Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1456/25.4T8SLV.E1
Relator: ANABELA RAIMUNDO FIALHO
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
REQUISITOS
ESBULHO VIOLENTO
Data do Acordão: 10/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A procedência da providência cautelar de restituição provisória de posse depende da alegação e prova de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.
2. Para efeitos de verificação do preenchimento do primeiro dos referidos requisitos – a posse – é irrelevante a classificação do contrato através do qual um dos contraentes é nela investido.
3. É violento o esbulho que impede o esbulhado de aceder à coisa possuída e utilizá-la, em consequência dos meios usados pelo esbulhador, designadamente, através da mudança de fechadura.
4. O facto de a coisa possuída consistir no local onde o esbulhado exercia a sua atividade profissional e onde ficaram retidos os seus instrumentos de trabalho, traduz-se em violência psicológica, igualmente caracterizadora de um esbulho violento.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1456/25.4T8SLV.E1
Tribunal Recorrido - Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Silves, Juiz 2
Recorrente – (…) – Investimentos Imobiliários, S.A.
Recorrido – (…)

Sumário: (…)
*
Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
(…) instaurou o presente procedimento cautelar comum contra (…) – Investimentos Imobiliários, S.A., pedindo que, sem audiência prévia desta, seja ordenada a devolução à sua pessoa do espaço “N” do Centro de (…), sito em (…), no concelho de Silves. Em síntese, alegou que a utilização de tal espaço foi-lhe cedida pela Requerida através de contrato celebrado em 6 de abril de 2023, pelo prazo de 60 meses, para o exercício da sua atividade profissional de oficina mecânica e que, entretanto, foi privado por aquela do uso de tal espaço a partir de 4 de julho de 2025, através da mudança da fechadura do local, na sequência da resolução unilateral pela Requerida do contrato mencionado, o que tem causado inúmeros prejuízos ao exercício sua atividade profissional.

Após produção de prova, foi proferida sentença que, entendendo que a situação em apreço configura uma providência cautelar de restituição provisória da posse, decidiu pela procedência da mesma, determinando a restituição ao Requerente da posse do referido espaço “N” do Centro de (…).

Inconformada com tal decisão, a Requerida recorreu, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1. O contrato celebrado entre a Recorrente e o Recorrido não é um contrato de arrendamento não habitacional, mas antes um contrato de utilização de espaço em centro de (…);
2. E assim é porque, o objecto do contrato em causa é constituído por elementos de dois contratos típicos: a locação e a prestação de serviços, uma vez que, para além de proporcionar o uso do espaço pelo Recorrido, a Recorrente presta serviços, designadamente de fornecimento de electricidade e água, de controle de acessos e disponibilização de estacionamento, de conservação, de limpeza e outros inerentes à gestão do centro, como resulta da cláusula Primeira do referido contrato;
3. O contrato em causa é, assim, atípico, não lhe sendo aplicável o regime do arrendamento urbano, mas sim as cláusulas contratuais acordadas e vertidas no documento contratual referido;
4. A cláusula Décima do contrato de utilização de espaço em centro de logística em causa, prevê, expressamente, no seu n.º 1, que constitui fundamento de resolução:
a. “O não pagamento à Primeira Outorgante de qualquer quantia devida ao abrigo deste contrato”;
b. “Em geral, o não cumprimento, cumprimento defeituoso e / ou parcial de qualquer obrigação emergente do presente contrato”, no qual, por determinação expressa da sua Cláusula Quinta, se integra o Regulamento a que se refere a Cláusula Quinta do contrato
5. O Recorrido não pagou as “retribuições periódicas” referentes aos meses de Abril e Maio de 2025, e incumpriu o regulamento, dando origem a aplicação das penalidades facturadas, mencionadas no item 8 da decisão sobre a matéria de facto, que também não foram pagas;
6. A mesma Cláusula Décima, nos seus n.ºs 2, e 4, estabelece a forma de exercitar o direito à resolução, que a Recorrente cumpriu;
7. E estabelece o direito da Recorrente de entrar imediatamente na posse do espaço;
8. Direito que a Recorrente exerceu, nos termos contratuais, tendo recuperado, legitimamente, a posse sobre o espaço em causa;
9. Face o exposto não se encontram reunidas as condições para a restituição provisória da posse, previstas no artigo 377.º do CPC, a qual tem como premissa o esbulho violento, no caso, do Recorrido;
10. Esbulho que não aconteceu dada a legitimidade da posse da Recorrente; à data do
decretamento da providência;
11. Deve ser assim revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, restituindo-se a posse do espaço à Recorrente”.

O Requerente contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido e apresentando as seguintes conclusões:
A. A Recorrente entende que o douto Tribunal a quo não poderia ter decidido como decidiu, invocando que não existe fundamento para o decretamento da providência, porém, não assiste razão à Recorrente.
