Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1245/13.9GBABF.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: ROUBO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RECONHECIMENTO DO ARGUIDO EM JULGAMENTO
ARMA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 01/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I – Constitui um reconhecimento atípico ou informal a identificação do arguido em audiência de julgamento, por testemunha, no decurso do seu depoimento.

II - Esta “identificação” do arguido insere-se no depoimento da testemunha e segue o regime estabelecido no Código de Processo Penal para esse depoimento, podendo, por isso, ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no artigo 127.º do CPP.

III - Após a entrada em vigor da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, armas, quer para o efeito do art.º 204.º, n.º 2, al.ª f), do Código Penal, quer para o demais ordenamento jurídico-penal, passaram a ser as enunciadas no art.º 3.º da Lei n.º 5/2006, mais as do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95.

IV – Assim, incorre na prática de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art.210.º, n.º1 e 2, alin. b) do Código Penal, com referência ao art. 204.º, n.º2, al. f) do mesmo diploma legal, aquele que utilizar para o seu cometimento uma pistola de alarme.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal colectivo acima identificados, do J3 da 2.ª Secção Criminal da Instância Central de Portimão, da Comarca de Faro, os arguidos A. e B. foram, na parte que agora interessa ao recurso, condenados pela prática de:

> O arguido A., 18 crimes roubo qualificado, cada um deles p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 e 2 al.ª b) e 204.º, n.º 1 al.ª f), do Código Penal, nas penas de 3 anos e 6 meses de prisão por cada um dos mesmos.
Em cúmulo jurídico, pena única de 16 anos de prisão.

> A arguida B., um crime de receptação, p. e p. pelo art.º 231.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de tempo.
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Inconformados com o assim decidido, cada um destes arguidos interpôs recurso, apresentando o do arguido A. as seguintes conclusões:

1 – O recorrente foi condenado pela prática de dezoito crime de roubo qualificado, previstos e punidos pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b) por referência ao artigo 204.º, n.º 2, al. f), ambos do Código Penal, nas penas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um dos mesmos, absolvendo-o dos demais crimes de que vinha acusado; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão.

2 - Salvo o devido respeito, o Arguido, ora Recorrente, considera nos termos do artigo 412.º, n.º 3 do CPP, que o tribunal a quo julgou incorrectamente os factos supra identificados com os números 1 a 7, 10 a 11, 13 a 15, 18 a 22, 25 a 26, 33 a 35, 38 e 39, 41 a 45, dos factos provados, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova que permita considerar, sem margem para dúvidas, a prática dos mesmos pelo arguido.

3 - Para dar como provados os factos supra mencionados o tribunal a quo considerou essencialmente as declarações prestadas pelo arguido em sede de primeiro interrogatório judicial, por, segundo o tribunal, aquele ter admitido genericamente a sua prática, após lhe terem sido lidos os factos que indiciariamente lhe eram imputados.

4 – Salvo o devido respeito, não se pode concordar com a valoração da prova feita pelo tribunal a quo. Não foram lidos os factos imputados ao arguido em primeiro interrogatório. Foi-lhe facultado o processo para que o lesse (dia 20 de Setembro de 2013, gravação iniciada às 18h30m35ss aos 03.44, gravado no suporte informático em uso no tribunal), não resultando da gravação que o recorrente tenha confirmado ter lido os referidos factos, bem como de estar ciente de todos os factos que lhe estavam a ser imputados.

5 - Além disso, não pode o tribunal a quo dar como provado que o recorrente praticou os factos que tiveram lugar no dia 13 de Agosto de 2013, nomeadamente os factos constantes dos NUIPCs ---/13.0JAFAR e ---/13.2JAFAR, porquanto o recorrente não os confessou (vide gravação efectuada no dia 20 de Setembro de 2013, iniciada às 19h05m15ss aos 06m24s, gravado no suporte informático em uso no tribunal).

6 - As declarações prestadas pelo arguido em interrogatório são ambíguas, lacónicas, generalistas, não permitem, com certeza, concluir o que quer que seja.

7 - Contudo, o arguido, em julgamento, prestou declarações, de forma isenta, credível, por vezes, emocionada, e explicou a razão de ser das declarações prestadas no primeiro interrogatório (este propósito vide a gravação efectuada no dia 10 de Novembro de 2014, com início às 10h 10m26 s., aos14 segundos e ss., gravados no suporte informático em uso no tribunal).

8 - O arguido não confessou a prática de quaisquer factos, e, muito menos, a prática dos factos praticados em 13 de Agosto e 2013. Por outro lado, as ofendidas, dos factos em análise nos NUIPCs --/13.0JAFAR e --/13.2JAFAR, não reconheceram o arguido, quando confrontadas com o mesmo em audiência de julgamento - (declarações prestadas em 09-01-2015, iniciada às 14:37:57, pelos 08m20s, declarações prestadas em 09-01-2015, iniciada às 14:16:59, pelos 11m35s, declarações prestadas em 09-01-2015, iniciada às 14:47:44, pelos 5m58s, declarações prestadas em 09-01-2015, iniciadas às 14h56m14s, aos 5m55s da gravação, declarações prestadas em 09-01-2015, com início às 11:26:21, aos 6m 24s, 12m e 12m34s da gravação, declarações prestadas em 09-01-2015, com início às 10:58:00, aos 13m e aos 15m19s, 19m 10s, 20m20sda gravação), os factos foram praticados em dois pontos opostos da cidade de Albufeira, com cerca de cinco minutos de intervalo entre si, a testemunha Cabo B. referiu ser habitual ocorrerem roubos em simultâneos em dois pontos distantes da cidade para desviar o patrulhamento. Tendo em conta que os mesmos ocorreram em pontos opostos da cidade, que distam entre si cerca de 2 ou 3 quilómetros, de acordo com as regras da experiência comum, é inverosímil que tenham sido praticados por uma só e mesma pessoa.

9 - Além disso, a descrição do vestuário dos indivíduos que fizeram os assaltos é diferente, um usava calças de ganga, o outro vestia calças pretas. Pelo que,

10 - Face ao exposto, se impunha dar como não provados os factos constantes nos pontos 38 e 39 e 41 da matéria de facto provada.

11 - Não foi feita qualquer prova de que os telemóveis apreendidos pertencessem às ofendidas. Os telemóveis apreendidos são objectos comuns, fabricados em série e o único sinal distintivo de cada um deles é o respectivo IMEI. Ora, nos autos de apreensão constantes no processo estão mencionados os IMEIs dos telemóveis apreendidos, contudo, desconhece-se como o tribunal a quo chega à conclusão que os referidos telemóveis são propriedade dos ofendidos ouvidos, uma vez que os IMEIS dos telemóveis roubados não consta mencionado em prova nenhuma indicada na acusação, e, por essa razão, não poderiam ter sido dados como provados os factos constantes dos pontos 5, al.s a) e b), 14, 22, 26, 34, al. a), 35 e 39.

12 - Quanto à ligação entre a arma apreendida na possa do arguido e a arma utilizada no cometimento dos crimes, tendo em conta que nenhuma delas tem características únicas que permita identificá-las sem margem para qualquer dúvida, sendo a arma utilizada nos crimes descrita de uma forma vaga, parece-nos, salvo melhor opinião, que não é lícito ao tribunal a quo partir do princípio que como a arma descrita pelas testemunhas era uma arma preta pequena e como o recorrente tinha um arma de alarme preta e, que por sinal, também é pequena, necessariamente foi essa a arma utilizadas nos crimes. Pelo que se impõe dar como não provados os factos constantes dos pontos 2, 4, 10, 13, 19, 25, 33, 38 e 41.

13 - Tendo em conta que o modus operandi do assaltante descrito pelas testemunhas não é igual em todos os processos, os diferentes tons de pele dos assaltantes – descrito desde branquinho (vide declarações gravadas dia 11-11-2014, com início às 14:45:20, aos 06m20 e do mesmo dia iniciadas 14:30:07, aos 05m46 ss,) até muito bronzeado (declarações prestadas 26-02-2015 15:17:28, 10 m e aos11 m e 15ss, 09-01-2015, com início às 09:48:08, aos 13m30 traduzido aos 14m03s, dia 09-01-2015 com início às 10h06m43s, aos 07m34s e traduzido aos 07m45s, declarações prestadas em 10-12-2014, iniciada às 10h26m19s, aos 07m20s) -, a inexistência de ligação entre os telemóveis apreendidos e os telemóveis roubados, não pode o tribunal a quo concluir sem qualquer margem de dúvida que foi o recorrente que praticou os factos que lhe foram imputados.

14 - As testemunhas não reconhecem o arguido, com excepção de dois casos, sobre os quais nos pronunciaremos mais á frente.

15 – Assim, apesar de o tribunal a quo entender que o recorrente confessou a prática dos factos que lhe estavam indiciariamente imputados aquando do primeiro interrogatório, sem prescindir, entendemos que, eventual confissão desacompanhada de qualquer outro meio de prova que permita ao tribunal considerar, sem qualquer margem para dúvidas, que foi o arguido que cometeu os crimes, não é bastante para o condenar.

16 - Partindo de tais considerações, entende-se que não foi produzida prova indiciária (sendo certo que a prova directa se encontra totalmente arredada) necessária ou suficientemente consistente, coerente e sólida de forma que o Tribunal a quo possa concluir pela culpabilidade do arguido, arredando as dúvidas existente sobre a mesma, pairando uma séria incerteza quanto à sua autoria dos factos. Assim sendo, tal estado de incerteza terá de ser valorado a favor do arguido, com aplicação do princípio in dubio pro reo, dando-se os factos mencionados em 2 como não provados e, consequentemente, absolvendo o recorrente dos crimes de que vinha acusado.

17 - Em relação aos reconhecimentos efectuados pelas testemunhas, no decurso da audiência de julgamento, sem observância dos formalismos legais impostos pelo artigo 147,º do CPP, apenas duas testemunhas referem reconhecer o arguido.

18 – Contudo, tais reconhecimentos não podem ser valorados, nos termos do disposto no n.º 7, do artigo 147.º, do CPP, por terem sido obtidos em violação do disposto no referido artigo 147.º, do CPP.

19 - Sempre que o objectivo for o de identificar a pessoa do arguido como agente dos factos imputados se necessário for o reconhecimento do arguido, enquanto sujeito dos factos que lhe são imputados, a prova a que se deverá recorrer será o reconhecimento e não a testemunhal. Se assim não suceder, solicitando-se a (confirmação da) identificação do arguido como agente dos factos imputados, ter-se-á um desvio inadmissível do procedimento probatório legalmente previsto para o reconhecimento pessoal que, como tal, não constituirá meio de prova atípico, mas estará viciado, considerando-se proibida a sua valoração (cfr. n.º 7 do art. 147 do CPP).

20 - A norma constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permitindo a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo artigo 147.º do Código de Processo Penal, é inconstitucional por ser claramente lesiva do direito de defesa do arguido, consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, bem como, por violação do disposto pelos artigos 2.º, 16.º, 17.º, 32.º e 202.º, n.º 2, todos da Constituição da República, do artigo 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do artigo 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

21 - Sem prescindir, ainda que se admitisse que os reconhecimentos efectuados com o atropelo dos formalismos legais seriam válidos e a prova assim obtida pudesse ser valorada, o reconhecimento levado a efeito pela testemunha JA, é desprovido de qualquer valor, porquanto já anteriormente, em data mais próxima dos factos, a testemunha, havia sido confrontada com o arguido, no âmbito do reconhecimento feito na Polícia Judiciária (fls. 808), com observância do disposto no artigo 147.º, do CPP. E, nessa ocasião, a testemunha não reconheceu o recorrente como tendo sido o autor dos factos. Pelo que, não o tendo reconhecido nessa ocasião, e tendo presente a descrição que a testemunha faz do assaltante – como louro e branco-, que não corresponde, de todo, ao aspecto que o arguido teria à data dos factos, não merece o reconhecimento assim feito qualquer credibilidade.

22 - Mesmo que aceitássemos a possibilidade de o depoimento testemunhal abranger a identificação de pessoas, no caso concreto, face às declarações prestadas pela testemunha, tal reconhecimento não tem correspondência com a descrição do assaltante feita por aquela, tendo o “reconhecimento” em julgamento sido a única via de ligar o arguido aos factos da acusação, nada mais existindo para além da convicção (subjectiva) da testemunha, pois nem sequer é possível cruzar ou comprovar essa “identificação” com qualquer outro meio de prova, ou com qualquer outro indício objectivo.

23 - Quanto ao outro “reconhecimento” existente nos autos e feito pela testemunha EM, também não pode ser considerado como parte integrante do depoimento, porquanto o mesmo não nos dá quaisquer garantias de objectividade e credibilidade. Por um lado, à hora em que ocorreu o assalto, de acordo com a localização do seu telemóvel, constante no esquema junto ao anexo I dos autos, bem como das declarações prestadas pelo arguido, este estava com a sua companheira, na casa onde aquela residia na altura, localizada em Montechoro. Pelo que,

24 - Não poderia estar no local onde ocorreu o assalto.

25 - Por outro, a testemunha diz reconhecer o recorrente pelo aspecto, pela cara. Contudo, não podemos esquecer, que de acordo com a mesma testemunha o assaltante usava óculos de sol (o que impossibilitava que aquela visse parte do rosto, nomeadamente, a zona dos olhos), não tinha cabelo, ao passo que o recorrente tem actualmente o cabelo ligeiramente comprido, o que lhe altera o aspecto visual, o tom de pele do assaltante descrito pela testemunha, como ligeiramente moreno.

