Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MAFALDA SEQUINHO DOS SANTOS | ||
Descritores: | DEMANDANTE CIVIL RECURSO ÂMBITO DO RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 01/28/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Delimitando a recorrente no requerimento de interposição do recurso, na motivação e nas conclusões, o seu recurso à parte da decisão que recaiu sobre o pedido de indemnização civil por si deduzido, circunscrevendo-se o recurso interposto pela demandante, como a mesma expressamente refere, ao pedido de indemnização civil por si deduzido e na ausência de recurso interposto da parte crime da sentença (pelo Ministério Público ou pelos arguidos), sem cuidarmos aqui de indagar se a demandante, por também investida na qualidade de assistente, disporia da necessária legitimidade para recorrer da medida e modo de execução da pena (desacompanhada do M.º P.º), não pode o Tribunal conhecer do requerido no que concerne ao agravamento da pena aplicada e sujeição da suspensão da mesma à condição de efetivo pagamento da indemnização a arbitrar por extravasar o âmbito do recurso. Tal como excede o âmbito do recurso a alegada contradição entre a não comprovação dos factos invocados para sustentar o pedido cível com a condenação dos arguidos pela prática do crime de burla, segmento do qual não se pode extrair, como a recorrente pretende, que o prejuízo constitutivo do crime se reporta à apropriação dos saldos das contas bancárias e não, como efetivamente acontece, à celebração das escrituras que vieram posteriormente (à consumação do crime, entenda-se) a ser “anuladas”. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acórdão deliberado em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: * I – RELATÓRIO 1. No âmbito dos presentes autos, foi deduzido pela assistente/demandante AA pedido de indemnização civil, requerendo a condenação dos arguidos/demandados BB, CC e DD no pagamento, a título de danos patrimoniais pelos prejuízos sofridos com a prática dos ilícitos, da importância global de pelo menos 62.000€ (sessenta e dois mil euros). 2. Realizou-se o julgamento, tendo o Tribunal, proferido sentença em 24.09.2024, da qual se transcreve o respetivo segmento decisório: « NA PARTE CRIMINAL: Pelo exposto, e de harmonia com as disposições legais supra citadas, julga-se totalmente procedente a acusação, nos termos sobreditos e, por consequência: a) Condena-se o arguido BB pela prática, no dia 28.06.2013 e em co-autoria material, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alíneas a) e c), ambos do CP, na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, a contar da data do trânsito em julgado da presente decisão; b) Condena-se a arguida CC pela prática, no dia 28.06.2013 e em co-autoria material, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alíneas a) e c), ambos do CP, na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, a contar da data do trânsito em julgado da presente decisão; c) Condena-se o arguido DD pela prática, no dia 05.03.2014 e em co-autoria material, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alíneas a) e c), ambos do CP, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, a contar da data do trânsito em julgado da presente decisão; d) Não se condenam os arguidos no pagamento ao Estado de qualquer valor obtido a título de vantagem; (…) NA PARTE CÍVEL Pelo exposto e de harmonia com as disposições legais supra indicadas, julga-se parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela assistente AA e, em consequência: a) Condenam-se os arguidos/demandados BB, CC e DD a pagar € 5.000,00 (cinco mil euros) à demandante/assistente AA; b) Absolvem-se os arguidos/demandados BB, CC e DD do demais peticionado; c) Não se determina a remessa dos autos ao Tribunal Cível, conforme requerido, uma vez que não está em causa qualquer necessidade de liquidação do prejuízo sofrido pela demandante, mas apenas e quando muito o não apuramento de factos que conduzissem à condenação dos demandados no pagamento do valor peticionado ou outros; (…)» 3. Discordando da decisão final, na parte referente ao pedido de indemnização civil formulado, veio a demandante interpor recurso, pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por outra que condene os demandados a pagar-lhe o valor peticionado. Extraiu da motivação apresentada as seguintes conclusões: «I. O presente recurso funda-se na discordância da Assistente relativamente à decisão sobre o pedido de indemnização civil, nomeadamente quanto à consideração como não provados, dos factos aludidos nas alíneas k), l), m), n), e o) conforma consta a páginas 13 da douta sentença. II. A sentença recorrida analisou de forma exemplar e magnífica o comportamento assumido pelos Arguidos e as suas pérfidas motivações, em análise invulgarmente impressiva, denotando o vivo repúdio do Tribunal pelo desvalor das suas ações. III. No entendimento da Recorrente existe uma notória incongruência entre a decisão proferida no que toca à prova dos factos que suportam a o desvalor da ação (e do resultado) e os pressupostos da responsabilidade criminal (escrituras notariais celebradas declaradas juridicamente inexistentes em ação cível para o efeito instaurada) e a decisão de não prova dos factos relativos ao pedido de indemnização civil, relativamente à apropriação do património financeiro do pai da Assistente e Recorrente. IV. A motivação caso das escrituras notariais, a oportunidade e o aproveitamento das limitações físicas e da vulnerabilidade do falecido EE, foram exatamente as mesmas no caso da apropriação do património financeiro, e no caso da celebração das referidas escrituras. V. A intenção de apropriação e de se beneficiarem em proveito próprio, do património do falecido em detrimento da filha do mesmo (aqui Recorrente) é exatamente a mesma no caso do património financeiro, que aquela que foi manifestada com a celebração das escrituras que acabaram por ser invalidadas e que mereceram a censura ético jurídica do Tribunal. VI. Aliás, a responsabilidade dos Arguidos no caso da sua apropriação do património financeiro, é uma necessidade lógica que vem na sequência e na decorrência dos demais atos praticados, pelo que a elaboração de um raciocínio de dedução conduz a que tal matéria considerada não provada, possa ser provada por presunção. VII. O que constitui a pretensão da Recorrente neste recurso, ou seja, que tal matéria (considerada não provada) possa ser considerada provada como uma decorrência e uma necessidade lógica, por desde logo integrar o mesmo plano criminoso e comungar da mesmíssima motivação. VIII. Para que justiça seja realizada, é imperioso que os Arguidos sejam condenados na sequência dos atos que praticaram, depois de haverem feito desaparecer a totalidade do património financeiro, ou seja, os depósitos bancários que o falecido detinha e era titular, impedindo desta forma a Assistente de aceder à titularidade e fruição do mesmo património. IX. A decisão de não prova daqueles indicados factos quanto ao pedido civil, é aliás incongruente com a motivação expendida pelo Mmo Juiz a quo na sua “Motivação da Matéria de Facto” e igualmente incongruente com a matéria julgada provada no ponto 5 dos Factos Provados. Aqui o Mmo Juiz considera provado que o falecido EE foi levado pelos Arguidos a assinar documentação bancária, para depois concluir nas als. e) e n) dos Factos Não Provados, o seu contrário, em manifesta e incompreensível contradição. X. Efetivamente, a al. n) em questão, sustenta que não se prova que todo o património financeiro de EE tivesse desaparecido ou sido dissipado pelos arguidos, sendo este o juízo probatório que não podemos de forma alguma compreender, estando em contradição com os Factos Provados (designadamente o facto 5 e com as considerações que são amplamente desenvolvidas em sede de Motivação da Matéria de Facto, parte com a qual aliás, concordamos. Consideramos, porém, que a matéria da al. n) dos Factos Não Provados, colide com tal Motivação. XI. Poder-se-á não provar que todo o património financeiro foi dissipado; porém quanto aos 56.000€, não se compreendem as dúvidas do Mmo Juiz a quo. XII. Não podem subsistir dúvidas sobre a apropriação deste montante (mais precisamente 56.340,01€) pelos Arguidos. Tal apropriação é inequívoca, pois eram eles quem tinha os cartões bancários do falecido, tendo-o levado inclusivamente ao Banco, em data em que está já incapacitado (o EE estava à guarda e cuidados dos Arguidos, tendo os cartões bancários deste e demais documentação), para realizar a transferência desse montante de depósito a prazo para depósito à ordem. Não se compreende como se pode considerar este facto (esta necessidade lógica) como não provado. XIII. Os vários excertos ou transcrições que fazemos das eloquentíssimas considerações do Mmo Juiz a quo, a partir da pág. 7 desta peça processual, para que remetemos, por não deverem ser transcritas aqui, estão porém, em flagrante contradição com o juízo probatório relativo à dita al. n) dos Factos Não Provados. É uma contradição com a sua própria convicção. XIV. E igualmente em contradição com o que significa uma confissão do próprio Arguido BB, transcrita na própria sentença, a pág.32, 1º parágrafo “foi a vontade dele” e “acabou o arguido por aludir à transferência de valores de conta bancária titulada pelo seu falecido irmão para conta bancária por si titulada, sendo certo que a prova produzida permitiu apurar foi apenas a disponibilização de valores em conta bancária titulada por aquele primeiro, daqui se retirando claro comprometimento do arguido.”. XV. Se o EE (pai da Assistente) estava entregue aos cuidados do irmão e da cunhada, aqui Arguidos, em situação de vegetal, em situação de fragilidade total e sem entender e querer como pessoa de normal diligência, em virtude da sua patologia limitadora, estes tinham acesso a toda a sua documentação, a tudo o que era seu e necessariamente os cartões bancários e toda a documentação bancária. Logo é inevitável concluir que tivessem sido os Arguidos a fazer desaparecer pelo menos os 56.000€ transferidos da conta a prazo para a conta à ordem. Falece assim a razão para a resposta dada à al. n dos factos não provados, devendo ser alterado este juízo probatório. É um facto insofismável que, o património financeiro do pai da Assistente desapareceu completamente, consistente e materializado nas várias contas tituladas por si. E é uma necessidade lógica, tendo em consideração os demais factos praticados e julgados provados e a linha de atuação levada a cabo pelos Arguidos. XVI. É uma inevitabilidade terem sido os Arguidos a fazer desaparecer o património financeiro dos Arguidos; mais ninguém interveio nos factos, mais ninguém tinha o domínio dos factos, sendo eles os únicos autores e como domínio exclusivo dos factos. Mais ninguém tinha acesso às contas bancárias, aos cartões e à demais documentação. Usaram as contas bancárias, o que nelas existia. XVII. Pede-se apenas que o Tribunal extraia as necessárias conclusões no sentido do estabelecimento da autoria material (necessária) e do nexo de causalidade dos ilícitos consistentes na apropriação dos saldos bancários do EE. XVIII. Ora, o crime de burla é um crime de resultado que se traduz na provocação de um prejuízo. Este prejuízo, pressuposto da prática do crime de burla, só pode radicar no património financeiro, só se pode referir ao património financeiro e só esse prejuízo legitima a condenação por burla qualificada, uma vez que o outro prejuízo (imóveis) foi anulado. É impossível, é totalmente incongruente ser de outro modo. XIX. Ora, se os Arguidos foram condenados pela provocação desse prejuízo – e não poderia ser de outro modo – sabe-se quem o provocou, isto é, quem é o autor material desse prejuízo, pelo que nenhum sentido faz julgar-se como não provada a matéria constante da al. n) dos factos não provados. XX. Quando não, existe uma notória, flagrante e insanável contradição entre a decisão e os fundamentos, isto é, entre a motivação da matéria de facto e a respetiva decisão (da matéria de facto), caso em que estaremos perante o vício constante da al. b) do nº 2 do art.º 410º do CPP. XXI. Se ao pedido civil em processo penal se aplicam as regras da lei civil (e os princípios que as mesmas contêm), aplicar-se-lhes-á igualmente as regras vigentes quanto ao respetivo padrão probatório. XXII. Significa isto que deverá aplicar-se igualmente o princípio da “probabilidade prevalecente” como normativo probatório e não o de prova para além de qualquer dúvida razoável, padrão que vigora no processo penal. XXIII. Por isso os factos considerados não provados, devem ser considerados provados e os Arguidos responsabilizados, pelo prejuízo patrimonial provocado à Assistente, sendo julgado procedente o pedido de indemnização civil. XXIV. Em virtude do elevado grau de perversidade, leia-se, elevado grau de culpa, total ausência de arrependimento e comportamento manifestado durante a audiência de discussão e julgamento, aliás reconhecida pelo Mmo Juiz a quo, a pena aplicada devia ter sido mais elevada, pelo menos quatro anos e meio, ainda que não tenham antecedentes e se achem integrados socialmente. XXV. A fim de garantir a realização da reparação que a procedência do recurso pressupõe, ou seja, que o Tribunal ad quem reconhece o que o Tribunal recorrido não reconheceu e que, os Arguidos devem ser condenados no pedido de indemnização civil, a suspensão da execução da pena aplicada (que deverá ser ampliada em mais um ano, como vimos de sustentar) deverá ser sujeita à condição de efetivo pagamento e sua necessária comprovação nestes autos.» 4. O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal. 5. Os arguidos/demandados não apresentaram resposta ao recurso interposto. 6. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso pugnando pela respetiva improcedência, concluindo: «1. Os argumentos invocados pelo recorrente, nos quais assenta a sua discordância, não permitem, salvo o devido respeito, decisão diversa da proferida pelo Mmº Juiz “a quo”; 2. O tribunal apreciou e valorou correctamente as provas produzidas e examinadas em audiência à luz do princípio da livre apreciação da prova, nos termos do artigo 127° do Código de Processo Penal; 3. Não merece qualquer censura o julgamento da matéria de facto, nem enferma ele de quaisquer violações de acordo com as regras da experiência comum; 4. A convicção a que doutamente chegou o julgador escorou-se na prova efetivamente produzida em julgamento, cujo raciocínio, ou iter mental, foi completo e devidamente justificado e exteriorizado com clareza na sentença; 5. Não foram, por isso, violados quaisquer preceitos legais.». 7. Teve lugar a conferência. * II – QUESTÕES A DECIDIR Sendo regra que o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão (art. 402.º, n.º 1, do Código Processo Penal, doravante CPP), reconhece-se aos intervenientes um papel conformador da impugnação, decorrente do princípio do dispositivo e da cindibilidade da mesma. Admitindo-se a limitação do recurso a uma parte da decisão, desde que esta possa ser separada da parte não recorrida, considera-se como autónoma a parte da decisão que se referir a matéria civil (artigos 402.º, n.º 1 e 403, n.º 1 e 2, al. b) do CPP), sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, do dever de retirar da procedência do recurso as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão e da proibição de reformatio in pejus. O âmbito do recurso é, assim, delimitado pelas conclusões da motivação que o recorrente produziu para fundamentar a sua impugnação da decisão da primeira instância (artigos 403.º, 410.º e 412.º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (AUJ de 19/10/1995, D.R. 28/12/1995). E a recorrente delimita no requerimento de interposição do recurso, na motivação e nas conclusões (I), o seu recurso à parte da decisão que recaiu sobre o pedido de indemnização civil por si deduzido. Circunscrevendo-se o recurso interposto pela demandante, como a mesma expressamente refere, ao pedido de indemnização civil por si deduzido e na ausência de recurso interposto da parte crime da sentença (pelo Ministério Público ou pelos arguidos), sem cuidarmos aqui de indagar se a demandante, por também investida na qualidade de assistente, disporia da necessária legitimidade para recorrer da medida e modo de execução da pena1 (desacompanhada do M.º P.