Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1057/22.9T8PTM.E1
Relator: ANA PESSOA
Descritores: DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
FACTOS ESSENCIAIS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
DIREITO DE PREFERÊNCIA
Data do Acordão: 10/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário1:

I - O reforço dos poderes de gestão processual do juiz introduzidos com a reforma do processo civil não se confinam à gestão formal, abarcando, igualmente, uma gestão material do processo no campo da decisão de facto. Nessa medida, a lei processual (art. 5.º do CPC) veio permitir que, oficiosamente, o juiz possa tomar em consideração factualidade não alegada pelas partes nos respectivos articulados, com excepção da reportada aos factos essenciais que constituam a causa de pedir em que se sustenta o pedido do autor, ou em que se fundamentem as excepções invocadas pelo réu (n.º l do art. 5.º).


II - Não cabe nos poderes de cognição do tribunal da Relação aditar facto essencial não alegado e integrante da causa de pedir, ainda que o mesmo possa resultar do depoimento das testemunhas.


III - O dever de gestão inicial do processo atribuído ao juiz pelo art. 590.º do CPC, por forma a convidar as partes a colmatarem quaisquer irregularidades dos articulados, sugerindo-lhes o suprimento das insuficiências ou imprecisões tendentes à boa decisão da causa, tem como limite inultrapassável o respeito pelos princípios do dispositivo, da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz, conforme decorre da exigência constitucional de salvaguarda de um processo equitativo (art. 20.º, n.º 4, da CRP).

Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação n.º 1057/22.9T8PTM.E1




Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora,


I. Relatório


AA intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH e II, todos com os demais sinais identificadores constantes dos autos, pedindo que pela procedência da ação seja:


a) Declarada nula a Escritura Pública de alienação de quinhões hereditários, celebrada a 28.10.2021, no Cartório Notarial da Notária JJ, sito na Avenida 1, Vila 1 e lavrada a fls. 26 e segs. do Livro 10 do mesmo Cartório, por ter sido simulada;


b) Ordenar o cancelamento do registo de aquisição a favor do realizado sobre o descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 2 sob a Ficha n.º 75 da freguesia de Local 2, pela Inscrição correspondente à AP. n.º 3103 de 2021.11.18 e qualquer outro registo realizado incompatível com o direito da A.;


c) Reconhecer o direito de preferência da A. em relação à transmissão do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 34- Seção AO, da freguesia de Local 2 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 2 com o n.º 75 da freguesia de Local 2, objeto da Escritura Pública outorgada em 28.10.2021 no Cartório Notarial da Dra. JJ, em Vila 1, lavrada a fls. 26 a 28v do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 10;


d) Ver a A. substituir-se à 1.ª R., na posição que esta ocupa no contrato de compra e venda simulado, titulado pela escritura identificada em a) antecedente, por força do direito de preferência ora exercido, bem como na mencionada inscrição correspondente à AP. n.º 3103 de 2021/11/18, ficando o prédio a pertencer à A.;


e) Ser condenada a 1.ª R. a entregar à A. o prédio objeto de preferência livre de pessoas, bens ónus e encargos.


Para o efeito alegou, em síntese, que a primeira Ré adquiriu aos restantes Réus um quinhão hereditário, do qual fazia parte um prédio rústico contíguo ao prédio rústico de que é proprietária, negócio assim celebrado com o intuito de impedir o exercício do direito de preferência que lhe assiste, por se tratarem de prédios rústicos confinantes e de área inferior à unidade de cultura fixada para a região.


Alega, ainda, que desenvolve no prédio de sua propriedade a atividade de exploração florestal e agrícola e que este prédio se encontra onerado com servidão de passagem a favor do prédio alienado, o que lhe confere direito de preferência na alienação.

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Foi comprovado o depósito do preço da alienação.

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Os Réus contestaram, em suma, por exceção invocaram a falta de depósito do preço devido, impugnando os factos alegados, aduzindo que não é intenção da Autora ou da Ré destinar os prédios de que são proprietárias a exploração agrícola ou florestal, inexistindo a alegada servidão de passagem.


A Ré BB formula, ainda, pedido reconvencional, a título subsidiário, no qual peticiona a condenação da Autora no pagamento do preço de aquisição do prédio e das despesas suportadas, no valor global de €177.795,00.

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A Autora apresentou réplica, na qual responde à matéria de exceção, concluindo pela sua improcedência, impugnando a sua responsabilidade pelo reembolso das despesas suportadas pela Ré BB com o negócio.

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Foi formulado convite ao aperfeiçoamento dos articulados, a que as partes vieram responder.

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Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a exceção perentória de caducidade por não depósito do preço, admitida a reconvenção, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, sem que tenha sido apresentada reclamação.

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Realizou-se a audiência final, após o que veio a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo:


“Pelo exposto, ao abrigo das citadas disposições legais, o Tribunal decide:


A) julgar a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:


- declarar a nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda de quinhão hereditário, realizado através de escritura pública outorgada no dia 28.10.2021 entre os Réus, sendo válido o negócio dissimulado de compra e venda realizado entre os Réus do prédio misto identificado no ponto 5. dos factos provados;


- ordenar o cancelamento do registo de aquisição realizado na descrição n.º 75, da freguesia de Local 2, correspondente à ap. 3103 de 2021.11.18;


- absolver os Réus do demais peticionado;


B) julgar prejudicada a apreciação da reconvenção deduzida em face da improcedência da ação quanto ao exercício do direito de preferência.”


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Inconformada interpôs a Autora recurso, o qual motivou, concluindo, após despacho de aperfeiçoamento, do seguinte modo:


A) Deveria ser aditado aos Factos Provados o seguinte: “30 – Os prédios id. 1 a 9 estão inseridos no Plano Diretor Municipal de Vila 2 com as seguintes condicionantes: Espaço Florestal, Reserva Agrícola Nacional (RAN) e Reserva Ecológica Nacional (REN) e Rede Natura 2000.


B) Tal resulta do teor do Relatório Pericial (Refª 12354460 de 05-04-2024), nomeadamente, páginas 9 a 14, porquanto foi a resposta ao quesito formulado pela 1ª Recorrida em Audiência Prévia, que requereu Prova Pericial para responder ao quesito: 6) “Por referência ao prédio da Ré, e em confronto com os instrumentos de gestão territorial aplicáveis, deverá o Sr. Perito esclarecer da viabilidade de realização de uma operação urbanística de reconstrução e ampliação do urbano implantado naquele prédio, qual a área máxima de ampliação e a viabilidade de alteração do uso dessa edificação, ampliado ou não, para um turismo em espaço rural, nomeadamente na modalidade de Casa de Campo.», tendo tal prova sido deferida por Despacho com Refª 130578722 de 07-01-2024.


C) A importância da prova deste facto tem incidência, nomeadamente, para julgar a verificação de facto impeditivo do direito de preferência, aludido no art. 1381.º, al. a) , 2.º parte do CC, isto é, se o adquirente tem intenção dar ao prédio adquirido outra afetação/destino que não a cultura e se essa mudança é permitida por lei. Tal facto deveria constar da lista de factos provados, até porque o Tribunal a quo fundamentou a decisão com o pressuposto que o prédio da 1.ª Recorrida estar integrado na REN (pag. 36 e 37 da Sentença).