26 - Deste modo, impõe-se considerar como não provados os factos supra identificados, e, em consequência, deverá o arguido ser absolvido dos crimes de que vinha acusado.

27 - Ao decidir de forma diferente, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 127.º, 147.º, 150.º, 340.º, todos do CPP, bem como o princípio constitucional do in dubio pro reu.

28 –Além disso, o conceito de arma não é caracterizado pelo receio que seja sentido por qualquer pessoa, sendo essencial que se verifiquem os respectivos pressupostos.

29 - Um objecto, com o cano obstruído, sem a virtualidade de disparar projécteis, não tem a virtualidade de ser uma arma, por muito medo que tal objecto possa causar a terceiros.

30 - O objecto em causa, utilizado pelo Arguido, não é uma arma, nem pode ser entendido como tal, não se verificando, consequentemente, a alegada qualificação. E, por isso, sem prescindir, admitindo, por mera hipótese, que V.Exas. entendam condenar o arguido, deverão fazê-lo pela prática de crime de roubo, previsto e punido no n.º 1 do artigo 210.º, do Código Penal e nunca pelo n.º 2 do mencionado artigo por referência à al. f, do n.º 2 do artigo 202.º, do referido diploma legal, punido com pena abstracta de 1 a oito anos de prisão.

31 - Sem prescindir, caso o tribunal ad quem proceda à desagravação dos crimes imputados ao arguido, como atrás se defendeu, considerando-se que o arguido cometeu crimes de roubo, previstos e punidos pelo artigo 201.º, n.º 1, do CP, a respectiva moldura penal abstrata situa-se entre um e oito anos de prisão.

32 - Aplicando o mesmo critério de determinação da pena utilizado pelo Tribunal a quo quanto ao crime de roubo, p.e p. pelo n.º 2 do artigo 210.º, CP, seria de aplicar a cada crime em concreto pena de um ano e seis meses de prisão. Pelo que,

33 - Admitindo, sem conceder, a condenação pela prática dos dezasseis crimes imputados ao arguido, para determinação da pena única a aplicar o tribunal a quo terá em consideração que a moldura abstracta do concurso terá como limite máximo 24 (vinte e quatro) anos de prisão e um limite mínimo de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

34 - Entende o recorrente que é justa, adequada e proporcional a aplicação de uma pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período.

35 - Assim não se entendendo, e caso o tribunal ad quem entenda que foi praticado o crime de roubo agravado, ainda assim, sempre sem prescindir, o recorrente entende que a determinação das penas de prisão em cúmulo jurídico, no aludido acórdão, que todas somadas perfazem, 63 anos de prisão efectiva e sucessiva, viola o disposto implícito no art. 41°, n.ºs 2 e 3, do Código Penal.

36 - Tendo em consideração que o limite mínimo da pena única é a mais elevada das penas concretamente aplicadas, ou seja, 3 anos e 6 meses de prisão, e o limite máximo 25 anos de prisão (não podendo legalmente atingir o somatório das penas parcelares de 48 anos e 3 meses), e o circunstancialismo atenuativo comprovado, entende-se como mais justa a pena única de 8 anos de prisão.

37 - Na escolha e determinação da medida concreta das penas o Tribunal violou os princípios da culpa, as finalidades de prevenção da reincidência e os critérios relevantes para a escolha e determinação da medida e ainda os aplicáveis à punição do concurso efectivo, previstos nos artigos 40.°, 71.°, n.° 1 e n.° 2, 72° e 77.°, do CP.

38 - Assim, a pena de 16 anos de prisão, a que o Tribunal a quo condenou o arguido, ultrapassando exacerbadamente os limites da sua culpa, revela-se desproporcional às necessidades de prevenção geral e especial que o caso reclama, desadequada à concreta finalidade da ressocialização do agente, frontalmente violadora do comando contido no artigo 71.° e o artigo 41° n° 2 e 3, do Código Penal, portanto injusta e inadmissível, impondo-se a aplicação de pena inferior à do acórdão recorrido.

Nestes termos e nos demais de direito, (…) deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta (…)
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O recurso da arguida B. apresenta as seguintes conclusões:

A pena aplicada à arguida é excessiva, tendo em conta as penas aplicadas aos outros arguidos, que vinha acusados do mesmo crime, pelo que deve a mesma ser absolvida, pois não faz sentido aplicar uma pena com esta gravidade, sendo certo como já se afirmou que a mesma não tinha conhecimento da proveniência do telemóvel.

A conduta da arguida recorrente, caracterizou-se pela simplicidade e pela verdade dos factos.

A pena aplicada apresenta um forte carácter punitivo, revelando maior aptidão para a satisfação de um fim imediato de punição do que para a prevenção.

A douta sentença recorrida violou as normas jurídicas constantes do artigo nº.71, nº.2 al. c) e d) do Código Penal.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V.Exª.s suprirão a arguida deverá a douta sentença ser substituída por outra que se coadune com as pretensões expostas, (…)
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O Ex.mo Procurador do tribunal recorrido respondeu a cada um dos recursos, concluindo da seguinte forma no tocante ao do arguido A.:

I – O douto acórdão recorrido não merece qualquer reparo.

II – O Tribunal a quo efectuou atenta e cuidada apreciação da prova, estabelecendo com rigor a factualidade provada.

III – Como rigorosa foi a qualificação jurídico-penal dos factos provados.

IV – As declarações do arguido prestadas perante o M.º Juiz de Instrução, em sede de primeiro interrogatório, ocorreram depois de o arguido estar devidamente elucidado, através de leitura pausada e directa, e com o apoio do seu ilustre defensor, sobre quais os factos que então lhe eram imputados e qual a prova que os sustentavam.

V – Da audição da gravação dessas declarações, em audiência de julgamento, o Tribunal retirou elementos probatórios que, a par dos restantes, e à luz da livre apreciação do Tribunal, sustentam as conclusões a que chegou quanto aos factos provados.

VI – Não há outra interpretação possível para aquelas declarações do arguido que não sejam as de admissão genérica da autoria dos crimes de roubo com os quais foi confrontado.

VII – Já a versão que dos factos o arguido apresentou, em audiência de julgamento, e segundo a qual se limitou a comprar a um “brasileiro” os telemóveis que tinha na sua posse, entregou à sua companheira, e vendeu aos co-arguidos, não é minimamente plausível, acrescendo não ser racional que a ser verdade o arguido nunca tenha referido tais factos, nem mesmo quando interrogado pelo M.º Juiz de Instrução, esperando largos meses, e em prisão preventiva, para os “revelar”.

VIII – As testemunhas inquiridas em audiência de julgamento depuseram com manifesta sinceridade e coerência, ainda traumatizadas pelos actos criminosos do arguido, mas sem manifestarem, animosidade para com este.

IX – A credibilidade das testemunhas não é posta em crise pelo facto de haver diferenças de pormenor, não essenciais, na descrição do arguido e dos factos, explicáveis pela subjectividade e origem cultural de cada uma das testemunhas.

X – Relativamente a todos os telemóveis recuperados em poder dos arguidos foi possível confirmar que os respectivos imei eram os indicados pelas ofendidas ou correspondiam aos equipamentos onde tinham estado activados os cartões telefónicos das ofendidas, pelo que dúvidas não há de que se trata dos telemóveis que o arguido subtraiu às ofendidas.

XI –A descrição que as testemunhas fizeram da arma exibida pelo arguido coincidem com as características da pistola de alarme que foi encontrada em poder do arguido, mas ainda que assim não fosse, provado ficou que o arguido exibiu uma arma.

XII – A conduta do arguido, de exibir a pistola de alarme, querendo, como fez, convencer as suas vítimas de que era uma arma de fogo pronta a disparar, assim as fazendo temer pela sua vida e dissuadindo qualquer resistência, constitui uma agravante dos crimes de roubo pelo arguido consumados, por preencher a previsão do art.º 204.º, n.º 2, alínea f), e segs. vi art.º 210.º, n.º 2, alínea b),do Código Penal.

XIII – Atento aos limites abstractamente estabelecidos, quer as concretas penas parcelares quer a concreta pena única resultante do cúmulo jurídico mostram-se justas e adequadas, e se discordância suscitassem não seria por excesso.

XIV – Pelo que, ressalvada diferente e melhor apreciação por V.ªs Ex.ªs, deverá ser negado provimento ao recurso, por infundado, mantendo-se na íntegra o decidido no douto acórdão recorrido.
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O Ex.mo Procurador do tribunal recorrido respondeu também ao recurso da arguida B., concluindo da seguinte forma no tocante ao mesmo:

I – O douto acórdão recorrido não suscita qualquer reparo.

II – O Tribunal a quo bem apreciou a prova e estabeleceu os factos provados, e bem qualificou a provada conduta criminosa da arguida.

III – Nenhuma contradição ou qualquer outro vício ocorreu no douto acórdão recorrido, sendo certo que a recorrente se limita a invocá-lo de forma vaga e sem qualquer concretização.

IV – A concreta pena aplicada à arguida recorrente mostra-se conforme aos critérios estabelecidos pelos art.ºs 70.º e 71.º do Código Penal, sendo justificada a opção por pena de prisão, justa a sua concreta medida, um ano e seis meses, e adequada a suspensão da sua execução.

V – Pelo que, ressalvada diferente e melhor apreciação por V.ªs Ex.ªs, deverá ser negado provimento ao recurso, por infundado, mantendo-se na íntegra o decidido no douto acórdão recorrido.
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Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência dos recursos.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II
No acórdão recorrido e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:
-- Factos provados:

1. Nos meses de Julho e Agosto de 2013, o Arguido A. decidiu que iria abordar turistas que encontrasse nas ruas de Albufeira, de preferência mulheres, a horas tardias e que as assaltaria, apropriando-se de todos os bens e valores que se encontrassem na posse destas pessoas, contra a sua vontade, o que fez.

2. Para tal efeito, iria levar consigo uma pistola “Ekol”, modelo “Volga”, com o nº EVL-1020645, arma de alarme que dispara munições de gás de 9 mm, em tudo semelhante a uma arma de fogo real, a qual exibiria e apontaria a tais pessoas, de forma a melhor as dominar e conseguir concretizar o assalto, o que veio a fazer.

NUIPC ---/13.2GBABF
3. No dia 6 de Julho de 2013, cerca das 02h15m, Shannon, Reem e Emma regressavam ao “Aparthotel Janelas do Mar”, em Montechoro e, quando se encontrava, junto do elevador no hall de entrada daquele estabelecimento, foram abordadas pelo Arguido, que se dirige às mesmas, em inglês, ordenando a entrega das malas e dos seus pertences.

4. O Arguido empunhava a pistola de alarme “Ekol”, modelo “Volga”, com o nº EVL-1020645, de calibre 9mm, que exibiu e aponto-a àquelas, obrigando Emma e Reem à entrega das malas que levava consigo.

5 - De seguida, o Arguido pôs-se em fuga, levando consigo os seguintes objectos que fez seus:

a) Uma mala, sem qualquer marca, pertencente a Emma, que tinha no seu interior um “Iphone 4S” (IMEI….), de valor não inferior a € 400,00, de cor preta, um cartão de débito do “Nation Wide”, um cartão de débito do “Barclays” uma carta de condução, uma apólice de seguro de viagem, tudo em seu nome e cerca de € 20,00 em notas e moedas do BCE;

b) Uma bolsa plástica da “Primark”, pertencente a Reem, contendo no seu interior um “Iphone 4S” (IMEI….), de valor não inferior a € 400,00, um telemóvel da Samsung (IMEI….), de valor de cerca de € 20,00, uma câmara Canon, de valor não apurado, um cartão de débito do “Barclays” em seu nome e cerca de € 20,00 em notas e moedas do BCE;

c) Na bolsa desta, encontrava-se ainda um cartão de débito do “Halllifax”, pertencente a Lucinda P.

6. O “Iphone 4S” preto (IMEI…..) foi recuperado pela PJ na posse do Arguido A., aquando da sua detenção.

7. O “Iphone 4S” (IMEI…) foi recuperado na posse do Arguido C., a quem o Arguido A. o tinha vendido logo após os factos e em troca de € 200,00, quantia essa inferior ao seu valor real.

8. De facto, o Arguido C. quis adquirir o referido objecto, o qual fez seu, apesar de saber o seu valor real.

NUIPC ---/13.4GBABF

9. No dia 7 de Julho de 2013, cerca das 04h30m, na Rua Dunfermline, em Albufeira, Laura e Rebecca deslocavam-se apeadas, dirigindo-se para o Hotel Forte do Vale, local onde passavam férias.

10. Repentinamente, surgiu o Arguido que, circulando no sentido oposto, dirigiu-se às mesmas e apontou-lhes a pistola de alarme “Ekol”, modelo “Volga”, com o nº EVL-1020645, de calibre 9mm, enquanto lhes ordenava, na língua inglesa, que pousassem as malas no chão, o que estas fizeram.

11. Após o que o Arguido pegou nas malas e pôs-se em fuga, levando consigo e fazendo seus os seguintes objectos:

a) Uma mala de cor preta, sem marca, pertença de Laura, de plástico, no valor de € 10,00, contendo no seu interior uma máquina fotográfica de marca “Kodak Easyshare” e a respectiva bolsa de transporte, com o valor de € 110,00, produtos de higiene pessoal e cerca de € 15,00 em notas e moedas do BCE;

b) Uma mala de Rebecca, decorada com lantejoulas, no valor de € 15,00, contendo no seu interior uma máquina fotográfica da marca “Samsung SLB-07”; de cor preta com uma risca vermelha, no valor de € 120,00, um telemóvel e marca “Samsung Galaxi Mini”, de cor preta, no valor de € 75,00, uma carteira com a sua carta de condução, uma nota de € 20,00 do BCE e ainda uma outra carteira amarela em forma de banana contendo no seu interior cerca de € 2,00 em moedas e a chave do cofre do hotel.

