Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | AMPLIAÇÃO DO PEDIDO COMPRA E VENDA ERRO-VÍCIO CUMPRIMENTO DEFEITUOSO | ||
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Data do Acordão: | 06/28/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I – O pedido pode ser ampliado até ao encerramento da discussão em 1ª instância, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, mas não se constituir uma mera decorrência da falta da sua formulação logo na petição inicial, altura em que o autor já sabia da existência das circunstâncias nas quais baseia tal ampliação. II – O facto do 1º réu assegurar à autora que a casa estava bem e solidamente construída, sem defeitos ou vícios e que permita boas condições de habitabilidade, não permite qualificar de dolosa a atuação daquele réu, pois essa é uma garantia que se espera de qualquer construtor/vendedor. III - No limite, este comportamento do réu configuraria um caso de dolus bonus, o qual pode ser assim classificado quando o deceptor recorre a artifícios ou sugestões usuais, consideradas legítimas, segundo as conceções dominantes no comércio jurídico. IV - Se o engano incide sobre a identidade ou a substância do objeto negocial aplica-se o regime geral do erro; pelo contrário, se há equívoco com respeito à qualidade daquele tipo de bem, encontram aplicação as regras do cumprimento defeituoso. V - Quando na compra e venda, o alienante tenha sido também o construtor do imóvel (vendedor e construtor), mas inexista e apesar de inexistir empreitada entre ele e o comprador, aos defeitos da coisa transmitida deve aplicar-se o regime do art. 1255º e não o dos arts. 916º e 917º do Código Civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO AA instaurou ação declarativa, com processo ordinário, contra BB e mulher CC, e Banco DD, S.A., pedindo que: a) seja declarado que o contrato de compra e venda celebrado ente a autora e os 1ºs réus em 28.05.2007 é simulado quanto preço e que o mesmo é válido com o preço dissimulado de € 185.000,00; b) seja anulado esse mesmo contrato de compra e venda, por dolo dos 1ºs réus, ou caso tal não se prove, por erro e, em consequência e em ambos os casos, sejam os mesmos réus condenados a pagar à autora a quantia de € 228.295,50, que engloba a restituição do preço efetivamente pago e a indemnização pelos prejuízos ocorridos e liquidados até ao presente e ainda, no que se liquidar em execução de sentença, ordenando-se o cancelamento do registo a favor da autora; c) subsidiariamente, seja declarado resolvido o dito contrato de compra e venda, por culpa exclusiva dos 1ºs réus e estes condenados no pagamento da referida indemnização e, d) subsidiariamente, sejam os 1ºs réus condenados a procederem à eliminação dos defeitos/vícios e da falta de qualidade necessária à casa para o fim habitacional, no prazo de 4 meses e ainda na indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela autora no valor de € 16.929,18 e no que se liquidar em execução da sentença: e) sobre todas as indemnizações acima referidas recaiam juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. Para tanto alegou: - a autora celebrou com os 1ºs réus, em 19.08.2006, um contrato promessa pelo qual prometeu comprar àqueles réus, e estes prometeram vender-lhe, livre de ónus ou encargo, um prédio urbano constituído por uma moradia familiar, que estava a ser edificada num lote de terreno sito na Estrada …, em Marinhais, concelho de Salvaterra de Magos, pelo preço de € 185.000,00; - por contrato celebrado em 28.05.2007, os 1ºs réus declararam vender à autora, que por sua vez declarou comprar-lhes o referido prédio urbano para habitação pelo preço de € 165.000,00, prédio esse que se encontra registado a favor da autora e com hipoteca a favor do réu Banco (2º réu) para garantia do empréstimo de € 165.000,00 contraído pela autora para aquisição da dita moradia; - o preço querido pela autora e réus e efetivamente pago por aquela foi de € 185.000,00, sendo que a declaração na escritura de compra e venda de um preço inferior ao efetivamente pago pela autora, teve como intuito enganar a Fazenda Nacional. - em finais do ano de 2007 a autora notou o aparecimento de vários defeitos/deficiências na moradia que tornavam impossível nela viver, tendo comunicados imediatamente tais defeitos aos 1ºs réus, que os reconheceram e aceitaram, obrigando-se à sua eliminação; - embora os 1ºs réus tenham aberto um buraco onde colocaram uma manilha, a fim de tentar drenar a água existente no subsolo da casa, a situação não ficou resolvida, pelo que, em 18.01.2008, a autora enviou àqueles réus uma carta a denunciar a existência de novos defeitos, solicitando a reparação urgente dos mesmos, mas aqueles nada fizeram. - em finais de Fevereiro de 2008 a autora deixou de residir na moradia, dada a falta de salubridade e habitabilidade da mesma com nível elevadíssimo de humidade no seu interior que afetava o estado de saúde da autora, tendo os 1ºs réus, que tinham pleno conhecimento dos defeitos/vícios e da falta de qualidade da moradia, induzido a autora a em erro, tenho-lhe assegurado que a casa era solidamente construída, sem defeitos ou vícios. - em consequência do sucedido, a autora sofreu e sofre grande desestabilização emocional e preocupações, é grande a sua angústia e enorme a sua tristeza, tanto por não poder habitar a casa como por ter deixado de viver no local e ali refazer a sua vida pessoal e profissional, tem frequentes crises de choro, desinteressou-se de tudo e de todos, perdendo gosto pela vida. Contestaram todos os réus. Os 1ºs réus impugnaram os factos e deduziram pedido reconvencional pedindo a condenação da autora no pagamento da quantia de € 1.177,73 a título de danos patrimoniais correspondente ao remanescente do preço pela construção de um anexo e de € 75.00,00 a título de danos não patrimoniais resultante da atuação da autora que os difamou e ameaçou. O 2º réu impugnou também a factualidade alegada, e por entender haver no caso concreto uma união (interna) de contratos (compra e venda e empreitada), em sede de reconvenção pediu a condenação da autora no pagamento integral da quantia mutuada e respetivos juros e outras quantias a que haja lugar no caso de anulação ou resolução do contrato de compra e venda. A autora replicou, defendendo a improcedência da reconvenção deduzida pelos 1ºs réus e a procedência da reconvenção do 2º réu, apenas no caso de procedência dos pedidos de anulação ou resolução do contrato de compra e venda. Realizada a audiência preliminar, foi aí proferido despacho saneador tabelar, com subsequente seleção da matéria de facto assente e da base instrutória, a qual foi objeto de reclamação da autora, totalmente desatendida. Instruído o processo, seguiram os autos para julgamento, sendo a final proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: «Pelo explanado: Julgo a presente acção parcialmente procedente nos termos sobreditos e, em consequência: I – Declaro válida a compra e venda do imóvel sito em …, freguesia de Marinhais, concelho de Salvaterra de Magos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos, sob o nº …/Marinhais, inscrito na respectiva matriz sob o artigo provisório …, incluindo a cláusula do preço real pelo montante de €185.000,00 e, consequentemente, nula a cláusula de preço simulada constante da escritura. II - Condeno os R.R. BB e CC: A)- A procederem à reparação/eliminação dos defeitos existentes no prédio urbano sito em …, freguesia de Marinhais, concelho de Salvaterra de Magos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o nº …/Marinhais, inscrito na respectiva matriz sob o artigo provisório … e registado a favor da A. pela inscrição G-2, contemplando a verificação da estrutura do mesmo, a drenagem e impermeabilização dos pavimentos e a eliminação de pontes e reforço do isolamento térmico: 1)- Proceder à drenagem do solo de fundação da moradia e do logradouro de forma permanente fazendo baixar significativamente o nível freático. 2)- Substituir a pintura exterior das fachadas, por uma pintura que, para além das necessárias características de impermeabilidade, seja tolerante à difusão do vapor de água que se venha a gerar no interior da habitação, incluindo a reposição ou substituição (consoante os casos) de materiais, dos revestimentos e pinturas. 3)- Proceder à impermeabilização, pelo exterior, das vigas de fundação e drenagem em torno destas vigas, arranque das paredes exteriores, com emulsão betuminosa e revestimento com membrana polimétrica e camada drenante granular em polietiano e geotêxtil. E sendo caso, - Proceder à remoção dos revestimentos e betonilha do piso térreo e executada a escavação de uma caixa com a altura mínima de 35 cm, com valas e tubos de drenagem geodreno, tubos de drenagem esses que deverão ser ligados por caixas de visita, a efectuar, e finalmente à caixa de recolha de águas pluviais. - E na execução novo pavimento sobre betonilha armada hidrofugada com endurecedor, proceder à execução de enrocamento e massame ou laje de pavimento sobre caixa de ar e à impermeabilização do pavimento com membrana polimérica, isolamento térmico com poliestireno extrudido de alta densidade e tecido separador de poliéster. 