Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
23/24.4T8PTM.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: COBRANÇA DE ALIMENTOS
SENTENÇA ESTRANGEIRA
RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS EM MATÉRIA CIVI
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - A Convenção de Haia de 23 de novembro de 2007, Convenção de Haia sobre Cobrança Internacional de Alimentos em benefício dos Filhos e de outros Membros da Família prevê no seu artigo 23.º um procedimento relativo a um pedido de reconhecimento e execução de decisões existentes e proferidas em Estado estrangeiro em matéria de alimentos que exclui a necessidade de o credor obter uma nova decisão no Estado onde a decisão será executada.
2 - Tal procedimento – prévio à execução da decisão – visa conceder eficácia e executoriedade no ordenamento jurídico interno a decisões judiciais proferidas num outro Estado.
3 - Em face do disposto no artigo 73.º, alínea e), da LOSJ, o tribunal hierarquicamente competente para conhecer da presente ação é o tribunal da Relação (e não o tribunal de comarca).
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 23/24.4T8PTM.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntas: Anabela Luna de Carvalho
Eduarda Branquinho


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO

I.1.

(…), autora e aqui representada por sua mãe (…) na ação especial de reconhecimento e execução de sentença proferida por tribunal estrangeiro, interpôs recurso do despacho proferido pelo Juízo de Família e Menores de Portimão, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual julgou verificada a exceção de incompetência absoluta do Juízo de Família e Menores e, consequentemente, indeferiu liminarmente o requerimento inicial.

Na ação pediu-se que fosse declarada, reconhecida e executada a sentença proferida pela 1.ª Vara Cível da Comarca de Orlândia, no Brasil, mediante a qual o requerido (…) ficou obrigado ao pagamento à sua filha menor, e a título de alimentos, da quantia mensal correspondente a 1244 reais, atualizável anualmente pelo índice concedido ao salário mínimo, com início em 10/08/2012, para além do pagamento do convénio médico da (…), da escola da menor (Escola … de Orlândia) e até ao término da universidade. Alegou a requerente que a sentença de alimentos não foi cumprida pelo requerido e que à data de 13 de julho de 2021 as quantias em dívida perfaziam um total de 170.640,96 reais.

A decisão sob recurso tem o seguinte teor:

«(…), melhor identificada nos autos, veio requer, contra (…), também ele melhor identificado nos autos, que seja declarada reconhecida e executória a sentença proferida em São Paulo, Brasil, a 16 de Julho de 2012, nos termos da qual foi o Requerido condenado a pagar alimentos à filha de ambos, (…), à luz dos termos previstos no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), da Convenção da Haia de 23 de Novembro de 2007, sobre a Cobrança Internacional de Alimentos em benefício dos Filhos e de outros Membros da Família (doravante “Convenção”).
Alegou para o efeito, e em síntese, que reside no Brasil com a filha do Requerido, que o Requerido reside em Portugal, mais propriamente em (…). Que por acordo celebrado e homologado pelos Tribunais no Brasil, onde o progenitor se deslocou, este ficou obrigado a pagar alimentos à filha nos termos da sentença que juntou e que pretende ver declarada reconhecida e executória. Mais referiu que foi iniciado o respetivo procedimento junto da Autoridade Central no Brasil, por sua vez remetido à Autoridade Central em Portugal o qual preenche todos os fundamentos de facto e de direito com vista à declaração requerida.
Foi determinado o contraditório quanto à competência deste Juízo de Família e Menores, tendo respondido a Requerente pugnado pela competência deste Juízo de Família e Menores com fundamento, muito em síntese, no procedimento de direito interno (artigos 978.º e segts. do Código de Processo Civil) ser diferente do previsto na Convenção devendo este se sobrepor. Mais arguindo que, por aplicação analógica do que o legislador previu para outros instrumentos, deve entender-se que também nesta Convenção é de se entender que será competente o Tribunal de Comarca e não os Tribunais da Relação.
Cumpre apreciar e decidir.
Portugal e o Brasil são ambos signatários da Convenção.
Está em causa o pedido de reconhecimento e execução de uma obrigação alimentar decorrente de uma relação de filiação relativamente a pessoa com menos de 21 anos (artigos 1.º, alínea c) e 2.º, n.º 1, alínea a)). A Requerente e a filha, nascida a 23.11.2004, residem no Brasil e o progenitor em Portugal.
A decisão foi proferida por um Tribunal no Brasil (artigo 19.º, n.º 1, da Convenção), as bases para o seu reconhecimento são as estatuídas na artigo 20.º da mesma Convenção e os motivos de recusa os previstos no artigo 22.º do mesmo Diploma.
Considerando o caso concreto em que o pedido foi formulado via Autoridade Central, o procedimento para o reconhecimento é o previsto no artigo 23.º da Convenção.