NUIPC ---/13.0GBABF
12. No dia 11 de Julho de 2013, pelas 02h40m, Antoinette, Myrna, Charlotte e Nicole caminhavam na estrada de acesso ao aldeamento turístico “Albufeira Jardim I” sito no Cerro da Piedade, em Albufeira, local onde passavam férias.

13. Repentinamente, surge o Arguido que, empunhando uma pistola de alarme “Ekol”, modelo “Volga”, com o nº EVL-1020645, de calibre 9mm, dirige-se às mesmas na língua inglesa e ordena-lhes que entreguem o dinheiro, as malas e os telemóveis.

14. Acto contínuo, Myrna entregou-lhe uma mala, de cor preta, no valor de € 6,00, contendo no seu interior cerca de € 100,00 em notas do BCE, dinheiro comum das quatro supra identificadas Ofendidas, um telemóvel “Iphone 4S”, de cor branca, com capa azul, propriedade de Charlotte, com IMEI…, no valor de € 400,00, duas chaves do alojamento, um maço de tabaco Malboro e um isqueiro.

15. Seguidamente, o Arguido pôs-se em fuga, levando consigo tais objectos que fez seus.

16. O referido telemóvel foi depois vendido por indivíduo não identificado a N. após os factos e em troca de € 120,00, quantia essa inferior ao seu valor real.

NUIPC ----/13.9GBABF
17. No dia 11 de Julho de 2013, cerca das 03h20m, Valeriya e Polina caminhavam na Rua Camilo Castelo Branco, em Albufeira, em direcção ao hotel onde passavam férias.

18. De repente, foram abordadas pelo Arguido, que surgiu pela sua rectaguarda e se dirigiu às mesmas, em inglês, ordenando a entrega das malas e dos seus pertences.

19. O Arguido empunhava a pistola de alarme “Ekol”, modelo “Volga”, com o nº EVL-1020645, de calibre 9mm, que exibiu e apontou a ambas as Ofendidas, obrigando-as à entrega de uma mochila e uma mala de mão com objectos pessoais.

20. De seguida, já na posse dos objectos, o Arguido ordenou-lhes que se colocassem em fuga, o que estas fizeram.

21. Após, o Arguido pôs-se de imediato em fuga levando consigo os seguintes objectos que fez seus:

a) Uma mala pertencente à Polina, de tecido, de cor branca, que continha no seu interior cerca de e 40,00, um cartão de utente e um cartão multibanco;

b) Uma mochila pertencente à Valeriya de cor branca, no valor de € 10,00, contendo no seu interior uma carteira em pele de cor preta, no valor de € 10,00, vários documentos pessoais, um telemóvel da marca “Samsung Note 2”, com capa de cor preta, no valor de € 700,00, uns óculos de sol da marca “Vogue”, no valor de € 70,00, uns óculos graduados da marca “Armani”, no valor de € 400,00, um livro, um biquíni, no valor de € 35,00 e um protector solar no valor de € 10,00.

22. Apenas o referido telemóvel Samsung foi recuperado aquando da realização das buscas domiciliárias à casa do Arguido e da sua companheira, a ora Arguida B. e estava a ser usado por esta, a quem o Arguido o tinha oferecido.

23. Arguida B. quis receber o referido objecto, o qual fez seu, apesar de conhecer o seu valor real e a sua proveniência ilícita, conformando-se com a possibilidade deste ter sido ilegitimamente subtraído ao respectivo dono, o que fez com intenção de obter uma vantagem patrimonial no valor do objecto.

NUIPC ---/13.7GBABF

24. No mesmo dia 11 de Julho de 2013, pelas 04h15m, Joana caminhava na rua de acesso ao aldeamento turístico “Albufeira Jardim I” sito no Cerro da Piedade, em Albufeira, acompanhada por Isabel.

25. Inesperadamente, o Arguido surgiu e dirigiu-se a Joana na língua inglesa, empunhando a pistola de alarme “Ekol”, modelo “Volga”, com o nº EVL-1020645, de calibre 9mm, sem que esta tenha entendido o significado do que aquele lhe disse, pelo que o Arguido retirou a mala que Joana transportava ao ombro e encetou fuga.

26. A referida mala continha no seu interior um telemóvel da marca “Samsung”, com o IMEI…., de valor não inferior a € 100,00, uma carteira encarnada e prateada da marca “Mochino”, uma carteira pequena e redonda vermelha, um cartão de cidadão, um cartão de débito da CGD, tudo em seu nome e cerca de € 25,00 em notas e moedas do BCE, objectos estes que o Arguido fez seus.

NUIPC ---/13.7GBABF

27. No dia 30 de Julho de 2013, cerca das 04h30m, Natalie, Lauren e Campell regressavam à sua casa de férias sita em frente ao Hotel Boavista, em Albufeira e, quando se encontravam na Travessa Coronel Águas, foram abordados por indivíduo não identificado que se dirigiu aos mesmos e, agarrando Lauren, que abraçou com o braço esquerdo, apontou-lhe uma pistola de características não concretamente apuradas e, em inglês, ordenou a entrega da mala e dos seus pertences, dizendo “Give me the bag!”

28. Receosa com tal conduta, esta colocou a sua mala no chão.

29. De seguida, o referido indivíduo apontou a pistola a Natalie e Campell e ordenou-lhes em inglês que se ajoelhassem e que lhe entregassem a mala de Natalie, o que estes fizeram.

30. De seguida, tal indivíduo pôs-se em fuga, levando consigo a mala de Natalie, da marca “Primark”, no valor de € 5,00, um baton no valor de € 15,00 e € 25,00 em notas e moedas do BCE, os quais fez seus.

31. O mesmo indivíduo levou também consigo a mala de Lauren, da marca “Mango”, no valor de € 35,00, contendo no seu interior um iphone 5, branco, IMEI …, no valor de € 500,00 e cerca de € 15,00 em notas e moedas do BCE que também fez seus.

NUIPC ---/13.0GBABF

32. No dia 30 de Julho de 2013, pelas 05h30m, Orla, Elaine e Gráinne circulavam na Rua da Pedra dos Bicos, perto do Hotel “Pedra dos Bicos”, em Albufeira, local onde passavam férias.

33. Repentinamente, o Arguido dirigiu-se às mesmas e, apontando-lhes a pistola de alarme “Ekol”, modelo “Volga”, com o nº EVL-1020645, de calibre 9mm, ordenou-lhes, na língua inglesa, que lhes entregassem as malas; contudo, as mesmas entraram em pânico e foi o próprio Arguido quem lhes retirou as malas do ombro.

34. Acto contínuo, pôs-se em fuga, levando consigo os seguintes objectos que fez seus:

a) Uma mala pertença de Elaine, em pele, cor-de-rosa, da marca “Guess”, no valor de € 100,00, contendo no seu interior cerca de € 7,00 em notas e moedas do BCE, produtos de maquilhagem, no valor de € 70,00, um telemóvel da marca “Apple”, modelo “Iphone 5”, de cor branca, com capa cor-de-rosa, com o IMEI…., no valor de € 900,00.

b) Uma mala pertencente a Orla, em pele, quadrada, de cor preta, no valor de € 20,00 e um baton MAC no valor de € 17,00;

c) Uma mala pertença de Grainne em pele, cor preta, da marca “Riversland”, no valor de € 25,00, contendo no seu interior produtos de maquilhagem no valor de € 50,00, um telemóvel da marca “HTC, Hildfire”, cor branca, no valor de € 100,00 e chaves do apartamento onde passavam férias.

35. O telemóvel “Iphone 5” supra identificado foi depois vendido pelo Arguido a D., logo após os factos e em troca de € 250,00, quantia essa inferior ao seu valor real.

36. De facto, o Arguido D. quis adquirir o referido objecto, o qual fez seu, apesar de conhecer o seu valor real.

NUIPC ----/13.0JAFAR

37. No dia 13 de Agosto de 2013, pelas 04h15m, Sandy, Tea e Razija dirigiam-se para os “Apartamentos Albufeira Jardim I”, onde passavam férias.

38. Quando caminhavam pela Rua Vale de Santa Maria, em Albufeira, subitamente surgiu o Arguido que, empunhando a pistola de alarme “Ekol”, modelo “Volga”, com o n EVL- 1020645, de calibre 9mm, a apontou na sua direcção, se dirigiu às mesmas, ordenando-lhes, na língua inglesa, que lhe entregassem os seus pertences e retirou-lhes uma mala que estas transportavam.

39. Acto contínuo, pôs-se em fuga, levando consigo os seguintes objectos que fez seus:

- uma mala que continha no seu interior um telemóvel da marca “Samsung”, modelo “Ace”, de cor branca, cerca de € 33,00 propriedade de Tea ; um telemóvel da marca “Apple”, modelo “Iphone 4”, com o IMEI…., de cor preta, de valor não inferior a € 400,00 e cerca de € 30,00 propriedade de Sandy; uma máquina fotográfica da marca “Sony”, de cor prateada, no valor de € 150,00, respectiva bolsa de cerca de € 50,00, um telemóvel Blackberry Bold 900, no valor de € 500,00 e cerca de € 20,00 em notas e moedas do BEC, tudo pertencente a Razija.

NUIPC ----/13.2JAFAR

40. No mesmo dia de 13 de Agosto de 2013, cerca das 04h20m, caminhavam na Rua Columbano Bordalo Pinheiro, Donna, Marleen, Esther e Rixt.

41. Subitamente, o Arguido surgiu pela rectaguarda de Donna, agarrou-a pelo pescoço, deitou-a no chão e apontou-lhe a pistola de alarme “Ekol”, modelo “Volga”, com o nº EVL-1020645, de calibre 9mm, e retirou-lhe de imediato o telemóvel da marca “Sony”, modelo “Xperia Mito” que esta levava na mão, no valor de € 180,00 e, não conseguindo arrancar-lhe a mala, face aos gritos desta, colocou-se em fuga, fazendo seu o referido objecto.

42. No dia 19 de Setembro de 2013, foram efectuadas buscas domiciliárias ao interior da residência pessoal do Arguido A. e da residência da sua companheira, a ora Arguida B., com quem tem co-habitado recentemente, onde foram encontrados e apreendidos alguns dos objectos ora em causa, nomeadamente, alguns dos telemóveis objectos dos presentes autos e uma arma de cor preta, de calibre 9 mm, P.A.K., da marca “Ekol”, modelo “Volga”, nº série EVL-1020645.

43. Com excepção dos objectos supra referidos, os demais objectos subtraídos aos Ofendidos, não foram, até hoje, recuperados, causando prejuízos nos respectivos valores aos seus legítimos donos.

44. Agiu o Arguido A. em execução de uma intenção previamente ponderada, exercendo sobre todos as Ofendidas acções que sabia serem particularmente violentas e insusceptíveis de resistência, constrangendo-as e intimidando-as a entregar os seus bens, com intenção de fazer coisas suas as mencionadas quantias monetárias, objectos e valores, o que fez nas circunstâncias supra descritas, apesar de saber que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade das respectivas donas.

45. Agiram os Arguidos A. e B. de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram punidas por lei criminal.

Mais se apurou relativamente
Ao Arguido A.

46. Cresceu em contexto da família nuclear, junto dos pais, havendo também uma relação chegada com a avó materna, que residia em habitação contígua, num bairro da Grande Lisboa (Pontinha). Foi o único filho do casal, referenciando-se um nível socioeconómico mediano.

47. A. relata a sua infância como um período muito feliz, sendo ele também descrito como correspondendo às expectativas familiares, sem problemas de desenvolvimento ou motivos de preocupação.

48. A idade escolar coincidiu com a mudança dos pais para Albufeira. A. fez os dois primeiros anos do 1º ciclo na Pontinha, a cuidado da avó, mas o resto do percurso escolar já decorreu junto dos pais, em Albufeira. Não refere dificuldades de adaptação.

49. O percurso escolar teve os primeiros sinais de insucesso no 2º ciclo, a partir dos 12 anos. Registou 3 reprovações no 6º ano e acabou por abandonar definitivamente os estudos sem concluir o 7º ano, aos 15 anos.

50. Na fase adolescente, pese embora a notória orientação do quotidiano para actividades de lazer, prazenteiras, em detrimento do cumprimento das expectáveis aquisições escolares/formativas, tal não deu origem a uma reacção contrária por parte dos pais, continuando estes a denotar uma imagem favorável do Arguido, salientando as suas boas competências sociais e de desempenho em contextos de trabalho, escolhidos nos meios da diversão nocturna local.

51. A partir dos 15 anos A. foi-se introduzindo nos meios da animação, moda e eventos, ganhando alguns prémios e contratações para projectos de televisão e de publicidade já na zona de Lisboa. Este percurso durou até aos 21 anos, altura em que conheceu a actual companheira e se mudou para a Lourinhã, onde tinha familiares.

52. A partir de então, passou por enquadramentos profissionais variados de curta duração (menos de um ano) e sem percurso profissional progressivo, trabalhando como gasolineiro, empilhador, comercial de peças auto e empregado de mesa, não sendo também longos os períodos de desemprego.

53. A partir do ano de 2007, com 24 anos, voltou para próximo dos pais em Albufeira, organizando aqui a vida familiar com a companheira, os 3 filhos adolescentes dela e uma filha em comum, agora com 9 anos de idade.