º), não pode este Tribunal conhecer do requerido nas conclusões XIV e XV – agravamento da pena aplicada e sujeição da suspensão da mesma à condição de efetivo pagamento da indemnização a arbitrar – por extravasar o âmbito do recurso. Posto isto, no presente caso, cumpre apreciar e decidir a) Do recurso da matéria de facto; b) Do eventual arbitramento da totalidade do valor peticionado pela recorrente a título de indemnização por danos patrimoniais. * III – TRANSCRIÇÃO DOS SEGMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA RELEVANTES PARA APRECIAÇÃO DO RECURSO INTERPOSTO « III – FUNDAMENTAÇÃO A - DE FACTO Factos Provados Da audiência de julgamento e com relevo para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: DA ACUSAÇÃO 1. O arguido BB é irmão de EE, sendo a arguida CC esposa daquele arguido e o arguido DD filho dos co-arguidos; 2. A assistente (AA) é filha de EE, que faleceu intestado, aos … anos, a …, na freguesia de … (…), concelho de …, havendo tido a sua última residência habitual no …, …, …; 3. O falecido EE era detentor de um vasto acervo patrimonial, composto essencialmente por bens imóveis e contas bancárias; 4. Acontece que a família paterna de EE, composta pelos arguidos, descobriu que a assistente era filha do mesmo, não a tendo aceitado como tal; 5. Nessa conformidade, os arguidos urdiram entre si um plano, no qual todos concordaram, para, aproveitando-se do estado de saúde debilitado de EE (diagnosticado, em meados de …, com demência degenerativa provocada pela doença de Alzheimer), se apropriarem do seu património, levando-o a assinar documentação bancária, bem como escrituras públicas de compra e venda e de partilha parcial, desapossando-o dos seus bens, sem qualquer compensação, por forma a enriquecerem ilegitimamente com o acervo/quota que caberia legitimamente, como herança, à assistente; 6. Com efeito, em 2012, EE começou a demonstrar ter problemas psíquicos que se iriam agravar nos meses seguintes; 7. Assim, em 16.01.2013, em consulta médica no Centro de Saúde de …, foi diagnosticado a EE, pelo médico que o observou, que o mesmo era um «doente lentificado, confuso e desorientado»; 8. Em consulta de 17.05.2013, o médico que o havia observado na anterior consulta fez consignar o seguinte: «perda acentuada de memória com evolução de +- 1 ano, estado confusional progressivo e desorientação espaço temporal… coloco a hipótese de Alzheimer em estado inicial, pelo que referencio para melhor orientação diagnóstica e adequada revisão terapêutica…»; 9. Na consulta seguinte, ocorrida em 25.06.2013, EE é diagnosticado da seguinte forma: «Doente com quadro clínico de Alzheimer em estado inicial… DEMÊNCIA»; 10. Nos meses seguintes, o estado de doença demencial degenerativa foi-se agravando, chegando a ficar totalmente incapacitado; 11. EE chegou a um estado de alheamento e de nebulosidade total, incapaz de manter uma conversa com um mínimo de nexo ou sentido, estando notoriamente incapaz de reger a sua pessoa e os seus e de compreender o alcance e as consequências legais dos seus actos em eventuais negócios jurídicos que, nesse estado de doente demencial, pudesse fazer; 12. EE, antes de falecer em …, manteve com a assistente, sua filha, uma relação de grande proximidade familiar, de carinho e atenção, tanto que queria fazer dela sua herdeira universal; 13. Por outro lado, o pai da assistente, desde que contraiu a doença degenerativa demencial de Alzheimer, era cuidado pelos arguidos irmão e cunhada, pelo que estes tinham pleno conhecimento e consciência de que EE estava psiquicamente incapaz de entender o alcance e as consequências legais dos seus actos em eventuais negócios jurídicos que, nesse estado demencial, pudesse fazer; 14. Neste enquadramento, os arguidos BB e CC, de harmonia com o plano referido em 5), convenceram EE a com eles outorgar uma escritura pública de «partilha parcial», que veio a ter lugar no dia 28.06.2013, no Cartório Notarial da Notária FF, em …; 15. Nesta escritura de «partilha parcial», intervieram os arguidos BB e CC, assim como EE, na qual se procedia à partilha dos bens que integravam a herança aberta por óbito do pai de EE, avô paterno da assistente, GG, falecido em …; 16. Os bens partilhados são os que se descrevem no documento anexo à referida escritura pública de partilha parcial e que da mesma faz parte integrante, constituídos essencialmente, entre outros, por bens imóveis; 17. Na aludida escritura pública, procedeu-se à partilha, após fixação do valor dos bens a partilhar no montante global de € 311.397,00, valor este que foi dividido em duas partes, ficando assim as duas meações, atento o facto de o ex-casal, formado pelos avós paternos da assistente, terem sido casados em primeiras núpcias segundo o regime de comunhão geral; 18. Assim, à meação de GG foi atribuído o valor de € 155.968,61, valor este que foi, então, dividido pelos seus 3 herdeiros (viúva e dois filhos), cabendo a cada um deles o valor de € 51.899,53; 19. Como os bens imóveis (sua nua propriedade) foram adjudicados na totalidade ao filho e arguido BB e o usufruto à mãe de ambos, ao pai da assistente, EE, coube apenas o direito a tornas, no referido valor de € 51.899,53, que este declarou, em sede de escritura notarial perante a notária que o lavrou, já ter recebido; 20. Ora, acontece que, como muito bem sabiam os arguidos e de acordo com o plano previamente urdido entre eles, com o qual ambos concordaram, o valor de € 51.899,53, devido a título de tornas, não foi pago por estes em momento anterior à outorga da escritura, nem posteriormente houve qualquer entrada desse ou de outros montantes nas contas bancárias tituladas pelo falecido EE; 21. A afirmação declarada por EE de que havia recebido dos arguidos a quantia de € 51.899,53, a título de tornas, não correspondia à verdade; 22. EE somente declarou o referido em 21) mercê da doença degenerativa demencial Alzheimer de que padecia à data da realização da escritura de partilha parcial e, por isso, não compreendia o alcance e consequências jurídicas do teor dessa mesma declaração; 23. Ainda de acordo com o plano urdido entre os arguidos, com o qual todos manifestaram a sua total concordância, e após a outorga da escritura de partilha parcial, os arguidos convenceram EE a celebrar com eles, desta vez, uma escritura pública de compra e venda de imóvel, pertencente a este último; 24. Assim e na prossecução do plano de desapossamento de bens imóveis, aproveitando-se da doença degenerativa demencial do legítimo proprietário, o arguido DD outorgou, em 05.03.2014, no Cartório Notarial da Notária FF, em …, uma escritura pública de compra e venda de imóvel; 25. Por via da escritura pública de compra e venda referida em 24), o outorgante EE vendeu ao sobrinho, o arguido DD, «…pelo preço de vinte mil euros que declarou já ter recebido, a nua propriedade do prédio urbano, sito em …, freguesia de … (…), concelho de …, composto por moradia de casas térreas com duas divisões, destinadas a habitação, com uma divisão, destinada a arrecadação e um armazém com uma divisão, destinada a comércio, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … descrito na Conservatória do Registo Predial de… sob o n.º …»; 26. À data da outorga da escritura de compra e venda referida em 24) e 25), EE sofria de notória demência degenerativa das suas capacidades intelectuais, causada pela já diagnosticada doença de Alzheimer e, portanto, mostrava-se incapaz de reger autonomamente a sua pessoa e bens, sendo, assim, incapaz de alcançar as consequências jurídicas do teor da declaração por si consignada na escritura de compra e venda do imóvel ao arguido DD; 27. Os arguidos bem sabiam que o outorgante EE padecia, à data da escritura de compra e venda, de uma doença degenerativa demencial que o impedia de compreender e querer o alcance e consequências jurídicas do teor do negócio jurídico praticado; 28. Os arguidos sabiam também que a declaração consignada na escritura de compra e venda, de que EE havia recebido do arguido DD o preço de € 20.000,00, pela alienação do imóvel aí descrito, não corresponde à verdade; 29. Mais sabiam os arguidos que o outorgante EE somente declarou na escritura de compra e venda facto juridicamente relevante, que não corresponde à verdade, porque o mesmo padecia à data de doença degenerativa demencial, extremamente grave, que o incapacitava de compreender o alcance e consequências jurídicas do negócio jurídico celebrado, pelo que se aproveitaram dessa doença, de forma a apoderarem-se, sem que qualquer contrapartida monetária fosse concedida ao vendedor, do património imobiliário, desapossando-o também do acervo hereditário a favor da ofendida; 30. EE, titular único da conta bancária de depósito a prazo n.º …, da …, cujo saldo à data era de € 46.340,01, retirou, nos dias 18.06.2013 e 22.08.2013, o valor de € 46.000,00 e € 10.000,00, respectivamente, de depósitos a prazo, para os colocar à ordem na mesma conta bancária; 31. No âmbito do processo cível que correu termos sob o n.º 900/19.4…, no Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Cível, intentado pela assistente contra os arguidos, as duas escrituras públicas (de partilha parcial e de compra e venda) foram, por sentença já transitada em julgado, declaradas juridicamente inexistentes e sem qualquer valor jurídico, por à data das respectivas outorgas EE estar incapaz de compreender o alcance e consequências jurídicas dos negócios jurídicos celebrados; 32. Os arguidos, de comum acordo, atento o plano previamente urdido entre todos e com o qual manifestaram anuência, porque queriam deserdar a assistente, bem como enriquecer à custa da apropriação ilegítima do acervo hereditário aberto por óbito de GG, pai de EE, e aproveitando-se da doença deste último, titular dos bens imóveis/contas bancárias, praticaram os factos descritos, bem sabendo que todos estavam a obter uma vantagem patrimonial no valor global de, pelo menos, € 71.899,53; 33. O dinheiro correspondente ao somatório dos valores das tornas não pagas e da venda do imóvel pertencente a EE, no montante global de € 71.899,53, foi integrado no património dos arguidos, bem sabendo que, dessa forma astuciosa, desapossavam do acervo hereditário, os bens imóveis e móveis que caberiam, por lei, à quota da assistente, herdeira universal de EE; 34. Ao desapossar do acervo hereditário, mediante o engano que astuciosamente os arguidos provocaram no titular dos bens imóveis e móveis, aproveitando-se da situação de especial vulnerabilidade da vítima, em razão da idade e de doença demencial altamente degenerativa que a torna incapaz de entender as consequências jurídicas dos negócios jurídicos celebrados, os arguidos lograram integrar no seu património, bem sabendo que o dinheiro proveniente desses mesmos negócios, no montante global consideravelmente elevado de € 71.899,53, constituía o acervo hereditário que deveria ter sido partilhado com a assistente, de acordo com a sua quota legítima, por esta ser herdeira universal de EE, o que aqueles bem sabiam; 35. Os arguidos actuaram com a intenção concretizada de obter para eles um enriquecimento ilícito no valor de € 71.899,53, por meio de erro sobre factos que astuciosamente provocaram ao determinar que o autor da herança (EE) transferisse a propriedade dos imóveis, cujo somatório ascende a um valor consideravelmente elevado, para o património do arguido BB, de harmonia com um plano previamente urdido entre todos, de forma a deserdar a herdeira universal, a assistente, que ficou desapossada da sua parte na herança, por óbito do seu pai; 36. Agiram os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram censuráveis, proibidas e punidas por lei; DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL 37. Do património financeiro de EE constavam as seguintes contas bancárias: • Conta na …, balcão de …, com o n.º …, que regista operações bancárias no montante de € 56.030,36 (cinquenta e seis mil e trinta euros e trinta e seis cêntimos), em 16.04.2014, estando EE já completamente incapacitado, ficando a conta liquidada; • Conta na …, balcão de …, com o n.º …, que regista sobretudo movimentos que tiveram lugar em 2012, desconhecendo-se em que circunstâncias; • Conta na …, balcão de …, com o n.º …, que foi liquidada em 18.06.2013, depois de todo o seu valor haver desaparecido; • Conta de depósito à ordem no …, balcão de …, com o n.º …, titulada por EE, que foi liquidada em 24.06.2014 e se encontra associada a uma conta de depósito a prazo de onde são transferidos os juros gerados, verificando-se uma transferência de juros no montante de € 15.000,00 (quinze mil euros) em 04.01.2012 e no montante de € 10.000,00 (dez mil euros) em 08.08.2012, a partir da conta de depósito a prazo n.º …; • Conta no…, solidária, balcão de …, com o n.º …, conjuntamente com a cunhada e arguida CC; • Conta no …, solidária, balcão de …, com o n.º …, conjuntamente com a sua mãe e que, em 06.10.2012 e 17.10.2012, regista a transferência a crédito de € 31.000,00 (trinta e um mil euros) a título de juros, proveniente de outras contas, significando isto que EE seria igualmente titular das contas que geraram aqueles juros e, consequentemente, titular de parte do capital respectivo, pelo menos na proporção de metade (conta n.º … e conta n.º … (uma delas gerou juros de € 15.000,00 e outra gerou € 16.000,00 de juros); • Em matéria de investimentos financeiros, EE dispunha, em 30.06.2012, de € 50.284,65, cujo destino se desconhece; 38. EE em momento algum beneficiou de qualquer deslocação patrimonial em seu favor; 39. A assistente suportou o pagamento de imposto de IRS respeitante a mais valias, devidas por via da alienação da moradia referida em 25) a favor do arguido DD; 40. A assistente viu-se obrigada a proceder a esse pagamento, sendo ameaçada de penhora por parte da AT, tendo tido de realizar um pagamento de € 5.000,00 (cinco mil euros) a esse título, quando na verdade não recebeu um único cêntimo da herança por óbito do seu pai DD; DAS CONDIÇÕES SÓCIO-ECONÓMICAS E ANTECEDENTES CRIMINAIS DO ARGUIDO BB 41. O arguido nasceu em ….1959 e está casado; 42. Tem 2 filhos, ambos já independentes; 43. Vive com a esposa em habitação própria, herdada e já integralmente paga; 44. Tinha a profissão de …, que exerceu desde os 13 anos de idade, encontrando-se aposentado desde 05.2024, auferindo actualmente reforma no montante mensal de € 580,00; 45. Fruto do arrendamento de 8 apartamentos de que é proprietário, recebe cerca de € 2.000,00 mensais em rendas; 46. Arrenda igualmente 2 armazéns, daí recebendo rendas nos valores de cerca de € 1.200,00 e € 900,00 mensais; 47. Declarou dever cerca de € 30.000,00 a instituição bancária em razão de crédito contraído para a realização de obras, pagando prestação bancária de cerca de € 700,00 mensais; 48. Em despesas com contratos de fornecimento de serviços públicos essenciais, despende cerca de € 500,00 mensais; 49. Como habilitações literárias, tem a 4.ª classe; 50. O arguido não sofreu quaisquer condenações no âmbito de processos criminais; DAS CONDIÇÕES SÓCIO-ECONÓMICAS E ANTECEDENTES CRIMINAIS DA ARGUIDA CC 51. A arguida nasceu em … 1962 e está casada; 52. Tem 2 filhos, ambos já independentes; 53. Reside com o marido em habitação própria e já integralmente paga; 54. Tem a profissão de …, que exerce por conta própria, sendo igualmente sócia gerente da … em que labora, auferindo o salário mensal de € 1.000,00 e declarando servirem os dividendos da … para pagamento das despesas com funcionários e outras; 55. Como habilitações literárias, tem o 12.º ano de escolaridade; 56. A arguida não sofreu quaisquer condenações no âmbito de processos criminais; DAS CONDIÇÕES SÓCIO-ECONÓMICAS E ANTECEDENTES CRIMINAIS DO ARGUIDO DD 57. O arguido nasceu em … 1985 e está solteiro, mas unido de facto; 58. Não tem filhos; 59. Exerce a profissão de … por conta própria, explorando … e daí retirando lucros de cerca de € 1.000,00 a € 1.200,00 mensais, sendo esse o seu único rendimento; 60. Paga € 750,00 mensais a título de renda da … que explora; 61. Começou a trabalhar a partir dos 10 anos de idade, com o seu pai, co-arguido BB, na … dele, que hoje é aquela que explora; 62. Chegou a ser … até 2019, altura em que auferia o salário mensal de € 1.800,00; 63. Foi … durante 6 anos (até 2013), declarando daí haver retirado € 25.000,00 a € 30.000,00 anuais de rendimento, acrescidos de cerca de € 4.000,00 anuais em prémios; 64. A sua companheira trabalha em …, auferindo o salário mensal de € 800,00; 65. Vive com a sua companheira em casa que pertence à sua mãe, co-arguida CCS, não pagando qualquer valor a título de renda ou outro, mas suportando as contas respeitantes a contratos de fornecimento de serviços públicos essenciais, que se cifram em cerca de € 180,00 a € 200,00 mensais; 66. Como habilitações literárias, tem o 10.º ano de escolaridade; 67. O arguido não sofreu quaisquer condenações no âmbito de processos criminais. Factos Não Provados Com relevância para a boa decisão da causa, não resultou provado que: DA ACUSAÇÃO a) Tivesse sido em meados de 2012 que o descrito em 6) sucedeu; b) Sem prejuízo do descrito em 10), EE tivesse chegado a ficar totalmente acamado; c) O arguido DD tivesse tido intervenção na escritura referida em 15); d) Os arguidos BB e/ou CC tivessem outorgado a escritura mencionada em 24) e 25); e) Ainda de acordo com o plano previamente urdido pelos arguidos, com o qual os arguidos BB e CC concordaram, estes tivessem pretendido, aproveitando-se da doença demencial incapacitante de EE, apropriar-se dos saldos bancários titulados por este; f) Os valores referidos em 30) tivessem sido retirados da conta bancária ali mencionada e transferidos para conta de depósito a prazo titulada pelo arguido BB; g) Os arguidos tivessem convencido EE a proceder nos termos descritos no ponto 30), ainda na prossecução do plano que urdiram; h) A vantagem patrimonial pretendida obter e efectivamente obtida pelos arguidos se cifrasse no montante de € 118.899,53; i) Sem prejuízo do descrito em 35), os arguidos tivessem actuado com a intenção concretizada de obter para eles um enriquecimento ilícito ao determinar que EE transferisse os saldos das suas contas bancárias para as contas do arguido BB e para o património dos co-arguidos; j) A propriedade dos imóveis objecto de herança tivesse sido transferida para o património da arguida ou do arguido DD; DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL k) Os arguidos se tivessem apropriado dos valores/depósitos bancários existentes no período final da vida de EE, à semelhança do que houvessem feito quanto ao restante património; l) Que as operações bancárias referidas no 1.º parágrafo do ponto 37) consistissem em transferência(s); m) EE não tivesse quaisquer dívidas; n) Todo o património financeiro de EE tivesse desaparecido ou sido dissipado pelos arguidos; o) Tivesse ocorrido uma transferência de € 56.030,36, para conta titulada pelo arguido BB. * Fundamentação da Matéria de Facto e Exame Crítico da Prova A convicção do Tribunal assentou na análise crítica da prova produzida, que consistiu nas declarações prestadas pelos arguidos (BB, CC e DD), nas declarações prestadas pela assistente (AA), nos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas (HH, II, JJ, KK, LL, MM e NN), bem como no teor do conspecto documental carreado para os autos (do qual se destaca o seguinte: cópia do cartão do cidadão da assistente de fls. 40, cópia de certidão de procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos de fls. 41 a 43, documentação clínica de fls. 45 a 58, 259 e 260, cópia de escritura de partilha parcial de fls. 59 a 66, cópia de certidão de escritura de compra e venda de fls. 67 a 70, prints de consulta de movimentos em histórico por anos da … de fls. 71 a 82, 85 a 91, 147 a 152 e 154 a 159, print de consulta de movimentos de conta da … de fls. 83/84, print de extracto de movimentos históricos do … de fls. 92 a 107, 144 e 448 a 454, extracto global da … de fls. 108 a 110, informação da AT de fls. 137, extractos bancários do … de fls. 139 a 143 e 145, comprovativos de mobilização de depósito a prazo do … de fls. 166, 168, 169, 171, 173, 174, 175, 177, 201, 203, 206, 208, 209 e 212, comprovativos de constituição de depósito a prazo do … de fls. 167 e 199, talões de levantamento ao balcão do … de fls. 170, 172, 176, 178, 180, 182, 184, 186, 188, 190, 192, 194, 196, 200. 