B. A natureza da tutela cautelar implica que o Requerente que se arroga titular de um direito, se encontre em risco desse direito sofrer uma lesão grave ou de difícil reparação, sendo exigível apenas uma manifestação externa, um fumus boni iuris.
C. Tendo em conta a apreciação sumária dos factos o douto Tribunal a quo fez uma correta análise do preenchimento dos requisitos para o decretamento da providência, pelo que não merece qualquer reparo.
D. O facto de terem sido emitidas facturas pela Recorrente com rúbricas de “mau parqueamento” (item 8 da decisão sobre a matéria de facto), o facto de ter sido entregue ao Requerente, aqui Recorrido, uma comunicação com a resolução do contrato fundada em penalidades aplicadas (item 9 da decisão sobre a matéria de facto) não comprova, mesmo que indiciariamente, a existência de um qualquer regulamento.
E. A Recorrente teve um prazo para, em sede própria, deduzir oposição e alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo Tribunal a quo e que pudessem afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, o que não fez.
F. A Requerida/Recorrente utiliza o meio do recurso para vir invocar factos novos, que configuram matéria de excepção, não podem ser admitidos, uma vez que não podem ser trazidos factos novos apenas em sede de recurso.
G. Quanto à qualificação jurídica do denominado “Contrato de Utilização de Espaço em Centro de (…)”, sempre se dirá que, tendo o mesmo sido qualificado como Contrato de Arrendamento para Fins não Habitacionais, ou vindo a ser qualificado como um Contrato de Utilização, em nada altera ou afeta a verificação dos pressupostos para o decretamento da providência cautelar.
H. O desapossamento ilegítimo levado a cabo pela Recorrente, serviu de base à instauração do procedimento cautelar e que nos termos ali alegados e comprovados, com a prova produzida, permitiu a reunião dos pressupostos para o decretamento da providência cautelar requerida.
I. O Recorrido que exerce a sua atividade profissional no referido espaço, com a ação levada a cabo pela Recorrente, viu ameaçado o seu direito à exploração da sua oficina mecânica.
J. O Tribunal a quo decretou a providência, tendo em conta os factos que foram indiciariamente como provados, tanto por prova documental junta aos autos, como pela prova testemunhal que foi produzida em audiência, que se revelaram suficientes para a aparência da lesão do direito do ali Requerente.
K. O Requerente/Recorrido instalou, no espaço em apreço, um estabelecimento de oficina mecânica, com todo o equipamento, material e demais elementos necessários ao funcionamento de um estabelecimento de oficina mecânica.
L. Nesta data em que as presentes alegações são entregues, e que já dista algumas semanas após a notificação da Requerida e aqui Recorrente da douta sentença proferida, ainda não deu cumprimento à mesma, mantendo todo o equipamento do estabelecimento comercial do Recorrido, bem como veículos de terceiros em seu poder, de forma abusiva, não restituindo ao aqui Recorrente, impedindo-o de retomar a sua atividade.
M. Incorrendo claramente também num crime de desobediência, para além de estar sujeita à obrigatoriedade de pagamento de sanção pecuniária compulsória, por manifestamente não cumprir os itens que compõem o segmento decisório proferido na douta Sentença.
N. A jurisprudência maioritária vai no sentido de que o estabelecimento (comercial ou industrial) deve ser encarado como uma universalidade jurídica objecto de direitos reais (nomeadamente a propriedade) e sendo assim suscetível de posse.
O. Assim foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-03-2009, proferido no âmbito do Proc. 3028/08.9TVLSB-22.
P. Ao Requerente/Recorrido, titular de um estabelecimento de oficina mecânica sempre lhe seria permitido recorrer à providência cautelar de restituição provisória de posse.
Q. Também andou bem o Tribunal a quo ao julgar nulas as estipulações contratuais da cláusula 10.ª, n.º 3, 4 e 5, do contrato escrito celebrado entre as partes.
R. As referidas estipulações contratuais são contrárias ao princípio da proibição da autodefesa, em clara violação do estipulado no artigo 1.º do CPC e artigo 20.º, n.º 5, da CRP.
S. Estão vedados os particulares o recurso à força própria, cabendo ao Estado a resolução dos litígios, na vertente da sua função jurisdicional, através dos tribunais.
T. Assim, as condutas da Requerida/Recorrente, constituem actos ilícitos, de justiça privada, agindo esta em claro abuso de direito”.

1.1. Objeto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objeto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da verificação dos pressupostos da providência cautelar de restituição provisória da posse.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Fundamentos de facto
2.1.1. O tribunal a quo deu como indiciariamente provados os seguintes factos:
1 – O Requerente exerce a actividade de exploração de oficina mecânica, como empresário em nome individual, procedendo à reparação de veículos automóveis e compra e venda de peças.