Estabelece o artigo 23.º que “1. Sob reserva das disposições da presente Convenção, os procedimentos de reconhecimento e execução são regidos pela lei do Estado requerido”.
O artigo 23.º da Convenção, nos seus 11 artigos que aqui damos por reproduzidos por economia de meios, define o procedimento a adotar com vista a apreciar do pedido de reconhecimento e execução.
É inequívoca a primazia da Convenção face ao direito interno por força do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Aliás, no próprio direito interno, o artigo 978.º, n.º 1, do Código de Processo Civil exceciona, na sua primeira parte, tudo o que se encontra estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais.
Com efeito, à luz do direito interno (artigo 978.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), “Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada”, vide ainda artigo 706.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Destarte, inequivocamente o procedimento a adotar é o estatuído à luz da Convenção, mormente o procedimento desenvolvido no seu artigo 23.º que se sobrepõe e que difere na sua tramitação processual ao artigo 978.º e segts. do Código de Processo Civil.
No entanto, nem o artigo 23.º da Convenção nem qualquer outro artigo do mesmo instrumento define, como não poderia deixar de ser por tal respeitar à soberania de cada Estado Parte, qual é o tribunal/entidade/autoridade competente no Estado Requerido para conhecer de tal pedido, limitando o artigo 23.º no seu n.º 2 a dizer: “Quando um pedido de reconhecimento e execução de uma decisão foi apresentado através das autoridades centrais em conformidade com o capítulo III, a autoridade central requerida deve sem demora: a) Transmitir o pedido à autoridade competente, que declara imediatamente a decisão executória ou a regista para efeitos de execução; ou b) Tomar tais medidas, se for a autoridade competente”.
Ao contrário do procedimento adotado para outras Instrumentos internacionais e europeus, como sejam até os indicados na argumentação da Requerente (Convenção de Lugano II e Regulamento 4/2009, do Conselho, de 18 de Dezembro de 2008) quanto a esta Convenção Portugal não indicou qual seria o Tribunal competente.
Se não o fez, temos, antes de tentar preencher uma qualquer lacuna do legislador – como por exemplo, de acordo com posição da ora Requerente, recorrendo a uma analogia com outros Instrumentos –, de procurar na legislação de direito interno se existe alguma norma aplicável quanto a tal matéria.
Ora, no caso presente, claramente estatui o artigo 979.º do Código de Processo Civil que “Para a revisão e confirmação é competente o tribunal da Relação da área em que esteja domiciliada a pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, observando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 80.º a 82.º”.
O artigo 68.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, inserido sistematicamente na competência em razão da hierarquia, estipula que “As Relações conhecem dos recursos e das causas que por lei sejam da sua competência”.
Também na Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) se estabelece no artigo 73.º, alínea e), que “Compete às secções [do Tribunal da Relação], segundo a sua especialização: (…) Julgar os processos de revisão e confirmação de sentença estrangeira, sem prejuízo da competência legalmente atribuída a outros tribunais;”, sendo que nem à luz da LOSJ, nem do Código de Processo Civil, nem noutra legislação existe qualquer disposição legal conferindo competência aos Tribunais de Família e Menores para a revisão e confirmação de sentença, a qual, à partida é da competência do Tribunal da Relação, in casu, Tribunal da Relação de Évora.
Nesta medida entendemos que o legislador não tendo indicado o Tribunal competente, tem salvaguardada a questão pelo regime geral de direito interno, aplicável por nessa parte não estar previsto na Convenção, e tal não obsta a que o procedimento a seguir, de acordo com o Tribunal competente seja de acordo com o prevalecente na própria Convenção.
Com efeito, também por este entendimento estão salvaguardadas todas as necessidades de celeridade, simplificação e eficácia que estão na génese e nos considerandos iniciais da Convenção, pois mesmo no Tribunal da Relação o procedimento simplificado é o previsto na Convenção com ulterior remessa nos termos do art.º 86.º do Código de Processo Civil (cfr. ainda artigo 90.º do Código de Processo Civil).
A incompetência em razão da hierarquia por violação dos artigos 68.º, n.º 1 e 979.º, ambos do Código de Processo Civil, e artigo 73.º, alínea e), da LOSJ, consubstancia uma exceção dilatória de incompetência absoluta à luz dos artigos 96.º, alínea a) e 577.º, alínea a), do Código de Processo Civil, que é de conhecimento oficioso (artigo 97.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e que, nos termos do artigo 99.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, importa o indeferimento liminar do peticionado.
Ainda que assim não fosse, sempre também se diria que se afigura que o requerimento inicial não se encontra instruído com um dos documentos imprescindíveis, que devem acompanhar o pedido, à luz do artigo 25.º da Convenção, designadamente, o previsto no n.º 1, alínea a) “Documento que ateste que a decisão é executória no Estado de origem (…)”, o que também sempre impediria o deferimento da pretensão, sem prejuízo de convite ao aperfeiçoamento.
Em face do exposto, à luz das disposições legais citadas, julgo verificada a exceção de incompetência absoluta deste Juízo de Família e Menores e, em consequência, indefiro liminarmente o requerimento inicial.
Custas a cargo da Requerente – artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Valor da ação: € 37.513,17 (trinta e sete mil, quinhentos e treze euros e dezassete cêntimos)».