202, 204, 205, 207, 210, 214 e 215, documentos de proposta de reembolso de capitais de reforma por prazo certo do … de fls. 179, 181, 183, 185, 187, 189, 191, 193 e 195, comprovativos de transferência entre contas do … de fls. 197 e 211, comprovativo de levantamento da … de fls. 218, comprovativos de transferência da … de fls. 220, 222, 224, 226 e 228, autos de análise da PJ de fls. 263 a 268 e 728, prints das bases de dados de contas por interveniente do … de fls. 277/278, 279, 280/281, 282/283 e 284, listagens de movimentos bancários do … de fls. 303/304, 305 a 313, 314 a 317, 318 a 417 e 418 a 420, extracto bancário do … de fls. 423 a 432, extractos bancários do … de fls. 439 a 441 e 456 a 476, extractos bancários do … de fls. 483 a 508, 509 a 532, 533 a 550 e 551/552, extractos bancários do …de fls. 560 a 588, extractos bancários da CGD de fls. 591 a 627 e 628 a 664, cópia de sentença proferida no processo n.º 900/19.4… de fls. 792 a 807, cópia de certidão de escritura de doação de fls. 1056/1057, cópia de certidão de assento de nascimento de fls. 1058, cópia de certidão de termo de perfilhação de fls. 1059/1060, cópia de certidão de requerimento para adicionamento de apelido de fls. 1060/1061, certidão de sentença proferida nos autos n.º 199/23.8… de fls. 1099 a 1106 e certificados de registo criminal de fls. 1118, 1119 e 1120), sobre o qual todas as dúvidas foram esclarecidas em audiência, tudo devidamente apreciado com base nas regras da experiência comum (artigo 127.º do CPP). Em jeito de introito da motivação da matéria de facto que se fará de seguida, desde já se esclarece que parte significativa dos factos supra elencados como provados e/ou não provados assim resultou em atenção à prova documental constante dos autos, desde logo a documentação clínica, bancária e contratual. Em síntese, os arguidos negaram, no essencial, os factos que lhes vinham imputados, essencialmente aqueles que se relacionam com a movimentação das contas bancárias do falecido EE, ao passo que a assistente revelou desconhecer, salvo rara excepção, os contornos de tais movimentações bancárias, sendo até evidente que o conhecimento que mostrou ter a tal respeito advém da consulta dessa mesma documentação bancária que consta dos autos, à qual teve legítimo acesso em virtude de ser herdeira única do falecido titular das mesmas. Ora, também por isto se enaltece a importância da documentação constante dos autos. Relativamente aos contornos dos contratos celebrados e que constituem objecto do presente processo, entenda-se, partilha parcial e compra e venda, de igual modo, é o teor dos mesmos que esclarece quem foram os seus outorgantes e quais as consequências jurídicas que dos mesmos advieram, isto pese embora os arguidos hajam admitido haver sido partes dos mesmos (BB e CC no de partilha parcial, cuja cópia da escritura consta de fls. 59 a 66 dos autos, sendo certo, note-se, que esta última se demarcou da qualidade de parte no mesmo, justificando a sua presença com a necessidade de prestar consentimento para a pratica do acto enquanto cônjuge de BB; já o arguido DD, por sua vez, foi parte outorgante de escritura de compra e venda, na qualidade de comprador, assumindo o seu falecido tio EE a qualidade de vendedor, constando a cópia da certidão da dita escritura a fls. 67 a 70 dos autos), se bem que afiançando ser falso que estivessem a aproveitar-se de uma qualquer falta de discernimento de EE. Finalmente (ainda que a celebração de tal contrato não integre propriamente o objecto do processo, mas assuma apenas relevância para a apreciação dos factos que o integram), note-se que consta ainda dos autos cópia de certidão de escritura de doação a fls. 1056/1057, no qual são partes a assistente na qualidade de donatária e o seu falecido pai EE na qualidade de doador. Continuando em jeito de enaltecimento da valia probatória decisiva da documentação constante dos autos, note-se que aquilo que se relaciona com o estado de saúde mental do falecido EE foi demonstrado com base, acima de tudo, na prova documental constante dos autos. Sobre isto, note-se que a prova testemunhal ou por declarações foi contraditória entre si, principalmente quanto confrontadas as declarações da assistente com as dos arguidos, aventando estes estar EE, ao menos à data da celebração dos contratos atrás mencionados, perfeitamente capaz e ciente dos negócios jurídicos que celebrava, ao passo que a assistente foi peremptória ao afirmar o contrário. Assim, perante tal, coube colocar ênfase não só na prova testemunhal produzida, essencialmente o depoimento de HH, médico já aposentado que acompanhou o falecido EE à data dos factos controvertidos, não só na medida do que a sua memória permitiu esclarecer o Tribunal, mas acima de tudo porquanto almejou confirmar o teor e autoria de determinada documentação clínica constante dos autos (fls. 44 a 58 e 259/260), que assim passou a assumir relevância decisiva para aferir do estado de saúde mental de EE. Posto isto, de modo a permitir motivação escorreita e pragmática, desde já se adianta igualmente que as declarações prestadas pela assistente assumiram peso considerável para a formação da convicção do Tribunal, o mesmo não sucedendo, de todo, com as declarações prestadas pelos arguidos, não só pelos motivos que adiante se irão expor, essencialmente relacionados com a argumentação esgrimida, assim como o detalhe e a contextualização dos factos, mas atendendo também à própria forma como as declarações foram prestadas, havendo a imediação permitido estabelecer clara distinção entre, por um lado, declarações espontâneas, escorreitas, deixando antever frustração e indignação, por parte da assistente, aliadas ainda a um evidente não empolamento dos factos e ao imediato reconhecimento do seu desconhecimento quanto a certos e determinados factos concretos, ao passo que, ao invés, deparou-se o julgador com declarações mais vagas e imprecisas prestadas pelos arguidos, sem denotar qualquer sentimento de frustração, indignação ou revolta pelo facto de estarem a ser julgados (bem vistas as coisas, a ser verdade a versão fáctica apresentada pelos arguidos, a circunstância de estarem a ser julgados e a serem-lhes imputados factos relacionados com uma vil instrumentalização de familiar seu que sofria de demência para mero aproveitamento económico, tal teria necessariamente, entendemos nós, que surtir algum efeito nos arguidos, ao menos em jeito de indignação por estarem a ser acusados não só da prática de crime, mas também e senão mesmo acima de tudo por estar a ser colocado em crise o seu carácter). Assim, sem prejuízo de adiante se reiterar a disparidade da forma como as declarações foram prestadas pela assistente e pelos arguidos, adianta-se desde já que estes últimos não convenceram, de todo, acabando até as suas declarações por evidenciar postura contida, controlada, total ausência de empatia para com a assistente ou até mesmo para com o falecido familiar, assim como um discurso em mero e conveniente sentido de enjeitar a sua responsabilidade. Atentando agora devidamente nas declarações prestadas pela assistente, entende-se ser pertinente discorrer sobre o relato que fez (recorde-se, de forma espontânea, escorreita, deixando antever frustração e indignação, acrescendo um evidente não empolamento dos factos e imediato reconhecimento do seu desconhecimento quanto a certos e determinados factos concretos, tudo conforme já adiantado), na medida em que acaba até por ter um peso decisivo na formação da convicção do Tribunal, a par da prova documental carreada para os autos, assim como do depoimento da testemunha HH. Em síntese, acabou a assistente por esclarecer que, sendo filha de EE, foi apenas a partir dos seus … anos de idade que acabou por encetar relação mais próxima com este, segundo a própria criando laços. Sobre isto, é curioso notar que a assistente revelou desconhecer haver sido perfilhada, não havendo sido registada à nascença como sendo o seu pai aquele que posteriormente a perfilhou. Ora, é certo que foi perfilhada, desde logo considerando o teor da certidão de sentença proferida nos autos n.º 199/23.8…, constante de fls. 1099 a 1106 dos autos, proferida em processo de impugnação da perfilhação e não de impugnação da paternidade, daqui se retirando que a perfilhação ocorreu efectivamente. Tal atesta igualmente que aquando do seu nascimento inexistia vínculo matrimonial entre os seus progenitores. A confirmar decisivamente o sobredito, temos também a cópia da certidão do assento de nascimento de fls. 1058, dando conta que a assistente nasceu em 1989, foi registada com menção da sua mãe apenas e, já em 1990, foi perfilhada por EE, tal como atesta, aliás, a própria cópia de certidão de termo de perfilhação de fls. 1059/1060. Seja como for, o desconhecimento, por parte da assistente, da referida perfilhação, não surpreende, na medida em que teve lugar em momento em que a assistente não tinha sequer, evidentemente, capacidade de compreensão do que tal consistiria, acrescendo que, após a mencionada aproximação entre a assistente e o seu pai quando aquela tinha … anos de idade, tal perfilhação não lhe terá sido comunicada ou explicada, porventura dada a sua tenra idade à data ou até pelo facto de ser tema delicado e facilmente não abordado (e até porque nada acrescenta ou ninguém beneficia), ao menos até à idade adulta, cabendo ainda levar em conta que a assistente terá visto o seu pai pela última vez em 25.12.2013, segundo a própria, ou seja, quando tinha ainda … anos de idade, momento até ao qual não choca que tal perfilhação não lhe tenha sido comunicada. Acabou também a assistente por mencionar que, segundo aquilo que lhe foi transmitido (decerto pela sua mãe, mas também, porventura, pelo seu falecido pai), os arguidos BB e CC não aceitaram não só a relação entre os seus pais, mas também a gravidez da sua mãe, aconselhando até esta última a abortar. Segundo lhe foi transmitido (factualidade esta susceptível de valoração atento o disposto no artigo 129.º, n.º 1, parte final, do CPP), terá sido dito pelos mencionados arguidos a EE que a sua à data companheira, mãe da assistente, «só quereria saber do seu dinheiro». Fosse como fosse, a relação existiu, o nascimento da assistente teve lugar e a reaproximação do seu falecido pai à assistente deu-se quando a mesma tinha … anos de idade, sempre contra vontade da família paterna, composta pelos arguidos e por OO, avó paterna da assistente e do arguido DD e mãe de EE e do arguido BB. Posto isto, afiançou a assistente que a relação que manteve com o seu pai foi, sempre e daí em diante, de grande proximidade (eram muito unidos, segundo afiançou a testemunha KK), exemplificando que o mesmo ia assistir aos jogos que a mesma disputava, de ténis de mesa e de futebol (o que foi igualmente confirmado pela testemunha JJ), que este mostrava atenção não só a essas suas actividades mas também à sua vida pessoal e que manifestavam afectos mutuamente, sendo carinhosos um com o outro (o que acabou até a assistente por referir ter sido algo paulatinamente conquistado, posto que o seu pai era pessoa que foi perdendo alguma da frieza que lhe era intrínseca). Sobre a sua relação com os arguidos, referiu apenas como sendo cordial, relacionando-se com os seus tios e primo sem que qualquer cumplicidade ou afecto daí adviesse, ainda que tivesse passado natais com os mesmos, juntamente com o seu pai. Sobre aquilo que se relaciona com a saúde mental do seu pai, esclareceu que foi tudo notório e muito rápido, havendo sido mais para o fim do ano de 2012 que tudo se agravou. Ora, se naquela altura haviam ocorrido alguns episódios mais frequentes de esquecimentos pontuais, por parte do seu pai, tais como o esquecer-se da carteira ou das chaves, a verdade é que, segundo a assistente, o que se deu seguidamente foi uma escalada, uma agravação notória do seu estado de saúde, em que passou a deixar de a reconhecer a si e a outras pessoas, falando de coisas aleatórias e descontextualizadas, por vezes não sendo sequer capaz de manter uma conversa e passando a falar mais de coisas do passado longínquo da sua vida e não da actualidade. Sobre isto, acrescentou que deixou de haver intervalos de lucidez, passando o agora descrito impor-se, não mais voltando o seu pai a ser quem era (ainda que momentaneamente) após o referido agravamento do seu estado de saúde. Merece menção um pequeno à parte, no sentido de que, segundo atesta a documentação carreada para os autos (mais concretamente a cópia de certidão de escritura de doação de fls. 1056/1057), terá EE doado à assistente um apartamento em 04.03.2013. Ora, confrontada a assistente com tal facto, porventura susceptível de lançar a suspeita de que a mesma estaria a actuar talqualmente o fizeram (alegadamente) os arguidos (fosse essa suspeita no sentido de que, a haver aproveitamento, por parte dos arguidos, da doença mental de que EE padecia, a assistente haver feito exactamente o mesmo, ou fosse no sentido de que, a inexistir qualquer aproveitamento, o mesmo inexistiria também, porventura, relativamente aos arguidos para com o falecido), a verdade é que não se pode olvidar dois factos distintos mas que, de igual modo, diferenciam a actuação da assistente da dos arguidos. Assim, em primeiro lugar, sendo a assistente a única herdeira de EE, a verdade é que a doação em causa em nada alterou aquilo que seria a sucessão expectável desta de todo o património daquele, o que não sucede já relativamente aos arguidos, posto que, sendo a assistente a única herdeira de EE, estes não teriam direito a nada (tal resulta das regras sucessórias vigentes, actualmente e à data, às quais não cabe aludir porquanto basta atentar na cópia de certidão de procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos de fls. 41 a 43 para se concluir isso mesmo, que a assistente foi e seria já por demais expectável que viesse a ser herdeira única de EE). Em segundo lugar, a assistente, quando confrontada com a doação em causa, havia já esclarecido que foi em finais do ano de 2012 que a situação do seu pai se agravou, havendo a mencionada escritura de doação sido outorgada em 04.03.2013, ou seja, algum tempo depois desse momento de agravação mas, cabe dizer, algum tempo antes de ser diagnosticado Alzheimer, conforme resulta do descrito no ponto 8) dos factos provados. Sobre isto, merece novo ênfase o facto de, com a dita escritura de doação, nada se haver alterado relativamente àquilo que seria a expectável sucessão de EE, posto que a assistente e donatária sempre seria quem tudo herdaria, sendo tudo o mais meras conjecturas, conjecturas essas, aliás, que se aprofundadas podem até não abonar em favor dos arguidos, posto que é legítimo cogitar se EE não efectuou tal doação a fim de evitar ou acautelar, ao menos em parte, a dissipação ou sonegação do seu património ou, por outro lado, é legítimo também cogitar se a drástica mudança de atitude, para com a assistente, por parte dos seus tios (conforme se referirá de seguida), não poderá também estar relacionada com a tomada de conhecimento da doação em causa e, desse modo, feito os arguidos recear que nada para eles sobrasse… Enfim, meras conjecturas que não se aprofundam por não passarem disso mesmo, não se podendo com as mesmas, naturalmente, visar os arguidos, porque se presumem inocentes de todos os factos desfavoráveis e na simples medida em que, bem vistas as coisas, inexiste substracto factual minimamente seguro que sustente o acabado de referir. Abordando agora a mudança de atitude dos arguidos, essencialmente BB e CC, para com a assistente, afiançou esta que tal se deu em momento em que era já evidente o agravamento do estado de saúde mental do seu pai, em que ele apresentava todos os sintomas já referidos e em que os diagnósticos apontavam já no sentido de que padecia da doença de Alzheimer. Por outro lado, esclareceu também a assistente que essa mudança de atitude, mais concretamente esse corte de relações, teve lugar não sem antes o arguido BB haver pedido à assistente que a mesma lhe entregasse os recibos das rendas que o seu pai recebia, relacionados com apartamentos que o mesmo arrendava, ao que a assistente ingenuamente acedeu, tendo acesso a tais recibos porquanto o seu pai os recebia por correio ao qual a mesma tinha acesso. Ora, é curioso notar que o corte de relações entre os arguidos e a assistente, assim como o afastamento do seu pai de si, provocado pelos arguidos segundo a assistente, se deu em momento ou contexto tão conveniente, permitindo antever com clareza o propósito com que os arguidos já aí actuaram. De facto, tomando conhecimento da doação de um apartamento feita por EE à assistente sua filha (conhecimento esse que decerto terão tido, até na medida em que, segundo a assistente, a sua avó paterna, OO, acompanhou-os nessa escritura, havendo decerto transmitido tal facto ao seu outro filho, o arguido BB, fosse por também ser seu filho e nenhum problema se vislumbrar em que lhe tivesse confidenciado o sucedido, fosse por se manter vivo algo em que ambos porventura concordavam há muito tempo, no sentido de que assistente era indesejada, tal como por todos foi expresso a EE antes mesmo do seu nascimento), cada vez mais se inteirando do declínio do