D) O facto provado n.º 28 está incorretamente julgado, por diversos motivos


a) A 1.ª Ré alegou na Contestação (Refª 10604889 de 27-10-2022) no artigo 42: “…adquiriu … para na parte urbana do prédio identificado de que agora é titular instalar, num primeiro momento, a sua casa de morada de família e, igualmente, desenvolver um projeto de turismo rural,”; e no art. 29: “o prédio da Ré … que era afeta à cultura de hortícolas …, sendo esse o fim económico do referido prédio”


b) A 1.ª Ré alegou no Requerimento (Refª 10639007 de 07-11-2022): “18. Utilizando-o como residência permanente sua e do seu agregado familiar, aí tem instalados todos os seus pertences domésticos, aí pernoita, confeciona as suas refeições e as do agregado, prossegue as rotinas domésticas diárias, recebe familiares e amigos; e 19. Em simultâneo, a Ré pretende desenvolver um projeto de turismo rural, com reabilitação e reconstrução do urbano existente e em que a parcela rústica será tratada como zona verde de enquadramento.”


c) Estas alegações nos articulados da 1.ª Ré, constituem verdadeira confissão, isto é, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, segundo dispõe o artº 352º do Código Civil.


E) A última parte do facto n.º28 «a parcela rústica seria tratada como zona verde de enquadramento.» também está incorretamente julgada, considerando o teor do PIP da Câmara Municipal de Vila 2 (junto ao Requerimento Refª 12856889 de 18-09-2024), a parcela rústica (prédio rústico) de 73.000 m2 não tem autorização para alterar o seu uso, apenas a parcela urbana (137,70 m2) poderá ser ampliada para 238,30 m2 para adaptação em TER – Casa de Campo, o PIP é perentório “moradia unifamiliar para adaptação em TER Casa de Campo,… que incidem sobre o prédio sito em Local 3, …inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1170 da respetiva freguesia.”. A Recorrente apresentou no ano 2024 o PIP (Pedido de Informação Prévia) à Câmara Municipal de Vila 2, o teor do PIP da Câmara Municipal de Vila 2 (junto ao Requerimento Refª 12856889 de 18-09-2024) e declarações da testemunha KK.


F) No entender do Recorrente o Facto Provado n.º 28 deveria ter a seguinte redação: «A Ré BB adquiriu o prédio misto identificado em 5. para instalar, num primeiro momento, a sua casa de morada de família, e posteriormente, em 2024, desenvolver em simultâneo, um projeto de turismo rural.»


G) O facto provado n.º 29 está incorretamente julgado, pois omite a data de apresentação do pedido de informação prévia e a data da emissão da informação, no ano 2024, o que se julga importante para não destinação do prédio para fim diverso da cultura.


H) Conforme resulta do PIP (Pedido de Informação Prévia) à Câmara Municipal de Vila 2, (junto ao Requerimento Refª 12856889 de 18-09-2024) e declarações da testemunha KK, o procedimento administrativo tem o número 3 do ano 2024, logo foi apresentado nesse ano de 2024, e que a Notificação da CMM à 1.ª Recorrida foi expedida em 20-08-2024 e recebida em 05-09-2024.


I) No entender do Recorrente o Facto Provado n.º 29 deveria ter a seguinte redação:


«Apresentado, em 2024, pela 1ª Ré pedido de informação prévia acerca desse projeto, pela Câmara Municipal de Vila 2 foi emitida, em 20-08-2024, informação prévia favorável condicionada relativa às obras de alteração, legalização e ampliação da moradia unifamiliar para adaptação em TER (Turismo em Espaço Rural)- Casa de Campo.»


J) A Recorrente solicitou a aplicação ao caso o disposto no art. 26.º da Lei n.º 73/2009, de 31.03 e no DL 166/2008 de 22.08, porque os prédios se inserem em área RAN e REN, tendo o Tribunal a quo decidido que “não foi com tal fundamento que [a Recorrente] deduziu o pedido de reconhecimento do direito de preferência.” e “que a pretensão da Autora [ora, Recorrente] se resumiu ao reconhecimento do direito de preferência com fundamento na cofinancia dos prédios rústicos e respetiva afetação e na existência de uma servidão legal de passagem.”


K) E decidiu mal porque considerando o “Objeto do Litígio” e os “Temas de Prova”, (proferido nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 591.º, al. f) e 596.º, n.º 1, do CPC), para o exercício do direito de preferência da Recorrente, não pressupunha a alegação de que os seu prédios se inserem na RAN/REN.


L) O facto (inserção dos prédios em RAN/REN), tem enquadramento no art. 5.º, n.º2 do CPC, não sendo verdade que a Recorrente tenha introduzido o facto após a produção de prova e já em sede de alegações, pois o facto foi introduzido pela 1.ª Recorrida em sede de Audiência Prévia quando requereu perícia sobre “os instrumentos de gestão territorial aplicáveis”, que foi deferida por Despacho de 07-01-2024 e respondida pelo Relatório Pericial (Refª 12354460 de 05-04-2024), do qual foram as Recorridas notificadas e apenas a 1.ª Recorrida exerceu o contraditório (Ref.ª 12412577 de 22-04-2024).


M) A inserção deste facto enquadra-se, tando na al. a) , como na b), do art. 5.º, n.º2 do CPC pois é um facto que resulta da instrução da causa com a produção de prova e são factos complementares ou concretizadores porque especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do Recorrente - a causa de pedir.


N) O Tribunal a quo tinha de assumir uma posição ativa, por forma a aproximar-se da verdade material e alcançar uma posição mais justa do processo, tendo a possibilidade de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais, bem como os essenciais à procedência da pretensão formulada, que sejam complemento ou concretização de outros que a parte haja oportunamente alegado e de os utilizar quando resultem da instrução e da discussão da causa e desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.


O) O facto (inserção dos prédios em RAN/REN) é atendível porque foi submetido ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa.


P) Assim, considerando o teor do n.º 1 do art. 26.º do RJRAN, a Recorrente goza do direito de preferência na alienação do prédio 34, e em consequência, deve substituir-se à 1.ª Recorrida na posição que ocupa no contrato de compra e venda simulado, por força do direito de preferência exercido.


Q) Resultando da factualidade provada que a Recorrente e a 1ª Recorrida são proprietárias de um prédio mistos confinantes inseridos na RAN é incontroverso que a Recorrente beneficia do direito preferência do RJRAN, tanto mais que, não tendo as Recorridas alegado ou demonstrado a possibilidade de autonomização da parte rústica da parte urbana, tal não pode ser invocado para afastar a qualificação rústica do seu prédio.


R) O Tribunal a quo errou na interpretação e na integração dos factos na norma da 2.ª parte da al. a) , n.º1 do art. 1381.º CC, porquanto as Recorridas não pretendem dar ao prédio rústico adquirido um destino diverso da cultura.


S) Aliás, é legalmente impossível a mudança da finalidade agrícola do terreno da 1.ª Ré, porque está inserido em REN, RAN e Rede Natura 2000.