I.2.
As alegações da recorrente culminam com as seguintes conclusões:

«I. Nos presentes autos, por sentença proferida em 26 de fevereiro de 2024, e notificada a dia 27 de fevereiro, o tribunal a quo julgou “verificada a exceção de incompetência absoluta deste Juízo de Família e Menores” e, em consequência “indeferiu liminarmente o requerimento inicial”, decisão com a qual não se concorda.

II. Aplicando os artigos 979.º e 68.º/1, do CPC e ainda 73.º, e), da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, a LOSJ, concluiu pela incompetência hierárquica do tribunal a quo, por competência do tribunal da relação de Évora.

III. E ainda mal andou a douta sentença ao terminar ainda com a falta insuprível de um documento ao sentenciar que “sempre também se diria que se afigura que o requerimento inicial não se encontra instruído com um dos documentos imprescindíveis, que devem acompanhar o pedido à luz do artigo 25.º da Convenção, designadamente, o previsto no n.º 1, alínea a), “Documento que ateste que a decisão é executória no Estado de origem (…)”, o que também sempre impediria o deferimento da pretensão, sem prejuízo de convite ao aperfeiçoamento”, que nunca fez.

IV. Pelo exposto, outra opção não resta à Autora senão o presente recuso para que seja possível o prosseguimento dos presentes autos, de forma a conseguir ver executada e ser finalmente ressarcida das despesas e pensão de alimentos em que já foi o Requerido condenado, e com as quais concordou, mas simplesmente não PAGA!

V. Salvo melhor opinião, a sentença proferida é assim nula, cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, “1 - É nula a sentença quando:… d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” .

VI. E ilegal nos termos em que desrespeita a competência do tribunal de família para a ação interposta nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), da Convenção de Haia de 2007, sobre a Cobrança Internacional de Alimentos em benefício dos filhos e de outros membros da família, por Ação Especial De Alimentos Para Reconhecimento E Execução Em Portugal de Sentença Proferida Por Tribunal Brasileiro.

VII. Ora, não obstante a competência dos tribunais da relação no âmbito dos processos de revisão e confirmação de decisão, considera-se ser de atender à 1.ª parte do disposto no artigo 978.º do CPC, nomeadamente quanto à ressalva relativa à aplicabilidade de tratados, convenções ou regulamentos que determinem forma diversa do estabelecido neste regime.

VIII. Conforme estatuído no artigo 8.º, n.º 2 da CRP, “as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.

IX. Assim, antes de mais, deveremos atender à Convenção relativa ao reconhecimento e execução de decisões relativas a alimentos, ratificada pela UE no dia 9 de abril de 2014 e em vigor para os seus Estados Membros desde 1 de agosto de 2014 que deverá prevalecer sobre o direito interno.

X. Como já referido na formulação do pedido, não obstante a Convenção estabelecer, quanto ao reconhecimento de decisões que as normas aplicáveis serão as normas de direito interno de cada Estado, tal regime será aplicável subsidiariamente em tudo o que não estiver expressamente previsto na Convenção, conforme se extrai do artigo 23.º, n.º 1, da Convenção.

XI. Atentas as normas próprias relativas ao reconhecimento de decisões ao abrigo da Convenção, julgamos estar afastado o procedimento de Revisão e Confirmação previsto nos artigos 978.º e segs. do C.P.C., regime que não teria enquadramento nos procedimentos relativos ao reconhecimento de decisões previsto na Convenção.