4)- Substituir as carpintarias interiores e mobiliário em madeira. 5)- Proceder à pintura das paredes interiores. Fixo em seis meses, a contar do trânsito em julgado da presente sentença, o prazo para os R.R. procederem à determinada reparação. B)- No pagamento à A. AA, da quantia de €10,23 (dez euros e vinte e três cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento. E da quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, a contar desta data, até integral e efectivo pagamento. III- Absolvo os R.R BB e mulher CC dos demais pedidos que a A. contra si formulou. IV- Julgo improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos R.R., BB e CC e em consequência, dele absolvo a A.» Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os 1ºs réus e a autora, esta subordinadamente, para este Tribunal da Relação de Évora, recursos que foram admitidos como apelação e com efeito devolutivo. Os recorrentes principais alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: «1ª - Por douta sentença proferida nos autos em 11/03/2016, foram os Réus condenados, para além do mais, a procederem à reparação/eliminação dos defeitos existentes no prédio dos autos. 2ª - O inconformismo dos Réus é tão somente na condenação à reparação/ eliminação dos defeitos existentes no prédio dos autos. 3ª - Em sede de factos provados (33) o Tribunal a quo deu por provado que a Autora em meados do ano de 2008 deixou de residir na casa dos autos. 4ª - Foi por causa do abandono da causa dos autos por parte da Autora que se verificam a maior parte dos danos, nomeadamente, os descritos na decisão II – A 1, 2 e 3. 5ª - Por outro lado, provou-se (22), que em 03/12/2004, a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos no Local onde a moradia dos autos foi construída, constatou a existência de uma vala confinante com a Estrada Militar que não se encontrava implantada nos projectos camarários aprovados. 6ª - Provou-se também (1) que em 07 de Agosto de 2006, o Réu BB requereu e a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos passou o Alvará de Obras nº … – Licença de Construção para a moradia dos autos. 7ª - Daquela Licença de Construção (1) nem de qualquer outro documento emitido pela Câmara Municipal de Salvaterra de Magos não se faz menção da existência daquela vala (22). 8ª - Por isso, os Réus não podem ser responsabilizados pelos danos causados por aquela vala (22) na moradia dos autos. 9ª - Só a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos é que deve responder pelos danos causados no prédio dos autos pela existência da referida vala e não também os Réus. 10ª - Os Réus não são responsáveis pelos alegados defeitos na moradia dos autos. 11ª - Pelo que o Tribunal à quo deveria ter absolvido totalmente os Réus da reparação/eliminação dos vícios de construção. NESTES TERMOS, E nos mais de direito que mui doutamente serão supridos, deve receber-se o presente recurso, julgando conforme for de direito. ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA». A recorrente subordinada (autora) alegou formulando as seguintes conclusões: «1 - A ampliação dos primitivos pedidos de anulação e subsidiário de resolução do contrato de compra e venda outorgado entre a Apelante e os 1ºs R.R., que consiste na anulação e subsidiariamente de resolução, do contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre a Apelante e o R. Banco, bem como cancelamento do registo da hipoteca que onera o prédio adquirido por aquela, deveria ter sido deferido, nos termos do art. 265,2, C.P.C., 2 - dado o caso configurar uma união interna de contratos - compra e venda e mútuo- em que a regra é a incindibilidade, pelo que a extinção de um acarreta a extinção do outro, 3 - verificando-se que a ampliação foi requerida a tempo e, consubstancia uma consequência (necessária) dos pedidos principais. Por outro lado, 4 - foram incorretamente julgados os pontos de facto 23º e 24º constantes da sentença, aos quais deve ser aditado, que a moradia não tem condições de habitabilidade, sendo esta a decisão que deve ser proferida, 5 - e, os pontos 41º, 44º, 47º e 48º da Base Instrutória, que não foram objecto de qualquer resposta na sentença e que foram objecto de confissão pelo R. no seu depoimento de parte conforme consta de fls… (acta da Audiência Final de 28/9/15), merecendo, portanto a resposta provados, 6 - não se tratando, quanto a nós, tal omissão de nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto, prevista no art. 615, 1, b) C.P.C., dado não ser absoluta, antes tratando-se de omissão ou lapso manifesto, passível de rectificação ou, erro de julgamento na apreciação da factualidade provada e não provada que deveria constar da sentença, 7 - sendo que, caso V.Exªs propendam para a ocorrência de tal nulidade, desde já se argui a mesma, com as legais consequências, 8 - como também foram incorretamente julgados os pontos 42º, 43º, 45º e 46º da Base Instrutória, que não obtiveram qualquer tipo de resposta na sentença, que omitiu os mesmos em absoluto e que merecem resposta provados integralmente. 9 - Os concretos meios probatórios que impõe as respostas a que se alude nas conclusões 4ª, 5ª e 8ª, são: a Acta da Audiência Final de 28/9/15, donde consta a consignação pela srª Juiz dos factos confessados pelo 1º R., os documentos 13 e 14 juntos com a petição, os relatórios da perícia e os esclarecimentos (escritos) dos srºs Peritos, o depoimento de parte do R. BB, os esclarecimentos/depoimentos dos peritos e os depoimentos das testemunhas, todos estes, constantes do registo de gravação, cujas passagens exactas dos excertos relevantes constam de II, 2.3, 1 a 7 destas alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Finalmente, 10 - Face à prova produzida estamos na presença de uma união interna de contratos – compra e venda e mútuo – tendo este sido outorgado única e exclusivamente para financiar aquele, 11 - apresentando a moradia comprada e construída pelos 1ºs R.R., defeitos essenciais de construção e originários desta, por ausência de impermeabilização das fundações, numa zona de risco agravado, dado o nível freático elevado, 12 - moradia essa que não tem condições de salubridade e habitabilidade, pelo que não reúne as qualidades necessárias para o fim de habitação a que a mesma se destina. 13 - No caso de venda de coisa defeituosa, o disposto no art. 913º C.C. remete para a venda de bens onerados regulado no arts. 905 e segs., pelo que o contrato é anulável por erro ou dolo, “desde que no caso se verifiquem os requisitos gerais da anulabilidade”. 14 - Porém, os direitos conferidos ao comprador de coisa defeituosa, não são uma consequência do regime do erro, mas sim uma consequência directa do não cumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato pelo vendedor, pelo que não têm, aqui, aplicação o disposto nos arts. 251 e 247 C.C. 15 - ou seja, a anulação por erro ou dolo prevista no art. 905 C.C., deve ser vista à luz da responsabilidade contratual e não enquadrada no regime do erro. 16 - No caso dos autos, não estamos na presença de uma simples venda de coisa defeituosa, mas perante uma situação de cumprimento defeituoso do contrato, dados os defeitos/vícios provados, serem essenciais e graves, pois a moradia está em absoluta desconformidade com o que os 1ºs R.R. se obrigaram a contratar. 17 - Mas, mesmo que se defenda o regime previsto para o erro constante do art. 247 C.C., face à prova produzida constata-se a existência de dolo, como o configura o art. 253 C.C. e do erro, dado os 1ºs R.R. saberem e conhecerem ou, pelo menos não podiam ignorar, a essencialidade para a Apelante, do elemento sobre que incindiu o erro. 18 - pelo que mal andou a sentença recorrida ao julgar improcedentes os pedidos de anulação e o subsidiário de resolução do contrato de compra e venda, em ambos os casos, com a condenação dos 1º R.R. na restituição do preço real e verdadeiro pago. 19 - A sentença recorrida violou por erro de interpretação e julgamento o disposto nos arts. 265, nº 2, C.P.C., e arts. 289, nº 1, 433, 913, 905, 799, nº 1 e 798, 251 e 247 todos C.C., sendo a acima referida a interpretação correcta, no entender da Apelante, das normas jurídicas violadas. Termos em que, deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência: 1 - Revogar-se o despacho que indeferiu a ampliação do pedido e, em consequência, deferir-se a requerida ampliação dos pedidos de anulação e, subsidiário de resolução do contrato de compra e venda, a qual consiste na anulação e, subsidiariamente resolução do contrato de mútuo outorgado entre a Apelante e o R. Banco, ordenando-se o cancelamento da hipoteca que onera o prédio dos autos. 