2 – Para o exercício da actividade de oficina mecânica, o Requerente necessita de um espaço para a prestação de serviços de mecânica a terceiros que a ele se dirijam.
3 – A Requerida diz-se detentora e legítima possuidora de um Centro de (…), sito em (…), no concelho de Silves, destinado ao exercício da actividade de distribuição de mercadorias aos pontos de venda das empresas utilizadoras, com infraestruturas de apoio necessárias ou convenientes ao exercício dessa atividade.
4 – No dia 6 de Abril de 2023 foi celebrado entre o Requerente e a Requerida o denominado “Contrato de Utilização de Espaço em Centro de (…)”, junto como doc. 2 do RI e cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, através do qual a Requerida cedeu ao Requerente, pelo prazo de 60 meses, com início em 1 de Maio de 2023, a utilização do “Espaço N” do Centro de (…) referido em 3) para a instalação de oficina mecânica, mediante a contrapartida do pagamento mensal pelo Requerente do valor de € 750,00 mais IVA à taxa legal em vigor.
5 – A partir de 1 de Maio de 2023, o Requerente, para o exercício da sua actividade de mecânica, instalou no “Espaço N” do Centro de (…) uma oficina mecânica, colocando em tal espaço equipamentos, ferramentas, maquinarias diversas, máquina de pneus, elevador, máquina de calibrar, estantes de arrumação, máquina de ar condicionado, ferramentas e peças, entre outros.
6 – Na data da assinatura do contrato referido em 4), o Requerente pagou à Requerida as duas primeiras mensalidades do contrato (€ 1.500,00 mais IVA), bem como o valor de € 1.500,00 a título de caução.
7 – O Requerente sempre pagou à Requerida a remuneração mensal devida no âmbito do contrato (i.e., € 750,00 mais IVA à taxa legal em vigor), bem como a comparticipação nas despesas e encargos comuns, e os valores relativos à água e luz, referentes ao período desde o início do contrato até ao mês de Março de 2025, inclusive.
8 – A partir do mês de Janeiro de 2025 a Requerida começou a imputar ao Requerente “coimas”, alegadamente por mau parqueamento, facturando ao Requerente rubricas de “mau parqueamento”, nos seguintes termos:
- factura n.º (…), de 3/01/2025, de onde consta € 1.230,00, mais IVA a 23%, a título de “Mau (...)”, conforme factura junta como doc. 3 do RI e cujo teor se considera integralmente reproduzido;
- factura n.º (…), de 3/02/2025, de onde consta € 4.140,00, mais IVA a 23%, a título de “Mau (...)”, conforme factura junta como doc. 4 do RI e cujo teor se considera integralmente reproduzido;
- factura n.º (…), de 5/03/2025, de onde consta € 1.890,00, mais IVA a 23%, a título de “Mau (...)”, conforme factura junta como doc. 5 do RI e cujo teor se considera integralmente reproduzido;
- factura n.º (…), de 1/04/2025, de onde consta € 120,00, mais IVA a 23%, a título de “Mau (...)”, conforme factura junta como doc. 6 do RI e cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido;
- factura n.º (…), de 5/05/2025, de onde consta € 900,00, mais IVA a 23%, a título de “Mau (...)”, conforme factura junta como doc. 7 do RI e cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido;
- factura n.º (…), de 2/06/2025, de onde consta € 58.500,00, mais IVA a 23%, a título de “Mau (...)”, e ainda consta € 60,00, mais IVA a 23%, a título de “Bloqueio de Portão”, conforme factura junta como doc. 8 do RI e cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido;
- factura n.º (…), de 1/07/2025, de onde consta € 20.700,00, mais IVA a 23%, a título de “Mau (...)”, conforme factura junta como doc. 9 do RI e cujo teor se considera integralmente reproduzido.
9 – A Requerida entregou ao Requerente, em mão própria, em 23 de Junho de 2025, uma comunicação datada de 4 de Junho de 2025, sob o assunto de “resolução do contrato de utilização do espaço”, através da qual comunicou ao Requerente a resolução do contrato referido em 4), com fundamento em alegada ausência de pagamento das retribuições periódicas mensais referentes aos meses de Abril e Maio de 2025 e das penalidades aplicadas, comunicação essa junta como doc. 10 do RI e cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido.
10 – A Requerida, no início de Julho de 2025 (em data não apurada mas não anterior a 4 de Julho), procedeu à mudança da fechadura do portão de acesso ao “Espaço N” do Centro de (…), que o Requerente utilizava para o exercício da sua actividade profissional, impedindo o acesso do Requerente ao interior de tal espaço.