54. Num dos períodos em que ficou desempregado, em Outubro de 2011, iniciou um curso EFA de empregado de mesa e bar com equiparação ao 9º ano e duração até Maio de 2013. Embora tenha conseguido colocação laboral imediata num restaurante bem referenciado, interrompeu, por sua iniciativa, em Setembro de 2013, alegadamente por ter em vista um projecto de trabalho em embarcações de cruzeiro na Noruega, necessitando fazer alguma formação prévia para o efeito, em Lisboa. Era nesta situação em que se encontrada quando foi detido à ordem do presente processo judicial.

55. Em termos afectivo-relacionais, há alusão a múltiplas relações de namoro, mas apenas uma união de facto, mantida há 10 anos com B., 17 anos mais velha e com 3 filhos da anterior relação (que contam agora com 21, 20 e 17 anos). Na relação com B. surge fundamental o nascimento da filha, especialmente investida pelo Arguido e seus pais, nutrindo por ela grande dedicação.

56. No âmbito de anteriores condenações judiciais, embora o Arguido relate a prestação de serviço comunitário como tendo decorrido em moldes superlativos, a mesma não foi isenta de alguns incidentes e advertências. Continua a desvalorizar o comportamento criminal na origem desta condenação, como tendo sido motivado por uma boa causa.

57. Preso preventivamente no EPR de Silves desde Setembro de 2013, a sua postura foi de início apelativa e manipulativa no sentido de ver atenuada a medida de coacção aplicada. Esta postura foi-se abrandando com o decurso do tempo, mostrando-se o indivíduo adaptado e sem registos disciplinares. Em meio prisional conta com o máximo apoio e protecção da família, traduzido nas visitas, contactos e diligências para a sua defesa.

58. O Arguido apresenta uma imagem valorizada de si próprio no que é correspondido pela família, pais e companheira que falam dele de modo elogioso, omitindo ainda a situação de reclusão para o exterior.

59- Os pais dedicam-se, há 7 anos, à exploração de um snack-bar numa pequena localidade próxima de Albufeira, onde o Arguido chegou também a trabalhar. A companheira, também com um percurso profissional instável, pelo menos desde que se mudaram para o Algarve, trabalha agora num escritório de advogados. Do agregado familiar faz parte o enteado mais novo de 17 anos de idade. Em termos futuros, o Arguido poderá voltar a trabalhar com os pais nesse estabelecimento comercial.

60. Da avaliação psicológica efectuada sublinha-se o funcionamento cognitivo dentro da média, com boa compreensão dos costumes e normas sociais, revelando, deste modo, capacidade de discernimento face aos seus comportamentos. Não apresenta quaisquer anomalias nas capacidades mnésicas nem na compreensão das suas condutas.

61. Do ponto de vista da personalidade não apresenta qualquer anomalia.

62. Os traços mais distintivos da sua personalidade são tendência para apresentar uma imagem sobrevalorizada de si próprio, no que é sustentado pela dinâmica familiar, tendência para a rebeldia e resistência perante as imposições da autoridade ou costumes, traços que se correlacionam com os indicadores relacionados com a auto-importância e a capacidade para, perante um problema, o resolver “a seu próprio modo”, procurando, mesmo que de modo inadaptado, diminuir a dependência.

63. Do ponto de vista da reincidência, os resultados no instrumento de avaliação de risco, apontam para um valor médio, com áreas a ter especialmente em conta como o número de crimes por que se encontra acusado, o modo de empregabilidade instável, a atitude de minimização da responsabilidade e a forma sobrevalorizada como se vê a si próprio. Não apresenta, contudo, problemas de ligações/pares anti-sociais nem qualquer tipo de consumos. Embora tendencialmente auto-centrado não é uma pessoa que se mostre insensível.

64. No Estabelecimento Prisional de Silves, exerce as funções de faxina na cozinha do referido estabelecimento prisional, nunca tendo sido alvo de qualquer sanção disciplinar.

65. Do Certificado de Registo Criminal deste Arguido constam as seguintes condenações:
- no Processo Abreviado nº ---/99.5GBABF, por decisão de 12.06.2000 e transitada em julgado em 27.06.2000, pela prática, em 11.12.1999, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal e de um crime de Desobediência, na pena de 75 dias de multa;

- no Processo Comum Singular nº ----/99.1PAPTM, por decisão de 13.07.2001 e transitada em julgado em 27.09.2001, pela prática, em 09.10.1999, de um crime de Furto Qualificado, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos;

- no Processo Comum Singular nº ----/02.3SILSB, por decisão de 11.05.2006 e transitada em julgado em 26.05.2006, pela prática em, 08.08.2002, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal na pena de 90 dias de multa; e

- no Processo Comum Singular nº ---/07.1GAABF, por decisão de 18.12.2008 e transitada em julgado em 21.01.2009, pela prática, em 27.01.2007, de um crime de Falsificação de Documentos, na pena de 18 meses de prisão substituída por 480 horas do trabalho.

À Arguida B.

66. É a única filha de um casal de mediana condição social.

67. Descreve a dinâmica do seu núcleo familiar de origem como gratificante, tendo sido alvo de um modelo educativo caracterizado pela definição de regras e limites, num contexto relacional que recorda como afectivo e super protector.

68. Com um percurso escolar investido, concluiu o 12º ano de escolaridade com 18 anos de idade.

69. Reporta o início do percurso laboral imediatamente após ter abandonado a escolaridade, como empregada de comércio. Posteriormente, exerceu outras profissões, a maior parte delas relacionadas com tarefas administrativas, mantendo-se vinculada a várias empresas com quem estabeleceu vínculos contratuais.

70. Com hábitos de trabalho interiorizados, registou alguma mobilidade laboral que justifica com a necessidade de melhorar as suas condições económicas. Sinaliza duas experiências de trabalho por conta própria que, alegadamente, se revelaram um fracasso.

71. No plano afectivo, refere uma união de facto iniciadas aos 23 anos, do qual resultou o nascimento dos três filhos. Após 8 anos de vida em comum o casal separou-se.

72. Em 2002, iniciou um relacionamento afectivo com A. de quem tem uma filha. Entre 2012 e 2013, o casal esteve separado durante aproximadamente um ano, mantendo contactos regulares centrados no processo educativo da filha de ambos.

73. À data dos factos que lhe são imputados, B. residia em Albufeira com a filha mais nova.

74. Após um ano de separação do co-Arguido, o casal perspectivava reatar a relação, não obstante ainda não partilharem o mesmo espaço habitacional.

75. A Arguida refere que, mesmo durante o tempo em que estiveram separados, sempre mantive contactos regulares com o pai da sua filha, valorizando a particularidade deste contribuir para o processo educativo desta na dimensão afectiva e económica.

76. Mantinha um contacto próximo com os filhos mais velhos, já autonomizados do seu agregado.

77. Do ponto de vista laboral, explorava uma loja de comercialização de artigos em segunda mão. Considera que os lucros desta actividade eram insuficientes para assegurar as despesas com a sua manutenção e da filha. O suporte económico alegadamente garantido pelo pai e por H é avaliado como fundamental para a estabilização económica.

78. Na localidade de residência, o estilo de vida da Arguida era associado a um padrão comportamental normativo.

79. B. alterou a sua residência para a aldeia do Sobral – Lourinhã, integrando o agregado familiar do progenitor, do qual também faz parte a sua filha mais nova. Esta alteração de residência é justificada pela necessidade de apoiar o pai e pelas dificuldades económicas que caracterizavam o seu quotidiano em Albufeira.

80. A relação de proximidade afectiva que mantém com os quatro filhos e com o progenitor constitui-se como um pilar da sua estabilidade emocional.

81. Relativamente ao pai da sua filha mais nova, verbaliza algum distanciamento.

82. À data da elaboração do respectivo Relatório social, havia iniciado actividade laboral havia aproximadamente duas semanas num estabelecimento de restauração, encontrando-se em períodos experimental. Caso mantivesse nesse local de trabalho perspectivava auferir um vencimento de cerca de € 400,00.

83. Depende economicamente do progenitor que apresenta uma situação económica descrita como estável.

84. No actual meio sócio-residencial, B. apresenta uma imagem social neutra. Sem actividades estruturadas de ocupação do tempo livre, refere privilegiar o convívio com os familiares mais próximos.

85. No plano pessoal, a Arguida apresentar um discurso favorável às convenções. Denota competências para se auto-determinar e para avaliar as causas e consequências das suas opções comportamentais.

86. Do seu Certificado de Registo Criminal nada consta.

Ao Arguido C.

87. Vive sozinho em casa situada perto da residência da família de origem, com quem se mantém um relacionamento adequado, preocupando-se com eles e com o que pensam dele.

88. Frequentou a escola na idade própria, tendo completado o 6º ano de escolaridade. Há cerca de 2 anos completou um curso profissional de empregado de mesa, que lhe deu equivalência ao 9º ano, bem como certificação profissional. A sua actividade profissional desenvolveu-se na área da restauração e hotelaria, consolidada agora pela sua certificação profissional. Encontra-se a trabalhar, denotando realização profissional, expressa na melhoria da sua qualificação profissional.

89. Não foram referidos quaisquer problemas de saúde ou problemas aditivos.

90. Beneficia de uma situação económica adequada à satisfação das necessidades básicas. Reside em cas cedida por familiares e tem ocupação profissional regular, auferindo salário não inferior a € 700,00.

91. Do Certificado de Registo Criminal deste Arguido nada consta.

Ao Arguido D.

92. Integra o agregado materno de características monoparentais, constituído pelo próprio, mãe e irmã consanguínea de 18 anos de idade, residente em casa arrendada, perspectivada como detentora de normativas condições de habitabilidade.

93. Pese embora a separação dos pais, ocorrida há cerca de 6 anos, o Arguido mantém uma relação de proximidade com o pai residente, também ele, em Albufeira.

94. A vivência familiar surge avaliada, pelo próprio e pelas restantes fontes, como pautada por indicadores de marcada gratificação afectiva e processada num ambiente relacional coeso.

95. Frequenta o 3º ano do Curso Superior de Gestão de Empresas na Universidade do Algarve sedeada em Faro (Gambelas). A par do percurso escolar investido, D. integra o Clube de Rugby da Universidade do Algarve e é Presidente do Núcleo Pedagógico da Faculdade de ….

96. A irmã frequenta o 12º ano de escolaridade e os pais integram o mercado de trabalho no sector da restauração, a mãe como cozinheira e o pai na gerência do restaurante “xxx”, em Albufeira, não sendo, neste contexto, efectuada alusão a marcados constrangimentos económicos.

97. D. detém um leque alargado de conhecidos e amigos, situando-se as suas referências familiares e sociais num domínio pró-social. Desde há cerca de um ano que mantém a relação de namoro com uma jovem, também ela, estudante universitária.

98. O Arguido não encontra o seu percurso de vida associado ao consumo de substâncias alteradoras de consciência.

99. O envolvimento de D. no presente processo reveste-se de carácter episódico, inexistindo no meio a ideia de que o Arguido possa pautar o seu quotidiano por envolvimento em ilícitos.

100. Do Certificado de Registo Criminal deste Arguido nada consta.

Ao Arguido E.
101. À data dos factos assim como agora, E. residia sozinho em apartamento arrendado (€ 250,00/mês), de tipologia T1, descrito como detendo as adequadas condições de habitabilidade.

102. Mantém relação de proximidade e de inter-ajuda com a mãe e um irmão, residentes próximos, assumindo a ascendente uma postura de responsabilização/censurabilidade face ao comportamento do Arguido.

103. À data dos factos, o Arguido encontrava-se laboralmente activo como distribuidor em empresa de produtos alimentares, vindo posteriormente a cessar o contrato (finais de Setembro de 2013) na sequência do que passou a usufruir de subsídio de desemprego (€ 400,00).

104. Tendo concluído o 12º ano de escolaridade em idade própria, o Arguido iniciou actividade laboral aos 16 anos, no ramo da construção como ajudante de electricista, mantendo um percurso contínuo mas de cariz indiferenciado e de alguma precariedade ao nível dos vínculos contratuais.

105. Não foram referidos quaisquer comportamentos de risco e/ou aditivos do Arguido, estruturando-se o seu quotidiano em função da actividade laboral e do convívio com familiares e amigos, referenciados com comportamentos normativos.

106. Denotou capacidade de responsabilização e de ponderação dos factores internos e externos que, de alguma forma, contribuíram ou estiveram na génese do seu comportamento. Evidenciou atitudes negativas face ao crime em geral, bem como uma atitude crítica e de respeito pelos bem jurídicos em causa no presente processo, reconhecendo o impacto da conduta para com as vítimas e/ou para a sociedade em geral.