2 - A entender-se ocorrer nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto no tocante aos pontos de facto 41º, 44º, 47º e 48 da Base Instrutória, julgar-se pela rectificação da omissão ou lapso manifesto, aditando-se os mesmos aos factos provados da sentença (art. 665, 2, C.P.C.). 3 - Revogar-se a sentença recorrida e, em consequência anular-se os contratos de compra e venda outorgado entre a Apelante e os 1ºs R.R., e o de mútuo outorgado entre aquela e o R. Banco; subsidiariamente resolver-se os mesmos contratos, 4 - condenando-se em ambos os casos os 1ºs R.R. na restituição à Apelante de E. 185.000,00, acrescida de juros, à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, 5 - ordenando-se ainda o cancelamento da hipoteca que onera o prédio dos autos, tudo com as legais consequências.» O 2º réu [Banco DD, S.A.], recorrido do recurso subordinado, contra-alegou, pronunciando-se pela improcedência do recurso interposto pela autora e requereu a ampliação do âmbito do recurso subordinado, arguindo a nulidade da sentença e impugnando a mesma na parte relativa à matéria de facto, finalizando a respetiva alegação com trinta e sete extensas conclusões, que por isso não serão aqui reproduzidas. A autora respondeu à ampliação do âmbito do recurso subordinado, pronunciando-se pela sua improcedência. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO(S) RECURSO(S) Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608°, n° 2, 635°, nº 4 e 639°, n° 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber: A) Quanto ao recurso principal: - Inexistência de responsabilidade dos réus pelos defeitos na moradia dos autos. B) – Quanto ao recurso subordinado: - revogação do despacho que indeferiu a ampliação do pedido; - impugnação da matéria de facto; - anulação ou resolução dos contrato de compra e venda e de mútuo. C) Quanto à ampliação do recurso subordinado: - nulidade da sentença; - impugnação da matéria de facto. III - FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1 - Em 07 de Agosto de 2006, o R. BB requereu e a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos passou o Alvará de Obras de Construção nº … - Licença de construção para a moradia sita em …, freguesia de Marinhais, concelho de Salvaterra de Magos, descrito na Conservatória do Registo predial de Salvaterra de Magos, sob o nº …/Marinhais, inscrito na respectiva matriz sob o artigo provisório …. 2 - Por contrato promessa de compra e venda de 19-08-2006, a A. prometeu comprar aos R.R. BB e mulher CC, que por sua vez prometeram vender-lhes, livre de ónus ou encargo, um prédio urbano constituído por uma moradia familiar, que estava a ser edificada num lote de terreno com 1.000 m2, sito na Estrada …, em Marinhais, freguesia de Marinhais, concelho de Salvaterra de Magos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos, sob nº …/Marinhais, pelo preço de €185.000,00. 3 - Por escritura pública celebrada em 28-05-2007, os R.R. BB e mulher CC declararam vender à A., AA, que por sua vez declarou comprar-lhes o prédio urbano para habitação situado em …, freguesia de Marinhais, concelho de Salvaterra de Magos, descrito na Conservatória do Registo predial de Salvaterra de Magos, sob o nº …/Marinhais, inscrito na respectiva matriz sob o artigo provisório …, pelo preço de €165.000,00, já recebido, registado a favor da A. pela inscrição G-2. 4 - Na mesma escritura, foi o mencionado imóvel hipotecado à 2ª Ré Banco DD, S.A., para garantia do empréstimo de €165.000,00 que a mesma concedeu a A. para financiar tal aquisição. 5 - Mas o preço querido pela A. e pelos R.R. BB e mulher CC, real, efectivo e verdadeiramente pago pela A. a estes, que receberam, foi de €185.000,00, tendo pago de sinal €500,00 na data do contrato promessa de compra e venda e ainda €35.000,00 a título de reforço de sinal, através do cheque 3721199382 sacado sobre o Banco DD, S.A. e emitido a 23-02-2007, do valor de €38.329,80 e a quantia de €149.141,00 no ato da escritura de compra e venda – 28-05-2007, através de cheque 8533958595 sacado sobre o mesmo banco e emitido a 28-05-2007. E o remanescente no valor de €359,00 (€185.000,00: €500,00 + €35.000,00 + €149.141,00) foi, entretanto, pago . 6 - E a diferença de €3.329,80 destinou-se ao pagamento de obras extras e equipamento pedido pela A. aos R.R.- forno, móvel de cozinha, mesa e cadeiras. 7 - A A. e os 1ºs R.R. acordaram e combinaram declarar na escritura de compra e venda referida o preço de €165.000,00, com o fizeram, no intuito de enganarem a Fazenda Nacional. 8 - Tal moradia foi construída pelo 1º R. com o auxílio de 2 pedreiros. 9 - À A./compradora foi entregue a ficha técnica de habitação. 10 - Em data anterior à outorga da escritura, a A. e o seu companheiro foram habitar a casa, ainda com a pintura exterior por fazer. 11 - Em data não apurada, a A. mandou lagear o logradouro com pavet e construir um edifício anexo. 12 - A pintura exterior, o anexo, o lageamento do logradouro e pavet, e o gradeamento dos muros foram efetuados com a A. a habitar a casa. 13 - Em finais do ano de 2007, a A. verificou o aparecimento nos tetos da casa de pingos de água, água na parte inferior das paredes interiores da casa vinda de baixo para cima, os pavimentos da casa sempre húmidos e (ou) inundados com água, as portas e roupeiros a ficarem negros e a apodrecerem, os alumínios das janelas e estas impregnados de gotas de água, nos tetos das várias divisões a notarem-se as vigas e as vigotas que sustentam a placa, as roupas constantemente com bolor, bem como o diverso mobiliário em madeira, que começou a apodrecer, os quadros colocados nas paredes a deteriorarem-se, o terreno sempre inundado com água que não é absorvida e uma humidade elevadíssima e constante dentro da casa, a qual se mantinha com uma temperatura baixíssima, não obstante os aparelhos de aquecimento funcionarem constantemente. 14 - A A. comunicou de imediato aos 1ºs R.R. tais factos e ainda que tinha humidade nas paredes. 15 - Os 1ºs R.R. reconheceram e aceitaram tais factos, obrigaram-se a proceder à eliminação da sua causa, tendo para o efeito aberto um buraco onde colocaram uma manilha, a fim de tentar drenar a água existente no subsolo da casa. 16 - Os defeitos não foram eliminados. 17 - Devido à existência de humidade nas paredes, a A. propôs aos 1ºs R.R. vender-lhes a casa dos autos pelo preço de €211.992,63, que representa o preço pago pela A. e o valor das obras e benfeitorias que realizou na casa e das despesas relativas à compra da mesma, o que aqueles não a aceitaram. 18 - Em 18-01-2008, a A. enviou aos 1ºs R.R., que a receberam em 21-01-2008, uma carta registada com a/r, com o seguinte o teor: “Assunto – denúncia de defeitos na moradia sita na Rua …, nº 46, Marinhais Na continuidade de conversas anteriores venho, com referência à moradia em assunto identificada, denunciar a existência de novos defeitos e agravamento daqueles que não foram correctamente eliminados e solicitar a reparação e remoção urgente dos mesmos, sob pena de recurso imediato a juízo. Os defeitos são os seguintes: - O terreno não tem drenagem de águas, está permanentemente inundado; - A casa e o terreno estão abaixo do nível da estrada; - A casa tem uma caixa de ar que está continuamente cheia de água que transborda; - Água a subir e a escorrer pelas paredes provocando humidade e pingos nos tectos fazendo ao mesmo tempo, o desenho das vigas da placa; - Acumulação de águas e humidades junto aos pontos de luz com risco iminente de curto circuito eléctrico; - A humidade constante da casa é de 90%. Mesmo no verão a casa não aquece e agora com aquecimento ligado em todas as divisões e a lareira acesa, não ultrapassa os 10%. - Móveis e respectivo recheio com bolor e as madeiras a empolar. - Ombreiras das portas, portas, roupeiros (e respectivas roupas que saem sempre húmidas) estão molhadas e não secam. - Rachas nas paredes e nos tectos. - Luzes intermitentes e lâmpadas a fundir constantemente. - Azulejos partidos. - Mesmo sem chover, o chão da zona da churrasqueira está sempre molhado e os tectos cheios de água. - Entra água na garagem. - Os muros que delimitam o prédio estão todos cheios de rachas. - Infiltração em tudo à volta da garagem cuja tinta já está a sair. - O chão exterior nunca seca. (só mesmo de verão). - Existem poças de água em tudo o que é sítio. - Tinta a empolar e a cair em volta da casa. - 2 inundações no jardim (e choveu pouco). - O terreno está todo cheio de buracos e escavações. Enfim, os defeitos enumerados agravam-se a cada dia que passa, o estado geral da casa e terreno afecta absolutamente o meu bem estar pois que a casa está fria, húmida, desagradável à vista e, principalmente, põe em risco a saúde e vida de quem a habita. Os defeitos devem-se a vício de construção e/ou erro na execução dos trabalhos e devem, como disse, com toda a urgência, ser removidos e e/ou reparados por V. Exas.” 19 - Em resposta, os 1ºs R.R., dirigiram à A. a carta datada de 24-01-2008 , com o seguinte teor: “Acusamos a recepção da carta de V.Ex.