinco anos).
3. Como o contrato foi celebrado em 01 de Agosto de 2006, o seu período inicial decorreu entre 01 de Agosto de 2006 e 31 de Julho de 2011.
4. A sua primeira renovação decorreu de 01 de Agosto de 2011 a 31 de Julho de 2016.
5. Por sua vez, a segunda renovação ocorreu no dia 01 de Agosto de 2016.
6. O que significa que, em 31 de Julho de 2018, o contrato ainda estava em vigor.
7. Facto que impede a sua cessação nos termos indicados na douta sentença.
8. Ao decidir da referida forma, a douta decisão ora recorrida violou o disposto no n.º 2 do artigo 1095º do Código Civil, na redação em vigor à data da celebração do contrato de arrendamento supra mencionado.
9. Motivo pelo qual deve ser revogada.
10. Tudo com as legais consequências.”
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III – DAS CONTRA-ALEGAÇÕES
Devidamente notificado das alegações da recorrente, a Autora apresentou contra-alegações.
Nestas defende a confirmação da sentença recorrida, por no seu entender não haver fundamento para alterar o decidido, concluindo o seguinte, com referência às alegações da recorrente:
1) Deve ser ampliada a matéria de facto provada nos termos supra requeridos, i.e., que se especifique como provado todo o conteúdo do contrato de arrendamento celebrado entre as partes e datado de 1 de Agosto de 2006 e junto aos autos com a petição inicial;
2) Em matéria de prazo do contrato de arrendamento urbano para habitação vale a vontade das partes pois não existe norma imperativa;
3) Qualquer que seja a vitrine na qual se observe o prazo inicial do contrato, suas renovações e prazo de oposição à renovação, a oposição à renovação respeitou religiosamente os prazos previstos pelas partes ou pelo legislador.
4) Improcedem, pois, todas as conclusões formuladas pela requerente, em especial:
- A conclusão 2, pois as renovações ou ocorreram por períodos de seis meses ou de 1 ano; nunca por nunca de 5 anos;
- As conclusões 4 e 5, pois a primeira renovação decorreu de 1 de Agosto de 2011 a 31 de Janeiro de 2012 ou de 1 de Agosto de 2011 a 31 de Julho de 2012, e as restantes sucessivamente no mesmo ritmo; nunca por nunca de 1 de Agosto de 2011 a 31 de Julho de 2016;
- A conclusão 6, pois a data de 31 de Julho de 2018 corresponde a um termo do prazo contratual;
- As conclusões 7, 8, 9 e 10, pois toda a factualidade e regime jurídico legitima e confirma a douta sentença;
Termos em que:
Requer-se ao Venerando Tribunal da Relação de Évora
5) que amplie a matéria de facto provada nos termos supra requeridos, i.e., que se especifique como provado todo o conteúdo do contrato de arrendamento celebrado entre as partes e datado de 1 de Agosto de 2006 e junto aos autos com a petição inicial;
6) que julgue inteiramente improcedente por não provada a acção e confirme a douta sentença recorrida.”
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
1. Por documento escrito datado de 01 de Agosto de 2006 a sociedade de S..., Unipessoal, Lda. cedeu o gozo, mediante o pagamento de retribuição, do imóvel sito na Urbanização ..., freguesia ... do concelho ..., actualmente Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. ...45 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...23, fracção ... e do espaço de garagem sito no lote ...4 da mesma urbanização, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. ...71 e descrito na mesma Conservatória sob o n.º ...83, fracção ... a AA.
2. No referido acordo escrito foi fixada a duração de 6 (seis) meses com renovação automática, e fixada renda mensal no valor de 100,00€ (cem euros).
3. A identificada sociedade S..., Unipessoal, Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida no âmbito do processo n.º1307/09...., transitada em julgado a 22/03/2010.
4. A R. é filha do sócio-gerente daquela sociedade até à data da insolvência.
5. A A. opõe-se à renovação do referido contrato, tendo a R. sido citada a 11 de Dezembro de 2018.
6. Sobre a identificada fracção ..., objecto do mencionado contrato, encontra-se registada, com a data de 21 de Janeiro de 1997, hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos.