XII. Desde logo, o procedimento de reconhecimento é limitado a uma declaração de executoriedade, que ocorre sem que o Requerido seja chamado ao procedimento (decisão liminar), desde logo afastando o previsto no artigo no artigo 981.º do C.P.C..

XIII. A recusa em declarar o segmento da decisão relativa a alimentos (já que o regime em causa exclui qualquer reconhecimento de toda a decisão, limitando-se à matéria de alimentos, não abrangendo, por exemplo, a guarda ou visitas), apenas poderá ocorrer face ao motivo previsto no artigo 22.º, alínea a), por força do artigo 23.º, n.º 4, da Convenção, o que afasta o regime previsto no artigo 980.º do C.P.C..

XIV. Também os termos da notificação da decisão que declarou a executoriedade se encontram delimitados pelo que se encontra estabelecido no artigo 23.º, n.ºs 5 e 6, da Convenção, e a oposição ou recurso aos n.ºs 7 a 10 desse mesmo artigo.

XV. Com efeito, é desígnio da Convenção um procedimento simplificado das decisões relativas a alimentos, o qual deve ser célere, devendo as medidas para a execução de decisões ser eficazes par a rápida execução das decisões (artigo 1.º, alínea d), e as questões relativas ao reconhecimento ser conhecidas rapidamente (artigo 23.º, n.º 11).

XVI. Reconhece-se que não tem sido uniforme o procedimento adotado pelos tribunais relativo ao reconhecimento de decisões quando abrangidas por tratados, acordos bilaterais ou Convenções, mas parece-nos claro que o regime de revisão e confirmação previsto no nosso ordenamento interno não poderá ser aplicável, e urge clarificar.

XVII. O regime previsto na Convenção não difere, em muito, do regime previsto na Secção II do Capítulo III do Regulamento 4/2009, do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, em que, para as decisões proferidas num Estado-Membro não vinculado pelo Protocolo da Haia de 2007, as decisões necessitam de um procedimento de reconhecimento simplificado, que estabelece que a decisão deve ser declarada executória o mais tardar no prazo de 30 dias (artigo 30.º do Regulamento).

XVIII. Podemos ainda afirmar que Portugal declarou à Comissão que os tribunais competentes para proferir estas decisões são precisamente os Tribunais de Comarca (afastando o regime previsto no nosso direito interno).

XIX. Ora, sendo o regime previsto na Convenção análogo ao previsto no Regulamento para as decisões que não beneficiam do reconhecimento automático, também será de extrair que os tribunais competentes serão os mesmos.

XX. A este propósito, o regime de reconhecimento simplificado previsto na Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, em que o regime de reconhecimento é em tudo semelhante ao ora em apreço, conforme se extrai dos artigos 33.º a 37.º da Convenção de Lugano II, estabelecendo o artigo 38.º, n.º 1.

XXI. Ora, também aqui Portugal declarou, nos termos do Anexo II da Convenção de Lugano II, que os tribunais portugueses seriam os Tribunais de Comarca, e não os Tribunais da Relação.

XXII. Face ao exposto, cumpre pugnar pela competência dos tribunais de 1.ª instância para a declaração de executoriedade prevista na Convenção da Haia de 2007, relativamente à matéria de alimentos, o que desde já se reitera e requer nos termos legais expostos, e para os efeitos previstos nos artigos 10.º, n.º 1, a), da Convenção de Haia de 2007 e 23.º, n.º 5, da mesma, com vista à posterior execução da decisão.

XXIII. E assim bem têm andado os tribunais de primeira instância a decidir no reconhecimento e execução da decisão judicial estrangeira nos termos da qual foi o Requerido condenado a pagar-lhe uma pensão de alimentos, que importa trazer à colação o disposto na Convenção da Haia de 2007, de que são Estados Contratantes tanto o Brasil como Portugal.

XXIV. Para a aplicação da referida convenção é, desde logo, necessário que i) se esteja perante um litígio plurilocalizado; e ii) a decisão em apreciação se situe no âmbito material previsto nos artigos 1.º e 2.º daquela Convenção, como é o caso dos presentes autos.

XXV. Pelo que sempre seriam aplicáveis aos presentes autos os artigos 19.º/1, 20.º, 22.º e 23.º da Convenção.

XXVI. E não se afigurando o reconhecimento e execução do acórdão dos autos manifestamente contrários à ordem pública portuguesa, outra solução não restava ao tribunal a quo senão declará-los de imediato, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º, alínea c), 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, 19.º, n.ºs 1 e 5, 20.º, n.º 1, alínea c) e n.º 6, 22.º, alínea a), a contrario, 23.º, n.ºs 1, 3 e 4, 25.º e 37.º, n.ºs 1 e 2, da Convenção.