ª de 18/1/08 que mereceu a nossa melhor atenção. Relativamente a comunicação de defeitos, comunicamos a V. Exª que através da escritura de compra e venda lavrada pelo Cartório Notarial de Sintra em 28/05/07 V.Exa. adquiriu, por compra, o prédio urbano para habitação, situado em …, freguesia de Marinhais, concelho de Salvaterra de Magos, referido na sua carta. Na mesma data o prédio foi-lhe entregue sem quaisquer defeitos. Solicito-lhe mais uma vez que no prazo de 10 dias proceda ao pagamento da quantia em dívida no valor de 1.177,73 Euros. Não sendo efectuado o pagamento naquele prazo vai ser interposta acção judicial.” 20 - A pedido da A., em 11 de Fevereiro a casa foi vistoriada pelo Eng. Jorge …, tendo elaborado o “Parecer” junto a fls. 123/124. 21 - A pedido da A., em 12 de Fevereiro de 2008, a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos realizou uma vistoria à moradia em causa, tendo elaborado o seguinte relatório: “1- Detectaram-se vestígios de humidade nas madeiras das portas e dos roupeiros, bem como no tecto de uma das instalações sanitárias e nos rodapés da sala, escritório e num dos quartos. 2- Detectaram-se igualmente vestígios de humidade no soco/embasamento da moradia. 3- Verificou-se que a ventilação dos fumos do esquentador é direccionada para o desvão situado entre a laje de esteira e cobertura, assim como o tubo de saída de fumos apresenta uma inclinação deficiente”. 22 - Em 03 de Dezembro de 2004, a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos no local onde a moradia dos autos foi construída, constatou a existência de uma vala confinante com a Estrada Militar que não se encontrava implantada nos projectos camarários aprovados. 23 - Com referência a Fevereiro de 2012, a moradia em questão apresentava o seguinte: I - No exterior da moradia a) Existência de humidade na base das paredes exteriores devido a capilaridade ascendente. b) O escoamento de águas em redor da moradia e no logradouro não funciona correctamente devido à falta de um sistema de drenagem adequado - existência de uma tampa grelhada e um tubo de saída com 110mm de diâmetro II - No interior da moradia a)- O nível de humidade relativa no interior da moradia era mais elevado que no exterior. b)- Algumas carpintarias interiores encontravam-se deterioradas, devido à presença da água. c)- A fuga do esquentador atravessa a parede e sai sob as telhas da cobertura. III - Estrutura No tangente ao projecto de estabilidade foi utilizado betão C16/20(B20) nas fundações, quando foi definido o betão da classe C20/25 (B25) para toda a estrutura. IV – Implantação altimétrica a)- A casa possui dois degraus para o pavimento térreo exterior quando no projecto estavam previstos 4 degraus. b)- A falta de drenagem provocou nas paredes eflorescências ou criptoflorescências em alguns locais das paredes exteriores. 24 - Com referência a Janeiro, Fevereiro e Março de 2015, tais deficiências mantiveram-se, verificando-se, ainda, a existência das seguintes: I- No interior da moradia: a)- O nível de humidade relativa no interior da moradia era de 68,8%, considerado como valor um pouco elevado. b)- Os pavimentos apresentavam níveis de humidade elevados – na ordem dos 80% a 100% da humidade relativa. c)- Em todas as divisões foram constatadas humidade por condensação, através da presença de água escorrendo pelos vidros de janelas, pelas suas caixilharias e formação de gotículas nos tectos, com maior incidência nas zonas dos quartos e instalações sanitárias. d)- O ponto de orvalho estava ultrapassado, dada a existência de água sob a forma líquida (gotículas), escorrendo dos tectos, paredes e janelas. e)- As carpintarias interiores encontravam-se deterioradas, devido à presença da água. f)- A fuga do esquentador atravessava a parede e saía sob as telhas da cobertura. g)- A moradia não apresentava condições de salubridade. II - Estrutura a)- Existe caixa-de-ar (cerca de 60 a 80 cm de altura). b)- Não existe qualquer sistema de impermeabilização ao longo da fundação e em zona de contacto com o solo. III - Implantação altimétrica O nível freático é elevado e parte das fundações estão em contacto com a água do nível freático, que ocorrem pelas forças da capilaridade do solo (ascensão capilar). 25 - A falta de impermeabilização provoca nas paredes o surgimento de eflorescências e criptoflorescências com a consequente deterioração da argamassas e revestimentos por pintura. 26 - A implantação da moradia foi realizada numa zona de risco, dado existirem níveis freáticos elevados, levando a presença de humidade ascensional que provocam o surgimento de fungos (manifestações biológicas), com a consequente deterioração das madeiras, que se verificam em rodapés, aduelas das portas de madeira. 27 - A evaporação da humidade, presente em pavimentos e paredes aumentará a humidade relativa, agravando a ocorrência de condensações superficiais com a consequente formação de fungos nas paredes, designadamente nas zonas de maior condutibilidade térmica. 28 - As deficiências referidas têm origem na falta de impermeabilização do pavimento do piso térreo e elementos de fundação. 29 - A reparação de tais defeitos/vícios e da falta de qualidade da casa para o fim de habitação contempla a verificação da estrutura da mesma, a drenagem e impermeabilização dos pavimentos e a eliminação de pontes e reforço do isolamento térmico. Para a reparação será necessário: a)- Proceder à drenagem do solo de fundação da moradia e do logradouro de forma permanente fazendo baixar significativamente o nível freático. b)- Substituir a pintura exterior das fachadas, por uma pintura que, para além das necessárias características de impermeabilidade, seja tolerante à difusão do vapor de água que se venha a gerar no interior da habitação, incluindo a reposição ou substituição (consoante os casos) de materiais, dos revestimentos e pinturas. c)- Proceder à impermeabilização, pelo exterior, das vigas de fundação e drenagem em torno destas vigas, arranque das paredes exteriores, com emulsão betuminosa e revestimento com membrana polimétrica e camada drenante granular em polietiano e geotêxtil. E sendo caso, a)- Proceder à remoção dos revestimentos e betonilha do piso térreo e executada a escavação de uma caixa com a altura mínima de 35 cm, com valas e tubos de drenagem geodreno, tubos de drenagem esses que deverão ser ligados por caixas de visita, a efectuar, e finalmente à caixa de recolha de águas pluviais. b)- E na execução novo pavimento sobre betonilha armada hidrofugada com endurecedor, proceder à execução de enrocamento e massame ou laje de pavimento sobre caixa de ar e à impermeabilização do pavimento com membrana polimérica, isolamento térmico com poliestireno extrudido de alta densidade e tecido separador de poliéster. 30 - As obras de eliminação dos mencionados defeitos e vícios e a fim de dotar a casa de qualidade necessária para habitação, demoram, pelo menos 6 meses. 31 - Aquando da compra da moradia, a A. pretendia transferir para a zona a sua vida pessoal e profissional e ir trabalhar para o C.R.X – Radiografias de Benavente, o que não veio a suceder. 32 - A A. desconhecia e ignorava a existência dos referidos vícios. 33 - Em data não apurada, mas que se situa em meados do ano de 2008, a A. deixou de residir na casa dos autos devido ao nível de humidade no seu interior, o ambiente frio, o estado degradado das paredes cheias de bolor, tanto as exteriores como as interiores e ainda devido ao seu estado de saúde. 33-A) - Os 1ºs réus sabiam que a casa se destinava a habitação permanente da autora e do seu companheiro.[1] 34 - Os 1ºs R.R. sabiam que era essencial para a A. que a casa não apresentasse os referidos defeitos e que tivesse as qualidades necessárias que permitissem habitá-la com o mínimo de conforto. 34-A) - Os 1ºs réus asseguraram à autora que a casa estava bem e solidamente construída, sem defeitos ou vícios e que permitiria boas condições de habitabilidade. 34-B) - A autora ignorava em absoluto as regras de arte e as boas práticas da construção civil, dado exercer a profissão de técnica de radiologia. 35 - A A. pagou aos 1º R.R. €911,87, €338,13 e €1.000,00, num total de €2.250,00 para a realização de um telheiro com 2 paredes e 3 janelas e respectiva cobertura, €2.100,00 para lagear com blocos encaixados o logradouro traseiro da casa e €1.747,00 para lagear com blocos o chão das traseiras da garagem e ainda a quantia de €1.310,00 pela colocação e montagem de uma estrutura em tubo galvanizado para abrigar a casa de vento e de uma tampa para o poço. 36 - A A. pagou a quantia de €10,23 à Câmara Municipal de Salvaterra de Magos pela vistoria de salubridade. 37 - Em consequência dos defeitos e vícios apontados o mobiliário da sala bem como as roupas e calçado da A. ficaram estragados. 38 - Ainda em consequência dos mencionados defeitos e vícios existentes na moradia, a saúde da A. sofreu agravamento a nível respiratório e a nível de articular. 