Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
891/06-2
Relator: JOÃO MARQUES
Descritores: QUALIFICAÇÃO DO CONTRATO
ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
SUBLOCAÇÃO
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Data do Acordão: 09/28/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário:
I – A qualificação dada pelas partes aos contratos que celebram não vinculam o Tribunal. Este atentará, sim, às suas cláusulas e como vai funcionar na prática.

II – Tendo sido transmitido o espaço onde funcionava um estabelecimento comercial, ainda que acompanhado de alguns móveis e utensílios, mas já não da mercadoria, empregados e freguesia, tendo sido alterada a própria denominação, não deparamos com a transmissão dum estabelecimento considerado como universalidade e, consequentemente, não pode falar-se numa cessão de exploração dum estabelecimento comercial, mas sim duma sublocação.

III – Se aqueles que sublocaram tal espaço, sem autorização dos senhorios, perceberam uma quantia superior à renda que continuaram a pagar, terão que indemnizar os senhorios num montante correspondente àquilo que recebiam, sob pena de se locupletarem à custa alheia.
Decisão Texto Integral:
PROCESSO Nº 891/06
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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“A”, residente na Rua …, n° …, 1°, em …, “B” e mulher, “C”, residentes na Rua …, n° …, r/c, em …, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra “D”, “E”, residentes na …, em …, e “F”, com sede na Rua …, Lote …, 1 ° Esq., em …, pedindo que se decrete a resolução de contrato de arrendamento celebrado com os primeiros RR. e se condene estes e a R. sociedade a entregar à A. “A” o objecto arrendado, bem como que se condene os RR. “D” e “E” a pagarem àquela a quantia de € 24.726,18 pelos prejuízos causados e os prejuízos futuros a liquidar em execução de sentença.
Alegam, em resumo, ter a primeira A., na qualidade de usufrutuário, dado de arrendamento o espaço que descreve no art. 10 da p.i. à R. “D”, destinado a comércio de vestuário, acessórios e calçado, pelo prazo de seis meses, prorrogável por iguais períodos, com inicio em 1 de Julho de 1992. Da mesma forma, os AA. “B” e “C” declararam, na qualidade de donos da nua propriedade do prédio urbano de que faz parte o espaço arrendado, sob condição suspensiva da caducidade do mesmo, dar de arrendamento o referido local pelo prazo de 15 anos. Foi convencionada a renda de 70.000$00.
Em Fevereiro de 2002, a R. “D” e marido, “E”, em acordo que denominaram de "concessão de exploração" e de "contrato de locação de estabelecimento", declararam conceder à R. “F” a exploração do estabelecimento comercial arrendado, pelo prazo de cinco anos, com início em 1 de Março de 2002, enquanto não houver denúncia válida do mesmo, mediante o pagamento da quantia mensal de € 875. A R. “F” ficou ainda expressamente vedada de ceder, transferir ou por qualquer forma alienar a sua posição contratual.
O estabelecimento foi entregue sem qualquer pessoal, sendo a R. “D” responsável pelo pagamento de todas e quaisquer indemnizações, sendo que, à data do acordo, a R. “D” tinha no estabelecimento pessoal que não transitou para a mesma entidade. Não transitaram igualmente quaisquer mercadorias.
O acordo em causa teve início em 01/03/2002 e foi comunicado à A. “A” pela R. “D”.
Concomitantemente a R. “F” fechou o estabelecimento que tinha noutra localização na cidade de …, colocando naquele local a inscrição "reabrimos dia 2 de Março na Rua …, n° … com a nova colecção Primavera-Verão". Assim, deixou aquela de exercer qualquer actividade no edifício onde tinha a sua sede e iniciou diligências no sentido de dar de trespasse o estabelecimento antigo.