107. Do Certificado de Registo Criminal deste Arguido nada consta.
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-- Factos não provados:
Com relevância para a boa decisão da causa não se provou que

a) No dia 1 de Julho de 2013, cerca das 5 horas, Joe e Rebecca regressavam ao “Aparthotel Silchoro”, no Montechoro e quando se encontravam próximos da recepção daquele estabelecimento, foram abordados pelo ora Arguido, que se dirigiu aos mesmos, em inglês, ordenando a entrega dos telemóveis e valores.

b) O Arguido empunhava a pistola de alarme “Ekol”, modelo “Volga”, com o nº EVL-1020645, de calibre 9mm, que exibiu e apontou-a àqueles, obrigando Joe a entregar a quantia de € 20,00 em notas e moedas do BCE que tinha consigo.

c) De seguida, o Arguido pôs-se em fuga, levando consigo tais valores que fez seus.

d) O Arguido C. quis adquirir o telemóvel sabendo da sua proveniência ilícita, conformando-se com a possibilidade deste ter sido ilegitimamente subtraído ao respectivo dono, o que fez com a intenção de obter uma vantagem patrimonial no valor equivalente à diferença entre o valor real do objecto e o valor efectivamente pago.

e) O telemóvel descrito em 14. e 16. foi vendido pelo Arguido A. ao Arguido E. .

f) O Arguido D. quis adquirir o referido objecto, o qual fez seu, apesar de conhecer o seu valor real e a sua proveniência ilícita, conformando-se com a possibilidade deste ter sido ilegitimamente subtraído ai respectivo dono, o que fez com intenção de obter uma vantagem patrimonial no valor equivalente à diferença entre o valor real do objecto efectivamente pago.

g) O Arguido praticou os factos descritos em 27. a 31..

h) O Arguido E. quis adquirir o telemóvel sabendo da sua proveniência ilícita, conformando-se com a possibilidade deste ter sido ilegitimamente subtraído ao respectivo dono, o que fez com a intenção de obter uma vantagem patrimonial no valor equivalente à diferença entre o valor real do objecto e o valor efectivamente pago.
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Fundamentação da decisão de facto:
A convicção do Tribunal quanto aos factos que considerou provados baseou-se na análise crítica e comparativa, segundo juízos de experiência, da prova produzida.

Assim, o Arguido nega a prática dos factos de que vem acusado, declarando que se limitou a comprar os telemóveis que foram encontrados na sua posse, bem como na posse dos Arguidos B, C. e D. a um indivíduo de nacionalidade brasileira.

Contudo, tendo-lhe sido lidos os factos que se encontravam então em investigação nos NUIPCs ---/13.9GBABF, ---/13.0JAFAR, ---/13.2JAFAR, ----/13.2GBABF, ----/13.4GBABF, ---/13.0GBABF, ---/13.7GBABF e ---/13.0GBABF (fls. 440 e ss.) o Arguido, tendo prestado declarações em 1º Interrogatório Judicial de forma emotiva, admitiu genericamente a sua prática.

Embora venha agora declarar que quando afirmou que estava arrependido se referia à compra dos telemóveis, o certo é que tais factos foram-lhe devidamente comunicados. Nessa altura, o Arguido não os pôs em causa, limitando-se a justificar que os praticou por dificuldades económicas de forma que merece muito mais credibilidade e que se compagina mais com os factos então comunicados. Pelo contrário, não faz qualquer sentido que, tendo dificuldades económicas, fosse comprar telemóveis como sejam o Iphone 4S (com o valor de cerca de € 400,00) para si e um Samsung (com o valor de cerca de € 700,00) para a sua companheira, ainda que, alegadamente, por um preço baixo.

Apesar de não especificar, em 1º Interrogatório, todos os factos que lhe foram comunicados, refere que nada foi premeditado, que foi tudo a caminho do trabalho para casa e que estava muito arrependido; explicou os motivos porque os praticou, indicando discriminadamente, os valores de que precisava para tirar um curso que necessitava para obter um emprego que tinha em vista.

Referiu, então, inclusivamente, que o dia 19 de Setembro era a última vez, que já tinha decidido não voltar a fazê-lo.

Note-se que após ouvir as suas declarações prestadas em 1º interrogatório Judicial, o Arguido A. altera parcialmente as suas declarações em julgamento. Com efeito, inicialmente afirmou auferir cerca de € 1.000,00 de rendimento mensal, com o que sustentava a casa e que lhe permitia adquirir os telemóveis que foram encontrados na sua posse, o que ofereceu à Arguida B. e os que vendeu aos Arguidos C. e D., não tendo qualquer interesse no negócio. Posteriormente, já vem afirmar que afinal, necessitava de dinheiro, tendo tido algum lucro com a venda dos telemóveis aos Arguidos C. e D..

Por seu turno, apesar de nem todas as vítimas reconhecerem o Arguido A., a descrição que as mesmas fazem da pessoa que perpetrou os assaltos é coincidente com as características do Arguido e alguns dos bens que lhes foram retirados foram encontrados na posse deste ou foram por si vendidos ou oferecido.

Com efeito e no essencial, as testemunhas Valeriya, Polina, Joana, Isabel, Grainne, Orla, Razija, Tea, Rixt, Donna, Marleen, Esther, Antoinette, Myrna, Charlotte, Nicole, Elain, Shannon, Emma, Laura, Rebecca e Sandy descrevem, circunstanciadamente, os factos de que foram vítimas ou a que assistiram por se encontrarem no local, os bens que foram subtraídos e as características do autor dos factos.

Dos depoimentos destas testemunhas decorre uma descrição similar do modo de actuação do sujeito, da sua aparência, das roupas que vestia e da arma que trazia consigo.

E a mesma arma que foi encontrada na posse do Arguido corresponde à descrição que é dada, de forma unânime, pelas testemunhas.

Por seu lado, embora Lucinda não tenha presenciado os factos descritos em 3. a 5., esclareceu o estado em que encontrou as suas amigas, bem como o cartão que tinha guardado na mala de Reem, que foi levado e que não recuperou.

Já as testemunhas JJ e JB, militares da Guarda Nacional Republicana, atestam a presença do Arguido nas proximidades do local da ocorrência dos factos descritos em 37. a 39., relatando ainda que o que este trazia vestido correspondia à descrição dada pelas vítimas, bem como o comportamento suspeito do mesmo que, indo a correr, abrandou o passo quando avistou os referidos militares da Guarda Nacional Republicana, desaparecendo logo de seguida.

David, inspector da Polícia Judiciária que participou na investigação dos factos, esclareceu as diligências que levou a cabo e os resultados das intercepções telefónicas (Apenso I), revistas e buscas realizadas (Autos de fls. 345, 346, 347, 356/365, 368/370 e 376/378 dos presentes autos). Esta mesma testemunha refere que das diligências feitas, nunca viram o Arguido com qualquer cidadão de nacionalidade brasileira, não tendo sido dada qualquer informação sobre a sua identificação nem paradeiro.

De referir que todas as supra mencionadas testemunhas revelaram-se imparciais sem qualquer manifestação de animosidade para com o Arguido ou interesse pessoal ou processual nos autos.

Assim e do confronto das declarações prestadas pelo Arguido A. em 1º Interrogatório Judicial e em audiência de julgamento, conjugando ainda com os depoimentos das supra referidas testemunhas, com os bens que lhe foram apreendidos e com as regras da normalidade da vida, não tem este Tribunal dúvidas quanto aos factos que se dão como provados em 1. a 7., 9. a 15., 17. a 22., 24. a 26., 32. a 35., 37. a 44..

Já quanto aos factos referentes aos NUIPCs ---/13.7GBABF e ---/13.7GBABF, não tendo os mesmos sido comunicados ao Arguido em sede de 1º Interrogatório Judicial, não se pode considerar que o mesmo admitiu também a sua prática. Por outro lado, as testemunhas Campell, Natalie e Laura, tendo descrito os factos que se dão como provados em 27. a 31., não reconheceram o Arguido nem os seus bens foram encontrados na posse deste, pelo que não se pode concluir, de forma segura, que foi o Arguido A. o autor dos respectivos factos. O mesmo se diga relativamente aos factos em causa no Inquérito nº ---/13.7GBABF, em relação aos quais, nem se logrou obter o depoimento das respectivas testemunhas.

Assim se conclui quanto aos factos dados como não provados em a) a c) e g).

No que toca à Arguida B., admitiu ter recebido o telemóvel do Arguido A., a título de oferta, desconhecendo a sua origem o que também é confirmado por este. Contudo, também refere que a situação financeira em que viviam era complicada, sendo que a mesma se encontrava desempregada.

Mais esclarece que o telemóvel em causa era um Samsung Note 2, o que é confirmado pela testemunha Valeriya a quem pertence o referido objecto.

Ora, esta Arguida tinha uma relação amorosa com o Arguido A. de quem tem uma filha em comum, já tinham vivido juntos e estavam a reatar a relação, sabendo das condições económicas do mesmo e que este não tinha possibilidades de comprar tal objecto.

Acresce que, das escutas telefónicas levadas a cabo, resulta mais ainda: que, para além do telemóvel que recebeu, a Arguida ainda tinha conhecimento de outros telemóveis, nomeadamente “Iphones” e participava activamente na sua venda.

Assim e resultando ainda do Relatório da Perícia Sobre a Personalidade do Arguido A. (fls. 1313 e ss.) que o mesmo tem um funcionamento cognitivo dentro da média, com boa compreensão dos costumes e normas sociais, revelando, deste modo, capacidade de discernimento face aos seus comportamentos e não resultando que a Arguida B. padeça de qualquer incapacidade de compreensão, conclui-se quanto aos factos provados em 23. e 45..

Quanto aos demais Arguidos, sendo certo que admitiram a aquisição dos telemóveis abaixo do seu valor (factos provados em 8., 16. e 36.), atendendo ao (des)valor deste tipo de bens em 2ª mão, ao facto dos Arguidos C, e D. conhecerem o Arguido do qual têm boa ideia e na ausência de qualquer outra prova, não podemos afirmar com a certeza exigível que estes três Arguidos sabiam ou tinham obrigação de saber da proveniência ilícita dos telemóveis que adquiriram. Quanto ao Arguido E., não há prova de que tenha adquirido o telemóvel ao Arguido A., referindo ainda que tal objecto tinha o ecrã partido e estava gasto nos lados (cfr. fls. 186 e 187 do NUIPC --/13.0GBABF), pelo que o seu valor não o fez desconfiar. Daqui resultam não provados os factos d), e), f) e h).

As testemunhas Roberto e Flávio descreveram o estado em que encontraram Orla, Elain e Gráinne confirmando a descrição que lhes foi, então, fornecida por estas testemunhas dos factos de que haviam sido vítimas, do seu autor e da arma exibida por este.

Os factos relativos à situação pessoal dos Arguidos assentaram no referido Relatório da Perícia Sobre a Personalidade do Arguido A. (fls. 1313 e ss.), na informação junta a fls. 1360 e nas declarações deste Arguido nesta parte; e nos Relatórios Sociais junto aos autos a fls. 1678/1679, 1681/1682, 1758/1761 e 1802/1804. De resto, a testemunha de Defesa apresentada pelo Arguido A. limita-se a referir que tem a ideia de que este é uma pessoa pacata e que tem uma filha menor, não tendo conhecimento directo de quaisquer outros factos.

Por fim, consideraram-se os demais documentos juntos aos autos, designadamente, os Autos de Apreensão constantes dos NUIPCs --/13.2GBABF, ---/13.0GBABF e ---/13.0GBABF, o Auto de Exame Directo de fls. 382, o Relatório de Exame de fls. 788 e ss., informações prestadas às operadoras de telecomunicações móveis, documentos constantes do Apenso II e os Certificados de Registo Criminal dos Arguidos.

III
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma do qual serão todos os preceitos legais citados sem menção de origem), o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.

De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes:

> Postas pelo arguido A.

1.ª – Que foi por ter avaliado mal a prova testemunhal produzida em julgamento que o tribunal a quo deu como provado o teor dos pontos 1 a 7, 10 a 11, 13 a 15, 18 a 22, 25 a 26, 33 a 35, 38, 39 e 41 a 45 dos factos provados, tendo sido violado o princípio "in dubio pro reo";

2.ª – Que a pistola de alarme usada nos roubos não serve para agravar os mesmos nos termos dos art.º 210.º, n.º 2 al.ª b) e 204.º, n.º 2 al.ª f), do Código Penal, por não se tratar de uma arma de fogo verdadeira –, pelo que os crimes de roubo devem antes ser punidos pela previsão do art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, com as penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão e a pena única de 5 anos de prisão; e

3.ª – Que, para o caso de ser mantida a agravação dos roubos, a pena única aplicada é exagerada e deve antes ser fixada em 8 anos de prisão.

> Postas pela arguida B. e citando o 1.º parágrafo das conclusões de seu recurso:

– Que a pena aplicada à arguida é excessiva, tendo em conta as penas aplicadas aos outros arguidos, que vinha acusados do mesmo crime, pelo que deve a mesma ser absolvida, pois não faz sentido aplicar uma pena com esta gravidade, sendo certo (…) que a mesma não tinha conhecimento da proveniência do telemóvel.
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Vejamos:

No tocante à 1.ª das questões postas pelo arguido A., a de que foi por ter avaliado mal a prova produzida em julgamento que o tribunal a quo deu como provado o teor dos pontos 1 a 7, 10 a 11, 13 a 15, 18 a 22, 25 a 26, 33 a 35, 38, 39 e 41 a 45 dos factos provados, tendo sido violado o princípio "in dubio pro reo":

E as objecções concretas do arguido a tal respeito são as seguintes:

a) Ter o tribunal "a quo" fundamentado a sua convicção em que o arguido, tendo prestado declarações em 1º interrogatório judicial e tendo-lhe sido lidos os factos, nessa altura admitiu genericamente a sua prática – quando o certo é que os factos não lhe foram lidos e, tendo-lhe antes sido facultado o processo para o arguido o ler, não resulta da gravação daquele interrogatório que ele tenha confirmado tê-los efectivamente lido e ficado ciente de todos os factos que lhe estavam a ser imputados;

b) Não pode o tribunal "a quo" dar como provado que o recorrente praticou os factos que tiveram lugar no dia 13 de Agosto de 2013, (…) constantes dos NUIPCs ---/13.0JAFAR e ---/13.2JAFAR, porquanto o recorrente não os confessou (ponto 5 das conclusões), uma vez que ele naquele interrogatório afirmou aliás, desde ontem dia 19 de setembro, fazia um mês e meio que tinha deixado de fazer, jurei a mim mesmo que nunca mais ia fazer, e tenho vergonha do que fiz.

c) Em relação aos factos em análise nos NUIPCs ---/13.0JAFAR e ---/13.2JAFAR:

I. As ofendidas não reconheceram o arguido quando confrontadas com o mesmo em audiência de julgamento e os roubos aí descritos ocorreram a cerca de 2-3 quilómetros um dos outro e com cerca de 5 minutos de intervalo.

