Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
293/08.5TBLGS.E2
Relator: ANTÓNIO M. RIBEIRO CARDOSO
Descritores: CONTRATO PARA PESSOA A NOMEAR
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
SUBSTITUIÇÃO DO COMPRADOR
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Processo no Tribunal Recorrido: COMARCA DE LAGOS – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
1 - O contrato para pessoa a nomear só existe quando uma das partes se reserva a faculdade de designar uma outra pessoa que assumirá a sua posição naquela mesma relação contratual, tudo se passando como se esse contrato tivesse sido celebrado com esta última.
2 - A substituição do contraente no contrato para pessoa a nomear, ocorre relativamente ao próprio contrato celebrado, ou seja, tratando-se de contrato-promessa de compra e venda, a substituição ocorre relativamente ao próprio contrato-promessa, isto é, na mesma relação contratual e não apenas no contrato prometido. O substituto ocupa a posição de promitente-comprador e não meramente a de comprador efectivo.
3 - Para que a substituição tenha lugar e seja eficaz, é necessário que ocorra a reservada nomeação dentro do prazo convencionado ou, na falta de convenção, dentro dos cinco dias posteriores à celebração do contrato, devendo a declaração de nomeação ser acompanhada, sob pena de ineficácia, do instrumento de ratificação do contrato (documento escrito ou de maior força probatória, caso o contrato tenha assumido essa forma) ou de procuração anterior à celebração deste.
4 - Não configura contrato para pessoa a nomear aquele em que se fez constar que a escritura de compra e venda poderá ser celebrada com terceiro, que seja indicado pelo promitente comprador, com 30 dias de antecedência, terceiro esse que deverá assumir todas as obrigações decorrentes do contrato-promessa.
Decisão Texto Integral:
[1] J..., residente em… Holanda; Y…, residente em…Holanda; e M…, residente… Quinta do Anjo, Intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário contra: J…, residente…, em Lagos; A…, residente em…, Vila do Bispo; e J…, residente em…, Vila do Bispo, pedindo a condenação destes a entregarem-lhes uma fracção autónoma de tipologia T1, existente no prédio nº …, Lagos, nos termos acordados no contrato-promessa de compra e venda celebrado em 23.01.1997; ou (subsidiariamente), no caso da entrega não ser possível, a sua condenação a entregarem-lhes a quantia monetária equivalente ao valor actual do supra citado imóvel.
Alegam, para tanto, que celebraram, em 23/01/1997, com o R. J… contrato-promessa de compra e venda e permuta de bem futuro, nos termos do qual, os autores prometeram vender a este réu ou a quem ele indicasse, os prédios urbanos descritos na CRP de Lagos, sob os nºs… e …, pelo preço de €27.433,88 (vinte e sete mil quatrocentos e trinta e três euros e oitenta e oito cêntimos) e um apartamento T1 a construir naqueles prédios, a entregar no prazo de 2 anos a contar da celebração do contrato-promessa. A escritura do prometido contrato de compra e venda foi celebrada em 30/04/1997, com a S… Limited, na qualidade de compradora, indicada pelo réu J…, e que era por este controlada e a representou na escritura. Porém, da escritura não ficou a constar a obrigação de entrega do dito apartamento, por o réu E… os ter convencido da desnecessidade de tal consignação. Não obstante, tanto o réu E…, como a S… Limited sempre reconheceram, mesmo depois da escritura, a obrigação de lhes entregar o referido T1. Contudo, apesar de inúmeras insistências nunca lhes foi entregue o dito T1.
Logo em 2001 foram vendidos os prédios descritos sob os nºs… e …, à sociedade C…, Lda., cujos sócios e gerentes são os aqui réus A… e J…, tendo o novo prédio sido constituído em regime de propriedade horizontal em 09.03.2004, composto de uma fracção autónoma para escritório/serviços e oito fracções autónomas para habitação, todas elas de tipologia T1, valendo, actualmente, cada uma destas, pelos menos, €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).

Citados, os réus contestaram.