11 – No início de Julho de 2025 (em data não apurada mas não anterior a 4 de Julho), a Requerida retirou o acesso do Requerente à zona comum do Centro de (…), desactivando o código do cartão que o Requerente utilizava para abrir a cancela de entrada para poder aceder a tal zona comum, com vista a depois poder dirigir-se ao “Espaço N”.
12 – Desde o referido em 10) e 11) até ao presente, o Requerente, contra a sua vontade, está impedido de aceder e de exercer a sua actividade profissional no “Espaço N” do Centro de (…), não tendo o Requerente acesso às instalações, nem às suas ferramentas e equipamento.
13 – Nas últimas semanas, verificaram-se inúmeras reclamações de clientes do Requerente, porquanto se encontram no interior do estabelecimento de oficina de mecânica, instalado no “Espaço N”, veículos de tais clientes cujas reparações foram adjudicadas ao Requerente e que não estão concluídas.
14 – Durante os anos do exercício da sua profissão, o Requerente conseguiu edificar e manter uma boa imagem comercial junto dos seus clientes.
15 – O Requerente tem um trabalhador a seu cargo, com contrato de trabalho”.

2.1.2. O tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
“A – que não foi celebrada qualquer adenda ao contrato que previsse cláusulas com regras de utilização de zonas comuns do centro (…);
B – que o Requerente, posteriormente à assinatura do contrato, não teve conhecimento da elaboração de um qualquer regulamento por parte da Requerida, da existência de um “regulamento do centro (…)”, não existindo qualquer regulamento escrito com regras de utilização de zonas comuns do centro (…);
C – que o Requerente nunca teve contador de água e contador de luz autónomos no seu espaço N;
D – que o Requerente pagou à Requerida a remuneração mensal devida no âmbito do contrato (i.e., € 750,00 mais IVA à taxa legal em vigor), a comparticipação nas despesas e encargos comuns, bem como os valores relativos a água e luz, tudo referente aos meses de Abril de 2025 em diante;
E – que o Requerente sempre cumpriu todas as obrigações decorrentes do contrato;
F – que o Requerente não reconhece quaisquer quantias facturadas pela Requerida sob a rubrica de “mau (...) / mau (...)”, nem compreende o porquê de lhe estarem a ser cobradas;
G – que a mudança da fechadura relatada no facto provado 10) ocorreu no dia 4 de Julho de 2025;
H – que a mudança da fechadura relatada no facto provado 10) foi realizada pelo legal representante da Requerida, acompanhado do funcionário (…)”.

2.2. Fundamentação de direito
As medidas cautelares visam prevenir um dano muito concreto: aquele que é causado pelo decurso do tempo e que consiste na inutilidade prática, total ou parcial, da sentença final favorável e, consequentemente, na inefetividade do direito do requerente.
No presente caso, o tribunal a quo configurou a situação apresentada pelo Requerente como de restituição provisória da posse, nos termos do artigo 376.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante, CPC), o que não foi contestado pelas partes e, efetivamente, parece acertado, face aos contornos factuais do caso.
Tal providência corresponde, em regra, a um ato preparatório da ação de restituição de posse, embora também o possa ser de uma ação de reivindicação, na medida em que também esta visa obter a restituição da coisa. Com efeito, quem beneficia de uma situação de posse pode pedir a respetiva tutela judicial, seja através da apresentação em juízo de ações de prevenção, de manutenção e de restituição da posse, mas também, no caso de esbulho violento, por via de uma providência cautelar de restituição provisória da posse, de harmonia com o disposto nos artigos 1276.º a 1279.º do Código Civil (doravante, CC).
Citando Mota Pinto, escreve-se no acórdão do TRE, de 19/12/2022 (processo n.º 427/22.7T8SSB-A.E1, relator Tomé de Carvalho), que as razões dessa tutela assentam em critérios de utilidade social como são a defesa da paz pública, a dificuldade de prova do direito definitivo e o valor económico da posse. E esta tutela assume natureza provisória, conforme decorre da letra do n.º 1 do artigo 1278.º do CC, que prevê que “No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito”.
A posse é definida pelo artigo 1251.º do CC como “o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.
No direito português a posse reporta-se, pois, ao exercício de um direito real (em regra, de gozo). No entanto, por motivos de equidade, de segurança jurídica e de salvaguarda de interesses pessoais e económicos, o legislador concede episodicamente a defesa possessória em casos em que não existe posse, mas mera detenção. E, por isso, a tutela possessória é ainda especialmente concedida a titulares de direitos pessoais de gozo derivados do contrato de locação (artigo 1037.º, n.º 2, do CC), de comodato (artigo 1133.º, n.º 2, do CC) e de depósito (artigo 1188.º, n.º 2, do CC).