39 - Em consequência dos mesmos defeitos e vícios a A. ficou triste, sofreu e sofre desestabilização emocional, ficou angustiada e é enorme a sua tristeza por não poder habitar a casa que adquiriu, tem crises de choro e perdeu o gosto pela vida. 40 - A quantia mutuada pela 2ª Ré Banco DD, S.A. destinou-se ao financiamento da aquisição pela A. do imóvel dos autos e a hipoteca constituída sobre o mesmo, a favor da R. está destinada a garantir o direito de crédito que existe sobre a A. 41 - Se o imóvel dos autos não tivesse sido dado em garantia do mútuo bancário celebrado, através da constituição de hipoteca, 2ª Ré Banco DD, S.A. não teria concedido o empréstimo à A. para aquisição do mesmo. 42 - Da quantia global mutuada pela R. Banco DD, S.A. à A., encontra-se por liquidar, com referência a Julho de 2008, a título de capital o montante total de €163.226,83. 43 - A A. amortiza à R. Banco DD, S.A. o empréstimo hipotecário, no valor de €884,65 mensais, tendo pago as prestações correspondentes aos meses de Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2008, no valor de €884,65 cada. Factos considerados não provados: Não se provou que: a) A A. tivesse pago as quantias de €1.345,00 a título de custo da escritura de compra e vende e de mútuo com hipoteca; de €323,00 a título de custo do registo de aquisição e da hipoteca e de €3.128,00 de IMT. b) A A. tivesse pago ao Eng. Jorge … a quantia de €302,50 pela elaboração do relatório de vistoria. c) A A. tivesse pago à S… a quantia de €1.512,50 pela elaboração do relatório de vistoria. d) A A. tivesse pago a Carlos … a quantia de €2.930,39 para a compra da bomba, projetores, montagem e armaduras. e) A A. tivesse pago a quantia de €793,13 pela colocação de relva no quintal e sistema de rega. f) A A. tivesse gasto quantia não inferior a €600.00 para arranjo do mobiliário danificado pela água e humidade. g) Que as roupas e calçado que ficaram estragados ascendessem ao valor de €200,00. h) A A. tivesse despendido a quantia de, pelo menos, €4.000,00 com o transporte e gasolina dos seus bens pessoais, mobiliário e eletrodomésticos para e da referida casa. i) A A. tivesse arrendado a casa onde atualmente vive pela renda de €550,00 e que tivesse pago as rendas relativas aos meses de Março, Abril e Maio de 2008, num total de €1.650,00 e que continuará mensalmente a pagar tal valor até poder adquirir outra casa. j) Os 1ºs R.R. tivessem pedido à A. para manter as janelas abertas sempre que estivesse em casa para permitir arejar e secar a casa. l) A A., quer durante a semana, quer durante os fins de semana mantivesse as janelas sempre fechadas. m) A A. e o seu companheiro tivessem acompanhado a construção da casa desde o início. n) A A. tivesse dito a pessoas conhecidas, familiares e amigos dos R.R. que a casa estava mal construída e que ia cair. o) A A. tivesse dito aos R.R., a familiares, amigos e pessoas conhecidas destes que o Banco ia obrigá-los a demolir e a construir outra e que o Banco lhes ia retirar todos os bens. p)- Durante os meses de Dezembro de 2007 e Janeiro de 2008, a A. tivesse ameaçado os R.R. dizendo-lhes que o Banco ia obrigá-los a demolir a casa e a construir outra de novo e que o Banco lhe ia retirar todos os bens. q) Com tais expressões a A. tivesse pretendido causar medo aos 1ºs R.R., para os forçar a comprar a casa à A. ou a arranjar-lhes comprador para a mesma. r) Em consequência da atuação da A.: 1- os 1ºs R.R. tivessem ficado muito amedrontados e envergonhados e ambos muito preocupados e doentes, passando muitas noites sem dormir, tendo que recorrer ao médico e tomar medicamentos para dormir; 2- o 1º R tivesse passado a ser assistido por médico cardiologista e sujeitar-se a exames médicos: s) A atuação da A. tivesse ofendido a credibilidade, prestígio e confiança de que o R. beneficia na sua atividade profissional. t) E por isso, R. BB tivesse deixado de exercer a atividade de construção civil desde Janeiro de 2008. u) Que a A. não tivesse pago aos 1ºs R.R. o remanescente do preço pela construção de um anexo no valor de €1.177,73. v) Que os 1ºs R.R. não tivessem concluído a construção do anexo. x) Que o telhado do anexo tivesse sido colocado de forma a permitir a entrada das águas da chuva. z) Que a A. tivesse comunicado tal facto ao 1º R., e este não tivesse reparado tal deficiência. O DIREITO Recurso principal Da alegada inexistência de responsabilidade dos réus pelos defeitos na moradia dos autos No recurso principal, defendem os 1ºs réus que não são responsáveis pelos defeitos na moradia dos autos, atribuindo a existência desses defeitos ao facto da autora ter deixado de residir na moradia em meados do ano de 2008, por um lado, e à existência de uma vala confinante com a Estrada Militar que não se encontrava implantada nos projetos camarários aprovados, por outro lado, acrescentando, neste último caso, que só a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos é que deve responder pelos danos causados pela existência da referida vala, pois na respetiva licença de construção, nem em qualquer outro documento, se faz menção da existência dessa vala. Não assiste, porém, razão aos recorrentes. Em primeiro lugar, pretender justificar a existência de defeitos na moradia com o facto de a autora ali não residir desde meados de 2008, quando a autora teve precisamente de abandonar a casa por falta de condições mínimas de habitabilidade resultante dos defeitos de construção da moradia, é argumento inconsequente que não merece ser considerado. Em segundo lugar, como resultou provado, verificaram-se, entre outras, as seguintes anomalias na moradia dos autos: humidade na base das paredes exteriores devido a capilaridade ascendente, o escoamento de águas em redor da moradia e no logradouro não funciona corretamente devido à falta de um sistema de drenagem adequado, o nível de humidade relativa no interior da moradia era mais elevado que no exterior; as carpintarias interiores encontravam-se deterioradas, devido à presença da água, os pavimentos apresentam níveis de humidade elevados – na ordem dos 80% a 100% da humidade relativa, em todas as divisões foram constatadas a humidade por condensação (água escorrendo pelos vidros de janelas, pelas suas caixilharia e formação de gotículas nos tetos), com maior incidência nas zonas dos quartos e instalações sanitárias, gotículas de água escorrendo dos tetos, paredes e janelas e carpintarias deterioradas, devido à presença de água. E tais deficiências têm origem na falta de impermeabilização do pavimento do piso térreo e elementos de fundação (ponto 28 do elenco dos factos provados), o que configura defeito essencial A circunstância de se ter dado como provado no ponto 22 dos factos provados que “[e]m 3 de Dezembro de 2004, a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos no local onde a moradia dos autos foi construída, constatou a existência de uma vala confinante com a Estrada Militar que não se encontrava implantada nos projetos camarários aprovados”, não pode de forma alguma afastar a responsabilidade dos 1ºs réus/recorrentes pelos defeitos existentes na moradia dos autos, tanto mais que se provou que o nível freático onde se encontra implantada a moradia é elevado e parte das fundações estão em contacto com a água do nível freático, que ocorrem pelas forças da capilaridade do solo (ponto 24, III, dos factos provados), o que não podia deixar de ser conhecido dos recorrentes durante a fase da construção da moradia, o que seguramente justificava opções de construção diferentes das que foram adotadas. Ademais, “o escoamento de águas em redor da moradia e no logradouro não funciona corretamente devido à falta de um sistema de drenagem adequado – existência de uma tampa gralhada e um tubo de saída com 110 mm de diâmetro” (ponto 23, I, b), dos factos provados), o que consubstancia inequivocamente um defeito de construção que é totalmente imputável aos recorrentes. Dúvidas inexistem, pois, que os vícios que a moradia apresenta e que consubstanciam falta de qualidades necessárias para a realização do fim (habitação) a que a mesma se destina, são da inteira responsabilidade dos vendedores/construtores, ora recorrentes, que não podem afastar essa responsabilidade atribuindo-a a um terceiro, in casu a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, que nada teve a ver com a construção da moradia. Era sobre os réus/recorrentes que impendia o ónus da prova da exceção perentória inominada do desconhecimento não culposo dos defeitos de que padecia a casa que venderam, enquanto facto extintivo do direito invocado pela autora, nos termos do art. art. 342º, nº 2, do CC, ónus que não cumpriram. Improcede, pois, o recurso principal dos 1ºs réus. Recurso subordinado Da ampliação do pedido Em 12.10.2015, já no decurso da audiência de discussão e julgamento e volvidos mais de 7 anos e meio após a propositura da ação (em 02.06.2008), veio a autora ora recorrente requerer a ampliação dos pedidos deduzidos na petição inicial. Pretendia a autora, por via de tal ampliação, ver judicialmente declarada a anulação do contrato de mútuo com hipoteca, e, subsidiariamente, a resolução desse contrato e, em qualquer caso, o cancelamento do registo da hipoteca que onera o imóvel dos autos e que foi constituída a favor do réu Banco. Este opôs-se a essa ampliação do pedido e a Mm.