XXVII. Por outro lado, deve notar-se que o procedimento para declaração de força executória previsto no Regulamento 4/2009 (previstas no Capítulo IV do Regulamento) , as quais, como já referido em termos de procedimentos análogos ao que se encontra previsto na Convenção da Haia de 2007, agora em questão, são da competência dos Tribunais de Primeira instância, conforme declarações que Portugal efetuou à Comissão e que estão disponíveis para consulta no Portal Europeu da Justiça.

XXVIII. De registar que não existe legislação específica, nem no Regulamento 4/2009, nem no ordenamento interno Português, que especificamente atribua essa competência a estes tribunais, pelo que não se acompanha a decisão desse tribunal quando refere que não havendo uma previsão expressa que esta declaração de executoriedade prevista na Convenção da Haia de 2007 (reconhecimento simplificado), caiba na competência do Tribunal da Relação, precisamente por se entender que se encontram excecionados dos casos previstos para o processo de Revisão e Confirmação de Sentença Estrangeira, as situações previstas em Convenções ou tratados internacionais.

XXIX. Ora, não carecendo o Regulamento 4/2009 de norma específica que atribua a competência para o reconhecimento das decisões ao abrigo do Capítulo IV do respetivo Regulamento, também não se pode acompanhar a decisão proferida de indeferimento liminar do requerimento, por não existir norma interna (ou na Convenção da Haia de 2007) que atribua essa competência aos tribunais de primeira instância.

XXX. Assim, continua a A. em crer que a competência dos tribunais da relação se encontra excluída simplesmente pelo facto de existir Convenção que preveja procedimento diverso, como é o caso, tal como ocorre no âmbito da aplicação do Regulamento 4/2009.

XXXI. Assim, e por tudo quanto exposto deve a sentença ser declarada nula e ilegal ser determinado que o Tribunal a quo prossiga com a normal tramitação do presente processo, citando o Requerido, e que afinal só beneficiará o superior interesse da sua então filha menor.

XXXII. Por último e sobre a falta insuprível de documento imprescindível também mal andou o tribunal a quo ao não considerar que o documento entregue sob doc. 1 com a PI, mais especificamente as folhas 573 a 576 do processo original, era suficiente.

XXXIII. Pelo que, certamente por mero lapso do tribunal português, será referido que não se encontra o documento de declaração de executoriedade.

XXXIV. Mais sempre se dizendo que a própria decisão brasileira transitada é prova da sua executoriedade, sendo, aliás, este o modo como Portugal também comprova junto das autoridades brasileiras a executoriedade das decisões portuguesas.

XXXV. Mesmo que assim não fosse, sempre deveria o tribunal a quo no cumprimento do princípio do inquisitório, cfr. 411.º do CPC, apurar diretamente junto da DGAJ ou do tribunal brasileiro, o necessário ao prosseguimento dos autos.

XXXVI. Esta decisão não pode, no nosso entender e ressalvado o respeito por opinião contrária, que é muito, merecer acolhimento, motivo pelo qual se recorre da mesma.

XXXVII. Não só a ação não seguiu os trâmites legais, em clara violação da lei vigente em especial, do direito internacional, como também é nula, cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, “1 - É nula a sentença quando: … d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento)”.

XXXVIII. Daí que outra opção não reste à Autora senão recorrer da referida sentença, requerendo o prosseguimento dos presentes autos, de forma a conseguir ser ressarcida do valor das pensões e despesas, aliás confessadas pelo próprio progenitor e Requerido.

XXXIX. Tal nulidade da sentença e ilegalidade da fundamentação da sentença, pode e é arguida em sede de recurso a interpor da mesma, nos termos do Código de Processo Civil e Convenção de Haia de 2007, sobre a Cobrança Internacional de Alimentos em benefício dos filhos e de outros membros da família, o que se faz pela presente.

XL. Pelo que salvo melhor opinião, não concorda assim o Autora com a parca posição tomada na douta sentença proferida nos presentes autos, contrariando a mesma as disposições legais vigentes sobre o tema, pelo que

XLI. Assim, deve a sentença ser declarada nula e ser determinado que o Tribunal a quo profira despacho a designar o prosseguimento dos autos conforme requerido nos termos do artigo 23.º, n.º 4, da Convenção da Haia sobre a Cobrança Internacional de Alimentos em benefício dos Filhos e de outros Membros da Família: “4. A declaração ou o registo só podem ser recusados pelos motivos previstos no artigo 22.º, alínea a). Nessa fase, nem o Autora nem o Requerido podem apresentar observações.”