O réu J… invocou a sua ilegitimidade, com o fundamento de que, tendo transmitido para a sociedade S… todas obrigações que tinha para com os autores, no âmbito do contrato com os mesmos celebrado, é parte ilegítima na presente acção, já que deveria ter sido intentada contra a referida sociedade. Impugna, ainda, parte da factualidade alegada pelos autores concluindo pela improcedência da acção.
Os réus J… e A… impugnaram parte da factualidade alegada pelos autores nomeadamente o valor por aqueles atribuído aos apartamentos T1 construídos nos prédios que foram vendidos pelos autores e alegaram não terem celebrado qualquer contrato com os autores nem terem assumido qualquer obrigação para com aqueles, designadamente de entrega de qualquer apartamento.
Concluíram pela improcedência da acção.

Replicaram os autores, pugnando pela improcedência da excepção de ilegitimidade.

Foi proferido despacho saneador, absolvendo os réus da instância, por serem partes ilegítimas, decisão que, em recurso, foi revogada, tendo os réus sido julgados partes legítimas e prosseguindo os autos para apreciação do mérito da causa.

Seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e o réu J… condenado “a pagar aos autores a quantia, a liquidar em execução de sentença, equivalente ao valor de mercado, em 23/01/1999, de um apartamento T1, com a localização dos prédios nas alíneas a) e b) do ponto 1. dos factos provados da presente sentença”, tendo no mais sido a acção julgada improcedente.

Inconformado com esta decisão, interpôs o R. J… o presente recurso de apelação impetrando a revogação da sentença e a sua absolvição.