No entendimento tradicional da doutrina portuguesa, a interpretação do mencionado preceito deve ser conjugada com a alínea a) do artigo 1253.º do Código Civil, valendo isto, por dizer, que o conceito de posse para além de pressupor o exercício de um controlo de facto sobre determinada coisa, prevê ainda que o possuidor atue com a intenção de agir como titular.
Henrique Mesquita (in Direitos reais, Coimbra Editora, 1967, págs. 74 e 75) escreve que “(…) a posse é um facto (…) o qual é recebido pelo direito que lhe atribui diversos efeitos, independentemente de qualquer indagação sobre a existência, na titularidade do possuidor, do direito real correspondente aos poderes por este exercidos sobre certa coisa”. Por isso, acrescenta o mencionado autor que a posse “(…) pode ser defendida contra atos de turbação ou esbulho mesmo que provenham do titular do direito real possuído (…)”.
Em suma, pode afirmar-se que a posse é constituída por dois elementos: i) o corpus, traduzido no exercício de um poder de facto sobre determinada coisa; ii) o animus possidendi, isto é, um elemento subjetivo caracterizado pela intenção do possuidor exercer ou agir como titular do direito correspondente àquele poder de facto.
O artigo 1276.º do Código Civil dá cobertura às situações de defesa da posse, prevendo que se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será o autor da ameaça, a requerimento do ameaçado, intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar, e o artigo 1279.º, prevê que o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.
Na vertente adjetiva desta norma, prevê o artigo 377.º do CPC que “No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”. Assim, não suscita dúvidas a afirmação, generalizadamente encontrada na doutrina e na jurisprudência, de que a procedência da providência cautelar de restituição provisória de posse depende da alegação e prova de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.
O conceito de violência a que aludem os artigos 1279.º do CC e 377.º do CPC encontra-se plasmado no artigo 1261.º do CC, que apresenta a seguinte redação:
1. Posse pacífica é a que foi adquirida sem violência.
2. Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do artigo 255.º”.
Esta norma, por seu turno, prevê o seguinte:
1. Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração.
2. A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro.
3. Não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial”.
Por outro lado, parece ser atualmente maioritário o entendimento de que a violência tanto pode ser contra as pessoas como contra as coisas. Escreveu, a este respeito Teixeira de Sousa: “A restituição provisória da posse é justificada não só pela violência ou ameaças contra as pessoas, mas também por aquela que é dirigida contra coisas, como muros e vedações (…). Assim, por exemplo, essa restituição pode ser requerida quando o ocupante mudou a fechadura da porta e recusa a entrega das novas chaves (…) (in Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, pág. 238; no mesmo sentido, vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, Coimbra Editora, em anotação aos artigos 1261.º e 1279.º). Também Abrantes Geraldes defende esta posição, nos seguintes termos “Ora, sendo o esbulho uma das formas através das quais se pode adquirir a posse, a sua qualificação como violento deve ser o resultado da aplicação do artigo 1261.º do CC, com o que somos transportados, por expressa vontade do legislador, para o disposto no artigo 255.º do CC, norma que integra na actuação violenta tanto aquela que se dirige diretamente à pessoa do declaratário (leia-se, do possuidor), como a que é feita através do ataque aos seus bens” (in Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV, Almedina, Coimbra, pág. 45).
Orlando de Carvalho (in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122º), defende, numa visão intermédia e interessante, que “a violência contra as coisas só é relevante se com ela se pretende intimidar, directa ou indirectamente, a vítima da mesma, não devendo, por isso, qualificar-se como tal os meros actos de destruição ou danificação desprovidos de qualquer intuito de influenciar psicologicamente o possuidor”.
Finalmente, pode dizer-se que há esbulho violento sempre que alguém é privado, total ou parcialmente, contra sua vontade, do uso ou fruição do bem possuído ou da possibilidade de continuar esse exercício. Neste sentido, a jurisprudência tem entendido, por exemplo, que quando o esbulhador, para ter acesso à coisa, procede à mudança/substituição e à alteração das fechaduras que o impediam de àquela livremente aceder, obstando e tornando doravante impossível a continuação da posse pelo requerente/esbulhado, está-se perante um caso de esbulho violento (neste sentido, vide o acórdão do TRG de 07/05/2015, processo n.º 188/15.6T8FAF.G1, relator António Santos, in www.dgsi.pt).
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Deixadas estas breves considerações, há que atentar no caso concreto.
Assim, resulta provado que entre o Recorrido e a Recorrente foi celebrado um contrato, a 6 de abril de 2023, denominado como “Contrato de Utilização de Espaço em Centro de (…)”, mediante o qual esta cedeu àquele um espaço no centro de logística sito em Poço Deão, no concelho de Silves, do qual era “detentora e legítima possuidora”, pelo prazo de 60 meses e mediante o pagamento de uma contrapartida monetária mensal, para que aquele aí instalasse uma “oficina mecânica”.