estado de saúde mental de EE e, decerto, aí encontrando uma janela de oportunidade para obter proventos que sempre seriam para a assistente e, a acrescer, estando já munidos de recibos que permitiriam identificar imóveis que EE detinha e arrendava, a verdade é que as circunstâncias contribuíram sobremaneira para que os arguidos chegassem a uma conclusão por demais evidente, qual seja a de que o estado de saúde mental de EE deixava antever que não permaneceria entre eles muito mais tempo, ao menos dotado de lucidez e, sendo detentor de vasto património e sendo a assistente herdeira única de tudo, estariam perante oportunidade única de mudar o rumo das coisas e, para isso, evidente se torna que o primeiro passo seria afastar EE da sua filha, de modo a não permitir que a mesma detectasse o que fosse sendo feito ao património que, em condições normais, herdaria. Contra aquilo que agora se descreveu, sempre se poderá argumentar que tal configura uma visão negativa, pessimista, enviesada ou mesmo deturpada daquilo que efectivamente sucedeu ou pode ter sucedido. Efectivamente, o sobredito pode sempre ser visto como um retrato negro e injustamente imputado aos arguidos sem a necessária segurança de que as coisas assim hajam efectivamente ocorrido. Porém, está o Tribunal seguro de que os factos assim efectivamente sucederam, havendo os arguidos detectado oportunidade que não desperdiçaram, vilmente diligenciando pela apropriação do património de EE. A segurança do Tribunal a tal respeito advém de toda uma panóplia de circunstâncias que são por demais esclarecedoras, senão vejamos. Se os arguidos estavam já cientes da debilidade mental de EE (nos termos que melhor se irão expor infra), também decerto do facto de este haver doado apartamento à sua filha (porventura deixando antever que o mesmo, se lúcido, estaria ciente de alguma pretensão da sua família em impedir que a sua filha fosse sua herdeira única, se bem que, quanto a isto, estamos perante mera conjectura) e, bem assim, munidos já dos recibos de renda dos apartamentos que aquele arrendava (porquanto entregues pela assistente ao arguido BB), a verdade é que o retrato negro supra feito se coaduna, na perfeição, com a conduta posterior dos três arguidos. De facto, em primeiro lugar, afiançou a assistente que a mudança de atitude dos arguidos foi brusca, sem que nada a justificasse, sobre isto acrescentando estar de consciência tranquila, perfeitamente ciente que da sua parte não existiu qualquer palavra ou acto que pudesse melindrar ou ofender a sua família paterna, composta pelos arguidos. Assim, não resta senão concluir que a referida mudança de atitude ou foi gratuita, fortuita, sem estar movida de qualquer pretensão de apropriação do património do falecido EE ou, ao invés, foi desde logo movida por essa pretensão, por esse plano delineado de forma a evitar que a assistente herdasse todo o património daquele. Ora, tudo aponta neste último sentido, senão veja-se: em primeiro lugar, o contexto em que o corte de relações ocorre aponta já inequivocamente nesse sentido (o estado de saúde mental daquele que era já porventura visto como de cujus, o acto dele de doar imóvel à sua filha e, bem assim, a circunstância de estarem os arguidos já munidos de recibos que os auxiliariam a aferir sobre o património daquele); em segundo lugar, a forma como o corte de relações se dá é também perfeitamente condizente com a existência de plano delineado para apropriação do património de EE, na medida em que o que foi feito foi um afastamento quase cruel, frio, irreversível, drástico e sem que algum motivo o justificasse (segundo a assistente, os arguidos BB e CC ter-lhe-ão dito que nunca gostaram de si, que a mesma não era nada para eles, que não era bem vinda e que não a queriam mais ali…); em terceiro lugar, o afastamento não foi apenas da família paterna para com a assistente, mas sim do próprio pai, na medida em que os arguidos passaram a cuidar de EE e a impedir que a assistente tivesse qualquer contacto com o mesmo, ficando esta assim impossibilitada de conhecer o que quer que fosse feito ao património daquele (ao que acresce, naturalmente, o inusitado de uma família impedir contactos entre pai e filha, afigurando-se-nos que tal carece sempre de uma justificação válida, ao menos na perspectiva de quem assim actua); em quarto lugar, equacionando-se a possibilidade de ser temerária a conclusão de que os arguidos terão actuado já movidos por um plano de se apropriarem dos bens de EE, a verdade é que os factos apurados como havendo tido lugar posteriormente deixam evidenciado que tal plano existiria já, na simples medida em que, após se reunir toda uma panóplia de circunstâncias que apontam nesse sentido, a verdade é que aquilo que se vê seguidamente é uma descarada celebração de negócios tão convenientes para os três arguidos, assim como um gritante esvaziamento das contas bancárias do entretanto falecido pai da assistente, sendo evidente que, estando o entretanto falecido aos cuidados dos arguidos, seriam estes que teriam acesso aos cartões bancários e, consequentemente, às contas bancárias do mesmo que, posteriormente, foram ostensivamente esvaziadas... Em suma, o contexto ou circunstancialismo no qual os arguidos actuaram e a forma como ulteriormente diligenciaram relativamente ao património do agora de cujus deixa evidenciado que assim actuaram perfeitamente cientes do que pretendiam a todo o custo, que seria deserdar a assistente e, através de uma descarada celebração de negócios e esvaziamento das contas bancárias de EE, se apoderarem de todo o seu património. Concluir de forma distinta configura, no entender deste Tribunal, ou uma perspectiva enviesada ou parcial do sucedido ou, por outro lado, uma cândida ou ingénua percepção dos factos. Aliás, se já se fez referência à postura assumida pelos arguidos em Juízo, no sentido de não se vislumbrar empatia para com a assistente ou até para com o falecido, assim como as declarações que prestaram haverem sido vagas e imprecisas, sem denotar qualquer sentimento de frustração, indignação ou revolta pelo facto de estarem a ser julgados, a verdade é que o circunstancialismo descrito é por demais evidente, não se compreendendo de que forma os arguidos puderam, quando confrontados com tais factos, não justificar os mesmos, ao menos procurando justificar que os factos não sucederam como descrito na acusação pese embora a aparência das coisas apontar inequivocamente nesse sentido. Em suma, os arguidos não convenceram, de todo, apresentando discurso ostensivamente vago, amorfo e evasivo, quando a verdade é que, na hipótese de terem alguma justificação válida para o sucedido, decerto tê-la-iam apresentado… Por outro lado, também não convenceram os arguidos relativamente ao estado de saúde de EE. Ora, se por um lado este foi afastado, pelos arguidos, da assistente, a verdade é que, assim, esta não terá conhecimento directo sobre o estado de saúde mental do seu pai aquando da celebração dos negócios em causa ou aquando do esvaziamento das suas contas bancárias, pelo que as suas declarações não mais permitiram concluir a não ser que, segundo a evolução do estado de saúde de EE, decerto naqueles momentos já não estaria em condições de compreender os negócios que celebrava ou o que estava a ser feito com as suas contas bancárias. Para isto, contribuiu sobremaneira a documentação clínica feita constar nos autos e, bem assim, o depoimento prestado pela testemunha HH (médico aposentado que exercia funções no Centro de Saúde de …, mais concretamente na USF, Unidade de Saúde Familiar, havendo sido médico de família de EE), havendo confirmado o teor da documentação clínica de fls. 44 a 58 e assegurado haver EE sido seu paciente. A respeito da mencionada documentação, a testemunha esclareceu o Tribunal quanto ao seu teor, com a nuance de fls. 53 e 54 serem o mesmo documento clínico, elaborado por colegas seus (curiosamente, atestam que a sua cunhada, a arguida CC, declarou na referida consulta, ocorrida em 05.09.2013, que o paciente EE fica muito agitado durante a noite, acordando várias vezes e querendo sair de casa, o que é também esclarecedor quanto ao seu conhecimento do débil estado de saúde mental do seu cunhado, isto em data já posterior, ainda que pouco, quase 3 meses, àquela em que o mesmo celebrou negócio de partilha parcial, ocorrido em 28.06.2013, e cerca de 6 meses anterior àquela em que celebrou negócio de compra e venda com o arguido DD, ocorrido em 05.03.2014; sobre isto, é curioso notar que a arguida, assim como os demais arguidos, declarou em Juízo que apenas em 2015 se degradou o estado de saúde de EE, quando a verdade é que, na consulta ocorrida em 05.09.2013, ou seja não 1 mas 2 anos antes, declarava já que aquele era agitado durante a noite, procurando sair de casa, o que, segundo a testemunha HH, é elucidativo da sua agitação, ou seja, sofria já de evidentes sintomas demenciais, o que a arguida necessariamente conhecia, atento aquilo que inequivocamente declarou na mencionada consulta, não se vislumbrando, de resto, como pode não o ter declarado se tal se mostra vertido a fls. 53, sem qualquer interesse pessoal para o médico que ali fez constar tal informação), de os registos clínicos de consulta de fls. 46 e 47, de igual modo, não atestarem consulta sua mas sim de colega seu e, bem assim, que os registos clínicos como os de fls. 44, nos quais consta medicação-prescrição/pedido/renovação/injecção, não carecem da presença do utente, podendo ser emitidos sem a sua auscultação, na medida em que tal registo serve apenas para atestar que foi renovada a sua medicação. Confirmou ainda a testemunha HH que o seu dito paciente padecia de desorientação espácio-temporal aguda, quadros pré-demenciais e demenciais, muito compatível com a doença de Alzheimer, o que motivou a pedir consulta de neurologia (a qual, segundo fls. 259, veio apenas a ocorrer em episódio de urgência muito tempo depois, mais concretamente no dia 30.09.2013), continuando a ser visto pela testemunha mais para apoio da sua situação clínica e para renovação das baixas, com periodicidade aproximadamente mensal. Referiu ainda diminuição acentuada da sua cognição, bem como que o receituário é receituário hospitalar, que terá sido prescrito em consulta de neurologia no Hospital, após indicação sua para lá se deslocar para ser observado. Esclareceu ainda que, já em 17.05.2013 (data da consulta cujo registo consta de fls. 56, inclinando-se também para que a situação fosse idêntica em 16.01.2013, data da consulta cujo registo consta de fls. 57), a capacidade de EE era já reduzidíssima, tendo quadro demencial e não tendo orientação espácio temporal, podendo, ainda assim, ter espaços de lucidez. Acabou ainda por enaltecer que o prognóstico feito o foi por diferentes colegas, o que assume relevo em razão da identidade de diagnóstico mesmo quando feito por quem sempre pode ter entendimentos distintos ou basear-se em observações diferentes, reforçando-se assim o entendimento a que todos chegaram, no sentido do quadro demencial descrito. Sobre a capacidade de EE para tomar decisões como as que a celebração dos contratos em crise implica, esclareceu entender ser muito difícil ter essa capacidade, mesmo que sob o efeito da medicação, até porque a mesma serve essencialmente para contenção da agitação (característica neste tipo de doença), para acalmar o doente, mas não para lhe conceder discernimento ou lucidez. Finalmente, sobre esta lucidez, melhor dizendo, sobre a eventualidade de haver espaços de lucidez, atestou a testemunha desconhecer o caso concreto, pois este estado apenas pode ser verificado por quem acompanhava mais de perto o doente, sendo certo que, pelo que atesta a sua experiência, os espaços de lucidez são por regra momentâneos, acrescentando que estamos perante apreciação susceptível de carrear consigo uma certa subjectividade. Ainda assim, referiu assertivamente entender ser muito difícil que o paciente em causa tivesse dois dias de lucidez, coincidentes com as datas em que celebrou os contratos de partilha parcial e de compra e venda, acrescentando não ser essa lucidez susceptível de ser programada, como que preparando-se o doente para estar lúcido aquando da celebração dos ditos contratos (até porque, conforme explicou, a medicação é para combater a agitação do doente, acalmando-o, como que servindo para o proteger da sua própria agitação, assim como os seus familiares ou quem deles cuida, que assim não carece de se preocupar com os actos, inusitados e/ou perigosos, que podem advir dessa mesma agitação). Relativamente aos depoimentos prestados pelas demais testemunhas inquiridas, vejamos: II, conhecido dos arguidos e da assistente, assim como do falecido EE, ainda que tivesse mencionado não ter relação de amizade com nenhum, limitou-se a referir, com relevância, que, a dada altura, ainda em 2013, começou a notar uma certa desorientação, alheamento e esquecimento por parte do agora falecido (que exemplificou com situações em que se esquecia das chaves, que deixou o clube que frequentava aberto, assim como que se colocava diante da televisão alheado de tudo o resto e não admitindo que interferissem consigo, fosse desligando a televisão, mudando de canal ou chamando-lhe a atenção para algum outro facto). No mais, aludiu à relação da assistente com o seu falecido pai como uma relação normal, entre pai e filha, assim como ao facto de este não evidenciar sinais de riqueza, exercendo a actividade de …. Relativamente a JJ, revelou, de igual modo, conhecer arguidos e assistente e seu falecido pai, não tendo relação de amizade com nenhum, à excepção da assistente, a qual foi sua atleta de …, havendo-a treinado desde 2007 e por 2 ou 3 épocas, enquanto júnior. Com relevo, referiu que EE levava a assistente (que sempre conheceu como sendo sua filha) aos jogos de… e ficava a assistir aos mesmos, revelando ainda que lhe pareceu sempre terem uma boa relação, assim como que, numa ocasião, aquele pareceu não reconhecê-la, o que chegou a comentar com a assistente, que aí a informou que lhe havia sido diagnosticado Alzheimer. Relatou ainda situação em que EE, no âmbito de uma celebração ocorrida em 05.2013, foi homenageado e, no momento do recebimento do prémio e de fazer um discurso, limitou-se a abandonar o local, o que lhe suscitou estranheza, considerando aquilo que seria expectável dele, atenta a sua personalidade e maneira de estar e agir. Acrescentou ainda tê-lo visto numa determinada ocasião já posterior, estático, parado e absorto a olhar para as prateleiras num corredor de um supermercado. Por sua vez, KK adiantou ser tio materno da assistente, conhecendo a arguida, por sua vez, por ter sido sua instrutura de …, sendo certo que a conhecia já anteriormente, assim como os demais arguidos, por serem da mesma localidade, adiantando existir como que uma relação de amizade, acrescendo ter efectuado obras em habitação pertença dos mesmos. Relativamente à relação entre a assistente e o seu pai, afiançou sempre terem tido um relacionamento bom (segundo ele lhe confidenciava, a sua filha era o seu orgulho, levava-a a todo o lado, assistia aos seus jogos, sendo certo que acabou por referir que EE, com quem tinha uma relação próxima de amizade, não assumiu a assistente como sua filha num primeiro momento, apenas o tendo feito quando esta frequentava já na escola primária, o que se terá devido à sua mãe, avó paterna da assistente, acrescentando ter tido conhecimento de tais factos até por intermédio do próprio EE) e, no que se refere a este último, descreveu situações, ocorridas já em 2014, que lhe suscitaram estranheza, aparentando-lhe que o mesmo, por vezes, não o conhecia, estranhando quando cumprimentado e denotando não o estar a reconhecer. Notou ainda, também em 2014, que se repetia muito, no sentido de que, após dizer algo, discorria nova e despropositadamente sobre o mesmo assunto. Pareceu-lhe também não ser já a mesma pessoa, também no sentido que lhe pareceu mais triste. Relativamente à assistente, relatou ainda situação, que lhe foi descrita pela própria assistente em lágrimas, que se coaduna com aquela que a assistente descreveu em Juízo, já supra aludida, em que a sua família paterna lhe disse que não mais seria bem-vinda e que não era nada para eles (isto, recorde-se, em momento em que havia já sido diagnosticado Alzheimer a EE e em que a assistente havia já entregue a BB os recibos das rendas concernentes aos apartamentos que aquele arrendava)… Com relevo, referiu ainda a testemunha que os arguidos, já após a dita discussão com a assistente, colocaram EE num lar situado em … sem dizer nada à assistente e, após o falecimento deste, reconstruíram uma casa/ruína pertença do arguido BB e onde actualmente reside o arguido DD (o que a seu ver terá custado pelo menos € 100.000,00), fizeram obras de melhoramento da habitação própria, mudaram a … para o centro de … (quando EE estava já doente), acrescendo que a arguida abriu ou adquiriu … também na mesma altura. Ora, sobre esta descrição, note-se que a mesma não vem senão reforçar a convicção do Tribunal no sentido de que os arguidos, mediante os contratos em causa e, bem assim, mas já apenas porventura, mediante o esvaziamento das contas bancárias tituladas pelo falecido pai da assistente, se locupletaram de tais valores e, nessa sequência, os canalizaram para a realização de obras e aquisição de …. Sobre este ponto, diga-se que, ainda que a descrição feita pela testemunha em causa não seja decisiva, porque não o é, a verdade é que descreve algo que se coaduna na perfeição com a convicção firmada, no sentido de que, após locupletamento fácil, fácil foi canalizar o dinheiro obtido para as ditas obras e aquisição de …. De resto, sobre a percepção da testemunha acerca da capacidade de EE para realizar as escrituras em causa nos autos, afiançou que decerto não as teria, não tendo sequer, a seu ver, capacidade para ir ao café sozinho, na medida em que estava ostensivamente desorientado, isto ainda antes da