Os AA. e os demais RR. contra-alegaram pugnando pela manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Formulou o apelante, nas alegações de recurso, as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o seu objecto [2] e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:
“Da matéria de facto:
I. Pela douta sentença, foi o Réu J… condenado a pagar aos autores a quantia, a liquidar em execução de sentença, equivalente ao valor de mercado, em 23/01/1999, de um apartamento T1, com a localização dos prédios sitos na Rua…, em Lagos, bem como em custas do processo
II. Sendo que o caso inicia-se em 23 de Janeiro de 1997, quando AA. e Réu - aqui apelante - celebraram um contrato-promessa de compra e venda e de permuta de bem futuro, através do qual os AA lhe prometiam vender, ou a quem este indicasse, imóveis a) prédio urbano sito na Rua…, em Lagos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o nº… e inscrito na respectiva matriz sob o artigo…; e b) prédio urbano sito na Rua…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o nº…, fls.59 vº, do Livro B-5 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo…, o qual veio a receber a descrição predial…
III. Nos termos da cláusula 7º do citado acordo, a escritura de compra e venda, poderia ser celebrada com pessoa a nomear, indicada pelo Réu, aqui apelante J…, sendo que esse terceiro assumiria a totalidade das obrigações estipuladas no contrato-promessa.
IV. Para pagamento do preço, foi entregue aos AA a quantia de 5.500.000$00 e a promessa de um apartamento de tipologia T1, a construir nos prédios objecto daquele acordo.
V. A escritura de compra e venda realizou-se no dia 30 de Abril de 1997 e conforme previsto na cláusula 7º do citado acordo, foi celebrada com um terceiro, na qualidade de comprador, indicado pelo Apelante J…
VI. A sociedade compradora foi a "S…", com sede em suite 2B… Gibraltar, pessoa colectiva nº…, a qual era controlada pelo R. J… e foi pelo mesmo representada na escritura, nos termos da procuração arquivada no Cartório Notarial de Lagos.
VII. A obrigação de entrega do dito apartamento não ficou a constar da escritura de compra e venda.
VIII. Contudo, resulta inequivocamente que apesar de não ter ficado mencionado o apartamento de tipologia T1 na escritura de compra e venda, o Apelante transmitiu de forma inequívoca todas as obrigações para com os AA à Sociedade "S… Limited"
IX. Os AA tinham disso conhecimento, aliás estiveram presentes na assinatura da escritura de compra e venda.
X. Tal como, disso tinham conhecimento e, da natureza das referidas obrigações, os RR A… e J…, como aliás, resultou claramente da leitura dos artigos 53º, 54º e 55º da contestação apresentada pela "S… Limited" Ré na Acção de Processo Sumário, com o n.º 264/1997, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos e que os AA, juntaram neste processo na Petição Inicial como Doc. n.º3, onde dizia a "S… Limited":
"53º Ora, nos termos da promessa celebrado entre J… - que posteriormente transmitiu a sua posição contratual à R - e os RR M… e J…, que se junta e se dá por reproduzida, pela compra de dois prédios - o dos autos e outro - tem a R de efectuar as seguintes prestações - doc. 9:
54º: pagamento em numerário, no valor de 5.500.000$00, conforme artigo 3º do contrato – doc. 9;
55º: um apartamento tipo T-1 dos que vierem a constar do edifício que vier a ser implantado no local, conforme o mesmo artigo - doc. 9"
XI. O douto tribunal “a quo" não tomou em consideração esta factualidade que demonstra o reconhecimento da obrigação, logo: a sua efectiva transmissão da esfera jurídica do Réu para a sociedade "S… Limited"
Da matéria de Direito:
XII. Nos termos do disposto do artigo 26º nº1 do CPC, o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o Réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.
XIII. Por sua vez, o n.º2 daquele normativo legal, resulta que o interesse em demandar se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
XIV. É certo que o Apelante J… figura no contrato como promitente comprador, no entanto, logo aí, ficou expressamente conferida a possibilidade de nomear um terceiro para realizar o contrato prometido, que assumiria todas as obrigações do promitente comprador.
XV. Verificamos, pois, que foi a sociedade "S… Limited" quem assumiu as obrigações que, na promessa, cabiam ao Apelante.
XVI. Também é certo que na escritura pública de compra e venda foi o aqui Apelante que outorgou, mas saliente-se que apenas na qualidade de procurador da sociedade.
XVII. Ora, à luz do nosso sistema jurídico é uma pessoa colectiva constituída com personalidade e capacidade jurídica.
XVIII. Pelo que o facto de ter assinado na qualidade de procurador não o responsabiliza pelas obrigações que efectivamente foram assumidas pela sua representada.
XIX. Não resulta em parte alguma do processo que o Apelante seja ou tenha sido sócio da sociedade adquirente, foi apenas seu procurador.
XX. Nestes termos, não pode, portanto, resultar qualquer responsabilidade pessoal do Apelante após a celebração do contrato prometido.
XXI. Não pode igualmente dizer-se que a totalidade das obrigações não se transmitiram, pois repita-se a "S… Limited”reconheceu essa obrigação.
XXII. Conclui-se portanto, que a insistência dos AA em demandar o Apelante é manifesta vontade subjectiva de trazer ao processo alguém que nada tem a ver com o mesmo, com o objectivo de responsabilizar quem quer que seja.
XXIII. Isso pode igualmente retirar-se do simples facto, de terem os AA demandado em todos os sentidos, demandando diversos RR, pois que na verdade, os próprios AA demonstraram assim, saberem que o Apelante J… não seria responsável pelo cumprimento da obrigação, tendo a mesma sido devidamente transmitida e assumida pela "S… Limited'"
XXIV. Pelo exposto, e sempre com o mui devido respeito, entende-se que o tribunal "a quo" decidiu mal e em violação do disposto no artigo 26º do Código de Processo Civil, pelo que deverá a douta sentença recorrida ser revogada e em consequência ser o Réu/Apelante absolvido.”

ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO
QUESTÃO PRÉVIA
Pese embora o recorrente tenha formulado conclusões relativas à matéria de facto, o certo é que não vem requerida a sua alteração com observância dos requisitos estabelecidos no art. 685º-B do Código de Processo Civil, sendo certo que também não se verifica qualquer das hipóteses previstas no art. 712º do mesmo diploma.
Pelo referido não iremos abordar a questão da alterabilidade da matéria de facto, aliás não expressamente requerida.
Ainda assim se dirá que o pretenso reconhecimento da S… Limited feito na contestação na Acção de Processo Sumário, com o n.º 264/1997, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos de que por força do contrato-promessa aqui em causa e da transmissão para si da posição ali assumida pelo ora recorrente, está obrigada a entregar aos AA um apartamento tipo T-1, não tem aqui valor probatório vinculado.
Desde logo, porque foi efectuado noutro processo em que dois dos ora AA. eram co-réus da S… Limited e perante o A. naquela acção que não é parte nestes autos, como também o não é a pretensa confitente, sendo certo que se tratou da admissão de um facto que ali lhe era favorável, não tendo, por isso, qualquer valor de confissão (arts. 352º, 355º, nº 3 e 356º do CC).
Mas, mesmo que tivesse o valor de confissão, e não tem, a sua força probatória plena limitar-se-ia ao próprio confitente, a S… Limited (art. 358º, nº 1) que, repete-se, não é parte nestes autos.
Cumpre porém que se altere o facto consignado sob o nº 2 dos factos provados de forma a que nele conste exactamente o exarado na referida cláusula do contrato-promessa. Na verdade refere-se no sobredito facto que na cláusula 7ª consta que o terceiro assumiria as obrigações estipuladas no provado contrato”. Não é todavia o que consta do contrato. Nele se estabeleceu que o terceiro deverá assumir todas as obrigações estipuladas no contrato”.
Assumiria ou deverá assumir, não tem exactamente o mesmo significado.
Por conseguinte altera-se o facto consignado sob o nº 2 que passará a ter a seguinte redacção: “2. Nos termos da cláusula 7ª) do provado contrato, a escritura de compra e venda, relativa aos provados prédios, poderia ser celebrada com terceiro indicado pelo primeiro Réu E…, terceiro esse que deverá assumir as obrigações estipuladas no provado contrato”.

Face às conclusões formuladas (em sede de matéria de direito), as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:
1 – Se a decisão recorrida violou o estabelecido no art. 26º do Código de Processo Civil;
2 – Se o contrato-promessa celebrado entre os AA e o recorrente configura um contrato para pessoa a nomear;
3 – Se é o recorrente o responsável pelo cumprimento do contrato-promessa no que tange à entrega do imóvel aos AA ou ao pagamento do correspondente valor.

FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Vêm provados os seguintes factos:
1. No dia 23 de Janeiro de 1997, os Autores e o Réu E… celebraram um contrato-promessa de compra e venda e permuta de bem futuro, através do qual os Autores prometiam vender ao Réu, ou a quem este indicasse, os seguintes imóveis: a) Prédio urbano sito na Rua…, em Lagos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o nº… da freguesia de São Sebastião, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo…; b) Prédio urbano sito na Rua…, em Lagos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o nº… a fls. 59 vº do livro B-25 (hoje nº 2614/261094), e inscrito na matriz urbana da freguesia de São Sebastião sob o artigo…, o qual veio a receber a descrição predial...
“2. Nos termos da cláusula 7ª) do provado contrato, a escritura de compra e venda, relativa aos provados prédios, poderia ser celebrada com terceiro indicado pelo primeiro Réu E…, terceiro esse que deverá assumir as obrigações estipuladas no provado contrato”
3. Para pagamento do preço, obrigou-se o Réu E… a entregar aos Autores a quantia de 5.500 contos, ou seja, 27.433,88 euros (vinte e sete mil, quatrocentos e trinta e três euros e oitenta e oito cêntimos), e um apartamento de tipologia T-um, a construir nos provados prédios.
4. A referida quantia de 5.500 contos (27.433,88 euros) teria que ser paga da seguinte forma: a) O montante de 2.000 contos (9.975,96 euros), na data da assinatura do contrato-promessa, celebrado em 23.01.1997; b) Os restantes 3.500 contos (17.457,93 euros), na data da escritura de compra e venda.
5. O provado apartamento tipo T-um, enquanto forma de pagamento parcial do preço, teria que ser entregue aos Autores no prazo máximo de dois anos a contar da data do contrato-promessa, salvo caso de força maior.
6. A escritura de compra e venda realizou-se a 30 de Abril de 1997 e, conforme previsto na aludida cláusula 7ª), foi celebrada com um terceiro, na qualidade de comprador, sendo este terceiro a sociedade S… Limited, com sede em Suite…, Gibraltar, NIPC…, a qual foi representada pelo Réu E…, proprietário da dita sociedade, mas que outorgou com procuração, que ficou arquivada no Cartório Notarial de Lagos.
7. A obrigação de entrega do apartamento provado em C) não ficou a constar da escritura de compra e venda.
8. O Réu E… pagou aos Autores a quantia de 2.000 contos em 23.01.1997, e bem assim 3.500 contos na data de realização da escritura, em 30.04.1997.
9. Nunca foi entregue aos Autores o apartamento referido em 3.
10. O edifício construído nos prédios referidos em 1. sofreu um atraso na sua conclusão, quanto ao prazo previsto no contrato-promessa (Janeiro 1999), pois apenas foi concluído em meados de 2003, e participado à matriz em 14.02.2003, com a sua descrição predial averbada em 12.12.2003.
12. Os prédios referidos em 1. foram entretanto anexados, passando a constar como um único prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o nº … da freguesia de São Sebastião, em cuja matriz se encontra inscrito sob o artigo…
13. Os prédios referidos em 1. foram vendidos pela sociedade S… Limited, representada pela Ré A…, à sociedade C…, Lda, representada pelo Réu J… e por H…, por escritura pública de compra e venda outorgada no dia 23 de Janeiro de 2001.
14. Em 8 de Março de 2001, os Réus J… e A… eram os únicos sócios e gerentes da sociedade C…, Lda.
15. Sobre o prédio referido em 13. foi em 26 de Abril de 2002 inscrita hipoteca a favor de BNC - Banco Nacional de Crédito Imobiliário, SA, garantindo o montante máximo de 373.945,00 euros.
16. Sobre o prédio referido em 13. foi inscrita no dia 9 de Março de 2004 a constituição de propriedade horizontal, com as fracções A, B, C, D, E, F, G, H e I, sendo a primeira destinada a escritório e serviços, e todas as demais destinadas a habitação.
17. Os Réus J… e A… encontram-se inscritos como proprietários das fracções E, F e G.
18. O Réu E… nunca deu conhecimento aos Autores do provado em 12., 13., 14., 15., 16. e 17.
19. Em 16 de Setembro de 1997, o Réu E…, em representação de S… Limited, e o Réu J… assinaram um contrato-promessa de compra e venda redigido pelo Réu E…, tendo por objecto o prédio sito na Rua…, em Lagos, inscrito sob o artigo… da matriz urbana da freguesia de São Sebastião, e prédio Rua…, inscrito sob o artigo… na mesma matriz, sendo o preço 22.000 contos, e tendo as assinaturas dos intervenientes sido, na mesma data, reconhecidas presencialmente no Cartório Notarial de Lagos.
20. A 22 de Outubro de 1997, o Réu E…, em representação de S… Limited, e o Réu Johann assinaram um documento, redigido por aquele Réu, que intitularam “Adicional ao contrato-promessa de compra e venda celebrado em 16 de Setembro de 1997”, no qual o primeiro réu declara ter recebido 4.000 contos como reforço de sinal, sendo o remanescente a pagar no acto da escritura, e tendo a assinatura desse primeiro réu sido, na mesma data, reconhecida presencialmente, na qualidade em que a outorgou, no Cartório Notarial de Lagos.
21. O Réu E… e os Réus J… e A… acordaram em que seria o capital da sociedade S… a ser transmitido por aquele a estes, em vez dos prédios, pelo que, em 5 de Dezembro de 1997, o Réu E… redigiu e assinou uma declaração, na qual declara, como “proprietário da empresa S… LIMITED”, vender esta empresa na totalidade a J… e a A… em partes iguais.
22. Desde a data da conclusão do edifício, que os Autores insistiram, inúmeras vezes, junto do Réu E… pela entrega do apartamento referido em 3.
23. O Réu E… sempre se comprometeu a entregar o apartamento referido em 3. e sempre reconheceu tal obrigação.
24. O referido em 7. ocorreu, porque o Réu E… convenceu os Autores da desnecessidade de que a obrigação de entrega do apartamento ficasse a constar da escritura, atenta a relação de confiança e amizade existente entre aquele e os autores.
25. A sociedade S… tinha necessidade de financiamento para a construção do edifício, mas o BNC recusou financiá-la, por se tratar de sociedade estrangeira sem estabelecimento em Portugal.
26. Aconselhados pelo BNC, os Réus J… e A… constituíram a sociedade C…, que adquiriu os prédios, tendo o BNC financiado a construção do edifício.".