II. A descrição que as ofendidas fazem da pessoa que perpetrou os assaltos não é coincidente entre si e com o arguido;

d) O tribunal "a quo" não podia ter dado como provado o teor dos pontos 5 a) e b), 14, 22, 26, 34 a), 35 e 39, porque não foi feita qualquer prova de que os telemóveis apreendidos pertencessem às ofendidas;

e) E também não há provas seguras que a arma de alarme apreendida ao arguido seja a arma utilizada nos assaltos, pelo que se impõe dar como não provados os factos constantes dos pontos 2, 4, 10, 13, 19, 25, 33, 38 e 41;

f) Os reconhecimentos do arguido, efectuados em julgamento, não têm valor como meio de prova, por não obedecerem aos requisitos impostos pelo art.º 147.º; e a norma constante do art.º 127.º, se for interpretada no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração de um reconhecimento do arguido realizado em julgamento sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo art.º 147.º, é inconstitucional por violar o art.º 32.º, n.º 1, da Constituição, bem como os art.º 2.º, 16.º, 17.º e 202.º, n.º 2, da Constituição, e o art.º 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o artigo 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

g) De qualquer forma, não merece credibilidade o reconhecimento efectuado em julgamento pela ofendida Joana de ter sido o arguido A. o autor do assalto descrito nos pontos 24 a 26 dos factos provados, uma vez que ela em momento anterior, no âmbito de um reconhecimento formal ocorrido na PJ a fls. 808, não reconhecera o arguido como tal;

h) E também não merece credibilidade o reconhecimento efectuado em julgamento pela ofendida Emma de ter sido o arguido A. o autor do assalto descrito nos pontos 3 a 7 dos factos provados, desde logo porque à hora em que ocorreu esse assalto, de acordo com a localização do seu telemóvel, constante no esquema junto ao anexo I dos autos, bem como das declarações prestadas pelo arguido, este estava com a sua companheira na casa onde aquela residia na altura, localizada em Montechoro:

Vamos por partes:

a) Quanto à objecção de ter o tribunal "a quo" fundamentado a sua convicção em que o arguido, tendo prestado declarações em 1º interrogatório judicial e tendo-lhe sido lidos os factos, nessa altura admitiu genericamente a sua prática – quando o certo é que os factos não lhe foram lidos e, tendo-lhe antes sido facultado o processo para o arguido o ler, não resulta da gravação daquele interrogatório que ele tenha confirmado tê-los efectivamente lido e ficado ciente de todos os factos que lhe estavam a ser imputados:

Na fundamentação da decisão da matéria de facto, o tribunal "a quo" escreveu que contudo, tendo-lhe sido lidos os factos que se encontravam então em investigação nos NUIPCs ---/13.9GBABF, ---/13.0JAFAR, ---/13.2JAFAR, ---/13.2GBABF, ----/13.4GBABF, ---/13.0GBABF, ----/13.7GBABF e ----/13.0GBABF (fls. 440 e ss.) o Arguido, tendo prestado declarações em 1º Interrogatório Judicial de forma emotiva, admitiu genericamente a sua prática.

Alega então o arguido que os factos não lhe foram lidos no 1.º interrogatório, tendo-lhe antes sido facultado o processo para ele os ler e não resultando da gravação daquele interrogatório que ele tenha confirmado tê-los efectivamente lido e ficado ciente de todos os factos que lhe estavam a ser imputados.

Ora estabelece o art.º 141.º, n.º 4, sob a epígrafe de primeiro interrogatório judicial de arguido detido e sublinhando-se as passagens que mais interessam ao caso:

4 - Seguidamente, o juiz informa o arguido:

a) Dos direitos referidos no n.º 1 do artigo 61.º, explicando-lhos se isso for necessário;

b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova;

c) Dos motivos da detenção;

d) Dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; e

e) Dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;

ficando todas as informações, à excepção das previstas na alínea a), a constar do auto de interrogatório.

Bem, realmente, o tribunal "a quo" mencionou que no 1.º interrogatório judicial de arguido detido os factos foram lidos ao arguido. E, ouvida a gravação daquele interrogatório, não foram. Foi-lhe antes facultada a sinopse elaborada pelo M.º P.º nos termos do art.º 141.º, n.º 1, contendo a indicação circunstanciada dos motivos da detenção e das provas que a fundamentavam para que o arguido a lesse, por ter sido essa a sua opção:

Juiz Instrução - Prefere ler?
Arguido - É igual.
Juiz de Instrução - Se calhar é mais fácil. Repare são muitos factos. É muita coisa. Tem que estar com grande atenção. E é natural que haja alguma coisa... Depois eu vou confrontá-lo um a um, com estes assaltos, de forma mais resumida, mas pode ler pormenorizadamente e se quiser consultar o processo (...)

E o arguido preferiu ler, o que fez com o seu defensor, que, aliás, foi quem primeiro começou a ler em voz alta, como consta da gravação do interrogatório.

E após acabarem de ler, quando num primeiro momento o Mm.º Juiz de Instrução perguntou ao arguido se queria prestar declarações sobre os factos, ele informou Eu já prestei na PJ entretanto. Tudo aquilo que … – altura em que o Mmº JIC o interrompeu para lhe dizer antes de por a gravar, deixe-me explicar-lhe uma coisa …

E depois, mais ao diante:
JIC - Quer prestar declarações, ou não?
Arguido – Neste momento, não.
JIC –Quanto aos factos, não quer ?
Arguido – Não.

Ao perguntar ao Arguido se queria prestar declarações sobre os factos, o Exmo. JIC presumiu correctamente que o Arguido deles tinha tomado conhecimento, uma vez que a consulta, assessorada pelo defensor, tinha ocorrido na sua própria presença. E o arguido, que se encontrava detido desde a véspera, já prestara declarações à PJ e participara nas buscas que esta realizara em sua casa. Além do que ele na altura não se queixou de que não soubesse do que o estavam a acusar, nem, mais importante do que isso, o seu defensor ao abrigo do disposto no art.º 141.º, n.º 6, arguiu qualquer nulidade, sequer irregularidade, a tal propósito.

Parece pois estar agora o recorrente a invocar que o Senhor Juiz de instrução criminal não cumpriu o determinado nas al.ª d) e e) do n.º 4 do art.º 141.º.

E o recorrente fá-lo não tanto no sentido de querer arguir agora alguma anomalia processual daquele interrogatório, mas antes com o alcance de pretender diminuir a qualidade da prova resultante, segundo o disposto nos art.º 141.º, n.º 4 al.ª b) e 357.º, n.º 1 al.ª b), das declarações então prestadas pelo arguido.

Na verdade, se anomalia processual alguma tivesse havido, tratar-se-ia de uma mera irregularidade, a arguir, nos termos do art.º 123.º, n.º 1, no decorrer do próprio interrogatório e com possibilidade de recurso da decisão que dela conhecesse: cf. Paulo Pinto de Albuquerque, "Código de Processo Penal Anotado", 2007, pág. 400, anot. 40; e o Código de Processo Penal da Almedina de 2014 comentado por seis Conselheiros do STJ, a fls. 586, na anot. 7 – no qual, na nota 4 de fls. 582 também se esclarece que o grau de exigência na pormenorização da comunicação a que alude o art.º 141.º, n.º 4 al.ª d) e e) varia e depende consoante o conhecimento que a pessoa detida já possuía, devido a anteriores participações em actos processuais.

E quando o Mmº JIC lhe perguntou se queria pelo menos falar sobre a sua condição pessoal, o arguido disse:

eu a única coisa que tenho para dizer é que, eu, nada do que fiz foi premeditado, foi por ocasião (…) e olhando para a minha situação financeira, e olhando para a minha filha, que me dói muito quando ela pede uma coisa e quando eu não lhe posso dar, esta foi a minha solução, entre aspas, não quer dizer que andei lobo à procura das ovelhas, porque não o fiz, porque se for ver no processo era tudo no caminho do trabalho para casa, via e era uma questão de tentar…

E mais à frente:
Sei que errei, (…) mas eu só o fiz para tentar melhorar a minha vida, da minha mulher, e da minha filha (…) tenho vergonha do que fiz (…) só que me arrependo daquilo que fiz (…)

Assim, não só se verifica que o arguido teve pleno acesso à descrição dos factos que lhe eram concretamente imputados, bem como dos elementos do processo que os indiciavam, como igualmente se constata o acerto da convicção do tribunal "a quo" ao ter escrito na fundamentação da decisão da matéria de facto que o Arguido, tendo prestado declarações em 1º Interrogatório Judicial de forma emotiva, admitiu genericamente a sua prática – que também nós nesta Relação nos convencemos de que foi o que efectivamente sucedeu, mas o que não quer dizer que o tribunal "a quo" para condenar o arguido se tenha fundamentado, em termos de convicção, apenas nessa admissão genérica pelo arguido da prática dos crimes pelos quais o condenou.
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b) Quanto à objecção de que não pode o tribunal "a quo" dar como provado que o recorrente praticou os factos que tiveram lugar no dia 13 de Agosto de 2013, (…) constantes dos NUIPCs ---/13.0JAFAR e ---/13.2JAFAR, porquanto o recorrente não os confessou (ponto 5 das conclusões), uma vez que ele naquele interrogatório afirmou aliás, desde ontem dia 19 de setembro, fazia um mês e meio que tinha deixado de fazer, jurei a mim mesmo que nunca mais ia fazer, e tenho vergonha do que fiz.

Não pode ser com base em semelhante argumentação que os factos constantes dos NUIPCs ---/13.0JAFAR e ---/13.2JAFAR passarão do rol dos provados para os dos não provados. Na verdade, mês e meio contado para trás de 19 de Setembro abarca a data de 13 de Agosto, em que foram cometidos os factos a que se referem aqueles processos.
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c) Quanto à objecção de que em relação aos factos em análise nos NUIPCs ---/13.0JAFAR e ---/13.2JAFAR:

I. As ofendidas não reconheceram o arguido quando confrontadas com o mesmo em audiência de julgamento e os roubos aí descritos ocorreram a cerca de 2-3 quilómetros um dos outro e com cerca de 5 minutos de intervalo; e

II. A descrição que as ofendidas fazem da pessoa que perpetrou os assaltos não é coincidente entre si e com o arguido.

Vejamos:
Isto de na parte mais a sul de um país latino ser estabelecido que determinado facto ocorreu pelas 04h15m e outro facto ocorreu cerca das 04h20m pode estar bem longe de significar que foi exactamente àquela hora, TMG, que os eventos se deram. De qualquer forma, e de acordo com os itinerários fornecidos por www.viamichelin.pt, do meio da extensão em comprimento da Rua Vale de Santa Maria, em Albufeira (aonde ocorreram os factos do NUIPC ---/13.0JAFAR, pelas 04h15m) até ao meio da extensão em comprimento da Rua Columbano Bordalo Pinheiro, também em Albufeira (aonde ocorreram os factos do NUIPC ---/13.2JAFAR, cerca das 04h20m), medeiam 2 Km pelo percurso a pé mais curto, que, segundo aquele sítio da Internet, levará cerca de 36 minutos a ser percorrido em passo normal – se for a correr, claro que levará menos tempo; e realmente os militares da GNR JJ e JB declararam em julgamento, segundo consta da gravação das suas declaração então prestadas, que o viram a correr nas imediações dos “Apartamentos Albufeira Jardim I”, mencionados no ponto 37 dos factos provados, referente ao NUIPC ---/13.0JAFAR – (ou medeiam 4 Km pelo percurso mais curto de carro, que levará cerca de 10 minutos a ser percorrido sem excesso de velocidade).

Ou seja, resulta da experiência da vida que se a pontualidade e a precisão na indicação de horas e horários fosse uma das nossas características como povo, realmente era difícil que tivesse sido o arguido a cometer ambos os assaltos. Mas como a relação que temos com o decurso do tempo costuma ser algo relaxada, vamos ver o que resulta do resto da prova, porque este não é o critério decisivo para o apuramento destes factos.

As ofendidas nos mencionados NUIPC’s são sete: Sandy, Tea, Razija, Donna, Marleen, Esther e Rixt.

Alega o arguido que a descrição que estas ofendidas fazem da roupa da pessoa que perpetrou os assaltos não é coincidente entre si e com a dos militares da GNR JJ e JB.