discussão ocorrida entre os arguidos e a assistente e o subsequente afastamento desta, provocado pela sua família paterna. Por sua vez, a testemunha LL, inspectora da PJ que participou na investigação feita nos autos, afiançou ter constatado que EE era titular de património relativamente vasto e essencialmente constituído por imóveis e contas bancárias, acrescentando que numa destas foi transferido o valor de, segundo revelou crer, € 56.000,00, para conta titulada pelo arguido BB, acrescentando ter detectado várias outras transferências/levantamentos de valores algo elevados, sendo certo que não almejou apurar o seu destino ou as contas destino (estranhando-se sobremaneira o porquê de não haver encetado diligências de investigação no sentido do apuramento de tais factos…). Sobre as supostas assinaturas apostas pelo falecido EE, limitou-se a lamentar o facto do seu falecimento, o que foi impeditivo da recolha de assinaturas para almejar apurar sobre se tais assinaturas provieram efectivamente do seu punho. De resto, confirmou o teor e autoria do auto de análise datado de 07.04.2020 e constante dos autos a fls. 263 a 267, atestando que o ali aposto decorre da consulta que fez da documentação bancária constante dos autos, acrescentando que nada mais solicitou às entidades bancárias que não aquela mesma documentação suporte (o que igualmente se estranha, de tão parco). Já MM, advogado aposentado, revelou ser primo da arguida e, por isso, conhecer os demais arguidos, mas não conhecer a assistente. Em síntese, afiançou ter tido intervenção na partilha (cuja iniciativa foi do arguido BB ou da sua mãe OO, não conseguindo precisar de qual deles foi) e, após elaborar a minuta da escritura, convocou todos os intervenientes (BB, EE, OO e porventura CC, se bem que não estando seguro se esta última lá estava) ao seu escritório, dali retirando a concordância de todos quanto ao teor da partilha, após o que marcou escritura, segundo se recorda para cerca de uma semana depois. De resto, referiu não ter detectado qualquer ascendente de algum outorgante sobre outro(s) e não ter tido percepção sobre se algum dos outorgantes, especialmente EE, não estaria no pleno das suas capacidades (aqui aludindo, ainda assim, ao facto de o mesmo lhe parecer ser pessoa reservada, algo que nenhuma testemunha ou sujeito processual mencionou, bem vistas as coisas). Referiu ainda que a notária (FF) que interveio na escritura fez a leitura integral da mesma e explicou o seu teor aos outorgantes, pelo que daí retirou que todos compreenderam e quiseram outorgar a escritura em causa nos seus precisos termos. Finalmente e com relevância, afiançou que não houve qualquer pagamento, quer no seu escritório, quer no acto da escritura, desconhecendo assim se as tornas foram efectivamente pagas ou não. Por seu lado, a testemunha NN, bancária de profissão ao serviço da …, revelou conhecer os arguidos BB e CC, assim como EE, se bem que apenas em razão do facto de os mesmos serem clientes do balcão/banco que representa, havendo, de resto, sido indicada pela própria … (cf. se retira da informação de fls. 1074) como sendo a funcionária que presenciou as operações atestadas pelo comprovativo de transferência da … de fls. 226 (sobre este comprovativo, esclareceu que a conta em causa é a mesma, não havendo assim transferência entre contas, sucedendo apenas que o valor ali aposto se encontrava em conta de depósito a prazo, passando com esse acto a ficar na mesma conta, mas à ordem, disponível assim para levantamento ou qualquer outra operação) e 228 (elucidando o Tribunal no sentido de que a operação em causa foi similar à sobredita, não havendo transferência entre contas, mas sim a passagem daquele valor de um depósito a prazo para ficar à ordem do titular). Sobre as operações em apreço, afiançou que as assinaturas apostas nos comprovativos em causa terão necessariamente de ter sido apostas diante de si. De resto, mencionou que não se lhe suscitou a questão de algum dos intervenientes não estar ciente do acto que praticava, sendo igualmente certo que tal questão nunca se lhe suscitou em toda a sua carreira. Ainda assim, acaba por deixar claro, retirando-se tal à saciedade das suas palavras, que não lhe competirá a si aferir da capacidade daqueles que efectuam operações bancárias, limitando-se a efectuar a operação solicitada pelo(s) cliente(s). Analisados os depoimentos prestados, cabe agora atender sucintamente à forma como cada um dos meios probatórios contribuiu para tal que o Tribunal formasse a sua convicção, não sem antes se analisar, muito sucintamente, as declarações prestadas pelos arguidos, declarações essas que, tal como acima já referido, em contraste com aquelas que a assistente prestou, acabaram por deixar em claro postura contida, controlada, total ausência de empatia para com a assistente ou até mesmo para com o falecido familiar, assim como um discurso em mero e conveniente sentido de enjeitar a sua responsabilidade, não se coadunando a postura e trejeitos evidenciados em Juízo com a de quem se encontra a ser injustamente atribuída a responsabilidade pelos factos de que vêm acusados, vislumbrando-se outrossim declarações claramente contidas e algo vagas. Posto isto, no que se refere às declarações prestadas pelo arguido BB, sempre de modo pouco convicto (ou pelo menos não imbuído da indignação ou frustração que seria expectável caso aquilo de que vem acusado não correspondesse à verdade), começou por referir que a partilha foi feita nos moldes que a sua mãe pretendia, por vontade dela (curioso notar que aquilo que importa efectivamente apurar é o pagamento ou não de tornas, por si a EE, já não a forma da partilha, que de certa forma é assim irrelevante, mas foi exactamente na mesma que o arguido se centrou, tão convenientemente), revelando desconhecer o porquê de pretender que as coisas fossem feitas desse modo, o que desde lodo suscita estranheza, sendo também expectável que tivesse um mínimo de conhecimento do que teria motivado a sua mãe a pretender que a partilha fosse feita de tal forma (aliás, o usufruto vitalício a favor da mesma parece facilmente compreensível, o mesmo não sucedendo relativamente à propriedade dos imóveis, que assim ficaram todos a caber ao ora arguido, tendo o falecido EE apenas direito ao recebimento de tornas). Sobre o pagamento das tornas, afirmou que as mesmas foram efectivamente pagas em dinheiro a EE, limitando-se a aventar que foi feito dessa forma porque tinha dinheiro de poupanças, o que de todo, não convence, não só atento o inusitado de ter tão avultada quantia monetária disponível (€ 51.899,53) mas acima de tudo em atenção à forma como declarou ter feito tal pagamento, limitando-se a apresentar discurso tão conveniente mas sem nunca manifestar qualquer semblante que não fosse de comprometimento, respondendo com poucas palavras e acabando até por direccionar o seu discurso para a sua progenitora, como que querendo atribuir-lhe alguma responsabilidade pelo sucedido (note-se que até relativamente àquilo que a assistente havia mencionado como tendo os arguidos BB e CC dito, no sentido de que não lhes era nada e que não mais seria ali bem vinda, a verdade é que afirmou que tal terá sido dito pela sua mãe, não pelo próprio e/ou pela sua esposa, acabando até por dar a entender que a subsequente ausência da assistente junto dos mesmos e do seu pai se deveu a opção desta). Sobre quem cuidou de EE, recusou-se primeiramente a responder (acabando posteriormente por mencionar que, antes de ir para um lar, esteve aos cuidados da mãe, também com o auxílio dos arguidos) e, sobre alguma obstaculização aos convívios da assistente com o seu pai, prontificou-se a responder que o próprio não colocou qualquer obstáculo, havendo-o feito, porventura, a sua mãe… De resto, enfatizou o facto de os convívios de EE com a filha se terem iniciado apenas aos … anos desta, assim como que o mesmo teria supostas dúvidas sobre se seria efectivamente pai da assistente, o que motivou que a tivesse perfilhado apenas mais tarde, daqui não se podendo retirar senão novo direcionamento tão conveniente do seu discurso, sempre em desfavor de outrem ou centrando-se noutrem. Como se tal não bastasse, acabou por justificar a existência de transferências em dinheiro da conta de EE para conta bancária sua com um encolher de ombros e a expressão «foi a vontade dele» (concretizando ainda que tal vontade poderia dever-se ao facto de estar mais próximo dele e poder assim recorrer a tais valores, caso necessitasse), deixando evidenciada uma total ausência de argumentação válida… Ainda sobre as declarações prestadas pelo arguido e com relevância, note-se que não negou que tivessem sido feitas transferências de conta bancária titulada por EE para conta bancária por si titulada, sendo certo que, desde logo em razão do depoimento prestado pela testemunha NN, aquilo que se apurou foi que as supostas transferências bancárias descritas no artigo 31.º da acusação não passaram de retirada de valores de depósito a prazo para os colocar à ordem, se bem que da mesma conta bancária, titulada assim por EE. Enfim, acabou o arguido por aludir à transferência de valores de conta bancária titulada pelo seu falecido irmão para conta bancária por si titulada, sendo certo que aquilo que a prova produzida permitiu apurar foi apenas a disponibilização de valores em conta titulada por aquele primeiro, daqui se retirando claro comprometimento do arguido. Já no que toca às declarações prestadas pela arguida CC, foram prestadas em termos idênticos às do arguido seu cônjuge, sendo evidente que procurou como que atribuir responsabilidade à progenitora deste, descrevendo-a como autoritária e que ambos os filhos se limitavam a fazer as coisas nos termos em que a mesma os pretendia ver feitas (em síntese, sempre mandou nos filhos, ela é que decidia e eles obedeciam), daqui se depreendendo que o teor da partilha parcial advinha da vontade da mesma (reiterando-se, neste ponto, que, tal como o seu cônjuge, a arguida centrou-se na forma da partilha, quando é evidente que aquilo que importa apurar é o pagamento ou não das tornas a EE). De resto, tal como o seu cônjuge, fez alusão ao facto de EE ter dúvidas sobre se a assistente seria sua filha ou não. Mencionou que a sua relação com a assistente era apenas cordial, revelando desconhecer, curiosamente, como seria a relação do arguido seu marido com a mesma, o que não convence, de todo, sendo por demais inusitado que desconhecesse como seria a relação do seu marido com outrem, daqui se retirando até que a arguida se limitou a procurar demarcar, a todo o custo, de tudo aquilo que a implicasse a si. Tal como o arguido seu marido havia mencionado, referiu ainda que, contrariamente ao dito pela assistente, foi a progenitora do arguido BB e de EE quem se desentendeu com a assistente… Também contrariamente ao dito pela assistente, acrescentou que esta não mais apareceu para visitar o seu pai por vontade sua apenas, alegadamente referindo que não teria tempo para tal, sendo certo que tal não se coaduna, de todo, com a relação de proximidade que mantinham, tal como descrito pela assistente, mas não só, uma vez que também as testemunhas II, JJ e KK assim o referiram. Está-se outrossim em crer, com segurança, que tal não passou de argumento, entre tantos outros, no sentido de enjeitar a sua responsabilidade, como se detectou, aliás, relativamente a todos os arguidos. Também curiosamente, mencionou desconhecer se o seu próprio marido pagou as tornas devidas a EE, o que se tem por demais inusitado, não se compreendendo como poderia não querer saber disso, como afirmou, dado estarmos perante quantia avultada que deveria ter saído do acervo patrimonial do seu próprio marido, ou seja, com evidentes repercussões para si própria… Como se tal não bastasse, acabou até por mencionar ser como que pessoa independente e autónoma, nunca esclarecendo o seu marido acerca da sua situação financeira, do mesmo modo que aquele não a esclarecia a si, o que, da mesma forma, se tem por absolutamente inverosímil, tendo-se tal como mero argumento fácil e insusceptível de escrutínio para se furtar à responsabilidade que se lhe encontra a ser assacada. Enfim, mais um facto que apenas ingénua e candidamente se pode aceitar… Já sobre as capacidades de EE, afiançou a arguida que o mesmo, até 2015, estava nas suas plenas capacidades, o que se mostra contrário a toda a prova testemunhal e/ou documental produzida, motivo pelo qual não convenceu o Tribunal, ademais considerando o manifesto interesse em que assim fosse. Assim, sobre o estado de saúde de EE aquando das escrituras, mencionou parecer-lhe estar bem, só havendo, segundo a própria, perdido as suas capacidades mais tarde, recorde-se, em 2015 (o que, cabe recordar, não se coaduna minimamente com aquilo que declarou aquando da consulta ocorrida em 05.09.2013, tal como resulta da documentação clínica de fls. 53). Mais um facto que, bem vistas as coisas, não vem senão evidenciar que a argumentação apresentada foi sempre de conveniência, sem um mínimo de corroboração da restante prova produzida, evidenciando assim e também uma evidente não interiorização do desvalor das suas condutas, o que se tem por extensível aos demais arguidos. Finalmente, no que concerne às declarações prestadas pelo arguido DD, foram-no em moldes similares aos demais arguidos, seus pais, enaltecendo-se o seu posicionamento no sentido de que nada sabe a respeito dos factos. Com relevo, relativamente ao valor de € 20.000,00 que lhe cabia pagar a EE em razão do contrato de compra e venda celebrado com o mesmo, afiançou ter pago em numerário, considerando que tinha essa quantia consigo, oriunda de poupanças, o que, tal como referido acerca de tal forma de pagamento feito por parte do arguido BB, não pode senão suscitar enorme estranheza e, assim, não se aceita, de todo. Sobre o preço do imóvel que comprou a EE, não almejou justificar o mesmo, no sentido de ser tão reduzido, considerando até que acabou por mencionar que o imóvel deverá valer € 92.000,00 (ao menos segundo leu em sentença proferida, salvo erro seu, em 2023). Em síntese, no que se refere a este último arguido, a sua própria postura em Juízo, que a imediação permitiu percepcionar, evidenciou um claro comprometimento com os factos, não se vislumbrando um qualquer resquício de indignação ou frustração, que seria necessariamente perceptível caso lhe estivessem a ser imputados factos inverídicos. Assim e em síntese, sobre as declarações prestadas por todos os arguidos, adianta-se que, de uma forma consentânea entre si, as mesmas foram prestadas em moldes surpreendentemente amorfos e serenos, sem se notar um resquício de indignação, frustração ou revolta por estarem a ser julgados em processo criminal quando, verdade seja dita, segundo as suas versões dos factos, a responsabilidade penal com a qual estão a ser confrontados seria por demais injusta e injustificada. Assim, torna-se evidente que a postura evidenciada em julgamento não se coaduna, de todo, com a de quem se encontra a ser julgado sem motivo. Efectivamente, aquilo que se detectou foram declarações prestadas algo passivamente, aguardando todos os arguidos pelas questões e respondendo às mesmas algo telegraficamente, sem denotar sequer convicção sobre o relato feito, limitando-se todos a oferecer respostas por demais convenientes e, note-se, apresentando argumentos dificilmente escrutináveis. Estamos assim perante declarações convenientemente vagas e contidas, que apenas contribuíram para que o Tribunal formasse convicção segura no sentido de que os factos, ao menos no essencial, tiveram lugar talqualmente descritos na acusação. Aludir-se-á agora à forma como cada um dos factos resultou demonstrado, essencialmente por referência aos meios probatórios que permitiram que a convicção do Tribunal se formasse nesse sentido. Vejamos. O descrito nos pontos 1) e 2) resulta pacificamente demonstrado à saciedade, atendendo desde logo às declarações prestadas pelos arguidos e pela assistente, desta feita consentaneamente, assim como em atenção à prova documental constante dos autos (cópia do cartão do cidadão da assistente de fls. 40, cópia de certidão de procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos de fls. 41 a 43, cópia de certidão de assento de nacimento de fls. 1058, cópia de certidão de termo de perfilhação de fls. 1059/1060, cópia de certidão de requerimento para adicionamento de apelido de fls. 1060/1061 e certidão de sentença proferida nos autos n.