Debrucemo-nos então sobre as questões propostas, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões do recurso [3].

1 – Se a decisão recorrida violou o estabelecido no art. 26º do Código de Processo Civil.
O questionado art. 26º do Código de Processo Civil consagra o conceito de legitimidade processual das partes.
Trata-se, porém, de questão já decidida nos autos com trânsito em julgado, tendo o R. ora recorrente sido julgado parte legítima, decisão cuja estrita observância se impõe neste processo já que nele tem força obrigatória (art. 672º do Código de Processo Civil).
Por conseguinte, não nos iremos alongar sobre esta questão, concluindo tão só que, sendo o ora recorrente parte legítima, não se mostra violado na sentença recorrida o art. 26º do Código de Processo Civil.

2 – Se o contrato-promessa celebrado entre os AA e o recorrente configura um contrato para pessoa a nomear.
O contrato para pessoa a nomear tem sido definido pela doutrina de uma forma mais ou menos coincidente.
A. Varela [4] define-o como sendo “o contrato em que uma das partes se reserva a faculdade de designar uma outra pessoa que assuma a sua posição na relação contratual como se o contrato tivesse sido celebrado com esta última”.
Almeida Costa [5] ensina que tal contrato “existe quando um dos intervenientes se reserva a faculdade de indicar posteriormente outra pessoa que assume a posição de parte, por ele ocupada, na relação contratual”.
Para Galvão Telles [6] o contrato para pessoa a nomear “dá-se quando um dos intervenientes se reserva a faculdade de designar outra pessoa como parte, vindo os efeitos jurídicos a projectar-se sobre essa pessoa em caso de designação”.
Menezes Cordeiro [7] define-o como sendo “aquele em que, na celebração, uma das partes recebe direito de nomear um terceiro para adquirir a sua posição de contratante”.
Menezes Leitão [8] ensina: “o contrato para pessoa a nomear verifica-se quando um dos intervenientes no contrato se reserva a faculdade de designar outrem para adquirir os direitos ou assumir as obrigações resultantes desse contrato (art. 452.°, n.º 1). Trata-se assim de um caso em que se admite uma dissociação subjectiva entre a pessoa que celebra o contrato e aquela onde vão repercutir-se os respectivos efeitos jurídicos. Na verdade, efectuada a designação, os efeitos do contrato vão repercutir-se directamente na esfera do nomeado. Não ocorre, por isso, qualquer transmissão entre o nomeante ou nomeado. Dá-se antes um fenómeno de substituição de contraentes, uma vez que, após a nomeação, o contraente nomeado adquire os direitos e assume as obrigações provenientes do contrato a partir do momento da celebração dele (art. 455.º, n.º 1). A nomeação tem assim eficácia retroactiva, tudo se passando como se o nomeado fosse parte no contrato desde o seu início”.
Porém, nos termos dos arts. 453º e 454º, para que a substituição tenha lugar e seja eficaz é necessário que ocorra a reservada nomeação dentro do prazo convencionado ou, na falta de convenção, dentro dos cinco dias posteriores à celebração do contrato. Para além disso, a declaração de nomeação deve ser acompanhada, sob pena de ineficácia, do instrumento de ratificação do contrato (documento escrito ou de maior força probatória, caso o contrato tenha assumido essa forma) ou de procuração anterior à celebração deste.
Resulta daqui, que a substituição do contraente no contrato para pessoa a nomear, ocorre relativamente ao próprio contrato celebrado, ou seja, tratando-se de contrato-promessa de compra e venda, a substituição ocorre relativamente ao próprio contrato-promessa, isto é, na mesma relação contratual e não apenas no contrato prometido. O substituto ocupa a posição de promitente comprador e não meramente, como no caso, a de comprador efectivo.