T) A 1.º Recorrida não pretendia, aquando da alienação, que o prédio tivesse um destino diverso da cultura, a intenção era habitar a parte urbana, tendo a parte rústica aptidão para a cultura. Cfr. factos provados impugnados 28 e 29 impugnados


U) A intenção de instalar na parte urbana um projeto de turismo rural apenas foi alegado com a Contestação e após a citação (16-05-2022) e foi concretizado no ano 2024. Cfr. factos provados impugnados 28 e 29 impugnados


V) As Recorridas não declararam qual o fim do prédio alienado na Escritura Pública (Doc.6 da PI)


W) O facto de o prédio 1ª Recorrida não se destinar em exclusivo à exploração agrícola é irrelevante, se tivermos em conta que, por intermédio da RAN e REN se pretendem selecionar solos numa perspetiva dinâmica e abrangente que, sem descurar o seu aproveitamento agrícola, florestal e ambiental, concilie esses objectivos com outros como o lazer, a paisagem, o turismo rural.


X) Conforme decorre dos factos provados a 1ª Recorrida apresentou um pedido de informação prévia e a Câmara Municipal emitiu informação favorável às obras … da moradia unifamiliar para adaptação em TER (Turismo em Espaço Rural), porque pretende instalar na parte urbana um projeto de turismo rural, com reabilitação e reconstrução do urbano existente. sublinhados nossos


Y) E, independentemente, de destinar a parte urbana ao turismo rural, ou até, à habitação, tal destinação não faz o prédio perder a qualificação de rústico, pois pela área rústica 73.000 m2 dificilmente se pode enquadrar como logradouro, será absurdo qualificar esse terreno composto por 7,3 ha de mato, medronhal e cultura arvense como fazendo parte do logradouro de um prédio urbano.


Z) E a área da parte urbana de 137,70 m2 (e 238,30 m2 após o PIP favorável) seja habitacional ou casa de campo (TER) é fundamentalmente uma utilização com ligação à cultura e não é a cultura que é complemento para a habitação/casa de campo.


AA) Diga-se, por fim, que o PIP aprova somente a ampliação da moradia unifamiliar para adaptação ao TER, somente sobre a parte urbana, pelo que a referência a “zona verde de enquadramento” além de um verdadeiro disparato, seria ilegal por estar situado em área classificada como Rede Natura 2000 e REN. Cfr. PIP à Câmara Municipal de Vila 2, (junto ao Requerimento Refª 12856889 de 18-09-2024)


BB) Porque o TER «São empreendimentos de turismo no espaço rural os estabelecimentos que se destinam a prestar, em espaços rurais, serviços de alojamento a turistas, preservando, recuperando e valorizando o património arquitetónico, histórico, natural e paisagístico dos respetivos locais e regiões onde se situam, através da reconstrução, reabilitação ou ampliação de construções existentes, de modo a ser assegurada a sua integração na envolvente.» E os TER podem ser classificados como Casas de Campo, que são os imóveis situados em aldeias e espaços rurais que se integrem, pela sua traça, materiais de construção e demais características, na arquitetura típica local. Cfr. art. 18.º,n.º1, n.º 3, al. a) e n.º4 do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março. Alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 15/2014 de 23 de janeiro.


CC) Ora, no caso vertente, todos os requisitos do art. 1380º do CC estão preenchi dos, peloque a interpretação e aplicação de que o turismo rural na parte urbana do um prédio misto, é um facto impeditivo do direito de preferência à luz do art. 1381.º, n.º1, al. a) 2.ª parte do CC, constitui uma verdadeira fraude à ratio legis do instituto do direito de preferência.


DD) Doravante, se tal interpretação vencer, qualquer destinação de partes urbanas de prédios mistos, a AL (Alojamento Local), turismo de habitação, turismo rural nas suas diversas categorias de Casas de campo, Agroturismo ou Hotéis rurais, constituição um fim alternativo à cultura do prédio rústico e impede o exercício do direito de preferência por ser um facto impeditivo, assistiremos à morte de tal instituto.


TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, julgá-lo totalmente procedente em matéria de facto e em matéria de direito, revogando a decisão recorrida, e reconhecendo o exercício do direito de preferência da Recorrente, condenar as Recorridas nos termos do pedido.


FAZENDO-SE, ASSIM, A TÃO HABITUAL E COSTUMADA JUSTIÇA. *


A Ré BB contra-alegou, apresentando a seguinte síntese conclusiva:


1. A Apelante violou aspetos de natureza formal em sede de alegações e formulação das respetivas conclusões,


2. Pela análise da peça recursória da Apelante afere-se que aquela não logrou demonstrar o erro de julgamento - quanto à matéria que considera merecer qualificação diversa -, através de fundamentos que tornem patente tal erro pelo que se encontra a mesma inquinada, na sua substância, por inexistência de argumentos ou factos que contrariem o sentido da decisão recorrida.


3. A Apelante, salvo o devido respeito, não prosseguiu a necessária tarefa de sumariar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas e concisas onde deveria, ainda, indicar os fundamentos pelos quais pedem a alteração da decisão recorrida, pelo que, em consequência, tem para si que o Tribunal ad quem se deve eximir de conhecer da pretensão recursória.


4. No caso em apreço, em face do conteúdo das conclusões apresentadas, tidas, pela Apelada, como obscuras, confusas e complexas, constata-se que a Apelante violou violaram o disposto nos artigos 637º, n.º 2 e 639º, n.º 1 do CPC, na medida em que não curou de demonstrar fundamento especifico de recorribilidade nem tão pouco sumariou as suas alegações de recurso com conclusões sintéticos onde deveria indicar quais os fundamentos pelos quais peticiona a alteração da decisão recorrida, devendo, desta feita, improceder o recurso apresentado.


5. Sem prejuízo, elenca a Apelante, na sua pretensão recursória, o erro de julgamento relativamente à matéria de facto (e como tal a impugna) e a violação de disposição legal, erro fundamental e fraude à ratio legis do direito de preferência.


6. As conclusões da Apelante identificadas sobre as alíneas a), b), c), j), k), l), m), n), o), p), q), s) e w), estribam-se em argumentações sobre condicionantes de RAN e REN que o Tribunal recursório não pode conhecer porquanto;


7. Em sede de petição inicial, a Apelante fundamentou a sua pretensão, quanto ao exercício do direito de preferência, na confinância dos prédios de Apelante e Apelada, enquanto prédios rústicos e no encravamento do prédio desta, o que oneraria com uma servidão legal de passagem o prédio da Apelante (art.º 51º a 61º da petição inicial)


8. Quanto ao tema da REN e RAN e antecipando, desde logo a douta sentença recorrida, que a Apelante viesse a aproveitar-se desta menção em concreto o,


9. Da mesma poder ler-se o seguinte pese embora em sede de alegações(entendam-se alegações orais em audiência de julgamento após a discussão da causa), a Autora tenha suscitado a aplicação ao caso do disposto no art.º 26.º da Lei n.º 73/2009, de 31.03 e no DL n.º 166/2008, de 22.08, porque os prédios se inserem em área RAN e REN, não foi com tal fundamento que deduziu o pedido de reconhecimento do direito de preferência. (…) No caso em apreço, é evidente que a pretensão da Autora se resumiu ao reconhecimento do direito de preferência com fundamento na confinância dos prédios rústicos e respectiva afectação e na existência de uma servidão legal de passagem, como analisamos. (…) Não poderá assim, após produção de prova e já em sede de alegações, vir a Autora introduzir outros factos que teriam de ter sido alegados em sede de petição inicial, sujeito a contraditório e a prova (independentemente do seu mérito), pelo que apenas diremos que tal alegação/pretensão não merece apreciação porquanto não deduzida em momento e local adequados.