No entendimento do tribunal a quo, trata-se de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, no qual o Recorrido assumiu a qualidade de arrendatário e a Recorrente, de senhoria.
A Recorrente, por seu turno, discorda desta classificação, considerando que está em causa um contrato atípico, de utilização de espaço em centro comercial (no caso, de logística). E, efetivamente, considerando os termos do contrato em causa, afigura-se-nos que é defensável tal entendimento. Com efeito, mediante tal contrato, a Recorrente cede ao Recorrido a utilização de um espaço num Centro de (…), proporcionando-lhe também espaço de parqueamento (cfr. cláusula 1ª) e a utilização de zonas comuns do referido Centro (cfr. cláusula 5ª); o Recorrido, por seu turno, fica obrigado ao pagamento de “uma remuneração certa e mensal no valor de € 750,00” (cfr. cláusula 3ª), devendo ainda “comparticipar nas despesas e encargos comuns com o funcionamento e utilização do Centro de (…), no valor mensal de €105,00 e pagar os consumos de água e eletricidade (cfrcláusula 6ª).
Comparando este tipo de contrato, atípico, com o arrendamento, escreve-se no acórdão do TRL de 19/03/2009 (Processo n.º 3028/08.9TVLSB-2, relator Jorge Leal, in Jurisprudência.pt): “O arrendamento é, no dizer da lei, o contrato mediante o qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de um imóvel, mediante retribuição (artigos 1022.º e 1023.º do Código Civil). Pesem embora os termos da lei, do contrato de arrendamento não resulta para o locador uma obrigação de prestação positiva, continuada, destinada a assegurar o gozo do imóvel, após a entrega deste ao locatário. Por sua vez, o locatário tem um direito autónomo ao gozo da coisa, que não passa pela mediação do locador”.
Tal significa, pois, que o contrato de utilização de espaços em centros comerciais (ou análogos), embora se traduza também na cedência onerosa dum direito de utilização (de parte) dum imóvel mediante retribuição, ultrapassa o modelo do arrendamento e, através dele, o concessionário é integrado numa realidade mais vasta, que é o próprio centro comercial. Trata-se, pois, de um contrato atípico, que, como tal, rege-se pelos termos que as partes acordarem, dentro dos limites da liberdade contratual (cfr. artigo 405.º, n.º 1, do CC), sem prejuízo da aplicação subsidiária, quando se verifique a necessária analogia, das pertinentes regras de contratos típicos.
Como se escreveu no acórdão do TRL de 18/04/2024 (Processo n.º 18203/23.8T8SNT.L1-6 , relatora Gabriela de Fátima Marques, in dgsi): “Com efeito, o contrato de instalação de lojista em centro comercial caracteriza-se pela cedência do gozo de um espaço - loja - para o exercício de uma actividade comercial ou de prestação de serviços num complexo imobiliário, composto por diversas lojas com comércios e serviços variados e complementares e por espaços comuns de lazer, realizando cada lojista por sua própria conta e risco, a exploração do respectivo espaço, mas estando obrigado a obedecer a regras gerais de funcionamento e organização do centro comercial. Pelo que os contratos celebrados entre as entidades exploradoras de centros comerciais e os respectivos lojistas são habitualmente qualificados como correspondendo legalmente a contratos atípicos, visto não corresponderem exactamente a nenhum dos tipos legais previstos e regulados, embora socialmente típicos”.
Assim e voltando ao presente caso, o direito de utilização do espaço “N” concedido ao Recorrido rege-se, à partida, pelas regras do contrato que lhe deu origem e não pelas normas do contrato de arrendamento, as quais apenas serão aplicáveis para preencher eventuais lacunas que se constate existirem no regime contratual traçado.
Porém, na verdade e para efeitos de verificação do preenchimento do primeiro dos elementos da providência cautelar em apreço – a posse – podemos entender que a classificação do contrato é irrelevante (neste sentido, vide acórdão do TRP de 10/07/2025, processo n.º 427/25.5 T8PV.2.P1, in dgsi, no qual se escreveu: “Nas ações possessórias não se discute o direito real correspondente, que não é relevante, salvo, para qualificar a posse).
Importa, assim, verificar se o Recorrido tinha ou não a posse do espaço em causa, sendo que a resposta afirmativa não parece suscitar dúvidas.