Ouvida a gravação dos seus depoimentos prestados quanto a essa matéria e constata-se que a principal discrepância acaba por ser a cor do boné que o arguido trazia, que uns dizem ser bege e outros de cor escura. Sobre a falta de importância decisiva deste pormenor da cor mais clara ou mais escura do boné, apetece dizer que se o boné fosse às bolinhas de várias cores, então aí é que ia ser a confusão total… agora, de qualquer modo, parece que os testemunhos coincidem, pelo menos, na circunstância de que o sujeito, além da roupa escura que todos lhe atribuem, usava boné, o que já não é pouco num conjunto universal de pormenores coincidentes, que o arguido insiste em separar e apreciar de forma estanque uns dos outros, esquecendo que na prova de uma ocorrência deste género não é o pormenor individual, rigorosamente separado dos demais e dissecado até à náusea, que conta em termos de convicção, mas antes a universalidade da prova. Não é só a cor mais clara ou mais escura do boné que conta, mas também que foi ao arguido que foi encontrada uma arma aparente cuja descrição coincide com a efectuada pelas vítimas, que foi ao arguido que foram encontrados telemóveis roubados às vítimas, que foi ele que em 1.º interrogatório judicial de arguido detido disse que nada do que fiz foi premeditado e tenho vergonha do que fiz, que os militares da GNR acima referidos o viram a correr nas imediações do local aonde ocorreu um dos dois assaltos em análise.

Depois, alega o arguido que as vítimas – não só estas sete dos NUIPC’s ---/13.0JAFAR e ---/13.2JAFAR, como todas as demais em que o arguido A. é dado como autor do assalto, num total de 25 –, ao descreverem o assaltante como “branquinho”, “moreno”, “muito moreno”, não podem estar a referir-se à mesma pessoa, a do arguido.

Acontece que, atendendo ao número e diversidade de origem das 25 vítimas, aonde se contam inglesas, escocesas, irlandesas, flamengas, valonas e outras de origem eslava e africana, é natural que o tom de pele que para uma/s seja “branquinho”, para outra/s já seja “moreno” ou que o “muito moreno” de uma/s não passe afinal do “moreno” das demais.

Como bem diz o Exmo. Procurador que na 1.ª Instância respondeu ao recurso, das diferenças de perspectiva e de expressão das testemunhas não resulta a descrição de três indivíduos, mas tão só três diferentes formas de descrever o arguido.
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d) Quanto à objecção de que o tribunal "a quo" não podia ter dado como provado o teor dos pontos 5 a) e b), 14, 22, 26, 34 a), 35 e 39, porque não foi feita qualquer prova de que os telemóveis apreendidos pertencessem às ofendidas:

Aqui seguimos de novo a resposta do M.º P.º em 1.ª Instância oferecida ao recurso – e após apuramento da correcção dos dados mencionados:

O arguido parece esquecer que o telemóvel que subtraiu às ofendidas Valeriya e Polina, da marca Samsung, cujo IMEI foi possível apurar a partir de informação da operadora telefónica [cfr. fls. 62], é o mesmo no qual foi activado cartão telefónico da arguida B. [idem], companheira do arguido A., e foi por esta utilizada em chamadas interceptadas nos autos [cfr. fls. 86], após ser reconhecidamente entregue pelo arguido à sua companheira, vindo a ser recuperado aquando das buscas domiciliárias.

E que, dos dois iphone subtraídos pelo arguido, um foi encontrado na sua posse e outro foi por si entregue ao co-arguido C.

Na verdade, no que respeita aos equipamentos telefónicos recuperados e expressamente indicados no acórdão recorrido, foi possível estabelecer a sua originária legítima propriedade.

É que a ofendida Reem, indicou o imei do seu iphone, subtraído pelo arguido em 06/07/2013. E quanto ao imei do iphone subtraído na mesma ocasião e lugar à ofendida Emma, a partir do respectivo número de cartão sim foi possível apurar o imei. Assim se confirmando serem os dois iphone recuperados, um na posse do arguido A. e outro com o co-arguido C. e pelo A. entregue [conforme alcança do apenso n.u.i.p.c. n.º 1193/13.2GBABF, v.g. fls. 3, 6, 32, 70 e 71].

E também a ofendida Charlotte indicou o imei do seu iphone 4S subtraído pelo arguido em 11/07/2013, assim se confirmando ser o mesmo que estava em poder do co-arguido D. [conforme se alcança do apenso n.u.i.p.c. n.º ---/13.0GBABF, v.g. fls. 79, 178 e 186].

De modo idêntico também foi possível apurar, a partir do número de cartão sim do iphone 5 da ofendida Elaine, o respectivo imei, e confirmar ser o mesmo equipamento que estava na posse do co-arguido D. e que lhe fora entregue pelo arguido A. [conforme se alcança do apenso n.u.i.p.c. n.º ---/13.0GBABF, v.g. fls. 13, 21, 76 e 88].

Como sucesso teve a identificação do imei do Samsung Note subtraído pelo arguido às ofendidas Valerya e Polina, que se confirmou ser aquele que o arguido A. entregou à arguida B., conforme anteriormente já referido.

Pelo que relativamente aos telemóveis recuperados na posse dos diferentes arguidos e expressamente mencionados nos factos provados no douto acórdão, a objecção do recorrente é totalmente infundada.

Ora se por exemplo foi identificada a ofendida Elaine como sendo a originária legítima proprietária do telemóvel da marca “Apple”, modelo “Iphone 5” vendido pelo recorrente a D., não há qualquer razão lógica para não atribuir também ao recorrente a autoria da apropriação do outro telemóvel, um “HTC, Hildfire”, que nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar foi subtraído à ofendida Grainne (cf. pontos 32 a 36 dos factos provados). Mais: não há também qualquer razão lógica para não atribuir igualmente ao recorrente a autoria da apropriação de todos os demais bens que nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar foram subtraídos a todas as ofendidas do NUIPC ---/13.0GBABF, Orla, Elaine e Gráinne.
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e) Quanto à objecção de que também não há provas seguras que a arma de alarme apreendida ao arguido seja a arma utilizada nos assaltos, pelo que se impõe dar como não provados os factos constantes dos pontos 2, 4, 10, 13, 19, 25, 33, 38 e 41:

Se o arguido fez os assaltos, o último dos quais em 13 de Agosto, exibindo aquilo que se parecia com uma pistola e se quando é preso, em 19 de Setembro, lhe foi encontrada uma pistola, igual à referenciada como tendo sido usada nos assaltos, mas afinal de alarme, é razoável e lógico que, em resultado da experiência de vida, se conclua que a arma usada pelo arguido nos assaltos não era uma pistola verdadeira, mas a pistola de alarme que então lhe foi encontrada.

De resto, o que realmente interessa é que o arguido consumou os assaltos usando um objecto como se fosse uma pistola a sério, com a aparência de ser uma pistola a sério e sempre levado em conta pelas vítimas como se fosse a sério, querendo e conseguindo amedrontá-las com a perspectiva de levarem um tiro e conseguindo com esse modo consumar os seus desígnios de apropriação sem resistência.

Nem se vê qual seja o interesse de o arguido quezilar agora que a pistola usada nos assaltos pudesse não ser a pistola a fingir que lhe foi encontrada e antes uma outra pistola, a pistola verdadeira
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f) Quanto à objecção de que os reconhecimentos do arguido efectuados em julgamento não têm valor como meio de prova, por não obedecerem aos requisitos impostos pelo art.º 147.º; e a norma constante do art.º 127.º, se for interpretada no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração de um reconhecimento do arguido realizado em julgamento sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo art.º 147.º, é inconstitucional por violar o art.º 32.º, n.º 1, da Constituição, bem como os art.º 2.º, 16.º, 17.º e 202.º, n.º 2, da Constituição, e o art.º 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o artigo 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem:

Vamos por partes.

Quanto à parte de que os reconhecimentos do arguido efectuados em julgamento não têm valor como meio de prova, por não obedecerem aos requisitos impostos pelo art.º 147.º:

A objecção do arguido prende-se com os reconhecimentos feitos em julgamento pelas testemunhas Emma, uma das vítimas dos factos descritos nos pontos 3 a 8 (NUIPC ---/13.2GBABF) e Joana, vítima dos factos descritos nos pontos 24 a 26 (NUIPC ---/13.7GBABF). Ouvida a gravação dos seus depoimentos, constata-se que ambas declararam em julgamento reconhecer o arguido como sendo o autor dos respectivos factos.

O que sucedeu da seguinte forma:

No tocante a Emma, ela no decurso do inquérito nunca teve oportunidade para proceder ao reconhecimento presencial do arguido. Foi ouvida em julgamento por videoconferência, a qual se resumiu em perguntar-lhe, através de intérprete, se o arguido A. era a pessoa que a assaltou. Para o efeito, o tribunal "a quo" mandou o arguido levantar-se e orientou a câmara para o mesmo, por forma a que a testemunha o visse com suficiente nitidez. A testemunha declarou que o reconhecia como sendo quem a assaltou. De seguida, o tribunal "a quo" pediu à testemunha indicasse algumas particularidades físicas que se lembrasse do arguido.

Quanto ao reconhecimento feito em julgamento por Joana, o mesmo também ocorreu por videoconferência. No decurso do inquérito, a testemunha fora primeiro confrontada com um reconhecimento por fotografia para tentar identificar o arguido, o qual não constava, porém, do rol dos fotografados, tendo a testemunha indicado como autor do assalto um outro indivíduo, embora de fisionomia bastante parecida com o arguido A. (cf. fls. 59 e 70). Mais tarde, teve a oportunidade de proceder a um reconhecimento efectuado de acordo com o estatuído no art.º 147.º (fls. 808), em cuja fila se encontrava o arguido, não o tendo, porém, reconhecido nessa altura. Em julgamento, o tribunal "a quo" mandou o arguido levantar-se e orientou a câmara para o mesmo, por forma a que a testemunha o visse com suficiente nitidez.

Perguntada se aquela era a pessoa que a tinha assaltado, a testemunha, depois de pedir que o arguido tirasse os óculos (que disse serem diferentes dos que usava aquando do assalto), declarou que sim.

Ora bem.

Sobre o assunto e num caso em que também foi no decurso de declarações prestadas por testemunha em julgamento por videoconferência que ocorreu uma situação idêntica à destes autos, de indicação do arguido como sendo o autor do crime, se pronunciou o ac. TRE de 11-3-2010, proc. ---/05.6GBSTC.E1.S1, rel. António João Latas (confirmado por ac. STJ de 15-9-2010), no qual se expendeu:

«Assim, independentemente, por ora, das particularidades do caso concreto, entendemos que da actual redacção do art. 147º nº7 do CPP, introduzida pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, resulta que o reconhecimento de pessoa, maxime de arguido, feito em audiência de discussão e julgamento sem o cumprimento das formalidades prescritas naquele mesmo art. 147º do CPP, não pode ter o valor probatório inerente àquele meio de prova.
«(…)

«Problema diverso (…) é o de saber se têm valor probatório os chamados reconhecimentos que se traduzem em perguntar a quem presta declarações em audiência se reconhece o arguido ali presente como agente dos factos objecto da imputação, mesmo não valendo como reconhecimento em sentido próprio, nos termos e para efeitos do disposto no art. 147º do CPP.
«(…)
«Concluímos, pois, da inserção sistemática dos arts 147º e 148º, do CPP, entre os meios de prova autónoma e expressamente regulados na lei de processo e do seu confronto com o regime, em audiência de julgamento, da prova testemunhal e demais prova por declarações, maxime o estatuído nos arts 345º nº3, 347º nº2 e 348º nº 7, todos do CPP[1], (…) que a nossa lei processual penal actual prevê e admite, fora do quadro dos pressupostos e requisitos essenciais ao conceito de reconhecimento em sentido próprio, os chamados reconhecimentos atípicos ou informais, valoráveis no âmbito da prova testemunhal e demais prova pessoal, quando tenham lugar em audiência de julgamento, sem que possa atribuir-se-lhes, porém, o especial valor de convicção que é inerente ao reconhecimento em sentido próprio.

«Como diz o Prof. Germano M. Silva[2] ao referir-se, precisamente, à prática processual de perguntar aos ofendidos e testemunhas no decurso da audiência se reconhecem o arguido presente, «Esta prova pode ter muita importância quando negativa, mas não tem o valor de reconhecimento quando positiva, isto é, quando a testemunha declara que sim, que reconhece o arguido».

«É esta a solução legal que resulta da interpretação daqueles preceitos e ainda dos arts 125º e 127º, do CPP, a qual em nosso ver – independentemente da crítica que possa merecer em confronto com soluções mais garantísticas - é conforme com a CRP, pois a relevância probatória de mero reconhecimento atípico no âmbito da prova pessoal (maxime testemunhal), produzida em audiência, (pessoalmente ou por teleconferência) com todas as possibilidades conferidas ao arguido de intervir, quer aquando da sua produção, quer na discussão do respectivo valor probatório, não viola o princípio das garantias de defesa consagrado no art. 32º da Constituição da República Portuguesa.

«(…)
«Aplicando ao caso presente as considerações de ordem abstracta que culminam com a interpretação normativa que deixámos enunciada, concluímos agora que a situação objecto do presente recurso, embora pudesse ter justificado a sua realização por resultar dos autos que a testemunha [no nosso caso, a testemunha Emma] não fora ainda confrontada em momento anterior com a imagem do arguido, não pode ser considerado um reconhecimento em sentido próprio a que se refere o art. 147º nº1 CPP, contrariamente ao entendimento expresso pelo arguido recorrente, que devesse julgar-se inválido ou inatendível por desrespeito dos procedimentos legalmente impostos. Assim é, porquanto a imagem [do arguido] não foi apresentada àquela testemunha para que esta pudesse individualizá-lo entre outras pessoas que alegadamente apresentassem semelhanças com o identificando, o que é requisito essencial do reconhecimento em sentido próprio (…).