7. Sobre a mesma fracção ... encontra-se registada, com a data de 15 de Setembro de 2008, penhora a favor da Fazenda Nacional e, com a data de 03 de Fevereiro de 2010, hipoteca legal a favor da Fazenda Nacional.
8. Sobre a identificada fracção ..., objecto do mencionado contrato, encontram-se registadas, com a data de 31 de Março de 1999 e de 06 de Junho de 2003, hipotecas a favor da Caixa Geral de Depósitos.
9. Sobre a mesma fracção ... encontra-se registada, com a data de 03 de Fevereiro de 2010, hipoteca legal a favor da Fazenda Nacional.
10. A Administradora da Insolvência da A. recusou receber a entrega mensal por parte da R. da quantia pecuniária de 100,00€ (cem euros) a título de renda, tendo esta passado a proceder a depósitos autónomos para esse efeito.
11. A R. efectuou o referido depósito referente aos meses de Dezembro de 2013 a Agosto de 2015, Novembro de 2015 a Maio de 2017 e de Outubro de 2017 a Janeiro de 2019.
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V – O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se ainda a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC). No caso presente, a questão colocada ao tribunal de recurso sintetiza-se na pretensão de revogação da sentença com base na alegada “violação do disposto no n.º 2 do artigo 1095º do Código Civil” vigente à data do contrato de arrendamento em causa, que seria o aplicável aos autos (na data considerada na sentença decorria ainda um novo prazo de renovação do contrato).
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VI – APRECIANDO E DECIDINDO
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1 – Quanto à “ampliação da matéria de facto”
Diz a Autora e recorrida, nas suas contra-alegações, que deve ampliar-se a matéria de facto de modo a que conste desta como provado “todo o conteúdo do contrato de arrendamento celebrado entre as partes e datado de 1 de Agosto de 2006 e junto aos autos com a petição inicial”.
Afigura-se que o requerimento não tem qualquer fundamento legal, e que se traduziria numa inutilidade, que nada acrescentaria ao que ficou consignado como sendo a factualidade provada.
Com efeito, o documento junto pela Autora com a petição inicial, a que aludem os números 1 e 2 dos factos provados, bem como o seu conteúdo, não estão controvertidos, atentas as posições das partes.
E, por força do disposto no n.º 4 do art. 607º do Código de Processo Civil, o julgador para efeitos da decisão a proferir toma em consideração, nomeadamente, os factos admitidos por acordo e os provados por documento.
Por conseguinte, fazer uma transcrição, para o elenco dos “factos” provados, de todo o teor do aludido documento apresenta-se como inútil, o que, aliás, é proibido nos termos expressos do art. 130º do Código de Processo Civil.
Indefere-se, portanto, o requerido a este respeito.
Por outro lado, a Ré recorrente nada disse quanto ao julgamento da matéria de facto feito na primeira instância.
Consequentemente, mantemos inalterada a fixação da matéria de facto que consta da sentença impugnada.
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2 – Quanto ao mérito do recurso
Como é consensual, o objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal de recurso conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 635º, n.ºs 3 e 4 e 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redacção emergente da Lei n.º 41/2013 de 26.06.
Tendo presente este princípio, observa-se desde logo que a recorrente pede, no final das conclusões que apresentou, que seja revogada a decisão recorrida, que se pronunciou pela cessação do contrato de arrendamento em causa nos autos, por oposição do senhorio à sua renovação, mas indica como fundamentos para o pedido apenas o desrespeito pela data em que tal cessação poderia produzir efeitos.
É isso que manifestamente resulta dessas conclusões, quando diz que a segunda renovação do contrato ocorreu no dia 01 de Agosto de 2016 (a recorrente sustenta que os períodos de renovação seriam sempre de 5 anos) e que portanto “em 31 de Julho de 2018, o contrato ainda estava em vigor”, “Facto que impede a sua cessação nos termos indicados na douta sentença”, e “Ao decidir da referida forma, a douta decisão ora recorrida violou o disposto no n.º 2 do artigo 1095º do Código Civil, na redação em vigor à data da celebração do contrato de arrendamento supra mencionado” (arts. 5 a 8 das conclusões citadas).
E seria este o “Motivo pelo qual deve ser revogada” a decisão (cfr. art. 9).
Em face de tal raciocínio, começaremos por dizer que mesmo a ter razão nos seus pressupostos a recorrente não teria razão na sua conclusão.