Tudo considerado, defendem os AA que não houve qualquer contrato de cessão de exploração, tendo os RR. com o acordo celebrado descoberto uma forma artificiosa de evitarem a aplicação do art. 111 ° do R.A.U., nomeadamente por não haver qualquer limite de tempo naquela cessão, sendo que as cláusulas inseridas no contrato são as que normalmente se encontram inseridas nos contratos de arrendamento, consistindo aquele num verdadeiro sub-arrendamento.
Assim conclui existir fundamento para que se decrete a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre os AA. e os primeiros RR., nos termos do disposto no art. 64°, nº 1, al. f), do R.A.U.
Acrescenta ainda que, em consequência da actuação dos RR. a A. deixou de auferir os rendimentos que teria se os locado lhe tivesse sido entregue.
Por conseguinte, termina peticionando da forma supra referida.

Contestaram os RR. “D” e “E” pugnando pela validade do acordo que celebraram com a R. “F”, sendo que a transmissão do estabelecimento que foi acordada teve carácter temporário, de 5 anos, e englobou as instalações e respectivo equipamento.
Assim conclui pela improcedência da acção, sem prejuízo de, todavia, se pronunciar pelo exagero do montante indemnizatório peticionado.

Foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da lide, a que se seguiu o estabelecimento dos factos assentes e a organização da base instrutória.
Instruído o processo, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo o tribunal respondido à matéria de facto constante na base instrutória, o que não foi objecto de reclamação.
Foi, por fim, proferida a sentença julgando a acção parcialmente procedente, declarando resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre os AA. “A” e outros e a R. “D” e outro, tendo por objecto a parte do prédio descrita no artº 1º dos factos provados, condenando os RR. e entregarem as AA. o locado livre de pessoas e bens e os RR “D” e “E” no pagamento aos AA. da quantia de 24.726,18 €, julgando improcedente o demais peticionado.

lnconformados, interpuseram os RR. “D” e “E” o presente recurso em cuja alegação, depois de impetrarem que lhe seja atribuído efeito suspensivo, formulam as seguintes conclusões:
- a cessão do gozo do locado efectuada pela apelante “D” à “F” foi efectuada no âmbito de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial;
- tendo sido transmitido, temporária e onerosamente, juntamente com o gozo do prédio, a exploração do estabelecimento comercial de comércio a retalho e vestuário, acessórios e calçado existente no local arrendado;
- o conjunto de meios e instrumentos transmitidos foi suficiente para quantificar o "minimum" necessário para a respectiva comercialização e funcionamento do estabelecimento, tendo bastado adquirir nova mercadoria (vestuário para a nova estação), para que o estabelecimento continuasse a funcionar,
- uma vez apurado, como ficou, que foi transmitida uma organização de meios aptos à comercialização, deve entender-se que foi transmitido o estabelecimento comercial, sendo irrelevante a consideração, posterior, de que a concessionária possuía na cidade um outro estabelecimento que encerrou e que fez deslocar a sede social para a residência das sócias.