Com efeito, na sequência da celebração do contrato, a partir do dia 1 de maio de 2023, o Recorrido passou a exercer nesse espaço a sua atividade de reparação de veículos automóveis e compra e venda de peças, passando a usá-lo com esse fim e a usar também as zonas comuns do Centro de (…), o que fez até ao início de julho de 2025. Considerando, pois, o que acima se escreveu, conclui-se que o Recorrido teve a posse do espaço em causa entre 1 de maio de 2023 e o início de julho de 2025, já que, como se escreveu no acórdão do TRP, de 8/03/2021 (processo n.º 980/20.0T8PV2.P1, in dgsi): “A posse, enquanto exercício do poder de facto sobre a coisa (retenção e fruição material das suas utilidades) – “corpus” –, com intenção de exercer o direito real correspondente – “animus” –, supõe a demonstração de actos exteriores reveladores desse exercício e, portanto, de actos concretos que sejam dotados de certa consistência e reiteração, não se bastando com a demonstração da prática de actos meramente pontuais ou esporádicos sobre a coisa”.
Vejamos agora se o Recorrido foi violentamente esbulhado da posse do espaço onde tinha instalada a sua oficina de reparação automóvel.
Escreveu-se no acórdão do TRG de 3.11.2021 (processo n.º 69/11.2TBGMR-B.G1, citado no Acórdão do TRP de 10/07/2025, já mencionado): “Na ação cautelar de restituição provisória de posse, quando a atuação do esbulhador sobre a coisa esbulhada é de molde a, na realidade, tornar impossível a continuação da posse, seja através de obstáculos físicos ao acesso à coisa, seja através de meios que impedem a utilização pelo possuidor da coisa esbulhada, estaremos perante um caso de esbulho violento”.
A violência no esbulho pode, pois, traduzir-se numa ação física exercida sobre as coisas como meio de coagir o esbulhado a suportar uma situação contra a sua vontade.
Com efeito, os factos que determinam a perda da posse encontram-se enunciados (ainda que de uma forma não taxativa), no artigo 1267.º do CC, entre os quais se encontra o esbulho, enquanto causa de extinção da posse resultante da intervenção de terceiro.
Nessa medida o esbulho consiste na privação da coisa por intervenção de terceiro, contra a vontade do possuidor. Quando ocorre o esbulho, uma terceira pessoa assume o controlo material da coisa, afastando o controlo material da coisa anteriormente assegurado pelo possuidor.
A este propósito, entendeu o tribunal a quo que “compulsada a factualidade dada como indiciariamente provada, torna-se evidente a existência de uma situação de esbulho do Requerente relativamente ao locado em causa nos autos (“Espaço N” do Centro de …), pois o mesmo encontra-se fisicamente impedido de aceder a tal locado desde o início de Julho de 2025, devido à mudança por parte da Requerida da fechadura do portão de acesso a tal local, não tendo o Requerente acesso às instalações de oficina que explorava no locado, nem às suas ferramentas e equipamento”.
O Recorrente, por seu turno, defendendo que, à luz do contratualizado, mostravam-se verificados os fundamento para a resolução do contrato, por violação de obrigações regulamentares e falta de pagamento de várias “retribuições periódicas”, entende que lhe assistia o direito de, conforme igualmente previsto no texto do contrato, “entrar imediatamente na posse do espaço (…), Direito que (…) exerceu, nos termos contratuais, tendo recuperado, legitimamente, a posse sobre o espaço em causa”. Conclui, assim, que o Recorrido não foi violentamente esbulhado e, por isso, não se encontram reunidas as condições para a restituição provisória da posse.
Ora, nos termos do contratado, ao Recorrido foi concedido o direito de utilizar um determinado espaço (Espaço “N”), para a instalação de uma “oficina mecânica”, ficando o mesmo obrigado a cumprir as obrigações decorrentes do contrato “e do Regulamento do Centro (…) a elaborar” (cfr. cláusula quinta). Do contrato consta também, na cláusula décima, que “Constitui motivo de resolução do presente contrato pela Primeira Outorgante (a Recorrente) a) o não pagamento (…) de qualquer quantia devida ao abrigo deste contrato; b) a afetação do espaço a outro fim que não o especificamente indicado no contrato; c) em geral, o não cumprimento, cumprimento defeituoso e/ou parcial de qualquer obrigação emergente do presente contrato”. Para o efeito, a primeira contraente comunicará ao segundo, por escrito e com aviso de receção, essa sua intenção, concedendo-lhe um prazo de 10 dias para “remediar o seu incumprimento, (…) sob pena de imediata resolução do contrato”. E, após resolução, “o Primeiro Outorgante entrará de imediato na detenção do espaço”, utilizando as chaves que lho permitam ou usando “os meios necessários e adequados para reassumir a detenção do mesmo espaço”.