Dizendo de outra forma, “apenas ocorre um contrato para pessoa a nomear se, no contrato-promessa, o promitente-comprador se reserve a faculdade de designar outra pessoa para assumir a sua posição no contrato-promessa, como se com essa pessoa ele tenha sido celebrado” [9].
E, como dissemos, para que o nomeado fique obrigado nos termos contratuais, necessário se torna que a respectiva nomeação ocorra no prazo convencionado ou nos cinco dias posteriores à celebração do contrato e com observância dos sobreditos requisitos formais e substanciais.
No caso, o que se provou foi apenas que a escritura de compra e venda, relativa aos provados prédios, poderia ser celebrada com terceiro indicado pelo primeiro Réu E…, terceiro esse que deveria assumir as obrigações estipuladas no provado contrato e que a escritura de compra e venda realizou-se a 30 de Abril de 1997 e, conforme previsto… foi celebrada com um terceiro, na qualidade de comprador, sendo este terceiro a sociedade S… Limited, com sede em…, Gibraltar, NIPC…, a qual foi representada pelo Réu E…, proprietário da dita sociedade, mas que outorgou com procuração, que ficou arquivada no Cartório Notarial de Lagos.
Confrontado este clausulado com o que deixámos dito, facilmente se conclui que não estamos perante qualquer contrato para pessoa a nomear.
E não estamos, desde logo, porque não ocorreu qualquer nomeação do substituto nos prazos referidos com observância dos formalismos referidos.
O que ocorreu foi a mera substituição do comprador no contrato prometido e não no contrato-promessa.
E não se tratando de contrato para pessoa a nomear, impõe-se a conclusão de que o comprador não assumiu as obrigações decorrentes do contrato-promessa para o promitente-comprador, uma vez que não foi o seu contraente.
Tem a jurisprudência vindo a decidir uniformemente no sentido de que “não consubstancia contrato para pessoa a nomear o contrato-promessa de compra e venda no qual o promitente-vendedor promete vender ao promitente-comprador, ou a quem ele indicar “ [10].
Mas mesmo que se entendesse que se trata de contrato para pessoa a nomear, ainda assim a conclusão de que apenas o ora recorrente se obrigou na qualidade de promitente-comprador impõe-se pelo facto de não ter ocorrido a nomeação nos termos e pela forma que referimos.
Estabelece, efectivamente, o art. 455º nº 2 do Código Civil que, não sendo feita a declaração de nomeação nos termos legais, o contrato produz os seus efeitos relativamente ao contraente originário, desde que não haja estipulação em contrário.
Como, no caso, não existe estipulação em contrário, o contrato-promessa apenas produz os seus efeitos relativamente ao recorrente.
Por conseguinte e ao contrário do que pretende o recorrente, as obrigações que assumiu no contrato-promessa não se transmitiram para a compradora por ele indicada, a S… Limited.
E aqui chegados, a conclusão parece evidente e ausente de dúvidas. Foi o recorrente que se obrigou a entregar aos AA o apartamento T-1, como prometido, não se tendo essa obrigação transmitido para quem quer que fosse nomeadamente para a S… Limited ou para qualquer dos demais RR.
Repare-se ainda, que não consta do contrato-promessa que o comprador que viesse a ser indicado assumiria as obrigações decorrentes do contrato-promessa mas que deverá assumir, o que pressupõe uma declaração de vontade do comprador nesse sentido, declaração essa que não vem provada.
Não deixa igualmente de ser esclarecedor o facto provado de que foi o recorrente que “pagou aos Autores a quantia de 2.000 contos em 23.01.1997, e bem assim 3.500 contos na data de realização da escritura, em 30.04.1997”, com o que, obviamente, cumpriu parcialmente com o que se obrigou no contrato-promessa.
Está assim dada a resposta à segunda das questões propostas.