ª Juíza a quo, por despacho proferido na sessão de audiência de discussão e julgamento realizada em 14.10.2015, indeferiu a pretensão da autora nos seguintes termos, considerando, nomeadamente, «que a pretensão da Autora não se enquadra em desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, e porque assim é, nos termos do art.º 265 n.º 2 do CPC, não atendo à pretensão da Autora» (cfr. ata de fls. 633 e seguintes). Ora, “para se distinguir nitidamente a espécie «cumulação» da espécie «ampliação» há que relacionar o pedido com a causa de pedir. A ampliação do pedido pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado acto ou facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso” [2]. O requerimento da autora não configura uma ampliação jurídica dos pedidos primitivos, mas antes a formulação de novos pedidos, já que em momento algum da petição inicial foram alegados factos que suportem tal ampliação, sendo certo que, em bom rigor, nenhum pedido concreto foi deduzido contra o réu Banco, pelo que não pode ampliar-se o que não existe[3]. Ademais, a alegação da ré no artigo 61º da contestação/reconvenção “de que poderá estar em causa – na hipótese de procedência do pedido – a subsistência de dois contratos autónomos e distintos: contrato de compra e venda do imóvel dos autos, celebrado entre A. e 1ºs RR; contrato de mútuo bancário com hipoteca, celebrado entre A. e a aqui R.”, constitui, como resulta da própria alegação: “por força da demanda dos 1ºs RR e da ora R., poderá estar em causa”, uma hipótese que o réu Banco colocou para o caso de o Tribunal vir a considerar verificados os pressupostos para a resolução do contrato de compra e venda que, ao contrário do que afirma a recorrente, aquele réu não sufraga, porquanto entende que os referidos contratos “mantêm uma relação de interdependência”, dado existir “um nexo funcional entre ambos” (art. 62º da contestação). E, seja como for, tal alegação do réu Banco não tem a virtualidade de suprir a falta de um pedido dirigido contra si na petição inicial. Simplesmente a autora esqueceu-se de deduzir pedidos contra o Réu Banco na petição inicial e por isso é que tem necessidade de dizer muitas vezes que existe união de contratos e que a sua pretensão de ampliação de pedidos se fundamenta em alegação que vem da contestação, citando os acórdãos do STJ de 10.09.2015[4] e 24.03.2015[5] que não tem qualquer aplicação ao caso em apreço. Tal jurisprudência não versa sobre compra e venda de imóveis financiados por entidade bancária a favor de quem foi constituída uma hipoteca e, muito menos, versa sobre a ampliação do pedido, questão que não foi objeto de algum tratamento nos citados arestos. Com efeito, tais acórdãos respeitam, o de 10.09.2015, a um contrato de locação financeira com opção de compra e, o de 24.03.2015, a um contrato de compra e venda com cessão de exploração, e, por isso, nenhuma afinidade têm com o caso dos autos. Improcede, pois, este segmento do recurso. Da impugnação da matéria de facto Como resulta do art. 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa. Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto – documentos e depoimentos testemunhais, registados em suporte digital. Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode dizer-se que a recorrente cumpriu formalmente os ónus impostos pelo art. 640º, nºs 1 e 2, do CPC, já que: i) referiu os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados; ii) indicou os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados; iii) a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida. É certo que a recorrente não indicou as passagens da gravação relativamente aos depoimentos em que fundamenta a impugnação da matéria de facto, mas transcreveu pequenos excertos dos mesmos e percebe-se perfeitamente o que está em causa com esses depoimentos, pelo que não ocorrem significativos escolhos capazes de obstar a que se prossiga na apreciação do alegado erro sobre o julgamento da matéria de facto. No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorreta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo art. 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto. Infere-se da alegação da recorrente que esta está em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente à matéria dos pontos 23 e 24 dos factos provados que considera incompleta, e ainda “os pontos 41º, 44º, 47, 48º e 42º, 43º, 45º, 46º da base instrutória, estes por terem sido omitidos, em absoluto, da factualidade provada e não provada constantes da sentença”. Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Mm.ª Juíza a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto direto com a prova testemunhal que melhor possibilita ao julgador a perceção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas. Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à recorrente no tocante à impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos. Relativamente aos artigos 41º, 44º 47º e 48º da base instrutória, alegadamente confessados pelo réu BB, diz a recorrente que a dita omissão não consubstancia nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto, dado não ser absoluta, tratando-se antes “de uma omissão ou lapso manifesto, passível de retificação (art. 614º, 1 C.P.C.) ou, relativamente a todos os pontos de facto omitidos e acima indicados, erro de julgamento na apreciação da factualidade provada e não provada”. Na sessão de julgamento realizada no dia 28.09.2015, após a prestação do depoimento de parte do réu BB, consignou-se na respetiva ata, a fls. 601, o seguinte: «Após, a Mm.ª Juiz de Direito consignou que o Réu confirma o constante dos pontos 1º, 2º, 5º, 6º, 7º, 8º (62º), 10º, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º, 20. 21º, 26º IV – 4 a) e b), 46º, 49º, 52º, 53º 63º, 64º, 65º da petição inicial, o que corresponde aos seguintes itens da base instrutória: 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º (56º), 7º, 8º, 9º, 10º, 12º, 13º, 17º, 18º, 23º,IV 4 – a) e b), 41º, 44º, 47º, 48º, 57º, 58º, 59º». Ora, uma vez que a matéria dos artigos 41º, 44º, 47º e 48º da base instrutória (artigos 46º, 49º, 52º e 53º da petição inicial) contém factualidade desfavorável aos 1ºs réus, o seu reconhecimento por parte do réu, importa confissão nos termos do art. 352º do CC, pelo que tal matéria devia constar do elenco dos factos provados, o que se admite não ter sucedido por lapso da Mm.ª Juíza a quo, o que em qualquer caso sempre teria de ser entendido como erro de julgamento da matéria de facto. Procede, nesta parte, a impugnação da matéria de facto. Vejamos agora os artigos 42º, 43º, 45º e 46º da base instrutória (artigos 47º, 48º, 50º e 51º da petição inicial), cuja matéria, segundo a recorrente autora, foi de todo omitida pelo Tribunal a quo. São do seguinte teor os artigos em questão: - «Os 1ºs réus que construíram a moradia sabiam e tinham pleno conhecimento dos defeitos/vícios e da falta de qualidade da moradia para habitação, atrás apontadas» (art. 42º da b.i. e 47º da p.i.); - «Tendo induzido em erro a A. na aludida compra» (art. 43º da b.i. e 48º da p.i.); - «Silenciando que a mesma (moradia) havia sido construída sem atender às boas práticas e regras da arte, atendendo aos factos atrás expostos» (art. 45º da b.i. e 50º da p.i.); - «Com o único intuito de enganar a A. e fazê-la comprar a casa» (art. 46º da b.i. e 51º da p.i.). Segundo a autora estes factos resultaram provados através dos esclarecimentos prestados pelos peritos Luís …, engenheiro, subscritor do primeiro relatório pericial junto aos autos (fls. 309 a 311), em que interveio como perito indicado pela autora; João …, engenheiro, subscritor do relatório de peritagem do Instituto de Soldadura e Qualidade de fls. 459 e seguintes; Pedro … geólogo e igualmente subscritor do último relatório de peritagem mencionado; do depoimento de parte do réu BB; e dos depoimentos das testemunhas João …, arquiteto, autor do “Relatório de Peritagem” de fls. 66 a 97 dos autos; Jorge …, engenheiro, o qual após vistoria à moradia dos autos elaborou o “Parecer” de fls. 122 a 124, sobre a qualidade de construção da moradia; e Maria …, amiga da autora e visita da casa. Ora, ouvidos os esclarecimentos prestados pelos peritos, o depoimento de parte do réu BB e os depoimentos das mencionadas testemunhas, os mesmos não podem fundamentar de modo algum a prova dos factos em causa, acima transcritos. Importa sublinhar que de entre os depoimentos citados pela recorrente em “2.3” do corpo alegatório, não podem ser considerados, a respeito dos mencionados quesitos, os esclarecimentos dos peritos, uma vez que a matéria de facto em causa não foi submetida a perícia, nem faria qualquer sentido que fosse. Por sua vez, a testemunha João … não foi indicada, nem inquirida, aos artigos 45º e 