º 199/23.8…de fls. 1099 a 1106). Relativamente ao acervo patrimonial de EE, no sentido de ser vasto e composto essencialmente por bens imóveis e contas bancárias, tal como referido no ponto 3), a convicção do Tribunal a tal respeito adveio desde logo das declarações prestadas pela assistente, o que foi corroborado pelo depoimento prestado pela testemunha LL, assim como do teor da documentação bancária constante dos autos, acrescendo que nenhum meio probatório apontou em sentido distinto. Sobre o descrito no ponto 4), tal resultou desde logo das declarações da assistente, assim como do depoimento prestado pela testemunha KK. De resto, ainda que os arguidos hajam feito menção a que a referida não aceitação adviesse, não dos mesmos, mas sim de OO, falecida avó paterna da assistente, sempre se acrescenta que admitiram os arguidos que a relação que mantiveram com a assistente foi sempre cordial (apenas cordial, note-se), daqui se retirando que relação próxima não seria, coadunando-se assim com a referida não aceitação (acrescendo que por certo não admitiriam os arguidos qualquer animosidade ou não aceitação, posto que sempre seria indiciária da actuação que lhes vem imputada). O descrito no ponto 6) ficou demonstrado em atenção às declarações da assistente, condizentes com os depoimentos prestados pelas testemunhas KK e HH, assim como do teor da documentação clínica, o que foi bastante para não ficar abalado pelas declarações prestadas por todos os arguidos, que tão convenientemente apregoaram como situando-se o agravamento dos problemas psíquicos de EE no ano de 2015, de modo que, de todo e pelos motivos já acima descritos, não convenceu. Relativamente à matéria de facto vertida no ponto 7), a mesma ficou provada com base não só nas declarações prestadas pela assistente, mas acima de tudo do depoimento da testemunha HH, assim como do teor da documentação clínica, mais concretamente o registo clínico de consulta com a data de 16.01.2013 constante de fls. 57. Por sua vez, o descrito no ponto 8), de igual modo, resultou provado com base nas declarações prestadas pela assistente, mas também e decisivamente do depoimento da testemunha HH e do teor da documentação clínica, mais concretamente o registo clínico de consulta com a data de 17.05.2013 constante de fls. 57. O mesmo sucedeu relativamente ao descrito no ponto 9), desta feita relevando documentalmente o registo clínico de consulta com a data de 25.06.2013, constante de fls. 55 dos autos. Já no que se refere ao descrito nos pontos 10) e 11), concernente ao agravamento do estado demencial de EE e estado de alheamento e nebulosidade a que chegou, revelou-se decisivo o depoimento prestado pela testemunha HH, assim como o teor da documentação clínica constante de fls. 45 a 54. De resto, pese embora a conveniente negação de tais factos por parte dos arguidos, de modo que, tal como adiantado, não convenceu, de todo, cabendo ainda aludir à corroboração feita quanto à demonstração de tais factos por parte das testemunhas II, JJ e KK, que relataram factos condizentes com o mencionado agravamento do estado demencial de EE. O descrito no ponto 12) resultou demonstrado à saciedade em virtude das declarações prestadas pela assistente e, bem assim, dos depoimentos prestados pelas testemunhas II, JJ e KK. No que tange ao descrito na 1.ª parte do ponto 13), tal resultou das declarações prestadas pela assistente (que tão detalhadamente descreveu o afastamento do seu pai, provocado pelos arguidos BB e CC, e subsequente manutenção do mesmo ao cuidado destes) e do depoimento prestado pela testemunha KK, pese embora as declarações prestadas pelos arguidos em sentido inverso, que não convenceram o Tribunal. De resto, a cópia de certidão de procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos constante dos autos a fls. 41 a 43 faz referência à última residência de EE (…, …, …), a qual é a mesma que todos os arguidos indicaram nos autos como sendo a sua. Relativamente ao descrito na 2.ª parte do ponto 14) e nos pontos 15) a 19) (ou seja, em abstracção de qualquer intenção ou plano dos arguidos), considerou-se desde logo o teor da cópia de escritura de partilha parcial de fls. 59 a 66, o depoimento prestado pela testemunha MM e, bem assim, as declarações prestadas pelos arguidos BB e CC. Já no que se refere ao descrito na 2.ª parte do ponto 20) e nos pontos 21) e 22), tal resultou provado em resultado da apreciação global da prova produzida, nos termos supra feitos, merecendo destaque: no que se refere à não compreensão, por parte de EE, do alcance daquilo que declarou, em resultado dos meios probatórios que permitiram a demonstração dos factos descritos nos pontos 7) a 11), nos exactos termos já mencionados; no que toca ao não pagamento, por parte do arguido BB, das tornas devidas a EE, coube desde logo atender no facto de não haver ocorrido a entrada de tais valores nas contas bancárias deste último, o que se atesta da consulta da documentação bancária constante dos autos e, quanto ao não pagamento em numerário (pagamento esse que o arguido BB afiançou ter feito), tal resulta não só das regras da experiência e da forma como tal arguido prestou as suas declarações (assim, não só atento o inusitado de o arguido ter tão avultada quantia monetária disponível (€ 51.899,53), que nunca deu entrada nas contas bancárias daquele que supostamente teria recebido tal valor, mas acima de tudo em atenção à forma como declarou ter feito tal pagamento, limitando-se a apresentar discurso amorfo, evasivo e tão conveniente, mas sem nunca manifestar qualquer semblante que não fosse de comprometimento), mas também do facto de a demais prova apontar nesse sentido, desde logo estranhando-se a circunstância de a arguida haver afiançado desconhecer se tal pagamento foi feito ou não (em nosso entender, prejudicando ambos em dois pontos, quais sejam o de desconhecer se um pagamento foi feito pelo seu marido, de tão avultada quantia e sendo por todos os arguidos evidenciado não serem pessoas abastadas, como daí também denunciando posicionamento de demarcação dos factos, também tão profícuo para a sua não responsabilização penal), assim como atendendo ao facto de que os ulteriores movimentos detectados nas contas bancárias de EE serem apenas de retirada (desenfreada) de valores, assim se coadunando na perfeição com a descrição fáctica feita na acusação, no sentido de paulatina retirada de valores de tais contas bancárias, por parte dos arguidos, o que se mostra absolutamente contraditório com a entrega de tão avultada quantia monetária àquele a quem estariam a retirar valores. Sobre isto, note-se ainda o próprio estado demencial daquele a quem cabia o recebimento das tornas aponta também na verificação dos factos conforme descrito, tendo-se tal estado de saúde mental potenciador da não entrega, por parte do arguido BB, de tais valores, assim não só porque tão avultados, mas também atendendo ao facto de que, bem vistas as coisas, aquele que devia receber tais valores nem sequer teria capacidade para compreender esse mesmo recebimento. O descrito na 2.ª parte do ponto 24) e no ponto 25) resultou demonstrado à saciedade em consideração do teor da cópia de certidão de escritura de compra e venda constante de fls. 67 a 70 dos autos, tal como, de igual modo, foi confirmado pelo arguido DD. Já a matéria de facto vertida no ponto 26) resultou provada em resultado dos meios probatórios que permitiram a demonstração dos factos descritos nos pontos 7) a 11), nos exactos termos já acima mencionados. Relativamente a parte do descrito no ponto 28) (mais concretamente apenas o trecho que refere não corresponder à verdade que EE haja recebido o preço de € 20.000,00), desde já se reitera o sobredito no que se refere ao não pagamento, por parte do arguido BB, das tornas no montante de € 51.899,53, naquilo que se aplica neste específico caso, ou seja: em primeiro lugar, o facto de não haver ocorrido a entrada de tais valores nas contas bancárias de EE, o que se atesta da consulta da documentação bancária constante dos autos; em segundo, quanto ao não pagamento em numerário (pagamento esse que o arguido DD afiançou ter feito), tal resulta não só das regras da experiência e da forma como tal arguido prestou as suas declarações (assim, não só atento o inusitado de o arguido ter tão avultada quantia monetária disponível (€ 20.000,00), que nunca deu entrada nas contas bancárias daquele que supostamente teria recebido tal valor, mas acima de tudo em atenção à forma como declarou o arguido DD ter feito tal pagamento, limitando-se a apresentar discurso amorfo, evasivo e tão conveniente, mas sem nunca manifestar qualquer semblante que não fosse de comprometimento, tal como havia já sucedido com o seu pai); em terceiro lugar, atendendo ao facto de que os ulteriores movimentos detectados nas contas bancárias de EE serem apenas de retirada (desenfreada) de valores, assim se coadunando na perfeição, conforme já referido, com a descrição fáctica feita na acusação, no sentido de paulatina retirada de valores de tais contas bancárias, por parte dos arguidos, o que se mostra absolutamente contraditório com a entrega de tão avultada quantia monetária àquele a quem estariam a retirar valores. Sobre isto, note-se ainda o próprio estado demencial daquele a quem cabia o recebimento das tornas aponta também na verificação dos factos conforme descrito, tendo-se tal estado de saúde mental potenciador da não entrega, por parte do arguido DD, de tais valores, assim não só porque tão avultados, mas também atendendo ao facto de que, bem vistas as coisas, aquele que devia receber tais valores nem sequer teria capacidade para compreender esse mesmo recebimento. Já o descrito no ponto 30) resultou provado em razão do teor do print de consulta de movimentos em histórico por anos da … de fls. 156 e 157, dos comprovativos de transferência da … de fls. 222, 224 e 226 e, bem assim, considerando o depoimento prestado pela testemunha NN, nos termos já supra expostos. Por sua vez, o descrito no ponto 31) resultou provado não só em razão do teor da cópia de sentença proferida no processo n.º 900/19.4…, mas também das declarações prestadas pela assistente, que afiançou que a dita decisão judicial transitou já em julgado. Relativamente ao descrito nos pontos 5), 13) (2.ª parte), 14) (1.ª parte), 20 (1.ª parte), 23), 24) (1.ª parte), 27), 28) (1.ª parte), 29) e 32) a 36) (no sentido de que os arguidos (i) urdiram entre si um plano, no qual todos concordaram, para, aproveitando-se do estado de saúde debilitado de EE (diagnosticado, em meados de 2013, com demência degenerativa provocada pela doença de Alzheimer), se apropriarem do seu património, levando-o a assinar escrituras públicas de compra e venda e de partilha parcial, desapossando-o dos seus bens, sem qualquer compensação, por forma a enriquecerem ilegitimamente com o acervo/quota que caberia legitimamente, como herança, à assistente, (ii) tendo pleno conhecimento e consciência de que EE estava psiquicamente incapaz de entender o alcance e as consequências legais dos seus actos em eventuais negócios jurídicos que, nesse estado demencial, pudesse fazer; (iii) que os arguidos BB e CC, de harmonia com o mencionado plano, convenceram EE a com eles outorgar uma escritura pública de «partilha parcial»; (iv) sabendo igualmente os referidos arguidos e de acordo com o plano previamente urdido entre eles, com o qual ambos concordaram, que o valor de € 51.899,53, devido a título de tornas, não foi pago por estes em momento anterior à outorga da escritura, nem posteriormente houve qualquer entrada desse ou de outros montantes nas contas bancárias tituladas pelo falecido EE; (v) que ainda de acordo com o plano urdido entre os arguidos, com o qual todos manifestaram a sua total concordância, e após a outorga da escritura de partilha parcial, os arguidos convenceram EE a celebrar com eles, desta vez, uma escritura pública de compra e venda de imóvel, pertencente a este último; (vi) e que, assim e na prossecução do plano de desapossamento de bens imóveis, aproveitando-se da doença degenerativa demencial do legítimo proprietário, o arguido DD outorgou uma escritura pública de compra e venda de imóvel; (vii) que os arguidos bem sabiam que o outorgante EE padecia, à data da escritura de compra e venda, de uma doença degenerativa demencial que o impedia de compreender e querer o alcance e consequências jurídicas do teor do negócio jurídico praticado; (viii) assim como que a declaração consignada na escritura de compra e venda, de que EE havia recebido do arguido DD o preço de € 20.000,00, pela alienação do imóvel aí descrito, não correspondia nem corresponde à verdade; (ix) sabendo igualmente os arguidos que o outorgante EE somente declarou na escritura de compra e venda facto juridicamente relevante, que não corresponde à verdade, porque o mesmo padecia à data de doença degenerativa demencial, extremamente grave, que o incapacitava de compreender o alcance e consequências jurídicas do negócio jurídico celebrado, pelo que se aproveitaram dessa doença, de forma a apoderarem-se, sem que qualquer contrapartida monetária fosse concedida ao vendedor, do património imobiliário, desapossando-o também do acervo hereditário a favor da ofendida; (x) assim, os arguidos, de comum acordo, atento o plano previamente urdido entre todos e com o qual manifestaram anuência, porque queriam deserdar a assistente, bem como enriquecer à custa da apropriação ilegítima do acervo hereditário aberto por óbito de GG, pai de EE, e aproveitando-se da doença deste último, titular dos bens imóveis/contas bancárias, praticaram os factos descritos, bem sabendo que todos estavam a obter uma vantagem patrimonial no valor global de, pelo menos, € 71.899,53; (xi) que o dinheiro correspondente ao somatório dos valores das tornas não pagas, da venda do imóvel pertencente a EE, no montante global de € 71.899,53, foi integrado no património dos arguidos, bem sabendo que, dessa forma astuciosa, desapossavam do acervo hereditário, os bens imóveis e móveis que caberiam, por lei, à quota da assistente, herdeira universal de EE; (xii) que ao desapossar do acervo hereditário, mediante o engano que astuciosamente os arguidos provocaram no titular dos bens imóveis e móveis, aproveitando-se da situação de especial vulnerabilidade da vítima, em razão da idade e de doença demencial altamente degenerativa que a torna incapaz de entender as consequências jurídicas dos negócios jurídicos celebrados, os arguidos lograram integrar no seu património, bem sabendo que o dinheiro proveniente desses mesmos negócios, no montante global consideravelmente elevado de € 71.899,53, constituía o acervo hereditário que deveria ter sido partilhado com a assistente, de acordo com a sua quota legítima, por esta ser herdeira universal de EE, o que aqueles bem sabiam; (xiii) que actuaram com a intenção concretizada de obter para eles um enriquecimento ilícito no valor de € 71.899,53, por meio de erro sobre factos que astuciosamente provocaram ao determinar que o autor da herança (EE) transferisse a propriedade dos imóveis, cujo somatório ascende a um valor consideravelmente elevado, para o património do arguido BB, de harmonia com um plano previamente urdido entre todos, de forma a deserdar a herdeira universal, a assistente, que ficou desapossada da sua parte na herança, por óbito do seu pai; (xiv) assim como que agiram os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram censuráveis, proibidas e punidas por lei), cabe não só considerar a forma como foram demostrados outros factos, cuja convicção do Tribunal se mostra já motivada, assim como considerando as regras da experiência e do normal acontecer. Assim, esclarece-se que a convicção formada a respeito dos factos agora transcritos e elencados nos mencionados pontos se deve, ou melhor dizendo, decorre, em primeiro lugar, da demonstração dos factos que configuram a conduta dos arguidos, factos esses cuja motivação já se mostra acima explanada. Reportamo-nos, essencialmente, à circunstância de EE ser detentor de vasto acervo patrimonial, de os arguidos não haverem aceite a assistente como filha daquele, de, em momento em que já conheciam, necessariamente e como já mencionado, o débil estado de saúde mental do mesmo, assim como de que, fruto da ingenuidade da assistente, haverem tomado conhecimento dos imóveis que aquele arrendava, o que culminou no afastamento da assistente do seu pai, afastamento esse provocado pelos arguidos BB e CC. De resto, esse afastamento foi concomitante com a assumpção, por parte dos arguidos, da prestação dos cuidados a EE, assim como que ficando com o mesmo à sua mercê, apenas assim se compreendendo a atitude de afastamento para com a assistente mas, acima de tudo, assim se compreendendo a actuação posterior, pois a verdade é que em curto espaço de tempo outorgaram, juntamente com EE, duas escrituras públicas (de partilha parcial com BB e CC e de compra e venda com DD), perfeitamente cientes de que o mesmo não estaria capaz de compreender o teor e o alcance dos negócios que celebrava (um deles ruinoso, aliás, qual seja o de compra e venda, dado o ostensivamente parco valor da escritura, notoriamente parco, diga-se), acrescendo que tão convenientemente se fez constar de ambas as escrituras que os valores devidos a EE haviam já sido por ele recebidos, assim claramente se ludibriando o mesmo, na medida em que está o Tribunal absolutamente convicto de que tais valores não foram pagos, nos termos já supra explanados, reiterando-se, ainda assim, não só o inusitado de montantes tão avultados serem alegadamente pagos em numerário, de que tais valores não deram entrada nas contas bancárias do entretanto falecido e, bem assim, que a própria demência do mesmo terá decerto servido de móbil para que os arguidos não só houvessem celebrado os contratos em causa, mas também para que não entregassem os valores que aqueles mesmos contratos os obrigavam. Em síntese, atenta a inequivocidade das condutas dos arguidos, não se vislumbra que outro(s) intuito(s) poderiam os mesmos ter que não aqueles que agora se mencionaram. A acrescer a isto, atenta a própria cronologia do sucedido e, bem assim, o facto de previamente haverem afastado a assistente do seu próprio pai e feito com que o mesmo ficasse assim à mercê dos mesmos, deixa inequivocamente demonstrado o plano que urdiram, o qual culminou no esvaziamento do património do mesmo. Finalmente, poder-se-á argumentar no sentido de que a arguida não participou no dito plano, tem a sua tão apregoada autonomia e independência e desconhece aquilo que o seu marido e filho fazem, havendo apenas participado na escritura de partilha porque sempre carecia legalmente de consentir na mesma. É certo que tal argumentação é sempre possível, sendo certo que não só se já desconstruiu tal possibilidade, arredando-a este Tribunal porque absolutamente não convincente, mas sim inusitada e destituída de sentido de lógica. Mas, por outro lado, se é certo que o plano e a actuação dos arguidos se terá devido a ganância ou avareza, a verdade é que acabam por ser estas a possibilitar reforçar o entendimento que almejamos, senão como justificar que hajam sido transferidos, no dia 24.06.2014, € 306,66 de conta titulada por EE para conta titulada pela arguida, assim deixando a conta daquele literalmente a zeros? Falamos de um total esvaziamento de uma das contas bancárias do falecido EE para conta titulada pela arguida, em momento em que é evidente que aquele não estava, de todo, capaz de saber ou compreender o que fazia. Poder-se-á equacionar se não terá sido a própria avareza ou ganância a facultar ao Tribunal mais estes factos (que resultam inequívocos do teor dos extractos bancários do … de fls. 140 e 141, conjugados com o teor do comprovativo de transferência entre contas do… de fls. 197) que tanto contribuem para que se forme convicção absolutamente segura de que todos os arguidos, por igual, tiveram participação no plano previamente delineado que supra se descreveu. Parece até legítimo concluir que, ainda que os arguidos hajam sido cautelosos, o que, aliado a uma (muito, diga-se frontalmente) fraca investigação, permitiu que não se detectasse nos autos documentação bancária que ateste a realização de transferências entre contas e que possa, inequivocamente, demonstrar que retiraram quantias monetárias directamente de contas do falecido EE para contas bancárias tituladas por algum dos arguidos, a verdade é que esta transferência parece fugir à regra, porquanto a transferência se realizou entre contas da mesma instituição bancária e, porventura, distraidamente movida pela avareza de limpar por completo uma das contas tituladas pelo mencionado falecido. Avançando para a matéria fáctica que foi feita acrescer ao objecto do processo por via do pedido de indemnização civil formulado pela assistente, vejamos: Os factos vertidos nos ponto 37) e 38) resultam provados em atenção à prova documental constante dos autos, mais concretamente a documentação bancária carreada para os mesmos, para a qual se remete, mais concretamente, os prints de consulta de movimentos em histórico por anos da … de fls. 71 a 82, 85 a 91, 147 a 152 e 154 a 159, o print de consulta de movimentos de conta da … de fls. 83/84, o print de extracto de movimentos históricos do … de fls. 92 a 107, 144 e 448 a 454, o extracto global da … de fls. 108 a 110, os extractos bancários do … de fls. 139 a 143 e 145, os comprovativos de mobilização de depósito a prazo do … de fls. 166, 168, 169, 171, 173, 174, 175, 177, 201, 203, 206, 208, 209 e 212, os comprovativos de constituição de depósito a prazo do … de fls. 167 e 199, os talões de levantamento ao balcão do … de fls. 170, 172, 176, 178, 180, 182, 184, 186, 188, 190, 192, 194, 196, 200. 