- não é possível a desconsideração da transmissão de um estabelecimento apto a funcionar pela simples aquisição de mercadorias pela maior recognoscibilidade da concessionária ou pelo facto de haver feito publicitar o encerramento do seu anterior estabelecimento com o propósito e fazer transferir para o estabelecimento concessionado a sua anterior clientela;
- a sentença recorrida fundamenta-se em factos não tidos como provados, nem constantes da base instrutória, quais sejam a recognoscibilidade da sociedade concessionária ou da irrelevância da localização do estabelecimento concessionado;
- existiu uma verdadeira cessão de exploração de estabelecimento comercial, não existindo, por isso, uma cessão não autorizada do gozo da coisa ou um subarrendamento que conduza à resolução do contrato de arrendamento que, como tal, não pode ser decretada;
- não existe fundamento legal para a condenação dos apelantes no pagamento de uma indemnização aos AA. por não haverem entregue o locado aquando da celebração do contrato de concessão;
- os alegantes só estarão obrigados a entregar o locado após a resolução do contrato de arrendamento, a qual apenas opera por decisão judicial;
- não violaram os alegantes qualquer obrigação de entrega ou restituição do locado que possa fundamentar um pedido indemnizatório de lucros cessantes;
- não resultou provado que os AA. pudessem ter arrendado o locado pelo valor de € 875,00, coincidente com o da cessão de exploração;
- o valor máximo da indemnização por lucros cessantes, se admissível, seria de € 5.329,50 e não de 24.786,18, caso os apelantes vierem a ser condenados;
- a condenação no pagamento de indemnização no montante de € 24.786,18, ultrapassa o valor fixado para a acção - € 10.015,50 - e o próprio pedido, nos termos em que é formulado, o que constitui nulidade da sentença neste ponto;
- a sentença recorrida não fundamenta, nem os critérios de fixação da indemnização arbitrada nem os fundamentos legais da obrigação de indemnizar por tais factos, sendo nula também nesse ponto;
Imputando à sentença a violação dos artºs 55° n° 1, 57° n° 2, 63° nº 2, 11 ° nº 1, todos do RAU, 483° do C. Civil e 661° n° 1, 668 n° 1, al.b) e e) do CPCivil, impetram a sua revogação reconhecendo a validade do contrato de cessão de exploração e, em consequência, revogando a decisão de resolução e absolvendo os apelantes da obrigação de entrega do locado e de pagamento da indemnização aos AA, ou, quando assim se não entenda, manter a decisão de resolução do contrato com obrigação de entrega do locado, mas absolvendo-os do pagamento da indemnização ou reduzindo-a ao valor máximo de € 5.329,50.

Os AA. contra-alegaram no sentido da confirmação da sentença.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.

Na douta sentença foi dada como assente a seguinte factualidade:
1 - Por escritura celebrada no Cartório Notarial de …, em 29 de Junho, de 1999, a A. “A”, na qualidade de usufrutuária, declarou dar de arrendamento à R. “D” duas divisões e instalações sanitárias do rés-do-chão do prédio urbano sito em …, com entrada pelo n° … da R. …
2 - O local destinou-se a comércio de vestuário, acessórios e calçado.
3 - O acordo foi celebrado pelo prazo de seis meses, prorrogável por iguais e sucessivos períodos de tempo e teve início em 1 de Junho de 1999.
4 - Mais se convencionou que a arrendatária poderá efectuar no locado, a expensas suas obras de adaptação constantes do projecto de memória descritiva que rubricado por todas as partes ficam arquivados com a escritura, com as alterações que vierem a ser impostas pela Câmara Municipal de …, com excepção do anúncio, que deverá ser em metal (ferro ou latão) a colocar lateralmente em relação à porta de acesso ao estabelecimento, devendo proceder para o efeito ao respectivo licenciamento, uma vez aprovado pela senhoria e nus proprietários.
5 - Os AA. “B” e “C” (esta representada na outorga da escritura pelo marido “B”) declararam, na qualidade de donos da nua propriedade do prédio urbano de que faz parte o objecto do contrato de arrendamento, sob condição suspensiva de caducidade do mesmo arrendamento, que davam de arrendamento o referido local pelo prazo de duração efectiva de 15 anos, entre outras cláusulas, aceites pela R. “D”.
6 - A renda convencionada foi de 70.000$00 mensais, vencida no primeiro dia útil do mês anterior ao que respeitar, actualizável de harmonia com a lei, a pagar à A. “A”, sendo tal renda, em função das actualizações de € 390,50 mensais.
7 - Por contrato celebrado em 8 de Fevereiro de 2002, o qual foi classificado pelos RR. de "concessão de exploração" e denominado de "contrato de locação de estabelecimento". A R. “D” e marido “E” declararam conceder à R. “F” a exploração do estabelecimento comercial de comércio a retalho de vestuário, acessórios e calçado de que são proprietários, instalado no local referido em 1).