3 – Se é o recorrente o responsável pelo cumprimento do contrato-promessa no que tange à entrega do imóvel aos AA ou ao pagamento do correspondente valor.
A resposta a esta questão afigura-se-nos clara e resulta já do que atrás dissemos.
Como referimos relativamente à questão anterior, o obrigado no contrato-promessa foi o ora recorrente, não se tendo transmitido para a compradora dos imóveis as obrigações de pagamento assumidas por aquele.
Problema diverso seria se na escritura a compradora tivesse assumido a obrigação do pagamento. Mas não foi esse o caso. Vem provado que a obrigação de entrega do apartamento… não ficou a constar da escritura de compra e venda.
Não deixa, aliás, de ser esclarecedor o facto provado, repete-se, de que foi o ora recorrente quem pagou aos Autores a quantia de 2.000 contos em 23.01.1997, e bem assim 3.500 contos na data de realização da escritura, em 30.04.1997 e não a compradora S… Limited, como certamente aconteceria se a obrigação do pagamento se tivesse transmitido para a compradora designadamente por cessão da posição contratual.
Está provado que nunca foi entregue aos Autores o apartamento em causa, sendo certo que os Autores insistiram, inúmeras vezes, junto do Réu E… pela sua entrega, o qual sempre se comprometeu a entregar o apartamento referido.... e sempre reconheceu tal obrigação, como claramente vem provado.
É pois inquestionável que, por força do sobredito contrato-promessa, o recorrente se obrigou, para além do já realizado pagamento em dinheiro, a entregar o apartamento, sendo que, nos termos do art. 406º do Código Civil, o contrato deve ser pontualmente cumprido.
Pese embora não venha questionado se o incumprimento do recorrente foi definitivo, ainda assim se dirá que, tendo-se provado que o recorrente não é o proprietário de qualquer dos imóveis, seja do terreno seja dos apartamentos e que apesar das diversas insistências dos AA. junto dele para que lhes entregasse o apartamento nunca o fez, teremos que concluir que o incumprimento foi definitivo.
Por conseguinte, bem decidiu o tribunal “a quo”ao condenar o recorrente no pagamento da quantia correspondente ao valor do apartamento em causa, por não ser possível a sua entrega, dado que o mesmo não é proprietário de qualquer dos aludidos apartamentos.
Donde concluímos que o recurso não merece provimento.

DECISÃO
Termos em que se acorda, em conferência, nesta Relação:
1. Em negar provimento ao recurso;
2. Em confirmar a sentença recorrida;
3. Em condenar o recorrente nas custas.
Évora, 11.07.2013
(António Manuel Ribeiro Cardoso)
(Acácio Luís Jesus Neves)
(José Manuel Bernardo Domingos)
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[1] Relatório elaborado tendo por base o exarado na douta sentença recorrida.
[2] Cfr. arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.
[3] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 713º, n.º 2 e 660º, n. 2 do CPC.
[4] In Das Obrigações em Geral, vol. I, 4ª ed., pág. 349.
[5] In Direito das Obrigações, 4ª ed., pág. 240.
[6] In Direito das Obrigações, 5ª ed., pág. 133.
[7] In Direito das Obrigações, 1980, 1°, pág. 544.
[8] In Direito das Obrigações, 3ª ed., vol. I, pág. 275.
[9] Ac. do STJ de 27.11.2012, processo 490/10.3TBPTM.E1.S1, im www.dgsi.pt. No mesmo sentido os acs. da RP de 9.12.1991, in BMJ, 412º/551, da RL de 20.02.1990, in CJ, 1992, 1º/162.
[10] Ac. do STJ de 19.10.2000, processo. 00B1734. No mesmo sentido o aresto referido na nota anterior, os acs. da RP de 13.02.1990, processo. 079643 e de 4.01.1990, processo. 0224433 e o ac. do STJ de 26.02.1991, processo. 079394, todos em www.dgsi.pt.