202, 204, 205, 207, 210, 214 e 215, os documentos de proposta de reembolso de capitais de reforma por prazo certo do … de fls. 179, 181, 183, 185, 187, 189, 191, 193 e 195, os comprovativos de transferência entre contas do … de fls. 197 e 211, o comprovativo de levantamento da CGD de fls. 218, os comprovativos de transferência da … de fls. 220, 222, 224, 226 e 228, os prints das bases de dados de contas por interveniente do … de fls. 277/278, 279, 280/281, 282/283 e 284, as listagens de movimentos bancários do … de fls. 303/304, 305 a 313, 314 a 317, 318 a 417 e 418 a 420, o extracto bancário do … de fls. 423 a 432, os extractos bancários do … de fls. 439 a 441 e 456 a 476, os extractos bancários do … de fls. 483 a 508, 509 a 532, 533 a 550 e 551/552, os extractos bancários do … de fls. 560 a 588 e os extractos bancários da … de fls. 591 a 627 e 628 a 664. Já no que tange ao descrito nos pontos 39) e 40) resultou provada em resultado, essencialmente, das declarações prestadas pela assistente, corroboradas pelo depoimento prestado pela testemunha KK e, bem assim, pelo próprio teor da cópia de certidão de escritura de compra e venda de fls. 67 a 70, cujo teor, aliás, não foi negado, antes confirmado, pelo arguido DD, assim se tornando perfeitamente plausível que o ali descrito tivesse sucedido, também em razão da subsequente qualidade de herdeira única da assistente relativamente ao seu falecido pai EE, conforme se apurou à saciedade e se retira desde logo do teor da cópia de certidão de procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos de fls. 41 a 43. O descrito nos pontos 41) a 49) resultou provado em razão das declarações prestadas pelo arguido BB, o descrito nos pontos 51) a 55) das declarações prestadas pela arguida e o descrito nos pontos 57) a 66) das declarações prestadas pelo arguido DD, declarações estas dos arguidos às quais o Tribunal atendeu quase acriticamente, porquanto inexiste, contrariamente ao demais declarado, qualquer outro meio probatório que coloque em crise os relatos feitos pelos mesmos acerca das suas condições sócio-económicas. Já no que concerne à ausência de antecedentes criminais dos arguidos, consignada nos pontos 50), 56) e 67), o Tribunal considerou o teor dos certificados de registo criminal juntos aos autos (concreta e respectivamente a fls. 1118, 1119 e 1120). * Relativamente aos factos não provados: Os factos descritos no ponto a) ficaram por provar considerando a prova produzida em sentido inverso, considerando haver a assistente mencionado que foi apenas em finais de 2012 que o ali descrito sucedeu, não em meados desse ano. Já o descrito no ponto b) assim ficou por demonstrar atenta a total ausência de prova produzida nesse sentido. Por seu lado, o descrito no ponto c) ficou por demonstrar em razão da vasta prova produzida em sentido inverso, enaltecendo-se o teor da cópia de escritura de partilha parcial de fls. 59 a 66, assim como o depoimento prestado pela testemunha MM, o mesmo sucedendo relativamente ao descrito no ponto d), desta feita concedendo-se destaque ao teor da cópia de certidão de escritura de compra e venda constante de fls. 67 a 70 dos autos. O descrito no ponto J) ficou assim por demonstrar considerando a prova produzida em sentido inverso, na medida em que aquilo se provou foi que os imóveis objecto de herança foram transferidos para o património do arguido BB, mas não para os demais arguidos, tal como resultou demonstrado em atenção a todos os meios de prova relevantes para o apuramento de tais factos, tais como as declarações dos arguidos e da assistente, o depoimento da testemunha MM e, bem assim, considerando o próprio teor da cópia de escritura de partilha parcial constante de fls. 59 a 66. No que tange à matéria fáctica vertida no ponto f), tal não resultou provado essencialmente em razão do depoimento prestado pela testemunha NN, funcionária da … que esclareceu, com segurança e absoluta convicção, que as operações referidas em 30) consistem na retirada dos valores em causa de conta de depósito a prazo e colocação dos mesmos na mesma conta bancária, mas à ordem, para o que contribuiu igualmente o teor do print de consulta de movimentos em histórico por anos da… de fls. 156 e 157, assim como dos comprovativos de transferência da … de fls. 222, 224 e 226. Em síntese, esclareceu que, atentando devidamente nos números das contas liquidada e creditada, tal como se constata nos mencionados comprovativos de transferência da …, verifica-se que os números são idênticos, à excepção dos 3 últimos, significando isto que a conta bancária é exactamente a mesma, sendo diferente apenas a disponibilidade dos valores ou a forma como os mesmos estão aplicados, ou seja, num caso significado que estão depositados a prazo e noutro que estão à ordem, disponíveis assim para levantamento ou para ser sujeitos a qualquer transferência ou aplicados financeiramente. Assim, não resta senão concluir que os valores em causa não foram transferidos para qualquer conta titulada por BB, permanecendo outrossim na mesma conta, mas ficando disponíveis para transferência ou outras operações bancárias. Assim, pela mesma ordem de ideias e porquanto a coincidência dos números de conta liquidada e creditada se verificam se atentarmos no comprovativo de transferência da … de fls. 228, a verdade é que fica também por demonstrar o descrito nos pontos l) e o), também assim em razão da prova produzida em sentido inverso, qual seja o depoimento prestado pela testemunha NN e conjugação com o teor do referido comprovativo da …. Em consideração da não demonstração da matéria de facto descrita nos pontos f), l) e o), fica assim, consequentemente, não demonstrado o que vem descrito nos pontos e), g) e i) (porquanto fica arredada qualquer intenção ou plano dos arguidos quanto à prática de factos não demonstrados), assim como o vertido no ponto h), na medida em que, não se demonstrando qualquer vantagem patrimonial oriunda de transferências bancárias, passou essa vantagem a cingir-se ao benefício obtido com o não pagamento de tornas no âmbito de partilha (por parte do arguido BB) e de não pagamento de preço no âmbito de compra e venda (desta feita por parte do arguido DD), vantagem essa que se cifra assim no montante de € 71.899,53, tal como descrito nos pontos 32) a 35). De resto, considerando o sobredito, e merecendo ainda relevância para o efeito o depoimento prestado pela testemunha NN, a verdade é que, consultada a prova documental constante dos autos, mais concretamente a documentação bancária carreada para os mesmos (em síntese, os prints de consulta de movimentos em histórico por anos da … de fls. 71 a 82, 85 a 91, 147 a 152 e 154 a 159, o print de consulta de movimentos de conta da … de fls. 83/84, o print de extracto de movimentos históricos do … de fls. 92 a 107, 144 e 448 a 454, o extracto global da … de fls. 108 a 110, os extractos bancários do … de fls. 139 a 143 e 145, os comprovativos de mobilização de depósito a prazo do … de fls. 166, 168, 169, 171, 173, 174, 175, 177, 201, 203, 206, 208, 209 e 212, os comprovativos de constituição de depósito a prazo do … de fls. 167 e 199, os talões de levantamento ao balcão do … de fls. 170, 172, 176, 178, 180, 182, 184, 186, 188, 190, 192, 194, 196, 200. 202, 204, 205, 207, 210, 214 e 215, os documentos de proposta de reembolso de capitais de reforma por prazo certo do … de fls. 179, 181, 183, 185, 187, 189, 191, 193 e 195, os comprovativos de transferência entre contas do … de fls. 197 e 211, o comprovativo de levantamento da … de fls. 218, os comprovativos de transferência da … de fls. 220, 222, 224, 226 e 228, os prints das bases de dados de contas por interveniente do … de fls. 277/278, 279, 280/281, 282/283 e 284, as listagens de movimentos bancários do …de fls. 303/304, 305 a 313, 314 a 317, 318 a 417 e 418 a 420, o extracto bancário do … de fls. 423 a 432, os extractos bancários do … de fls. 439 a 441 e 456 a 476, os extractos bancários do … de fls. 483 a 508, 509 a 532, 533 a 550 e 551/552, os extractos bancários do … de fls. 560 a 588 e os extractos bancários da … de fls. 591 a 627 e 628 a 664), não se retira que os arguidos se houvessem apropriado dos valores/depósitos bancários existentes nas contas bancárias de EE no período final da vida deste, por evidente insuficiência de prova produzida a respeito, ficando assim por provar o descrito no ponto k). Também em razão do descrito fica por demonstrar o descrito no ponto n), dada assim a insuficiência de prova produzida a respeito, posto que ficando por provar que os arguidos tivessem transferido ou levantado os valores que EE tivesse nas contas bancárias por si tituladas, fica naturalmente por provar que todo o património do falecido tivesse sido dissipado ou feito desaparecer pelos arguidos. Finalmente, no que se refere ao descrito no ponto m), nenhuma prova se produziu a tal respeito. (…) VI - DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL Importa agora apreciar o pedido de indemnização civil, formulado pela demandante/assistente AA contra os arguidos, ora demandados. Dispõe, nesta sede, o artigo 129.º do CP, que «a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil». Assim, conclui-se que a reparação de perdas e danos assume natureza civil, pese embora o facto de o pedido cível dever ser deduzido na acção penal. Em reforço deste entendimento, temos ainda o artigo 74.º, n.º 1, do CPP, que obriga a que o pedido de indemnização civil no processo penal seja formulado como no processo civil, e o artigo 84.º do mesmo diploma legal, que confere eficácia de caso julgado à decisão penal nos mesmos moldes em que a lei confere tal eficácia às decisões civis. Temos assim que, embora por força do princípio da adesão, a indemnização por perdas e danos emergentes da prática de um crime tenha, regra geral, de ser deduzida no processo penal e regulada nos seus termos, lhe são aplicáveis as regras da lei civil, quanto ao seu quantitativo e aos seus pressupostos. Dever-se-á, por conseguinte, aplicar as regras constantes dos artigos 483.º, 562.º, 563.º e 566.º, todos do Código Civil (CC). Estabelece o artigo 483.º do CC que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». Terá a demandante, assim, para poder ser ressarcida, que mostrar preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, genericamente enunciados no artigo 483.º do CC. Em suma, para existir a responsabilidade civil por factos ilícitos, necessária se torna a presença cumulativa dos seguintes pressupostos: ● Facto: facto voluntário do agente, facto objectivamente dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana, pois só um acto concebido desta forma poderá constituir suporte da aplicação das ideias de ilicitude, culpa e causa de produção de dano; ● Ilicitude: categoria dogmática, que exprime, em termos formais, o carácter antijurídico do facto, e consiste na violação do direito subjectivo de outrem, quando reprovado pela ordem jurídica, ou na violação da lei que protege interesses alheios; ● Nexo de imputação subjectiva do facto ao lesante: para que o acto ilícito gere efeitos jurídicos é necessário que o agente tenha agido com culpa, entendida, em termos clássicos, como o nexo de imputação do facto ao agente lesante; ● Dano: entendendo-se por dano a supressão ou diminuição de uma situação favorável, revista a mesma ou não, contornos patrimoniais; ● Nexo de causalidade entre o facto do agente e o dano sofrido pela vítima: que se traduz na averiguação, do ponto de vista jurídico, de quando é que um prejuízo se pode qualificar como consequência de um dado facto, e exprimindo-se essa relação entre o acto ilícito e o dano por um conceito de teor normativo, vulgarmente designado como causalidade adequada. Feito este enquadramento, importa, desta feita, indagar se no caso em apreço se encontram verificados os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual ou aquiliana supra elencados, de forma a poder afirmar-se se a assistente/demandante tem o direito a ser indemnizada e os demandados a correlativa obrigação de indemnizar. * Peticiona, nesta sede, AA que os arguidos, ora demandados, sejam condenados a indemnizá-lo no montante total de € 62.000,00 (sessenta e dois mil euros), por entender, em síntese, que os mesmos, através das suas condutas, provocaram-lhe danos de natureza patrimonial. Ora, neste domínio, deve referir-se que tais danos patrimoniais resultaram apenas parcialmente comprovados, mais concretamente na quantia de € 5.000,00 (cf. se retira dos pontos 39) e 40)), ficando por demonstrar a matéria fáctica respeitante ao restante valor peticionado (cf. se retira dos pontos k) a o)), razão pela qual, à luz do regime da responsabilidade extra-obrigacional acima exposta, deverão condenar-se os arguidos, ora demandados, no pagamento à assistente/demandante da quantia de € 5.000,00. Assim e pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o pedido de indemnização civil, condenando-se os arguidos/demandados a, solidariamente, pagar à demandante a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), absolvendo-se os mesmos do demais peticionado. Não se determina a remessa dos autos ao Tribunal Cível, conforme requerido, uma vez que não está em causa qualquer necessidade de liquidação do prejuízo sofrido pela demandante, mas apenas e quando muito o não apuramento de factos que conduzissem à condenação dos demandados no pagamento do valor peticionado ou outros. * VII – DA PERDA DE VANTAGENS DO CRIME O MINISTÉRIO PÚBLICO requereu, em sede acusatória, que se declarasse a perda a favor do Estado das vantagens obtidas pelos arguidos. Ora, a verdade é que não resultou demonstrado que os arguidos tenham obtido qualquer vantagem (cf. decorre necessariamente dos factos descritos no ponto 31)), na medida em que, ainda que não hajam pago a EE os valores à data devidos a título de tornas e preço de compra, a verdade é que no âmbito do processo cível que correu termos sob o n.º 900/19.4…, no Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Cível, intentado pela assistente contra os arguidos, as duas escrituras públicas em causa nos autos (de partilha parcial e de compra e venda) foram, por sentença já transitada em julgado, declaradas juridicamente inexistentes e sem qualquer valor jurídico (por à data das respectivas outorgas EE estar incapaz de compreender o alcance e consequências jurídicas dos negócios jurídicos celebrados), motivo pelo qual se retira que daí não obtiveram os arguidos qualquer vantagem, não havendo assim, consequentemente, qualquer vantagem obtida pelos mesmos que possibilite sequer a sua declaração de perda a favor do Estado. De resto, relativamente ao valor no qual se condenaram os arguidos/demandados a pagar à assistente/demandante (o que não constitui óbice a que se condene a pagar o mesmo montante ao Estado a título de vantagem, considerando o teor do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 5/2024, publicado em DR, 1.ª série, n.º 90, 09.05.2024), a verdade é que tal se reporta a valor que, ainda que o seu pagamento pela assistente/demandante esteja também previsivelmente dispensado em razão da declaração de inexistência do negócio que lhe deu origem (o que ainda assim não é certo, acrescendo que o que resultou provado é que a mesma efectuou já tal pagamento, motivo pelo qual se decidiu pelo seu ressarcimento), o que é certo é que o seu pagamento cabe por lei ao vendedor, não ao comprador, qualidade esta assumida pelo arguido DD, pelo que nenhuma vantagem se vislumbra existir. Pelo exposto, não se declara qualquer perda de vantagem obtida pelos arguidos como perdida a favor do Estado, não se condenado assim os mesmos a qualquer pagamento, porquanto nenhuma vantagem se apurou como havendo sido obtida pelos mesmos.» * IV – FUNDAMENTAÇÃO Invoca a recorrente que a sentença recorrida padece do vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. b) do CPP – contradição entre a fundamentação e a decisão. Em concreto, afirma existir uma notória incongruência entre a decisão no que concerne aos factos não provados nas als. k), l), m), n) e o) e o facto provado no ponto 5, bem como entre aqueles factos não provados e toda a motivação da matéria de facto. Vejamos se assim é. As questões relativas à matéria de facto podem ser sindicadas essencialmente por duas vias: ▪ Invocação de ocorrência de qualquer um dos vícios consignados no artigo 410.