10. A circunstância de pretender, agora, a destempo, fundar o reconhecimento do direito de preferência no disposto no art.º 26º da Lei 73/2009 de 31.03 (RJRAN) consubstancia uma pretensão que lhe é processualmente vedada, porquanto a invocação de que os prédios se encontram inseridos em RAN consubstancia um facto essencial que carece de alegação em sede de petição inicial, por enformar a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção, já que os factos a que reporta o n.º 2 do art.º 5º do CPC têm- se por referência à causa de pedir que emana daquela peça processual, por obediência à teoria da substanciação.


11. Aliás, em pretensão recursória com fundamento análogo ao ora propugnado pela Apelante, quanto ao tema da RAN e fundado na omissão de pronúncia no âmbito de um direito de preferência em que se pretendia lançar mão do art.º 26º do DL 73/2009 de 31.03 que não havia sido alegado em sede de articulado -, foi decidido pelo STJ, no Acórdão datado de 18.04.2023, no proc. n.º 1205/19.6T8VCD.P1.S1, que não cabe nos poderes de cognição do tribunal da Relação aditar facto essencial não alegado e integrante da causa de pedir, ainda que o mesmo possa resultar do depoimento das testemunhas


12. Mais decidiu que na ausência de um acordo das partes nesse sentido, não podia o tribunal da Relação anular a sentença com base na relevância de factualidade para a procedência da acção, colmatando uma falta de alegação de facto essencial e, nessa medida, beneficiando uma das partes (incumpridora do respectivo ónus de alegação) em detrimento da outra.


13. O mesmo Tribunal, no âmbito dessa decisão foi de entendimento que a situação do prédio dos preferentes, ora Autores/Apelantes se situar na área da RAN é facto constitutivo e primeiro fundamentador da causa de pedir relativamente ao direito de preferência exercido ao abrigo do disposto no art.º 26º do RJRAN.


14. Para efeitos de apreciação da pretensão recursória é relevante referir que o Tribunal recorrido deu como provado que por reporte ao prédio da Apelada (art.º 34 da secção AO), este é composto por 4 parcelas (sendo a n.º 4 urbana, e que a cultura arvense existente na parcela 1 e na parcela 2 é de 0,00% (zero pontos percentuais), a percentagem de mata de medronhos e medronhal existente na parcela 3 é de 15% (quinze pontos percentuais) e a percentagem de área de mato é de 85% (oitenta e cinco pontos percentuais) (facto provado 8).


15. Em face desta prova naturalmente se conclui que o prédio da Apelada não estava a ser utilizado para fins agrícolas já que 85% estava coberto de mato e o demais das parcelas 1 a 3 tem escassa relevância – se não nula -, para a aferição desta destinação,


16. Mais resulta que a Apelada pretendeu com a aquisição dar-lhe um destino que não de cultura e que, por via do pedido de informação prévia, pretende nele implantar na parte urbana um projeto de turismo rural, com reabilitação e reconstrução do urbano existente e onde a parcela rústica seria tratada como zona verde de enquadramento.


17. Tal pretensão é legalmente admissível, tendo sido emitida pela Câmara Municipal de Vila 2, em 30.08.2024, informação prévia favorável condicionada relativa às obras de alteração, legalização e ampliação da moradia, unifamiliar para adaptação em TER (Turismo em Espaço Rural) – Casa de Campo, procedimento urbanístico que a Apelada se encontrava já a impulsionar no ano de 2021.


18. Também com relevo para o sobredito tema invocado, decorre da douta sentença que a Apelante não mantém no prédio misto inscrito na matriz rústica sob o art.º 33, da secção AO, qualquer tipo de cultura (facto provado 27).


19. E, por fim, resultou como não provado que a Apelante desenvolvesse nos seus prédios actividade agroflorestal ou que tenha vindo a exercer actos condicentes com exploração agrícola, e nem sequer procede à limpeza florestal anual, à reabilitação de árvores pré-existentes, à recuperação dos caminhos rurais [factos não provados a) e b)].


20. Tais factos que foram alegados em sede de petição inicial, para alicerçar o direito de preferência da Autora e sucumbiram em sede probatória.


21. Quanto à incorrecção de julgamento do facto n.º 28 e sem prejuízo, quer quanto a este facto, quer quanto ao julgamento do facto 29, se ter de respeitar o principio da livre convicção do julgador previsto no n.º 5 do art.º 607º do CPC, resulta da douta sentença que o decidido teve como fundamento os documentos juntos aos autos pelos Réus, cujo teor não foi impugnado, em conjunto com as declarações de parte da 1ª Ré e do depoimento da testemunha KK, arquiteto que acompanhou desde 2021 o pedido de informação prévia que esta apresentou junto da Câmara Municipal de Vila 2, com vista à instalação de um turismo rural naquele imóvel, o qual recentemente mereceu informação favorável, conforme se documenta nos autos (cf. requerimento de 18.09.2024 e documentação junta).


22. Pelo que, sem prejuízo da data de deferimento daquele pedido, é relevante a circunstância de a Apelada desde o ano da aquisição do prédio ter instigado os procedimentos tendentes à pretensa propugnada, qual seja, a de desenvolvem o mesmo um projecto de turismo em espaço rural.


23. Falecem assim os argumentos expendidos nas conclusões identificados sob as alíneas d), e), f), g), h), i), t) e u).


24. Quanto às demais alíneas, e a alusão a empreendimentos turísticos em espaço rural, o que decorre de relevo da sentença recorrida para a pretensão da Apelante é que a Apelada adquiriu o prédio objecto da pretensão de preferência para instalar na parte urbana um projeto de turismo rural, com reabilitação ere construção do urbano existente e onde a parcela rústica seria tratada como zona verde de enquadramento,


25. A Apelante não cultiva os seus prédios, nem ali desenvolve qualquer actividade agro-florestal ou agrícola, nem procede à limpeza do mesmo.


26. Todos os factos avalizaram o Tribunal a quo a decidir que a Apelada destina o prédio objecto da pretensão de preferência, a um fim diverso da cultura e que existe viabilidade legal para a sua afetação a turismo rural, estando essa afetação englobada nos usos e ações compatíveis com os objetivos de proteção ecológica e ambiental e de prevenção e redução de riscos naturais elencados no Anexo I do RJRAN.


27. A afectação efectiva do prédio assume relevo determinante para efeitos da excepção prevista na segunda parte da alínea a) do artigo 1381.º do CC, que afasta o direito de preferência quando o prédio se destinar a fim diferente da agricultura.


28. Saliente-se ainda que o critério relevante para aplicar a excepção prevista no artigo 1381.º do CC não é o uso actual do terreno, mas sim a finalidade projectada pelo adquirente, desde que esta seja legalmente admissível.


29. Como tal, a prova da intenção de afectação diversa da cultura deve ser acompanhada da demonstração de que essa alteração de uso é permitida pelo ordenamento jurídico em vigor.


30. A jurisprudência do STJ tem afirmado que é exigível ao adquirente alegar e demonstrar (i) a intenção de destinar o prédio a fim diferente da cultura, e (ii) que essa afectação é legalmente possível.