8 - A referida concessão foi efectuada pelo prazo de cinco anos, com início em de Março de 2002, renovável por iguais e sucessivos períodos de 5 anos, enquanto não houver denúncia válida do mesmo para o termo do prazo ou da renovação.
9 - Mais se acordou o que consta no aludido contrato de concessão, nas cláusulas 3ª e 4ª, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
10 - Convencionou-se ainda que a concessionária não poderá efectuar no local quaisquer obras ou melhoramentos sem o consentimento escrito dos concedentes e uma vez efectuados, ficarão os mesmos a fazer parte integrante do estabelecimento, não podendo a concessionária exigir qualquer compensação ou indemnização por benfeitorias realizadas, nem gozar do direito de retenção, ficando desde já autorizada a efectuar alterações à decoração do estabelecimento.
11 - Pela concessão obrigou-se a R. “F” a pagar aos restantes RR. no primeiro ano de vigência do contrato, a quantia de € 10.500, em prestações mensais de € 875 cada, vencendo-se cada uma no mês anterior ao que disser respeito, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, sendo a importância anual actualizável anualmente tendo em conta a evolução do índice de preços no consumidor.
12 - À R. “F” ficou vedado ceder, transferir ou por qualquer forma alienar a sua posição contratual, ainda que por simples substituição de pessoas.
13 - O estabelecimento foi "concedido" sem qualquer pessoal, na altura ao serviço dos "concedentes", sendo estes os responsáveis pelo pagamento de todas e quaisquer indemnizações, incluindo salários ou indemnizações relativos a manutenção ou rescisão de contratos de trabalho existentes à data da celebração do contrato.
14 -A R. “D” tinha, no tempo anterior à concessão e na altura em que resolveu fazer a mesma, pessoal a prestar serviço no estabelecimento em causa, o qual não transitou para a R. “F”.
15 - A concessão do estabelecimento comercial teve início em 1 de Março de 2002.
16 - Não houve qualquer transferência de mercadorias dos "concedentes" para a sociedade "concessionária".
17 - O acordo referido em 7) foi comunicado à A. “A” pela R. “D”.
18 - No estabelecimento comercial da R. “D” trabalharam no período anterior ao da concessão a própria R. e apenas uma empregado, …, com a qual foi rescindido o contrato de trabalho antes da concessão da exploração.
19 - Como contra prestação do acordo celebrado entre as RR. “D” e “E” e a R. “F”, esta procede à entrega mensal às primeiras da quantia de € 855 mensais.
20 - A R. “F” encerrou o estabelecimento situado na R. …, n° …, ali colocando a indicação na porta fechada de que "reabrimos dia 2 de Março na Rua …, n° …, com a nova colecção Primavera-Verão".
21 - A R. “F” deixou, desde essa data, ou um pouco antes, de exercer toda a actividade no edifício onde tinha a sua sede.
22 - E iniciou diligências, que continuam, no sentido de dar de trespasse o estabelecimento da R. do …, n° …, encarregando uma empresa comercial de efectuar o aludido trespasse.
23 - A R. “F” fez publicar no jornal "…", de …, na edição de 2 de Maio de 2002, anúncio ou comunicação, com fotografia do seu novo estabelecimento comercial, onde, na fachada do mesmo, se encontra a designação "”F”, nele comunicando que "desde o mês de Março último se encontra nas suas novas instalações".
24 - E mudaram a sede para a residência das duas únicas sócias, onde não é exercida qualquer actividade comercial.
25 - A rescisão do contrato de trabalho com a … viria a operar-se independentemente da concessão, uma vez que o volume de vendas não permitia à R. “D” manter esse posto de trabalho.
26 - A partir de Março de 2002 passam nos estabelecimentos comerciais a ser vendidos os artigos destinados à época de Primavera-Verão, cessando a venda de artigos destinados à época de Outono-Inverno.