Termos em que entendemos que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser declarada nula a sentença proferida, prosseguindo a presente Ação Especial De Alimentos Para Reconhecimento E Execução Em Portugal de Sentença Proferida Por Tribunal Brasileiro, os seus demais e legais trâmites, tudo como se pediu, com o que se fará a costumada JUSTIÇA».

I.3.

O recurso foi admitido pelo tribunal recorrido.

Correram vistos nos termos do artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), pelo que cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1.

As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2.) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC).

II.2.

No caso as questões que importa decidir são as seguintes:

1) Saber se a decisão judicial recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, alínea d), do Código de Processo Civil.

2) Saber se ocorreu erro de julgamento.

II.3.

FACTOS

A factualidade a considerar consta da decisão objeto do recurso supra reproduzida.

II.4.

Apreciação do objeto do recurso

II.4.1.

Nulidade da decisão

A apelante sustenta que a decisão sob recurso é nula invocando o disposto no artigo 615.º/1, alínea d), do CPC, o qual dispõe que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Liminarmente se dirá que qualquer dos vícios contemplados no artigo 615.º do Código de Processo Civil se traduz em erro respeitante à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade de julgador e não à forma como aquele decidiu a questão, ou seja, ao mérito do julgamento.

No caso a nulidade alegada é a prevista na primeira parte daquele preceito legal, ou seja, omissão de pronúncia.

A falta ou omissão de pronúncia decorre da violação de normas que impõem ao tribunal o dever de tomar posição sobre determinada questão (pedido, causa de pedir, exceções), o que ocorre tanto para as questões de conhecimento oficioso como para as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (artigo 608.º/2, do CPC[1]).

Esta omissão de julgamento não se confunde com uma decisão efetiva de não conhecimento da questão designadamente por falta de pressupostos processuais. Nesta eventualidade, caberá recurso dessa decisão com fundamento em violação das normas de direito processual.

No caso concreto o tribunal recorrido decidiu que é incompetente em razão da hierarquia para conhecer do pedido formulado na presente ação, atento o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 68.º/1 e 979.º, ambos do Código de Processo Civil e artigo 73.º, alínea e), da Lei Orgânica do Sistema Judiciário, e consequentemente, indeferiu liminarmente o requerimento inicial.

Logo, tal decisão, que conheceu de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (artigos 96.º, alínea a), 97.º/1, 99.º/1 e 577.º, alínea a), todos do CPC, não padece do vício que lhe é imputado.

Improcede, assim, este segmento do recurso pois que a decisão recorrida não padece do vício de omissão de pronúncia.

II.4.2.