31. Também de acordo com a mais insigne doutrina, nomeadamente Henrique Mesquita e Carlos Ferreira de Almeida, afectação a finalidade não agrícola deve resultar de uma decisão administrativa fundamentada, mormente o pedido de informação prévia deferido é suficiente para integrar a excepção prevista no art.º 1381º n.º 1, al. a), do CC afastando o direito de preferência.


32. Em face do exposto, não merece censura a decisão recorrida, devendo ser mantida na íntegra.


33. Sem prejuízo, e na circunstância de proceder a pretensão de preferência da Apelante quanto ao prédio da Apelada, sempre o Tribunal ad quem terá, salvo o devido respeito, que se pronunciar sobre o pedido reconvencional deduzido declarando-o procedente em face da matéria de facto provada, quanto ao preço pago pela aquisição (facto provado 22).


Face a todo o exposto deve improceder a Apelação, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida, assim se fazendo a costumada Justiça!”


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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.


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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Questões a decidir.


O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:

i. Da alteração da matéria de facto;

ii. Reapreciação da decisão jurídica da causa, no sentido de se apurar se estão reunidos os requisitos de procedência da ação, de reconhecimento do direito de preferência invocado pela Autora.

De salientar que o recurso não se dirige à parte da sentença que declarou a nulidade por simulação do negócio de compra e venda em causa e ao cancelamento do respetivo registo de aquisição, Pois apenas a Autora recorreu e dirige a sua oposição ao não reconhecimento do direito de preferência na sobredita compra e venda.

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III – Fundamentação


III.1. Fundamentação de Facto.


III.1.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos


1- A Autora tem inscrita a seu favor a aquisição do prédio misto, sito em Local 3, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 2 com o n.º 1452, da freguesia de Local 2, inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 33 da secção AO e na matriz predial urbana sob o art.º 1059 da mesma freguesia (cf. docs 1 e 3 juntos com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


2- Este prédio possui uma área total de 5,475 ha, confrontando de norte com LL e MM a nascente com herdeiros de NN, a sul com herdeiros de OO e a poente com PP e é composto por cultura arvense, citrinos, medronhal, mato e sobreiros e uma casa térrea com a área de 162,50m2 composta por 4 divisões destinadas a palheiro e 1 destinada a cavalariça e palheiro (cf. docs 1 e 3 juntos com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


3- A Autora tem inscrita a seu favor a aquisição do prédio rústico, sito em sito em Local 3, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 2 com o n.º 52, da freguesia de Local 2, concelho de Vila 2, inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 36- Seção AO, da mesma freguesia (cf. docs 2 e 4 juntos com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


4- Este prédio possui uma área total de 0,25 ha, confrontando de norte com MM, a nascente com herdeiros de OO e herdeiros de QQ, a sul com herdeiros de RR e a poente com ribeira e é composto por cultura arvense e citrinos (cf. docs 2 e 4 juntos com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


5- A 1.ª Ré tem inscrita a seu favor a aquisição do prédio misto, denominado C...T..., situado em Local 3, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 2 sob o n.º 75, da freguesia de Local 2, inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 34 da secção AO e na matriz predial urbana sob o art.º 1170, da mesma freguesia (cf. docs 5 e 6 juntos com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


6- Este prédio tem uma área total de 7,3ha, confrontando de norte com SS, a nascente com TT, a sul com RR e outros e a poente com herdeiros de UU e é composto por cultura arvense, medronhos e mato e uma casa térrea com 4 divisões destinada a habitação, com a área de 137,70 m2 e 2 compartimentos destinados a cavalariça e arrecadação (cf. docs 5 e 6 juntos com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


7- Da matriz predial rústica atinente ao art.º 34 da secção AO da freguesia de Local 2, concelho de Vila 2, consta que a parte rústica do prédio é composto por quatro parcelas a saber:


-Parcela 1 – cultura arvense, com a área de 1,036200ha;


- Parcela 2 – cultura arvense, com a área de 0,600000ha;


- Parcela 3 – mata de medronhos, com a área de 0,848000ha;


- Parcela 3 – mato, com a área de 4,0802000ha,


- Parcela 4 – onde se encontra implantado um urbano com a área de 0,013800ha (correspondente ao art.º 1170 da freguesia de Local 2) (cf. doc 5 junto com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


8- A cultura arvense existente na parcela 1 e na parcela 2 é de 0,00% (zero pontos percentuais), a percentagem de mata de medronhos e medronhal existente na parcela 3 é de 15% (quinze pontos percentuais) e a percentagem de área de mato é de 85% (oitenta e cinco pontos percentuais), com um valor patrimonial de €774,20 (cf. doc 5 junto com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


9- Da matriz urbana do art.º 1170 resulta que é um prédio urbano térreo composto de 4 divisões, destinado a habitação e 2 compartimentos destinados a cavalariça e arrecadação, com um valor patrimonial de €36.154,30 (cf. doc 1 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


10- As construções existentes nos prédios identificados em 1. e 5. não constituem casa de morada da Autora ou da 1ª Ré e dos seus agregados familiares.


11- Destinando-se primordialmente a servir de apoio à exploração agrícola e florestal.


12- Os prédios rústicos inscritos sob os art.ºs 33, 34 e 36 da freguesia de Local 2 são contíguos entre si.


13- A 1ª Ré não é proprietária de prédio rústico contíguo com aqueles.


14- Os prédios rústicos inscritos sob os artºs 33, 34 e 36 da freguesia de Local 2 não possuem acesso direto à via pública (EN 267), sendo a ligação efetuada através de atravessadouros.


15- O acesso do prédio rústico inscrito sob o art.º 34º à via pública pode ser realizado através de um caminho atravessadouro existente na zona confinante com a extrema Este e que liga a outros atravessadouros que existem no local.


16- OO faleceu no dia ........2011 e deixou como herdeiras o cônjuge sobrevivo VV e as quatro filhas CC, EE, GG e HH (cf. docs 9 e 11 juntos com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


17- Do acervo hereditário faziam parte 3 (três) imóveis:


Verba nº 1: Prédio rústico, denominado A..., sito em Local 4, freguesia de Local 2, concelho de Vila 2, composto por cultura arvense, oliveiras, eucaliptal, com a área total de 8280 m2, a confrontar do nascente: Cemitério e WW; norte: carrileira; poente e sul: DD, descrito sob o no 00018/141185, da Conservatória do Registo Predial de Vila 2, inscrito atualmente na matriz sob o artigo 63 secção AS (anterior artigo 4231), sobre o qual incide registo a favor do autor da herança pela apresentação 02 de 14/11/85;


Verba n.º 2: Prédio misto, denominado C...T..., sito em Local 3, freguesia de Local 2, concelho de Vila 2, com a área total de 73 000 m2, composto por cultura arvense, medronheiros, mato, sobreiros com inclusão de casa térrea com 4 divisões destinada a habitação e 2 compartimentos destinados a cavalariça e arrecadação, a confrontar do norte: SS, sul: RR e outros, nascente: TT, Poente: Herdeiros de UU, descrito sob o no 75/19860326, da Conservatória do Registo Predial de Vila 2, inscrito na matriz sob o artigo urbano 11 70, e artigo rústico 34 secção AO, sobre o qual incide registo a favor do autor da herança pelas apresentações 04/19860326, 05/19860326 e 02/19860728;