Com efeito, a Autora deduziu pedidos que manifestamente permitem ao tribunal atender à pretensão expressa (a cessação do arrendamento) na data que a própria Autora indica (31 de Julho de 2019) ou “noutra que se tenha como válida a oposição à renovação”.
Na verdade, sendo certo que o tribunal não pode exceder na condenação os limites quantitativos ou qualitativos do pedido (cfr. o princípio contido no nº 1, do art. 609º, do CPC), incorrendo em nulidade se condenar para além do pedido ou em objecto diverso do pedido, por violar o princípio do dispositivo (art. 3º, n.º 1, CPC) e dessa forma ultrapassar o âmbito em que se podia pronunciar (cfr. art. 615º, nº 1, alínea e), do CPC), no caso presente julgamos seguro que o tribunal, atento aquilo que lhe foi pedido, pode estabelecer a eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento na data que se lhe afigurar resultante da lei.
Consequentemente, o motivo indicado pela Ré para a revogação da decisão não conduz a essa revogação, mas tão só, caso seja procedente, a uma alteração na data em que a oposição à renovação produziu os seus efeitos (o tribunal fixou essa data no dia 31 de Julho de 2019).
Recordamos que a Ré foi citada para a acção a 11 de Dezembro de 2018, sendo esta a comunicação a considerar, em que a A. e senhoria formalmente declarou a sua oposição à renovação do referido contrato.
Não está em causa a forma desta comunicação, nem a recorrente formula alguma objecção a esse respeito (a citação judicial no âmbito de uma acção, como a notificação judicial avulsa, são aliás formas mais solenes de proceder a essa comunicação do que a normal carta registada com aviso de recepção).
Haverá, portanto, que averiguar qual a data em que produziu efeitos a comunicação de 11 de Dezembro de 2018, que a sentença recorrida, datada de 05/08/2022, fixou como sendo 31 de Julho de 2019.
Como é pacífico, a possibilidade conferida ao senhorio de opor-se eficazmente à renovação de um contrato de arrendamento renovável, quando exista, refere-se ao final do período de renovação que esteja em curso (cfr. art. 1097º, n.º 1, do Código Civil, na redacção actualmente em vigor).
Questão fundamental será a observância da antecedência prevista na lei para essa comunicação (veja-se o referido art. 1097º).
Neste ponto é forçoso sublinhar que aos contratos de arrendamento, a não ser que exista disposição expressa em contrário, aplicam-se as disposições legislativas que sucessivamente forem regulando o conteúdo dessas relações locatícias, por força do princípio estabelecido no art. 12º, n.º 2, do Código Civil (“quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”).
Sublinhamos este princípio por ser constatável que a recorrente não o considera nos seus cálculos, nomeadamente ao defender que o contrato de arrendamento em questão se renova necessariamente por períodos sucessivos de 5 anos (aliás, isso nem seria assim por aplicação das normas vigentes à data da celebração do contrato, visto que estas, mesmo dando por certo que o período inicial teria que ser de 5 anos, não implicavam que os períodos de renovação fossem iguais ao período de duração inicial).
O contrato foi celebrado em 1 de Agosto de 2006.
Nessa data estava em vigor o art. 1095º do Código Civil com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
Por aplicação dessa norma, e ainda que as partes estipulassem no contrato de arrendamento para habitação um prazo de vigência diferente deste, teria que considerar-se esse prazo inicial como sendo de 5 anos (“não podia “ser inferior a 5 nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respectivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo).
Consequentemente, esse período inicial de vigência terminaria a 31 de Julho de 2011 (nisto, aliás, estão de acordo recorrente e recorrida).
Porém, no final desse período inicial de 5 anos nada permite concluir que o período de renovação fosse de igual duração. O art. 1096º do CC na versão da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, não corrobora essa interpretação da recorrente, e na verdade, apontava para a renovação por períodos de 3 anos, se outros não estivessem contratualmente previstos, consagrando assim a supletividade da norma.
Ora as partes tinham estipulado que o contrato se renovaria automaticamente “nos termos previstos nos artigos 1054 e seguintes do Código Civil”, conforme se encontra expresso na cláusula 1 do próprio contrato (facto provado pelo próprio documento, a que se impõe recorrer os termos do Artigo 607º, n.º 4, do CPC).