46º da base instrutória, porquanto o ilustre mandatário da autora restringiu a sua inquirição à matéria dos artigos 23º ao 38º, 42º, 43º, 49º e 62º, como resulta da ata da sessão da audiência de discussão e julgamento de dia 05.10.2015, a fls. 615-616). A testemunha Jorge … não foi indicada, nem inquirida, ao artigo 46º da base instrutória, como resulta da aludida ata a fls. 616, sendo que relativamente ao artigo 45º da referida base, do seu depoimento não se retira ter o 1º réu silenciado perante a autora que a moradia havia sido construída sem as regras da arte, bastando para tanto atentar nos pequenos excertos transcritos pela autora nas suas alegações a propósito do que disse a testemunha. Assim, para o efeito, apenas relevariam os depoimentos das testemunhas Maria …, amiga da autora, doméstica, não sendo por isso entendida em assuntos de construção civil, e João …, os quais divergem dos depoimentos de parte dos 1ºs réus sobre os referidos factos, mas que não assumem, a nosso ver, um grau suficiente para se poder concluir que o réu marido tenha atuado com dolo ou com a intenção de induzir a autora em erro. Com efeito, apreciando critica e conjugadamente os depoimentos das referidas testemunhas e os depoimentos de parte dos réus[6], ficámos convencidos que inexistiu qualquer dolo ou intenção de enganar a autora, sucedendo apenas que a moradia padece dos defeitos/vícios verificados e dados como provados, na sequência de opções construtivas que, de acordo com as regras da arte, se revelaram desajustadas, sem que daí se possa concluir que os erros de construção de que padece a moradia foram intencionais ou conscientes, no sentido de o 1º réu ter conhecimento de que tais opções teriam as consequências que vieram a ter. De qualquer modo, ainda que os depoimentos das testemunhas Maria … e João … possam criar alguma dúvida sobre a ausência de dolo e intenção de enganar por parte do 1.º réu, a questão resolve-se contra a autora, que é a parte a quem o facto aproveita, nos termos do art. 414º do CPC. Em suma, não há que aditar à matéria de facto dada como provada na sentença os factos vertidos nos artigos 42º, 43º, 45º e 46.º da base instrutória (artigos 47º, 48º, 50º e 51º da petição inicial). Vejamos agora a matéria constante dos pontos 23 e 24 dos factos provados, que correspondem, respetivamente, ao artigo 23º da base instrutória (artigo 26º da p.i.) e ao quesito formulado pela autora antes da realização da perícia (cfr. quesito I de fls. 250 a 252 e resposta dos peritos constante do anexo ao relatório do Instituto da Soldadura e Qualidade, a fls. 507-509. Defende a autora/recorrente que deve ser aditado aos mencionados pontos dos factos provados que, “nas datas neles referidas e até antes, a moradia em questão não tinha condições de habitabilidade”. Ora, a expressão “não ter condições de habitabilidade” é uma conclusão que se retira de factos concretos alegados e provados e não um facto em si, pelo que tal expressão não consta da formulação do artigo 23º da base instrutória, nem da resposta dos peritos no aludido relatório. Naturalmente que em face da factualidade dada como provada nos referidos pontos 22 e 23, terá de concluir-se pela falta de habitabilidade da moradia dos autos, conclusão essa a que chegou, aliás, a sentença recorrida, pelo que não há que aditar a aludida expressão aos mencionados pontos da matéria de facto. Em conclusão, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto e, em consequência: - Adita-se ao elenco dos factos provados, sob o nºs 33-A, 34-A a seguinte factualidade: «33-A) Os 1ºs réus sabiam que a casa se destinava a habitação permanente da autora e do seu companheiro.[7] 34-A) – os 1ºs réus asseguraram à autora que a casa estava bem e solidamente construída, sem defeitos ou vícios e que permitiria boas condições de habitabilidade.[8] 34-B) – A autora ignorava em absoluto as regras de arte e as boas práticas da construção civil, dado exercer a profissão de técnica de radiologia.[9] Da anulação do contrato de compra e venda A alteração da matéria de facto operada por esta Relação, não tem qualquer consequência no plano da validade do contrato de compra e venda da moradia dos autos celebrado entre a autora e os 1ºs réus, porquanto tendo permanecido incólume a demais factualidade dada como provada na sentença, é manifesto que a autora não logrou provar que os 1.ºs réus tivessem usado de qualquer artifício com intenção de enganar a autora para que esta comprasse a casa, pelo que bem andou a Mm.ª Juíza ao condenar aqueles réus na reparação dos defeitos de construção existentes na moradia dos autos, pelo que não haveria muito mais a acrescentar ao que a esse propósito se escreveu na sentença recorrida. Faremos, apenas, umas breves considerações sobre o dolo e o erro. No que respeita ao dolo, importa referir que o facto do réu BB ser o construtor da moradia e, em consequência, dever estar familiarizado com a legis artis da construção civil, tal é manifestamente insuficiente para a prova de que agiu com dolo, considerando, ademais, que não se provou que o mesmo exerça profissionalmente a atividade de construtor civil. Por outro lado, as opções técnicas menos acertadas na construção da moradia por parte daquele réu, não podem ser confundidas com uma atuação dolosa, premeditada, tendente a enganar ou a prejudicar a autora, não tendo esta logrado provar que os 1ºs réus tivessem usado de qualquer artifício com intenção de enganar a autora, para que esta comprasse a casa, como bem se observou na sentença recorrida. Provou-se, é certo, que 1º réu assegurou à autora que a casa estava bem e solidamente construída, sem defeitos ou vícios e que permita boas condições de habitabilidade, mas esse facto não permite qualificar de dolosa a atuação daquele réu, pois essa é uma garantia que se espera de qualquer construtor/vendedor. No limite, este comportamento do réu configuraria um caso de dolus bonus, o qual pode ser assim classificado quando o deceptor recorre a artifícios ou sugestões usuais, consideradas legítimas, segundo as conceções dominantes no comércio jurídico[10], o que se afigura ser o caso. Vejamos de seguida a pretendida anulação do contrato de compra e venda com fundamento em erro. Como categoria heterogénea - entre a mora e o incumprimento definitivo[11] - a doutrina tem procurado definir ou desenhar os contornos da figura do cumprimento defeituoso, afirmando que «na execução defeituosa o devedor realiza a totalidade da prestação (ou parte dela) mas cumpre mal, sem ser nas condições devidas,” valorando a sua autonomia para os “danos que credor não teria sofrido se o devedor de todo não tivesse cumprido a obrigação” ou exigindo certos pressupostos, a saber: realização da prestação contra a pontualidade, aceitação da prestação pelo credor, não conhecendo este o vicio ou, em caso de conhecimento, emitindo reservas, relevância do vicio e verificação de danos específicos.»[12] «Em sentido amplo, o cumprimento defeituoso corresponde a uma desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada. O cumprimento defeituoso depende do preenchimento de quatro condições. A saber: a primeira, ter o devedor realizado a prestação violando o princípio; segunda, ter o credor procedido à sua aceitação por desconhecer a desconformidade, ou conhecendo-a, apontando reserva; terceira, mostrar-se o defeito relevante; quarta, sobrevirem danos típicos.»[13] Não deve, porém, confundir-se erro e cumprimento defeituoso. O erro sobre o negócio pode definir-se como a errada perceção das características que compreendem a razão da transação, condensadas nas cláusulas e condicionamentos que integram o seu resultado final, circunstancialismo este que motivou as partes na ultimação do contrato em obediência aos princípios da boa-fé, dos ditames da lealdade e probidade a que devem obedecer a formação e o cumprimento de todos os negócios jurídicos - há erro sobre as qualidades do objeto quando foi a falsa representação acerca de certas propriedades da coisa que levou o agente a negociar; há erro sobre o objeto do contrato quando foi a falsa representação acerca da identidade da coisa que levou a pessoa a contratar.[14] Verificados os restantes requisitos da sua validade, o erro capaz de poder determinar a anulabilidade do negócio tem de se caracterizar como essencial para a sua ultimação, isto é, o erro-vício só gera a anulabilidade do negócio se for causal; e diz-se causal o erro «quando, a não haver ignorância ou falsa representação de certo motivo que interferiu no fenómeno volitivo, o declarante não quereria celebrar qualquer negócio, ou quereria celebrar negócio diferente, quer quanto ao seu tipo, quer quanto a algum ou alguns dos seus elementos essenciais ou acidentais.»[15] Resumindo, diremos que «[s]e o engano incide sobre a identidade ou a substância do objecto negocial aplica-se o regime geral do erro; pelo contrário, se há equívoco com respeito à qualidade daquele tipo de bem, encontram aplicação as regras do cumprimento defeituoso.»