Verba n.º 3: Prédio rústico, sito em Local 5, freguesia de Local 2, concelho de Vila 2, composto por cultura arvense, mato, pomar de citrinos, com a área total de 16 500 m2, a confrontar a norte: SS e outros; Sul: Herdeiros de XX e outros; nascente: Ribeira; Poente: herdeiros de XX e outros, descrito sob o no 00076/260386, da Conservatória do Registo Predial de Vila 2, inscrito atualmente na matriz sob o artigo 39 secção AO (anterior artigo 3471 sobre o qual incide registo de aquisição a favor do autor da herança pelas apresentações 04/260386, 05/260386 e 02/280786;


E dois móveis sujeitos a registo:


Verba n.º 4: ciclomotor, com a marca Vanguarda, matrícula ..-CR-54 e


Verba n.º5: ciclomotor, com a marca E.A.S., matrícula ..-CR-62 (cf. doc 11 junto com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


18- As Rés CC, DD, EE, FF, GG e HH e VV celebraram escrituras públicas de partilha e de doação, no dia 12.08.2021, no Cartório Notarial da Dra. JJ, em Vila 1, lavradas a fls. 130 a 131v e a fls. 132 a 135v do Livro de Notas para Escrituras Diversas (cf. docs 10 e 12 juntos com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


19- Através das quais a Ré CC adquiriu a totalidade do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 63 - Seção AS, da freguesia de Local 2 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 2 com o n.º 18 da freguesia de Local 2, denominado “A...”, situado em Local 4, freguesia de Local 2, concelho de Vila 2 e a Ré HH adquiriu o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 39- Seção AO, da freguesia de Local 2 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 2 com o n.º 76 da freguesia de Local 2, situado em Local 5, freguesia de Local 2, concelho de Vila 2 (cf. docs 10 e 12 juntos com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


20- As Rés EE e GG foram integradas em dinheiro, na sua meação e no seu quinhão hereditário, recebendo tornas (cf. doc 10 junto com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


21- As aquisições, por partilha, foram apresentadas a registo no dia 12.10.2021 (cf. docs 13 e 15 juntos com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


22- Por escritura pública lavrada no dia 28.10.2021, no Cartório Notarial de cargo da Notária JJ, em Vila 1, a fls.26 a 28v do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 10, a 1ª Ré declarou comprar e os restantes Réus declararam vender, pelo preço de €165.000,00, o quinhão hereditário que estes possuíam na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de OO (cf. doc 8 junto com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


23- O sinal no valor de €16.500,00 como antecipação ou princípio de pagamento do preço dos quinhões hereditários foi entregue pela 1.ª R. aos restantes Réus no dia 28.07.2021, no valor unitário de €4.125,00 (quatro mil cento e vinte e cinco euros) através de transferência bancária da conta ordenante da compradora com o ... para cada uma das contas bancárias individualmente tituladas pelas Rés (cf. doc 8 junto com a petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


24- Os Réus não comunicaram à Autora o projeto de venda nem as cláusulas do contrato de compra e venda dos quinhões hereditários.


25- Através da escritura de compra e venda dos quinhões hereditários as Rés vendedoras pretendiam apenas alienar à 1ª Ré o prédio misto identificado em 5..


26- Acordando com a 1ª Ré a realização dessa escritura de compra e venda do quinhão hereditário de modo a que a Autora não pudesse exercer o direito de preferência.


27- A Autora não mantém no prédio misto identificado em 1. qualquer tipo de cultura.


28- A Ré BB adquiriu o prédio misto identificado em 5. para instalar na parte urbana um projeto de turismo rural, com reabilitação e reconstrução do urbano existente e onde a parcela rústica seria tratada como zona verde de enquadramento.


29- Apresentado pela 1ª Ré pedido de informação prévia acerca desse projeto, pela Câmara Municipal de Vila 2 foi emitida informação prévia favorável condicionada relativa às obras de alteração, legalização e ampliação da moradia unifamiliar para adaptação em TER (Turismo em Espaço Rural)- Casa de Campo (cf. doc junto em req. datado de 18.09.2024, cujo teor se dá por reproduzido).

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III.1.2. E consideraram-se como não provados os seguintes factos [assinalando-se os factos alterados]:


a) a Autora desenvolve nos prédios de sua propriedade atividade agroflorestal e tem vindo a aumentar o número e variedade de espécies arbóreas plantadas;


b) a Autora procedeu à limpeza florestal anual, reabilitado as árvores pré-existentes, recuperado e/ou abrindo caminhos rurais/florestais que atravessam os prédios;


c) em consequência da partilha e da doação a herança aberta por óbito de OO passou, a partir de 12.08.2021, a ser composta em exclusivo pelo prédio rústico inscrito sob o art.º 34.º;


d) o acesso do prédio rústico inscrito sob o art.º 34 à via pública realiza-se pelo caminho que atravessa os prédios rústicos inscritos sob o art.º 33 e 36;


e) a Ré BB pagou o montante de €12.795,00 de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas, Imposto do Selo, emolumentos notariais e registo predial.

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III.2. da impugnação da matéria de facto


Refere a Apelante que o Tribunal devia ter aditado à lista de factos provados um ponto 30 com o seguinte teor: Os prédios id. 1 a 9 estão inseridos no Plano Diretor Municipal de Vila 2 com as seguintes condicionantes: Espaço Florestal, Reserva Agrícola Nacional (RAN) e Reserva Ecológica Nacional (REN) e Rede Natura 2000.


Refere que tal facto resulta do relatório pericial.


Para além disso, no entender do Recorrente o Facto Provado n.º 28 deveria ter a seguinte redação: «A Ré BB adquiriu o prédio misto identificado em 5. para instalar, num primeiro momento, a sua casa de morada de família, e posteriormente, em 2024, desenvolver em simultâneo, um projeto de turismo rural.» e o Facto Provado n.º 29 deveria ter a seguinte redação: «Apresentado, em 2024, pela 1ª Ré pedido de informação prévia acerca desse projeto, pela Câmara Municipal de Vila 2 foi emitida, em 20-08-2024, informação prévia favorável condicionada relativa às obras de alteração, legalização e ampliação da moradia unifamiliar para adaptação em TER (Turismo em Espaço Rural)- Casa de Campo.»


Por via das pretendidas alterações pede a reapreciação de direito, pugnando pela procedência da ação.


Tendo a Autora/Recorrente indicados os factos impugnados, o sentido decisório das alterações pretendidas e, bem assim, as provas em que funda as pretendidas alterações, com indicação, no que à prova gravada se reporta, das passagens das gravações que tem por pertinentes, deram cumprimento aos ónus de impugnação a que estão adstritos os recorrentes na impugnação da matéria de facto, como previsto nas alíneas a) a c) do n.º 1, e na alínea a) do n.º 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil, importa, pois, apreciar a impugnação da matéria de facto.


Tarefa que cumpre levar a cabo, tendo em consideração o princípio da livre apreciação da prova, conforme decorre do artigo 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil, ao estatuir que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”.


Assim, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da apreciação das provas previsto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respetiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo, a qual não se funda meramente na prova oral produzida, sendo a mesma conjugada com todos os demais meios de prova que a podem confirmar ou infirmar, e apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas, sendo que o rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte.