E daí decorre que após essa data o contrato renovou-se pelo período de um ano, por assim resultar do artigo 1054º, n.º 2, do CC (o prazo inicial do contrato era mais longo, portanto a renovação foi de um ano).
Terminou, assim, o novo período de renovação, com a duração de um ano, a 31 de Julho de 2012.
E em consequência começou a 1 de Agosto de 2012 um novo período de renovação, que terminou a 31 de Julho de 2013.
O regime legal em referência mudou entretanto, com a alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012 de 14/08, que entrou em vigor após 120 dias, isto é, a 12 de Dezembro de 2012, mas a nova redação do art. 1095º não implicou no caso qualquer alteração ao prazo de renovação a considerar, visto que remetia também para o teor do próprio contrato.
Consequentemente, a 1 de Agosto de 2013 teve início um novo período de renovação de um ano, e assim sucessivamente nos posteriores dias 1 de Agosto dos anos seguintes.
Tendo a oposição do senhorio à renovação ocorrido a 11 de Dezembro de 2018, esta seria destinada a produzir efeitos a 31 de Julho de 2019 (estava a decorrer um período de renovação de um ano, iniciado a 1 de Agosto de 2018 e que terminaria a 31 de Julho de 2019).
Todavia, verifica-se que, entretanto, tinha entrado em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, que deu nova redacção ao art. 1096º do CC.
E desta norma passou a constar que:
“1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”
O sentido desta norma tem sido objecto de análise em múltiplas decisões deste Tribunal da Relação, entendendo-se que por um lado que ela aplica-se a todos os contratos, por força do princípio já citado do art. 12º, n.º 2, do CC, e por outro lado que, aplicando-se mesmo aos períodos de renovação que estejam em curso, impõe a estes um período de renovação de 3 anos, afastando-se a supletividade nessa matéria.
Vejam-se a este respeito os Acórdão desta Relação, todos disponíveis em www.dgsi.pt : de 08-02-2024, processo n.º 1120/23.9YLPRT.E1, relator Maria Domingas; de 18-12-2023, processo n.º 607/22.5YLPRT.E1, relator Ana Pessoa; de 23-11-2023, no processo n.º 1182/23.9YLPRT.E1, relator José Lúcio; de 10-11-2022, no processo n.º 983/22.0YLPRT.E1, relator Maria João Sousa e Faro; de 25-01-2023, processo n.º 3934/21.5T8STB.E1, relator Maria Adelaide Domingos; e de 10-11-2022, no processo n.º 126/21.7T8ABF.E1, também de Maria Adelaide Domingos.
Assim sendo, e perfilhando a orientação exposta, o período de renovação que teve início a 1 de Agosto de 2018 teve imperativamente a sua duração alongada para 3 anos, o que significa reportada para 31 de Julho de 2021.
Nestes termos, a data a considerar pela sentença proferida a 05/08/2022, satisfazendo a pretensão da Autora quanto à cessação do arrendamento, não deveria ter fixado os efeitos da oposição à renovação como sendo a 31 de Julho de 2019, mas sim a 31 de Julho de 2021, por ser este o final do período de renovação que estava em curso.
Como é evidente, não se colocam dúvidas quanto ao respeito da antecedência mínima da comunicação, a que se refere o art. 1097º do Código Civil.
Desta forma, a alteração a fazer no dispositivo da sentença deverá apenas traduzir a mudança da data em que efectivamente se tornou eficaz a oposição à renovação do contrato, por efeito da oposição da senhoria a essa renovação, improcedendo o pedido de revogação da sentença deduzido pela recorrente.
Nada mais havendo a tratar, tendo em conta a delimitação do recurso, terminamos com a decisão que segue.
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VII - DECISÃO
Por todo o exposto, julgamos parcialmente procedente a presente apelação, alterando a sentença recorrida apenas para consignar que o contrato de arrendamento a que se referem os autos cessou a 31 de Julho de 2021.
Em tudo o mais confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Autora/recorrente, como parte vencida (cfr. art. 527º, n.º 1, do CPC).
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Évora, 23 de Abril de 2024
José Lúcio
Manuel Bargado
Albertina Pedroso