Do mérito da decisão

A decisão recorrida julgou o Tribunal de Família e Menores de Portimão incompetente em razão da hierarquia para o conhecimento do pedido e, em conformidade, indeferiu liminarmente o requerimento inicial, louvando-se no disposto nas disposições conjugadas dos artigos 68.º/1 e 979.º, ambos do Código de Processo Civil e no artigo 73.º, alínea e), da Lei Orgânica do Sistema Judiciário.
No caso a requerente, ora apelante, requereu que fosse declarada reconhecida e executória a sentença proferida por um tribunal brasileiro que obriga o requerido (…), seu pai, a pagar-lhe uma prestação de alimentos, que não foi cumprida pelo segundo, invocando, para tal desiderato, a Convenção de Haia de 23 de novembro de 2007 sobre Cobrança Internacional de Alimentos em benefício dos Filhos e de outros Membros da Família.
O julgador a quo – que reconheceu que a referida Convenção tem primazia face ao direito interno por força do disposto no artigo 8.º/2, da Constituição da República e que o procedimento a adotar, in casu, é o estatuído à luz da referida Convenção, mormente o procedimento desenvolvido no seu artigo 23.º «que se sobrepõe e que difere na sua tramitação processual ao artigo 978.º e ss. do Código de Processo Civil» – entendeu que não resultando da referida Convenção qual o tribunal competente para conhecer do pedido em causa é o direito interno que fornece tal resposta e que em face do disposto nos artigos 68.º/1 e 979.º, ambos do Código de Processo Civil e do artigo 73.º, alínea e), da Lei Orgânica do Sistema Judiciário o tribunal competente para a ação em causa é o tribunal da relação.
A apelante discorda de tal decisão, sustentando, em síntese, que o regime de revisão e confirmação previsto no nosso ordenamento interno não poderá ser aplicável e que o regime previsto na Convenção de Haia de 23 de novembro de 2007 “não difere muito” do regime previsto na Secção II do Capítulo III do Regulamento 4/2009 do Conselho de 18 de dezembro de 2008 relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (em que para as decisões proferidas num Estado não membro não vinculado pelo Protocolo de Haia de 2007 as decisões necessitam de um procedimento de reconhecimento simplificado) e “é em tudo semelhante” ao regime de reconhecimento simplificado previsto na Convenção de Lugano II relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, casos em que Portugal que os tribunais competentes para proferir essas decisões são os Tribunais de Comarca (e não os tribunais da Relação).
Quid juris?
A requerente/apelante pediu ao tribunal que fosse declarada reconhecida e executória a sentença proferida em São Paulo, Brasil, a 16 de julho de 2012, nos termos da qual foi o réu condenado a pagar-lhe, a título de alimentos, a quantia correspondente a 1244 BRL, equivalente a dois salários mínimos vigentes, com início em 10/08/2012 e as demais todos os dias, 10 de cada mês, atualizável anualmente pelo índice concedido ao salário mínimo, bem como o convénio médico da Unimed e a escola Diocesano de Orlândia da menor, bem como até término do 3.º grau, universidade, nos termos requeridos, acrescidos de juros à taxa legal do Brasil e Portugal de 4% no total até à presente data de € 37.513,17 e que, para o efeito, fosse ordenada a notificação do requerido nos termos e para os efeitos previstos no artigo 23.º/5, da Convenção de Haia de 2007 com vista à posterior execução da decisão.
Está em causa na presente ação o reconhecimento e a atribuição de executoriedade a uma sentença estrangeira, concretamente a uma sentença proferida por um tribunal brasileiro na parte respeitante à obrigação alimentar do requerido para com a sua filha menor, aqui autora/apelante.
A ação foi proposta ao abrigo da Convenção de Haia de 23 de novembro de 2007 a qual prevê um procedimento de reconhecimento e execução de decisões existentes em matéria de alimentos que exclui a necessidade de o credor obter uma nova decisão no Estado onde a decisão será executada, permitindo, ao invés, que o Estado requerido execute a decisão existente. Tal procedimento mostra-se previsto no artigo 23.º da Convenção de Haia de 2007 e é prévio à execução da decisão, à qual alude o artigo 32.º da Convenção.
Não vem posto em causa no presente recurso que o procedimento para o reconhecimento da sentença proferida pelo Tribunal brasileiro é o previsto no artigo 23.º da Convenção de Haia de 23 de novembro de 2007 e que o mesmo prevalece sobre o processo de revisão de sentenças estrangeiras previsto nos artigos 978.º e segts. do Código de Processo Civil, o qual é aplicável apenas subsidiariamente (artigo 23.º/1, da Convenção).
Dispõe o artigo 23.º da Convenção, epigrafado Procedimento relativo a um pedido de reconhecimento e execução, o seguinte:
«1. Sob reserva das disposições da presente Convenção, os procedimentos de reconhecimento e execução são regidos pela lei do Estado requerido.
2. Quando um pedido de reconhecimento e execução de uma decisão foi apresentado através das autoridades centrais em conformidade com o capítulo III, a autoridade central requerida deve sem demora:
a) Transmitir o pedido à autoridade competente, que declara imediatamente a decisão executória ou a regista para efeitos de execução; ou
b) Tomar tais medidas, se for a autoridade competente.
3. Quando o pedido é apresentado diretamente à autoridade competente do Estado requerido em conformidade com o artigo 19.º, n.º 5, essa autoridade deve declarar imediatamente a decisão executória ou registá-la para efeitos de execução.
4. A declaração ou o registo só podem ser recusados pelos motivos previstos no artigo 22.º, alínea a). Nessa fase, nem o requerente nem o requerido podem apresentar observações.