Deve ainda ter-se em conta que o art.º 130º do Código de Processo Civil, que proíbe a prática de atos inúteis, tem plena aplicação nesta sede de impugnação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, pelo que a impugnação da matéria de facto deve obedecer a um princípio de utilidade, na medida em que só importa considerar o que poder ser relevante segundo as soluções de direito com que o Tribunal se vai confrontar.


Vejamos então.


No que respeita ao facto que a Apelante pretende ver aditado sob o n.º 30, não lhe assiste razão, porquanto se trata de facto essencial que a Autora não cuidou de alegar, pelo que a respetiva consideração como provado violaria, como se considerou no Acórdão do STJ de 18.04.20232, em que se analisou um caso muito semelhante, “um limite inultrapassável ao dever de gestão processual (quer na sua vertente material, quer na sua vertente formal) que se impõe constitucionalmente ao juiz pelo artigo 20.º, n.º4, da Constituição da República Portuguesa, que radica na obrigação de manter um processo equitativo onde tem de imperar a salvaguarda da imparcialidade do julgador”, por consubstanciar a colmatação de “uma falta de alegação de facto essencial e, nessa medida, beneficiando uma das partes (incumpridora do respetivo ónus de alegação) em detrimento da outra”.


Na verdade, importa salientar que o facto em questão é estranho aos pedidos e causa de pedir formulados na petição inicial, como de resto, nos demais articulados, pois a pretensão de ver reconhecido o direito de preferência em causa nos autos assentou sempre na confinância dos prédios e respetiva afetação, e na existência de servidão de passagem.


E não se diga, como o faz a Apelante, que releva para apurar o destino que pode ser dado ao terreno em causa, porquanto como resulta dos autos, a integração do prédio em área RAN e REN não impede que , submetida junto da Camara Municipal de Vila 2 a pretensão da Ré de instalar na +arte urbana do prédio um turismo rural, com afetação da parcela rústica a zona verde de enquadramento, tenha sido emitida informação prévia favorável nos termos ali previstos.


Tal facto consiste, porém, em facto essencial ao reconhecimento do direito de preferência fundado noutro preceito legal, o artigo 26º da Lei n.º 73/2009, de 31.03 (com as alterações dadas pelo DL n.º 199/2015, de 16.09) que aprovou o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional (“RAN”), já que o n.º1 de tal preceito refere que: “Sem prejuízo dos direitos de preferência estabelecidos no Código Civil e em legislação complementar, os proprietários de prédios rústicos ou mistos incluídos numa área de RAN gozam do direito de preferência na alienação ou dação em cumprimento de prédios rústicos ou mistos confinantes.” Ou seja, a inclusão do prédio de quem se arroga ao direito de preferência na alienação de um prédio confinante estar incluído/situado numa área da RAN é assim um facto essencial à respetiva causa de pedir.


E assim sendo, era ónus da Autora alegar tal facto em sede da petição inicial dos presentes autos e não o fez, nem mesmo no aperfeiçoamento que apresentou.


Não se desconhece que a reforma do processo civil assentou numa “flexibilização do princípio do dispositivo conduzindo a um reforço dos poderes de gestão processual do juiz que não se confinam à gestão formal, abarcando, igualmente, uma gestão material do processo que, no âmbito da decisão de facto, veio permitir que, oficiosamente, o juiz possa tomar em consideração factualidade não alegada pelas partes nos respetivos articulados, possibilidade que encontra previsão no artigo 5.º, do Código de Processo Civil (cf. em particular os números 1 e 2).


Tal preceito mostra-se, no entanto, claro no sentido de dele resultar um inequívoco “não arredar do ónus de alegação das partes quanto aos factos essenciais (n.º 1), que constituam a causa de pedir em que se sustenta o pedido do autor (cfr. artigo 552.º, n.º1, alínea d), do CPC) ou em que se fundamentem as excepções invocadas pelo réu (cfr. artigo 572.º, alínea c), do CPC).


Esta obrigatoriedade que impende sobre as partes de introduzir no processo os factos essenciais não se estende, porém, a outros factos pois, segundo o citado artigo 5.º, do CPC, a lei concede ao juiz a faculdade de, oficiosamente, introduzir no processo quer os factos instrumentais (n.º 2, alínea a)), quer os complementares e concretizadores (n.º 2, alínea b)) que resultem da produção de prova e, bem assim, os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (n.º 2, alínea c)).


É, pois, nesta diferenciação de categorização de factos (essenciais, instrumentais, complementares ou concretizadores e notórios) que se circunscreve o âmbito do poder de gestão material do juiz, sendo que, apenas relativamente aos primeiros – os essenciais (que, sublinhamos, quanto ao autor, constituem e individualizam a causa de pedir; quanto ao réu, fundamentam as excepções invocadas), a lei fez permanecer o princípio do dispositivo na sua plenitude, fazendo recair sobre as parte um dever de alegação sob pena de preclusão3.”(destacados nossos).


Tratando-se, pois de facto indubitavelmente essencial à pretensão não oportunamente formulada, e não instrumental nem concretizador ou complementar, atento o que preceitua o n.º1 do artigo 5.º do CPC, subscreve-se a decisão do tribunal a quo de não incluir o mesmo na matéria de facto.


Assim sendo, verificando-se que a Autora incumpriu o seu dever de alegação de tal facto, não pode deixar de se concluir pelo naufrágio da pretensão recursiva neste ponto.


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No que concerne aos pontos 28 e 29 dos factos provados, tendo-se procedido à audição de toda a prova produzida em audiência e à respetiva conjugação com toda a prova documental e pericial junta aos autos, da concatenação de toda a prova assim produzida, não pode discordar-se do juízo probatório realizado pelo Tribunal Recorrido.


Como se refere na motivação da decisão de facto:


“No que respeita aos factos vertidos nos pontos 28 e 29, o decidido teve como fundamento os documentos juntos aos autos pelos Réus, cujo teor não foi impugnado, em conjunto com as declarações de parte da 1ª Ré e do depoimento da testemunha KK, arquiteto que acompanhou desde 2021 o pedido de informação prévia que esta apresentou junto da Câmara Municipal de Vila 2, com vista à instalação de um turismo rural naquele imóvel, o qual recentemente mereceu informação favorável, conforme se documenta nos autos (cf. requerimento de 18.09.2024 e documentação junta).


Donde, da conjugação destes elementos de prova, foi considerada como provada a referida matéria de facto, cujo ónus de prova incumbia aos Réus.”


Ora, os meios de prova referidos não permitem considerar demonstrada a pretendida distância temporal entre a intenção de construir no prédio uma habitação ou uma unidade de turismo rural, nem que a intenção de destinar o prédio a construção de tal unidade apenas data de 2024, antes resultando da prova produzida que tal intenção da Ré BB pre-existia à aquisição do prédio.


Na verdade, a prova documental relativa a estes pontos tem de ser enquadrada pelo depoimento do Arquitecto KK, que referiu ter sido contactado pela Ré BB ainda antes da aquisição da propriedade, em meados de 2021 para discutir a viabilidade de projeto de arquitetura de turismo em espaço rural para o terreno, depois novamente em 2022 para falar sobre os orçamentos, tendo o arquiteto em causa acompanhado toda a elaboração do projeto e a submissão do mesmo à Câmara, que o projeto se concretizou em 2023 depois de demoradas pesquisas sobre o prédio original, e foi submetido à Camara em 2024, foi também apresentado à Reserva Ecológica, tendo parecer positivo e foi objeto de parecer favorável final pela Câmara.