º, n.º 2 do CPP (chamada revista alargada); ▪ Impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, ns. 3, 4 e 6, do mesmo Código, à qual a recorrente não apelou (não observando os requisitos do recurso nesta matéria, quer na motivação, quer nas conclusões, resultando até a sua concordância quanto aos meios de prova valorados pelo Tribunal a quo). De acordo com o art. 410.º, n.º 2 do CPP, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al. a), a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (al. b) e o erro notório na apreciação da prova (al. c). Estes vícios formais podem ser arguidos pela parte, delimitando o recurso, mas “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2 do Código Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” – AUJ n.º 7/95, de 19/10/95, in D.R. 28/12/1995. Na chamada revista alargada, a indagação da existência de vícios tem de resultar da decisão recorrida, em si ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, nomeadamente excertos de prova testemunhal produzida em julgamento. Tais vícios terão de resultar da mera leitura do texto decisório, à luz das regras de experiência comum, evidentes para o denominado homem médio. «Por isso, fica excluída da previsão do preceito toda a tarefa de apreciação e ou valoração da prova produzida, em audiência ou fora dela, nomeadamente a valoração de depoimentos mesmo que objeto de gravação, documentos ou outro tipo de provas, tarefa reservada para o conhecimento da matéria de facto. Porque se trata aqui se uma tarefa de direito, os tribunais superiores, procedem oficiosamente à detecção dos vícios aqui enunciados, atendo-se imperativamente apenas e só ao teor do texto da decisão recorrida e, se necessário, também às regras da experiência comum».2 Estão em causa vícios endógenos, que permitem atacar a decisão na sua regularidade formal (e que não se confundem com o erro de julgamento em matéria de facto, a que se reporta o art. 412.º do mesmo diploma). A verificação da ocorrência de algum destes vícios determina a necessidade do seu suprimento podendo, em última ratio, ter como consequência o reenvio dos autos à 1.ª instância. Não vem invocada, nem este Tribunal deteta, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. A recorrente invoca, sim, a existência de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. Na previsão da alínea b), do n.º 2, do art. 410.º do CPP estamos perante dois vícios intrínsecos da sentença, um da própria fundamentação e outro decorrente da relação desta com a decisão. Ocorre o primeiro quando, de acordo com uma análise lógica, se tenha de concluir que a decisão não fica suficientemente esclarecida, dada a contradição entre os factos provados, entre estes e os não provados ou em sede de fundamentação da matéria de facto e o segundo quando essa fundamentação determina uma decisão precisamente oposta à prolatada. Teremos de estar perante contradições e inconciliabilidades reportadas aos factos e entre si ou enquanto fundamentos, mas que não se limitem a uma qualquer disfunção ou distonia que se situe unicamente no plano da argumentação ou da compreensão adjuvante ou adjacente dos factos (Acórdão do STJ 2008/11/19, Proc. n.º 3453/08-3, Simas Santos e Leal-Henriques, obr.cit.p. 80). Não ocorre o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão quando o resultado a que o juiz chegou na sentença decorre, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu corresponder aos factos provados, podendo verificar-se aqui, sim, um eventual erro de subsunção dos factos ao direito (questão de direito). Revertendo ao caso em análise, sustenta a recorrente que a decisão recorrida deu como provado, no ponto 5, que EE foi levado pelos arguidos a assinar documentação bancária, o que se encontra em contradição com os factos não provados nas alíneas e) e n). Mas não lhe assiste razão. A circunstância de se considerar como provado que os arguidos delinearam um plano para se apropriar do património de EE, levando-o a assinar documentação bancária, não significa necessariamente a prova de que todo o património financeiro de EE tivesse desaparecido ou sido dissipado pelos arguidos, apropriando-se dos saldos bancários de que era titular (als. e e n)). Não estamos perante juízos contraditórios, mas sim, perante a ausência de prova de parte dos atos que eram imputados. E também não detetamos qualquer juízo contraditório entre os factos não provados nas als. k), l), m), n) e o) e a motivação da decisão quanto à matéria de facto. O Tribunal justificou, exaustivamente, o motivo pelo qual deu por provados os atos de dissipação do património imobiliário e já não do financeiro, reconhecendo que a atuação dos arguidos indiciaria esta predisposição, mas que a precária investigação levada a cabo em sede de inquérito não permitiu comprovar. Alegando a recorrente a existência de bastos indícios e prova da apropriação por parte dos arguidos dos montantes depositados nas contas tituladas por EE, na realidade não a indica, admitindo desconhecer as concretas circunstâncias em que tal terá ocorrido. Se bem percebemos, entende que, por presunção, os factos não provados deveriam ter sido considerados provados, por “necessidade lógica”, pois que eram os arguidos quem detinha os cartões bancários do falecido e quem o acompanhou ao Banco, já incapacitado, para realizar “a transferência”. É verdade que o Tribunal, para fundamentar a sua convicção quanto ao delinear do plano comum e intenção dos arguidos, refere que seriam estes que teriam acesso aos cartões bancários e às contas do falecido. Também refere o ”gritante esvaziamento de contas bancárias”, dando a entender que estes factos seriam da autoria dos arguidos, retirando dos mesmos também a prova do elemento subjetivo. Aqui poderíamos, efetivamente, detetar uma aparente contradição, dando o Tribunal de julgamento por assente factos que não resultaram comprovados (que os arguidos eram detentores dos cartões bancários, acompanharam EE ao banco em fase em que o mesmo já se encontrava com as respetiva faculdades comprometidas, levando-o a assinar documentação bancária e, assim, esvaziando os saldos das contas pelo mesmo tituladas) para prova de factos constitutivos do crime (nomeadamente do elemento subjetivo). Mas, não tendo os arguidos ou o M.º P.º questionado a condenação crime, estamos fora do âmbito do recurso. Tal como excede o âmbito do recurso a alegada contradição entre a não comprovação dos factos invocados para sustentar o pedido cível com a condenação dos arguidos pela prática do crime de burla, segmento do qual não se pode extrair, como a recorrente pretende, que o prejuízo constitutivo do crime se reporta à apropriação dos saldos das contas bancárias e não, como efetivamente acontece, à celebração das escrituras que vieram posteriormente (à consumação do crime, entenda-se) a ser “anuladas”. Refere o Tribunal expressamente, aliás, na motivação da decisão no que respeita à não comprovação da matéria de facto descrita nos pontos f), l) e o), que “não se demonstrando qualquer vantagem patrimonial oriunda de transferências bancárias, passou essa vantagem a cingir-se ao benefício obtido com o não pagamento de tornas no âmbito de partilha (por parte do arguido BB) e de não pagamento de preço no âmbito de compra e venda (desta feita por parte do arguido DD), vantagem essa que se cifra assim no montante de € 71.899,53, tal como descrito nos pontos 32) a 35).”. Pode até o Tribunal, como a recorrente refere, ter-se convencido que a atuação dos arguidos na dissipação do património de EE foi mais vasta que aquela que efetivamente logrou dar por assente. Mas não deixou de apreciar a prova de acordo com os princípios da livre apreciação (127.º do CPP), levando em linha de conta o princípio da presunção de inocência que, ao contrário do sustentado pela recorrente, não poderia deixar de condicionar o juízo probatório quanto aos factos imputados que constituem ilícito penal. A recorrente apenas invocou o vício previsto na alínea b), do n.º 2, do art. 410.º do CPP, mas os argumentos que aduz (no sentido da violação das regras da experiência e da lógica) podem subsumir-se ao erro notório na apreciação da prova, previsto na al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, que se verifica perante uma falha grosseira, ostensiva, na análise da prova. Tendo este vício que resultar do texto da decisão, ocorrerá quando se retira de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável; quando se dá como assente algo patentemente errado; quando se retira de um facto provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum; quando se violam as regras da prova vinculada, as regras da experiência, as legis artis ou quando o tribunal se afasta, sem fundamento, dos juízos dos peritos. Não se pode incluir no erro notório na apreciação da prova a eventual discordância da recorrente quanto ao modo como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si, em audiência, em conformidade com o disposto no art. 127.º do CPP. Este vício distingue-se, assim, do erro de julgamento da matéria de facto pois que este último apenas é percetível através da análise da prova produzida. «O erro notório na apreciação da prova, trata-se de um erro de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental. Para ocorrer este vício, as provas evidenciadas pela simples leitura do texto da decisão têm de revelar claramente um sentido e a decisão recorrida extrair ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fática provada ou excluindo dela algum facto essencial. É um vício intrínseco da sentença, isto é, que há-de resultar do texto da decisão recorrida, de tal forma que, lendo-o, mesmo o cidadão comum se dê conta que os fundamentos são contraditórios entre si, ou (contraditórios) com a decisão tomada. Se a discordância do recorrente for apenas quanto à forma, isto é, como o Tribunal valorou a prova e decidiu a matéria de facto, tal traduz-se em impugnação da matéria de facto apurada – que se integra em objeto do recurso sobre a matéria (…)»3. Refere a recorrente que a responsabilidade dos arguidos na apropriação do património financeiro do seu pai é uma necessidade lógica, que decorre necessariamente da prova dos demais atos praticados, pelo que deveriam os factos considerados não provados ser dados por provados por presunção. Mas não lhe assistente razão. Ainda que se possa admitir a prova indireta, por presunção, em sede de processo penal4, a ilação a extrair terá de alcançar a certeza necessária à formação da convicção do julgador, podendo ser retirada de factos base assentes e não de factos ou inferências já extraídas daqueles. E, da prova dos factos enunciados nos artigos 5, 13 a 29 e 37, não se pode inferir, por ilação, que os arguidos “esvaziaram as contas bancárias” do pai da recorrente ou dissiparam, efetivamente, todo o património, não resultando assente que EE estava em situação de vegetal, que apenas os arguidos tinham acesso ao falecido ou que apenas estes controlavam os cartões e documentação bancária das contas de que aquele era titular ou, ainda, que utilizaram os montantes em proveito próprio e não do falecido. Resultando provado que EE era titular de conta na …, balcão de …, com o n.º …, que regista operações bancárias no montante de 56.030,36€ (cinquenta e seis mil e trinta euros e trinta e seis cêntimos), em 16.04.2014, estando EE já completamente incapacitado, ficando a conta liquidada (ponto 37), não podemos daqui retirar, por inferência lógica, que tais operações tenham sido realizadas ou ordenadas pelos arguidos. Nem as declarações do arguido, de que a motivação faz eco, salientadas pela recorrente, permitem sustentar a confissão dos mesmos. Aceitando a recorrente não se ter provado que a movimentação tenha sido efetuada por transferência, refere que o dinheiro que estava a prazo foi colocado à ordem e utilizado pelos arguidos. Mas não refere qual a concreta prova de tal facto (que nem corresponde ao por si alegado em sede de pedido de indemnização civil). Estamos perante factos cuja prova seria, desde logo, documental. Mas não tratou a investigação (ou a recorrente, já agora) de recolher indícios dos mesmos, nomeadamente quem ordenou a transferência (entre a conta a prazo e a conta à ordem de EE), de que modo as quantias foram saindo da conta à ordem e qual o destino final das mesmas. A recorrente, na verdade, não invoca a existência deste vício – erro notório na apreciação da prova - através da indicação de uma conclusão ilógica, arbitrária ou contraditória que resulte dos próprios termos da decisão, fazendo, sim, uma leitura antagónica da valoração das provas. E, não se deteta na decisão recorrida uma irrazoabilidade patente a qualquer observador comum – não se podendo afirmar que o raciocínio do julgador se opõe à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum (sem análise das provas sobre as quais aquele se fundamenta). Na motivação da matéria de facto, o Tribunal a quo refere o motivo pelo qual deu por não provada a atuação dos arguidos no que concerne ao património financeiro do pai da assistente. Nomeadamente, não foi recolhida prova documental das movimentações financeiras entre as contas do falecido EE e dos arguidos, o que também não foi corroborado pela testemunha NN, quedando por demonstrar que os arguidos tenham obtido “qualquer vantagem patrimonial oriunda de transferências bancárias”. O recurso, na verdade, funda-se em argumentos que não podem infirmar a sequência lógica da decisão, por se impor na apreciação da prova dos factos constitutivos do crime o princípio in dúbio pro reo, modelando o recurso à prova por presunção. Do exposto na sentença, resultam as razões que determinaram o juízo probatório do Tribunal a quo, nomeadamente os motivos pelos quais foram considerados como não provados os factos referentes à alegada apropriação dos saldos das contas bancárias de EE por parte dos arguidos, tudo ponderando de acordo com as regras da experiência comum em face da natureza dos atos imputados. Observada a decisão recorrida, verificamos que o Tribunal a quo, de forma que não nos merece reparo, demonstrou o processo do seu convencimento, indicando os meios probatórios e os motivos por que foram esses meios determinantes para a sua convicção (negativa), fazendo-o em conformidade com as boas regras de apreciação da prova, não se vislumbrando qualquer razão de sentido divergente que justifique, e muito menos que imponha, solução diferente daquela a que chegou o Tribunal recorrido. A sentença proferida pelo Tribunal a quo assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova, nomeadamente respeitando a presunção de inocência dos arguidos, princípio que, ao contrário do sustentado pela recorrente, não pode aqui ser arredado. Não merecendo provimento qualquer uma das questões suscitadas e atinentes à matéria de facto, resta dar a mesma como assente. Nesse conspecto, nenhuma censura merece a decisão que absolveu os recorridos do peticionado a título de indemnização civil (com exceção da condenação no valor de 5.000,00€, que se mantem) por ausência de suporte factual que possa fundamentar o preenchimento dos pressupostos da indemnização civil (desde logo a prática de qualquer facto ilícito), como refere o Tribunal a quo. * V. DECISÃO Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pela demandante AA, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida. * Custas pela recorrente. Notifique. * Évora, 28 de janeiro de 2025 Mafalda Sequinho dos Santos (Relatora) Edgar Gouveia Valente (1.º Adjunto) Moreira das Neves (2.º Adjunto)
.............................................................................................................. 1Por regra, não existe um direito pessoal do assistente a certa punição, imperando aqui o interesse público, coletivo, que não cabe ao assistente sustentar, designadamente se conflituar com a pretensão punitiva do M.º P.º. Na matéria do ius puniendi do Estado a posição do assistente estará, à partida, subordinada à posição do M.º P.º, ainda que se possa admitir a legitimidade do assistente para a interposição de recurso quando o mesmo invoque um interesse próprio, atendível, na alteração da medida concreta da pena, para além das necessidades de prevenção a nível geral. Quanto a estas, a defesa é tarefa do M.º P.º, que, ao não interpor recurso, entendeu a pena como ajustada, tendo mesmo manifestado essa posição na resposta ao recurso da recorrente 2Pereira Madeira, Art. 410.º Código Processo Penal Comentado, p. 1327, 4.ª ed. Revista, Almedina. 3Ac. STJ 18/02/2021, proc. 87/11.0GBSXL.L2 S2, 5.ª secção, Relatora Margarida Blasco, www.dgsi.pt. 4 Especificamente quanto à utilização de presunções judiciais, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar, nomeadamente no Acórdão nº 521/2018, pela conformidade com o princípio da presunção de inocência e do in dubio pro reo, de recurso à prova indireta em processo penal, pressupondo que com a mesma se atinja o limiar de certeza exigível para uma condenação. Também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso a prova indireta em processo penal, designadamente no caso John Murray v. Reino Unido, decidido por Acórdão de 08 de fevereiro de 1996, considerando a mesma perfeitamente admissível (em determinados pressupostos) à luz do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. |