[16] Ora, no caso em apreço, como bem se observou na sentença recorrida, «[a] A. logrou comprovar que os 1ºs RR não deviam ignorar que era essencial para aquela que a casa que adquiria não apresentasse os defeitos e vícios mencionados e tivesse as qualidades necessárias que permitissem habitá-la com o mínimo conforto. Só que nada nos autos nos permite afirmar que à data da outorga da escritura de compra e venda da moradia em causa, tais defeitos já existissem ou que os 1ºs RR soubessem que podiam vir a surgir». Bem andou, pois, a Mm.ª Juíza a quo ao considerar improcedente o pedido de anulação do contrato de compra e venda com base em erro, porquanto a consequência do cumprimento defeituoso é a constituição do devedor em responsabilidade, não havendo lugar a anulação de negócio algum. Por último, o raciocínio expendido pela recorrente de que o termo “anulação” empregue no art. 905º do CC, foi usado no mesmo sentido de “resolução”, não tem qualquer aplicação ao caso dos autos porquanto a mesma parece ignorar que os vendedores da moradia dos autos são, simultaneamente, seus construtores, o que tem implicações determinantes ao nível do regime jurídico aplicável e consequências jurídicas para as partes contratantes. Aqui, sabe-se que o réu marido construiu a moradia dos autos com o auxílio de dois pedreiros e depois, juntamente com a mulher a vendeu à autora. Deste modo deparamo-nos com um construtor vendedor, embora não profissional, colocando-se o problema da aplicabilidade do nº 4 do art. 1225º do CC, isto é, se quem assim atua deve ser responsabilizado, perante o comprador, nos mesmos termos que o empreiteiro, vale dizer, enquanto “vendedor do imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado”. A esta questão tem o Supremo Tribunal de Justiça respondido - posição que também se sufraga -, adotando o entendimento segundo o qual para os efeitos da norma em causa, se deve considerar construtor o vendedor que teve o domínio da construção, enquanto interveniente não estranho à respetiva atividade, designadamente contratando terceiros para a execução das várias fases da obra, em termos de não dever ser reduzido à condição de mero vendedor[17]. Assim, para efeitos de integração do conceito de vendedor construtor, como se escreveu no primeiro dos citados arestos, «[o] conceito de construtor que é utilizado no nº 4 do artigo 1225º do Código Civil é um conceito lato, que tanto abrange o construtor directo como aquele que, profissionalmente, constrói directamente ou mediante contratos com terceiros para vender a adquirentes/consumidores, entendidos no sentido do nº 1 do artigo 2º da lei nº 24/96, de 31 de Julho (Lei de defesa dos consumidores)». Também Calvão da Silva[18] (“) escreve que “quando na compra e venda, o alienante tenha sido também o construtor do imóvel (vendedor e construtor), mas inexista e apesar de inexistir empreitada entre ele e o comprador, aos defeitos da coisa transmitida deve aplicar-se o regime do art. 1255º e não o dos arts. 916º e 917º (…)”. Bem andou, pois, a Mm:º Juíza ao decidir no sentido da condenação dos 1ºs réus à eliminação dos defeitos de que padece a moradia dos autos, revelando-se esta decisão, como bem observa o Banco réu nas contra-alegações, “a mais consentânea com a prova produzida nos autos e a solução mais equilibrada para o presente litígio: os defeitos de que padece a moradia dos autos são elimináveis e reparáveis, ou seja, a situação é reversível”. Assim, inexistindo fundamento para anular o contrato de compra e venda é evidente que inexiste qualquer fundamento para anular o contrato de mútuo celebrado com o Banco recorrido e cancelar a hipoteca, pedidos que, aliás, a autora não deduziu estando por isso vedado à Mm.ª Juíza declarar a anulação do contrato de mútuo e o cancelamento da hipoteca, sob pena de condenação ultra petitum, em violação do disposto no art. 609º, nº 1, do CPC. E o mesmo se diga quanto à pretendida resolução dos contratos. Improcedendo o recurso subordinado da autora, fica prejudicado o conhecimento da ampliação desse recurso requerida pelo réu Banco, respeitante à nulidade da sentença por esta não se ter pronunciado sobre o mérito do incidente de liquidação que foi admitido, e à impugnação da matéria de facto que não foi considerada e entendida como relevante para a procedência daquele incidente. Com efeito, apenas no caso de o Tribunal decretar a anulação do contrato de mútuo celebrado entre a autora e o réu Banco – pedido que, como se viu, nem sequer foi formulado pela autora -, tinha este interesse na referida liquidação, por forma a apurar o capital e os juros em dívida à data de 14.10.2015. Por conseguinte, não se conhece da ampliação do âmbito do recurso subordinado deduzida pelo réu Banco. Sumário: I – O pedido pode ser ampliado até ao encerramento da discussão em 1ª instância, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, mas não se constituir uma mera decorrência da falta da sua formulação logo na petição inicial, altura em que o autor já sabia da existência das circunstâncias nas quais baseia tal ampliação. II – O facto do 1º réu assegurar à autora que a casa estava bem e solidamente construída, sem defeitos ou vícios e que permita boas condições de habitabilidade, não permite qualificar de dolosa a atuação daquele réu, pois essa é uma garantia que se espera de qualquer construtor/vendedor. III - No limite, este comportamento do réu configuraria um caso de dolus bonus, o qual pode ser assim classificado quando o deceptor recorre a artifícios ou sugestões usuais, consideradas legítimas, segundo as conceções dominantes no comércio jurídico. IV - Se o engano incide sobre a identidade ou a substância do objeto negocial aplica-se o regime geral do erro; pelo contrário, se há equívoco com respeito à qualidade daquele tipo de bem, encontram aplicação as regras do cumprimento defeituoso. V - Quando na compra e venda, o alienante tenha sido também o construtor do imóvel (vendedor e construtor), mas inexista e apesar de inexistir empreitada entre ele e o comprador, aos defeitos da coisa transmitida deve aplicar-se o regime do art. 1255º e não o dos arts. 916º e 917º do Código Civil. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em: a) julgar improcedente a apelação dos 1.ºs réus; b) julgar improcedente o recurso subordinado interposto pela autora; c) não conhecer da ampliação do âmbito do recurso subordinado deduzida pelo réu Banco; c) confirmar integralmente a sentença recorrida. d) condenar a autora e os 1.ºs réus nas custas dos respetivos recursos. * Évora, 28 de Junho de 2017 Manuel Bargado Albertina Pedroso Tomé Ramião __________________________________________________ [1] Este ponto da matéria de facto, assim como os pontos 34-A) e 34-B), resultam da alteração à matéria de facto efetuada por esta Relação, nos termos infra desenvolvidos. [2] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, p. 94. [3] Cfr. o Acórdão desta Relação, de 11.10.2012, proc. 1691/11.2, in www.dgsi.pt – como os demais adiante citados sem outra indicação -, assim sumariado: «O pedido pode ser ampliado até ao encerramento da discussão em 1ª instância, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, mas não se constituir uma mera decorrência do esquecimento da sua formulação logo na petição inicial, altura em que o Autor já sabia da existência das circunstâncias nas quais baseia tal ampliação». [4] Proc. 1857/09.5TJVNF.S1.P1. [5] Proc. 1100/11.7TBPTL.G1.S1. [6] Veja-se a este propósito as curtas passagens do depoimento do réu marido transcritas nas alegações. [7] Artigo 41º da base instrutória (artigo 46º da petição inicial). [8] Artigo 44º da base instrutória (artigo 49º da petição inicial). [9] Artigos 47º e 48º da base instrutória (artigos 52º e 53º da petição inicial). [10] Cfr. Acórdão do STJ de 16.11.2000, proc. 01A1245. [11] Cfr. Pedro Romano Martinez, in “Cumprimento Defeituoso. Em especial na Compra e Venda e na Empreitada”, Colecção Teses, Almedina, 2001, págs. 129-157: “[O] cumprimento defeituoso constitui um tipo de responsabilidade contratual ao lado do não cumprimento definitivo e da mora, totais ou parciais, podendo abranger uma multiplicidade de situações.” [12] Cfr. Brandão Proença, in “Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das obrigações”, Coimbra Editora, 2011, pp. 137-138, e ainda Pessoa Jorge, “Lições de Direito das obrigações”, e Pereira Coelho, “Obrigações” (Sumários das Lições ao curso de 1966-1967), citados na obra referida. [13] Cfr. Pedro Romano Martinez, ob. cit., pp. 129 e 130. [14] Antunes Varela, RLJ, ano 119º, p. 125, nota 1. [15] Carvalho Fernandes in Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 2ª ed., p.126. [16] Pedro Romano Martinez, ob. cit., p. 57. [17] Cfr., inter alia, os Acórdãos de 05.03.2013, proc. 3298/05.4TVLSB.L1.S1 e de 13.05.2014, proc. 2576/10.5TBTVD.S1. [18] Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 5ª ed., p. 106, citado no mencionado Ac. do STJ de 13.05.2014. |