27 - Até final de Fevereiro as lojas de venda a retalho de vestuário e acessórios procedem a saldos das suas existências, as quais já não serão vendáveis na época seguinte e, devido ao efeito da moda, dificilmente serão vendáveis no ano seguinte, na época respectiva, deixando de ter valor comercial.
28 - E foi o que sucedeu com a R. “D”, que procedeu à venda em saldos da mercadoria que possuía referente à estação que findava, tendo efectivamente vendido a maior parte da mercadoria nessas condições, ficando apenas com algumas peças que já não eram comercializáveis.
29 - E só por isso não foram transmitidas mercadorias para a “F” R.
30 - Com o estabelecimento foram entregues à R. “F” equipamentos e utensílios que a mesma utiliza na sua actividade, designadamente móveis que servem de decoração, arrumação e exposição no estabelecimento, equipamentos eléctrico e electrónicos como ar condicionado, cortina de ar, equipamento informático e software destinado a facturação, equipamento anti-furto de mercadorias.
30 - Bastou adquirir nova mercadoria para o estabelecimento comercial no valor de € 2.422.450$00 e adquiriu equipamento no valor de € 3.229.631$00, tendo tal investimento sido objecto de candidatura a financiamento do programa "Procom/ Feder".

Vejamos então.

Começaremos por realçar que a questão da qualificação do contrato celebrado entre os RR. “D” e marido “E” e a Ré “F” está correctamente abordada na douta sentença ou seja, no sentido de que não se tratou de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, certo como é que as designações ou qualificações que as partes lhes atribuem não vinculam o tribunal, posto que é em função das respectivas cláusulas e da sua ulterior funcionamento na prática que o interprete há-de proceder a tal qualificação
Como escreve o Exmº Conselheiro Aragão Seia (Arrendamento Urbano,5" edição, pag. 560) sintetizando a doutrina e a jurisprudência a respeito firmadas, tal contrato pressupõe a verificação cumulativo dos seguintes requisitos:
a) transferência, para outrem, da exploração de um estabelecimento comercial ou industrial, englobando a transmissão de instalações, utensílios, mercadorias e outros elementos que integram o estabelecimento;
b) feita juntamente com o gozo do prédio, continuando a exercer-se nele o
mesmo ramo de comércio ou indústria, não podendo ser-lhe dado destino diferente;
c) temporária;
d) onerosa.
Ora, é bem patente, perante a factualidade dada como provada e que, por não ter sido impugnada, se deve ter como definitivamente assente, que não se preenche, no caso a plenitude dos requisitos enunciados sob as alíneas a) e b).
Com efeito, o que foi transmitido à Ré “F”, não foi o estabelecimento, encarado como universalidade, mas apenas as respectivas instalações, ainda que com alguns móveis e utensílios, para que esta última viesse a transferir para as mesmas instalações o exercício da actividade comercial que, até então, desenvolvia noutro local. Ou seja, o que as partes visaram com o contrato foi, afinal, proporcionar à Ré sociedade mudança de instalações, a coberto de um contrato designado de cessão de exploração, relativamente a um estabelecimento que, como tal, já não existia ou deixou de existir logo que aquela se transferiu para o arrendado.
A conclusão a que tem de se chegar, como se chegou na sentença, não podia, pois, ser outra que não a de que se tratou, afinal, de uma sub-locação.
E assim sendo, violaram os RR. “D” e “E” o disposto na al. f) do artº 1038° do C. Civil, ou seja a obrigação de não proporcionarem a outrem o gozo da coisa, designadamente por aquela via, sendo certo que tal violação é fundamento de despejo, agora nos termos da alínea f) do nº 1 do artO 640 do RAU, com o que nada há que objectar à decretada resolução do contrato com consequente entrega do locado aos AA.

Relativamente á indemnização em que os RR. foram condenados, assunto relativamente ao qual se deve reconhecer que a douta sentença o tratou muito ao de leve, posto que, "sem necessidade de maiores considerações" teve como notória a existência dos danos invocados pelos AA., "correspondendo à diferença entre a renda acordada entre os AA. e os primeiros RR. e a renda acordada entre estes e a R. sociedade", a questão tem de merecer maior desenvolvimento.