Esclareceu que se trata de projeto de turismo em espaço rural e esclareceu que a decisão da Câmara Municipal consubstancia um pedido de informação prévia vinculativo, que lhe permite já implementar e avançar com a obra.


A conjugação deste depoimento com a prova documental, designadamente com o ofício da Camara Municipal de Vila 2 junto com o requerimento de 18.09.2024 permite com razoabilidade concluir que a intenção de destinar o prédio à construção de uma unidade de Turismo em Espaço Rural se verificava à data da aquisição do prédio pela Ré, o que, perante a confirmação da viabilidade da construção torna irrelevante a intenção de destinação a habitação.


Improcede, pois, também nesta parte a pretensão recursiva.


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III.4. Reapreciação jurídica da causa:


No segmento impugnado da sentença, pretende a Apelante ver reconhecido o direito de preferência na aquisição do prédio em causa nos autos, com fundamento na confinância dos prédios de que é proprietária, com os mesmos.


Como é sabido, e foi esclarecido na decisão recorrida, decorre do artigo 1380º, n.º 1, do Código Civil, em síntese, que gozam reciprocamente de direito de preferência “os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”; prefere o “que estiver onerado com servidão de passagem”, ou o que “pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura”; em igualdade de circunstâncias é por licitação.


E também se explicitou na decisão recorrida que não há direito de preferência dos proprietários dos terrenos confinantes, “quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a outro fim que não cultura”, cf. art.º 1381.º do Código Civil.


Na sentença recorrida, depois de se ter expressado devidamente em que consiste o direito de preferência, reconheceu-se perante o complexo factual provado nos autos que e se verificava que o prédio em apreço tem área inferior à unidade de cultura para esta zona, tal como estava provado que os prédios da Autora são confinantes com aquele, pelo que estava preenchido o requisito da procedência do pedido dos autos decorrente do preceituado no n.º1 do art.º 1380.º, do Código Civil.


Mais se julgou verificado que a Ré BB não era proprietária de prédio confinante com aquele e que não foi comunicado à Autora qualquer projecto de venda, tendo-se, ao invés, demonstrado que nenhum dos Réus comunicou previamente aos autores o projecto de venda e cláusulas do contrato, nomeadamente o preço, condições de pagamento e identificação dos compradores. Tendo também julgado que não resultou demonstrado que ao autor tenham sido comunicados os elementos essenciais da venda e cláusulas da mesma, em termos de poder afirmar-se que houve uma renúncia eficaz ao direito de preferência.


Julgou depois, a 1.ª instância, verificada a exceção a tal direito de preferência, tal como definida no art.º 1381.º, al. a) do Código Civil, pois do complexo factual provado nos autos resultou provado que a primeira Ré adquiriu tal prédio para aí construir uma unidade de Turismo Rural e que tal prédio dispõe de capacidade construtiva para tal fim, logo o objetivo ou fim da aquisição é viável e lícito, ou seja, permitido pelas normas gestão territorial, aplicáveis, já que entendemos que para os fins de exclusão do direito de preferência a que alude o preceito em apreço (natureza ou destino do prédio a algum fim que não a agricultura) é admissível qualquer meio de prova, devendo essa prova evidenciar-se de atos palpáveis que traduzam uma intenção séria do fim concreto que se propõe dar ao prédio, o que no caso dos autos, se verifica.


Bem andou, pois, o Tribunal Recorrido ao julgar tal pretensão improcedente. De resto, a Apelante fundou a revogação da decisão recorrida na procedência da impugnação da matéria de facto, pelo que tendo essa impugnação da decisão da matéria de facto proferida em 1.ª instância sido julgada totalmente improcedente, não resta senão confirmar a decisão recorrida neste ponto.


O mesmo se diga relativamente à pretensão de ver reconhecido o direito de preferência com base na existência de servidão de passagem, cuja existência, igualmente se não provou.


Finalmente, como já acima se fez referência, nas alegações de recurso faz a Apelante referência ao direito previsto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, que estipula um direito legal de preferência incidente sobre a transmissão de prédios rústicos ou mistos incluídos numa área RAN”.


Estatui o referido art.º 26.º n.º1, sob a epígrafe Direito de preferência, que:

“1 - Sem prejuízo dos direitos de preferência estabelecidos no Código Civil e em legislação complementar, os proprietários de prédios rústicos ou mistos incluídos numa área da RAN gozam do direito de preferência na alienação ou dação em cumprimento de prédios rústicos ou mistos confinantes.

2 - Os proprietários dos prédios rústicos ou mistos inseridos na RAN que os pretendam vender, comunicam por escrito a sua intenção aos confinantes que podem exercer o seu direito nos termos dos artigos 416.º a 418.º do Código Civil.

3 - No caso de violação do prescrito nos números anteriores é aplicável o disposto no artigo 1410.º do Código Civil, excepto se a alienação ou dação em cumprimento tiver sido efectuada a favor de um dos preferentes”.

O citado art.º 26.º remete, no seu n.º 2, para os art.ºs 416.º a 418.º do Código Civil, relativos ao pacto de preferência e, no seu n.º 3, para o art.º 1410.º do mesmo Código Civil, relativo à ação de preferência.


Como já acima se deixou claro, no caso em apreço nos autos, e face às regras de distribuição do ónus de alegação e prova estatuídas nos artigos 5º do Código de Processo Civil e 342.º do Código Civil, pretendendo a Autora/Apelante exercer o seu direito de preferência relativamente à venda operada, incumbia-lhe o ónus de alegar para que depois se pudesse considerar provados, factos integradores dos pressupostos supra indicados, que configuram os elementos constitutivos do direito de preferência decorrente do preceito invocado – ou seja, a alienação de prédio rústico inserido numa área da RAN que é confinante com prédio rústico também inserido numa área da RAN, para depois permitir aos Réus pronunciar-se sobre tal pedido, designadamente alegar e provar os factos impeditivos daquele direito de preferência.


Todavia, e como acima já se deixou consignado a Autora omitiu a alegação de qualquer facto essencial e constitutivo desse seu agora e tardiamente invocado direito – ou seja, omitiram a alegação de que quer o seu, quer o dos autos se situam ou está inserido numa área da RAN, pelo que “sibi imputet” já que essa omissão de fundamentação da causa de pedir determina, sem mais, a improcedência desse seu pedido.


Improcedem, por isso, na sua totalidade, as conclusões das alegações.

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IV. Decisão


Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência em manter a sentença recorrida.


Custas pela Apelante.


Registe e notifique.


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Évora,

Ana Pessoa

Sónia Moura

Maria João Sousa e Faro

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1. Da responsabilidade da relatora.↩︎

2. Proferido no âmbito do processo n.º 1205/19.6T8VCD.P1.S1↩︎

3. Cf. o Acórdão do STJ citado e ainda os Acórdãos do mesmo Tribunal de 10.01.2023, proferido no âmbito do processo n.º 2834/18.0T8STR.E1.S1 e de 07.10.2025, proferido no âmbito do processo n.º 1315/24.8T8PRT-B.P1.S1.↩︎