5. A declaração ou o registo nos termos dos n.ºs 2 e 3, ou a sua recusa nos termos do n.º 4, são imediatamente notificadas ao requerente e ao requerido, que podem contestar ou apresentar recurso, de facto ou de direito.
6. A contestação ou o recurso devem ser interpostos no prazo de 30 dias a contar da notificação nos termos do n.º 5. Se a parte que apresenta a contestação ou o recurso não residir no Estado Contratante onde a declaração ou o registo foi efetuado ou recusado, a contestação ou o recurso devem ser interpostos no prazo de 60 dias a contar da notificação.
7. A contestação ou o recurso podem ter unicamente por fundamento o seguinte:
a) Os motivos de recusa do reconhecimento e execução previstos no artigo 22.º;
b) As bases do reconhecimento e execução nos termos do artigo 20.º;
c) A autenticidade ou a integridade dos documentos transmitidos em conformidade com o artigo 25.º, n.º 1, alíneas a), b) ou d), ou n.º 3, alínea b).
8. A contestação ou o recurso do requerido podem ter igualmente por fundamento o cumprimento da dívida na medida em que o reconhecimento e execução digam respeito a pagamentos devidos no passado.
9. A decisão sobre a contestação ou sobre o recurso é imediatamente notificada ao requerente e ao requerido.
10. Um novo recurso, se permitido pela lei do Estado requerido, não tem por efeito suspender a execução da decisão, salvo circunstâncias excecionais.
11. A autoridade competente deve decidir rapidamente sobre o reconhecimento e execução, incluindo sobre um eventual recurso».
O Estado Português não fez qualquer declaração quanto à “autoridade competente” que deve apreciar o pedido de reconhecimento e execução de decisão proferida por tribunal de outro Estado contratante (como aconteceu, por exemplo, no caso da Convenção de Lugano II e com o Regulamento 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008) e a questão que se coloca in casu é saber qual o tribunal competente, em razão da hierarquia, para decidir a ação.
A ação em causa é uma ação de reconhecimento de uma sentença estrangeira, isto é, que visa o reconhecimento de efeitos de uma sentença estrangeira na ordem jurídica interna e, simultaneamente, a atribuição àquela decisão de executoriedade.
Esta ação segue uma tramitação prevista numa fonte supraestadual (a Convenção de Haia de 23 de novembro de 2007); trata-se de um procedimento (simplificado) prévio à execução da sentença e que visa possibilitar essa execução, à qual alude o artigo 32.º da Convenção.
De acordo com o disposto no artigo 60.º do Código de Processo Civil a competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 68.º/1, do Código de Processo Civil que as Relações conhecem dos recursos e das causas que por lei sejam da sua competência.
Nos termos do artigo 73.º, alínea e), da LOSJ compete às secções dos tribunais da Relação, segundo a sua especialização, julgar os processos de revisão e de confirmação de sentença estrangeira, sem prejuízo da competência legalmente atribuída a outros tribunais.
Ora, o processo em causa é, como já o dissemos, um processo de reconhecimento de decisões estrangeiras que visa conceder eficácia no ordenamento jurídico interno a decisões judiciais proferidas num outro Estado; pelo que em face do disposto no artigo 73.º, alínea e), da LOSJ o tribunal hierarquicamente competente para conhecer da presente ação é o tribunal da Relação (e não o tribunal de comarca).
Não há, portanto, uma lacuna[2], ao contrário do que parece sustentar a apelante, pois pese embora a letra do artigo 73.º, alínea e), da LOSJ se refira ao processo de revisão de sentenças estrangeiras previsto nos artigos 978.º e ss. do Código de Processo Civil aquela norma abarca no seu espírito o procedimento de reconhecimento e execução previsto no artigo 23.º da Convenção de Haia de 23 de novembro de 2007 enquanto procedimento que visa, também ele, conceder eficácia a decisões estrangeiras para que elas possam produzir os seus efeitos no ordenamento jurídico português.
Por conseguinte bem andou o tribunal recorrido ao considerar que o tribunal competente para a ação é o tribunal da Relação e não o tribunal da comarca, sendo que a este último competirá apenas a execução da sentença que vier eventualmente a ser reconhecida.
De acordo com o disposto no artigo 99.º/1, do CPC, a verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar.
No caso, o processo comporta despacho liminar (artigo 23.º/3, da Convenção).
Por todo o exposto, não merece censura a decisão do tribunal de primeira instância, improcedendo a apelação.


Sumário: (…)


III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
As custas na presente instância são da responsabilidade da apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique e registe.
Évora, 9 de maio de 2024
Cristina Dá Mesquita (Relatora)
Anabela Luna de Carvalho (1ª Adjunta)
Eduarda Branquinho (2ª Adjunta)


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[1] De acordo com o disposto no artigo 608.º/2, o juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, ou seja, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e, ainda, de todas as exceções de conhecimento oficioso, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
[2] Existirá uma lacuna (jurídica) «quando a lei (dentro dos limites de uma interpretação ainda possível) e o direito consuetudinário não contêm uma regulamentação exigida ou postulada pela ordem jurídica global – ou melhor: não contêm a resposta a uma questão jurídica» – João Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 25.ª Reimpressão, Almedina, pág. 194.