Com efeito, tendo o senhorio todo o direito de obter a resolução do contrato de arrendamento com base na violação das obrigações dele decorrentes para o inquilino, dir-se-ia que nada na lei lhe conferiria também o direito de reclamar para si os benefícios que o inquilino inadimplente tenha auferido com tal violação e que, mesmo que a sub-locação tivesse sido autorizada pelos senhorios, a fixação de uma sub-renda superior à permitida pelo artO 1062° do mesmo diploma, outro efeito não teria que não fosse funcionar como causa autónoma de resolução, fundada no não cumprimento do referido preceito (v., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Voz. II, 4ª Edição, pag. 407).
Por outro lado, até que a resolução produza os seus efeitos (o que, no caso, sempre demandava decisão judicial, nos termos do artº 1047° do C. Civil), subsiste, o contrato celebrado, contexto em que o senhorio apenas poderia reclamar o pagamento das rendas devidas. Ou seja, uma vez que enquanto não ocorrer a decisão judicial que ponha termo ao arrendamento, o contrato continua a vincular ambas as partes, o senhorio apenas poderia reclamar os direitos dele emergentes e não também o ressarcimento de quaisquer prejuízos decorrentes da não entrega do locado, na medida em que o arrendatário a esta não tinha que proceder, enquanto não fosse decretada a resolução.
Mas a verdade é que os RR. “D” e “E”, servindo-se de um bem que pertence aos AA. cujo uso e fruição estes lhe proporcionaram na sequência de um contrato de arrendamento, mediante a contrapartida (renda) actualmente no montante de €390,S0, lograram, através de um negócio pelos senhorios não autorizado obter um rendimento mensal de € 875. Ou seja, estão a locupletar-se, à custa dos senhorios com mais que o dobro daquilo que lhes pagam.
Estamos, portanto, perante flagrante enriquecimento sem causa.
Com efeito, verificam-se no caso, todos os pressupostos do referido instituto, regulado nos artºs 473º a 482° do C. Civil, como se passará a demonstrar:
Nos termos do artº 1305° do mesmo diploma, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, sendo que, no caso em apreço, esses direitos apenas se encontram limitados, por vontade dos AA., expressa no contrato ele arrendamento, quanto uso e fruição, sendo estes, por sua vez, os únicos direitos que aos apelantes advêm do mesmo contrato. Assim, não lhe tendo sido conferida a faculdade de sub-locarem, não podem obviamente beneficiar do direito a perceberem os frutos civis decorrentes da sub-locação, por isso que os mesmos só ao proprietário pertencem.
É este aliás, o entendimento que claramente transparece do acórdão do STJ de 22.05.2001, in CJ, STJ, Ano IX, Tomo 2, pag. 95-96, quando nele se afiram ser a fruição precisamente o aproveitamento dos frutos e produtos de uma coisa, seja de frutos materiais, seja de frutos jurídicos, e que "apenas integrando o contrato de locação em causa a restrição resultante dos seus próprios termos ao exercício daquele direito de fruição, esta mantém a sua plenitude e exclusividade na titularidade do proprietário, comprimida apenas pelos termos daquele contrato".
Resumindo, os apelantes estão a enriquecer-se por via de uma sub-locação ilícita, porque não autorizada, sem qualquer causa justificativa, com consequente empobrecimento dos senhorios, ao não receberem os rendimentos a que só eles têm direito.
Neste contexto, devem os apelantes, obviamente, restituir aos AA. o indevidamente recebido, ou seja a diferença entre o que lhes pagam a título de renda (€ 390,50) e o que vêm recebendo da R. “F” (€ 875), contexto em que nada há a censurar à correspondente condenação decretada na sentença.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, e agora com expressa fundamentação quanto ao pedido de indemnização, confirmam a douta sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.