Ora, independentemente de discussão mais aprofundada quanto à legalidade ou não de tais cláusulas, há que notar, desde logo, que a Recorrente não usou a forma contratualizada (escrita, com aviso de receção) para comunicar a sua intenção de resolver o contrato. Por outro lado, acompanhamos, para o que releva, o entendimento do tribunal a quo, na parte em que escreve que “(…) independentemente de o contrato de arrendamento estabelecido entre as partes ter sido ou não válida e eficazmente resolvido pela Requerida – o que será uma matéria discutível e em disputa entre as partes (…) –, a Requerida jamais poderia tomar posse do locado pela sua própria iniciativa e força, contra a vontade do Requerente e sem recorrer aos meios judiciais competentes, pois manifestamente não se encontravam verificados os pressupostos da acção directa (cfr. artigo 336.º do Código Civil), nada impedindo a Requerida de recorrer em tempo útil a juízo com vista a obter o reconhecimento da resolução do contrato e a desocupação do locado por parte do Requerente (através do procedimento especial de despejo ou da acção declarativa comum, meios judiciais esses imperativos, cfr. artigos 14.º, n.º 1 e 15.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27/2), tendo a Requerida violado o disposto no artigo 1.º, Código Processo Civil.
Tal significa, pois, que ainda que houvesse a violação de qualquer trato negocial, não estamos perante uma situação em que seja legítima a ação direta nos termos previstos na lei substantiva (vide neste sentido e considerando nulas cláusulas de idêntico teor às do contrato em causa, o acórdão do TRL de 19/03/2009, processo n.º 3028/08.9TVLSB-2, relator Jorge Leal, in dgsi).
Considerando, pois, o exposto, concluímos, como o tribunal a quo, que o Recorrido foi efetivamente esbulhado da posse do espaço no qual exercia a sua atividade profissional, já que, por via da conduta do Recorrente, que, através da mudança da fechadura do portão de acesso ao local e da desativação do código do cartão para abertura da cancela de acesso ao espaço comum do Centro de (…), viu-se impedido de aceder e utilizar o espaço e, consequentemente, de aceder aos seus instrumentos de trabalho e veículos que lhe haviam sido entregues para reparação (vide acórdão do STJ de 19.03.96, processo n.º 96A110, in www.dgsi.pt : “Na restituição provisória de posse há esbulho se o possuidor fica em condições de não poder exercer a sua posse ou os direitos que anteriormente tinha, e violência se o possuidor é impedido de aceder ao objeto da posse.”)
Finalmente, para justificar a verificação do requisito “violência” escreve-se na sentença recorrida que “face à factualidade dada como indiciariamente provada, conclui-se que o desapossamento do Requerente do espaço locado em causa nos autos (“Espaço N” do Centro de … da Requerida) foi obtido através do uso de violência por parte da Requerida, pois a mudança da fechadura do portão de acesso a tal local, contra a vontade do Requerente, impedindo-o de aceder e de explorar a oficina mecânica instalada pelo Requerente no locado, configura um acto abusivo e ilegal com evidentes efeitos de intimidação do Requerente ficando manifesto, da conduta objectiva adoptada pela Requerida – mudando a fechadura do locado, sem fornecer uma chave ao Requerente, o que fica implícito da matéria assente –, que a Requerida não tolerará o acesso e livre utilização pelo Requerente do espaço por si locado no âmbito do contrato em causa nos autos. Assim se concluindo, inequivocamente, pela existência de um esbulho violento da posse que o Requerente exercia sobre o espaço locado em causa nos autos (“Espaço N” do Centro de … da Requerida), imputável à Requerida dos autos”.
E, efetivamente, entendemos que esta posição é acertada, acrescentando-se ainda que o facto de o Recorrido ter ficado privado da utilização do seu local e instrumentos de trabalho, de não poder realizar e concluir trabalhos já iniciados e de ter que lidar com a pressão dos clientes, também eles privados das suas viaturas, “retidas” naquele espaço, constitui igualmente um fator de violência psicológica que, em si, integra o conceito vago de violento, como elemento adjectivante do esbulho. Com efeito, a clara intenção da Recorrente em obstar a que o Recorrido continue a exercer a sua atividade profissional no local não pode deixar de ser entendida como altamente perturbadora e intimidativa, criando nele sentimentos de impotência, ultrapassáveis apenas por via do recurso aos tribunais (vide ainda o acórdão do TRP de 18/06/2020, processo n.º 2142/19.0T8VFR.P1, relator Carlos Portela, in dgsi e acórdão do STJ de 19/10/2016, processo n.º 487/14.4T2STC.E2.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira, in Diário da República).
Conclui-se, assim, como o tribunal a quo, que o Recorrido foi privado da posse do espaço que constituía o seu local de trabalho à força, que foi esbulhado com violência.
Mostram-se, pois, verificados todos os requisitos da providência cautelar da restituição provisória de posse.

3. DECISÃO
Face ao exposto, decide-se julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Évora, 30/10/2025
Anabela Raimundo Fialho (relatora)
Mário João Canelas Brás (1º Adjunto)
Miguel Teixeira (2º Adjunto)