«O tribunal a quo limitou-se a exibir isoladamente a imagem do arguido (…), para que a testemunha ouvida por teleconferência confirmasse ou não ser o arguido a pessoa a quem sempre se referiu no depoimento testemunhal (…), em termos idênticos aos previstos para a audiência no citado art.345º nº3 ex vi do art. 348º nº7, ambos do CPP.

«Trata-se, pois, de declaração integrada no depoimento da testemunha, cujo valor probatório é o que resulta da apreciação global deste depoimento testemunhal, sem que o tribunal possa atribuir-lhe na formação da sua convicção o papel que poderia ter o resultado afirmativo resultante de reconhecimento em sentido próprio.

E, por isso, considerando que se estava perante uma simples identificação a que não se aplica o formalismo do art.º 147.º, decidiu que nada obstava «à admissibilidade da diligência realizada, sendo em sede de valoração da prova que cabe apreciar o maior ou menor valor probatório da sua declaração, enquanto elemento do depoimento testemunhal, de acordo com o princípio da livre convicção estabelecido no art. 127º do CPP (…)».

Concordamos com este entendimento.

Também no nosso caso e em relação quer à testemunha Emma, quer quanto a Joana, não estamos perante um autêntico reconhecimento ou reconhecimento em sentido próprio, mas antes perante um reconhecimento atípico ou informal.

Na verdade, estamos perante um “reconhecimento” que consistiu em perguntar a cada uma daquelas testemunhas, em audiência, durante o seu depoimento, se reconhecia o arguido – presente na audiência – como sendo o agente ou autor dos factos que lhe eram imputados (na acusação ou na pronúncia).

Não se trata, portanto, de dois reconhecimentos em sentido próprio, formal, a que alude o art.º 147.º e que devessem obedecer às formalidades ali estabelecidas, mas antes de uma mera identificação do arguido feita pelas testemunhas, no sentido de que, as depoentes, olhando para o arguido (pessoalmente, quando todos presentes na audiência) ou vendo a sua imagem, que lhes foi exibida (uma vez que depunham por videoconferência) reconhecem aquele como o autor dos factos que lhe são imputados.


Sendo assim, esta “identificação” do arguido insere-se no depoimento da testemunha e segue o regime estabelecido no Código de Processo Penal para esse depoimento, podendo, por isso, ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no artigo 127º do CPP.


Por isso, as referidas diligências, realizadas na audiência de julgamento, são legais, sendo em sede de valoração de prova que cabe apreciar o maior ou menor valor probatório da identificação do arguido, feito por cada uma daquelas duas testemunhas, Emma e Joana, pois trata-se de um elemento do respectivo depoimento testemunhal, que teve lugar em audiência de julgamento e ao qual não pode atribuir-se-lhe o especial valor que é inerente ao “reconhecimento próprio”.

No mesmo sentido (todos posteriores à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29-8, e acessíveis em www.dgsi.pt):

Ac. STJ de 3-3-2010, proc. 886/07.8PSLSB.L1.S1:

XIV - Na situação em que a testemunha, ou a vítima, é solicitada a confirmar o arguido presente como agente da infracção, a confirmação da identidade de alguém que se encontra presente, e perfeitamente determinado, apenas poderá ser encarado como integrante do respectivo depoimento testemunhal.

Ac. TRL de 30-10-2008, proc. 7066/2008-9:

1- A identificação produzida em audiência de julgamento não é mais do que a revelação da percepção da testemunha, dentro do espírito da prova testemunhal, ou seja dentro da forma e da dinâmica em que se está a produzir a prova, não se tratando, obviamente, de prova proibida e não se encontrando sujeita à disciplina do art.º 147 do CPP.

2 - O procedimento adoptado é correcto, porquanto o que foi valorizado foi o depoimento da testemunha, apreciado nos termos do artigo 127.º do Cód.Proc.Penal, e não a «prova por reconhecimento» a que alude o artigo 147.º do mesmo diploma.

3-Não existe qualquer obstáculo legal a que o reconhecimento se faça por videoconferência.

Ac. TRC de 16-2-2011, proc. 217/09.2PEAVR.C1:
Na audiência de discussão e julgamento, quando se trate, não de proceder ao “reconhecimento” do arguido, mas à identificação do mesmo pela testemunha, como sendo o autor dos factos em discussão, o que se valoriza é o depoimento da testemunha, apreciado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art.º 127º, do C. Proc. Penal e não a prova por “reconhecimento de pessoas” a que alude o art.º 147º, do mesmo Código.

Ac. TRL de 14-12-2010, proc. 518/08.7PLLSB.L1-5:
VI - A prática judiciária frequente de perguntar às vítimas ou a quem presenciou (testemunhas, assistentes ou lesados) os factos que estão a ser objecto de julgamento se ainda se recordam e se são capazes de reconhecer a pessoa ou pessoas que os praticaram, respondendo o inquirido em função do que, na altura, é capaz de recordar, não pode hoje ser considerada um reconhecimento atípico ou informal em face da determinação do nº 7 do art. 147º CPP, introduzido pela Lei nº 48/2007, segundo o qual o reconhecimento que não obedecer ao disposto no artigo não tem valor como meio de prova.

VII – Essa situação deve circunscrever-se antes à esfera da prova testemunhal no âmbito da qual tem lugar integrando a descrição dos factos e a razão de ciência e na qual esgota a sua eficácia sem um valor probatório autónomo e separado.

A agora da Colectânea de Jurisprudência:

Ac. TRL de 26-1-2012, CJ, 2012,I-305:
III – O simples acto de uma testemunha, na audiência de julgamento, identificar o arguido como o autor dos factos, insere-se no âmbito da prova testemunhal não na de prova por reconhecimento.

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Quanto à parte da questão de se a norma constante do art.º 127.º for interpretada no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração de um reconhecimento do arguido realizado em julgamento sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo art.º 147.º, é inconstitucional, por violar o art.º 32.º, n.º 1, da Constituição, bem como os art.º 2.º, 16.º, 17.º e 202.º, n.º 2, da Constituição, e o art.º 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o artigo 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem:

Já vimos que a questão não se coloca assim.

Não obstante, o arguido invoca, como sendo a favor do entendimento que defende, o teor do acórdão do Tribunal do Constitucional n.º 137/2001, em que foi relatora Maria dos Prazeres Beleza, publicado no D.R. II série, de 29-6-2001, nos termos do qual se refere que era claramente lesivo do direito de defesa do arguido, consagrado no n.º 1 do art. 32.º da C.R.P., interpretar o artigo 127.º do C.P.P. no sentido de que o principio da livre apreciação da prova permite valorar, em julgamento, um acto de reconhecimento realizado sem a observância de nenhuma das regras previstas no art. 147.º do mesmo diploma.

Todavia, importa referir que esta decisão não espelha a realidade que o recorrente pretende invocar, nem a do presente processo. Diz respeito a uma situação diferente, pois tratava-se da possibilidade de valoração de um reconhecimento efectuado em inquérito sem obediência ao prescrito na lei.

Pelo contrário, o entendimento e a prática correspondente de que se trata não de proceder ao “reconhecimento“ do arguido mas à identificação do mesmo pela testemunha como sendo o autor dos factos em discussão, não é inconstitucional, nem viola qualquer das normas constitucionais invocadas pelo recorrente. Isto por se entender (como se entendia antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29-8, ao n.º 7 do art.º 147.º) que em tais casos o que se valoriza – repete-se – é o depoimento da testemunha, apreciado nos termos do art.º 127.º, e não a «prova por reconhecimento» a que alude o art.º 147.º (cf. acórdãos atrás citados). E entendia-se que esta interpretação do art.º 147.º não violava o princípio das garantias de defesa consagrado no art.º 32.º, n.º 1, da Constituição, ou qualquer outra norma constitucional, porque, como decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 425/2005, de 25-8-2005 (proc. n.º 452/05, publicado no DR n.º 195, II Série, de 11-10-2005, pág. 14574 a 14579) (…) nada impede o Tribunal de "confrontar" uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha, e em que a individualização efectuada – não tem o valor de algo que não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido.

Mais se acrescenta no aludido aresto que Se a testemunha que depõe em audiência de julgamento, tendo na sua frente certa pessoa na posição de arguido, lhe assaca a prática de determinados actos, contextualizados espácio-temporalmente, a questão posta ao tribunal não é a de saber qual é a pessoa, dentre várias, a quem os factos constantes da pronúncia podem ser atribuídos que corresponda à representação recognitiva e mnemónica retida pela testemunha, mas a de saber se a imputação feita nesse depoimento a essa concreta pessoa é ou não credível, segundo o princípio da livre apreciação da prova.
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Termos em que, improcedendo, como improcedem, as objecções apontadas, o que importa é, no âmbito da impugnação da matéria de facto ensaiada pelo arguido, aferir da relevância que afinal tem ou deixa de ter como prova da ocorrência dos factos assentes como provados no tocante aos NUIPC’s ---/13.2GBABF e ---/13.7GBABF, a identificação do arguido como autor dos respectivos factos que em julgamento fizeram as testemunhas Emma e Joana.

Ora quer quanto a uma, quer quanto à outra, o valor como prova da identificação do arguido como autor dos respectivos factos que em julgamento fizeram estas testemunhas, é irrelevante.

Comecemos pela Emma.

Tendo ela sido assaltada em 6-7-2013, não é convincente que cerca de dois anos depois, em 9-4-2015, no decurso do julgamento e tendo-lhe sido dado a mostrar por videoconferência e pela primeira vez o indivíduo que estava a ser julgado por esse assalto e nessa altura já tinha uma aparência diferente (tinha o cabelo comprido), ela o tenha apontado como sendo o autor do assalto. Ouvida a gravação do seu breve depoimento e fica-nos a nítida impressão de que para ela, uma vez que era aquele que estava a ser julgado pelo seu assalto, só podia ser portanto ele o autor do mesmo.

Mas também não é pela circunstância, alegada pelo arguido, de que à hora em que ocorreu esse assalto, de acordo com a localização do seu telemóvel, constante no esquema junto ao anexo I dos autos, bem como das suas declarações, ele estava com a sua companheira na casa onde aquela residia na altura, localizada em Montechoro, que a identificação feita põe Emma nada vale como prova.

São coisas diferentes.
Tendo em conta que, em processo penal, os sujeitos processuais têm o dever de produzir as provas necessárias a escorar as suas afirmações de facto, sob pena de não verem os factos respectivos serem tidos como provados – e temos que para provar a declaração do arguido a dizer que à hora do assalto à Emma ele estava em casa por causa da localização que a essa hora dava o seu telemóvel, isso não chega, pois o que resulta do cronograma de chamadas de fls. 9 do apenso II dos autos é que o telemóvel do arguido foi detectado em “Montechoro Norte 3” na data e hora em que nas imediações do aparthotel “Janelas do Mar", situado exactamente em Montechoro, o roubo ocorria.

E, além disso, como já acima se frisou, dos dois iphones subtraídos nesse assalto pelo arguido, um foi encontrado na sua posse e outro foi por si entregue ao co-arguido C.

De forma, que, não obstante a irrelevância em termos de prova da indicação feita pela Emma do arguido como autor do roubo, o resto da prova permite, afinal, atribuir-lhe com segurança essa autoria.

E quanto a Joana:
A circunstância de ela durante o inquérito ter, num álbum fotográfico do qual não constava o retrato do arguido, indicado outro indivíduo como tendo sido o autor do assalto, isso nada nos impressiona em termos de prova.

Na verdade, como salienta o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal II, Nova Edição Revista, 2008, a fls. 213, o reconhecimento por fotografia e meios análogos é essencialmente um meio de investigação, mas não um meio de prova. O reconhecimento como meio de prova é apenas o que é realizado nos termos do n.º1 e 2 do art. 147.º. Por isso que o n.º 5 dispõe que o reconhecimento por fotografia só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento presencial, nos termos do n.º 2. Então, também aquele reconhecimento, antes apenas meio de investigação, se confirmado pelo reconhecimento presencial, vale como meio de prova.

Como se diz no ac. TRL de 5-7-2006, proc. 5041/2006, «não constituindo o reconhecimento fotográfico um meio de prova, propriamente dito, será, em princípio, insusceptível de inquinar – no plano da validade – os meios probatórios que nele radiquem (é este o sentido da jurisprudência do Supremo Tribunal espanhol, como noticia Francisco Alonso Pérez, Meios de investigación en el processo penal, Dykinson, 2003, 157 e 171 – “que a diligência de identificação fotográfica não tenha valor probatório por si mesma, não quer dizer que vicie as identificações posteriores, através das quais se confirme a firmeza e segurança do primeiro testemunho”)».

Já diferente é a situação de no âmbito de um reconhecimento formal ocorrido na PJ a fls. 808, não ter reconhecido o arguido, que estava na fila.

E se não o reconheceu nessa altura, pouco verosímil seria que cerca de dois anos depois o viesse a reconhecer.

Mas foi o que aconteceu.

Tendo-lhe sido no decurso do julgamento, em que depôs por videoconferência, mostrado o indivíduo que estava a ser julgado pelo seu assalto, ela logo o indicou como sendo o autor do mesmo – embora depois se tenha visto digamos que um pouco aflita para justificar racionalmente o fenómeno da súbita clarificação da sua memória da fisionomia do mesmo face ao insucesso de fls. 808. Mesmo sem esta Relação usufruir da oralidade, apenas com base no tom de voz constante da gravação do seu depoimento – não convenceu. Não quer dizer que estivesse de má-fé; foi induzida pelas circunstâncias da sua inquirição.

Assim, também neste caso do NUIPC ---/13.7GBABF, não se atribui qualquer valor como prova à indicação da testemunha Joana.

Não obstante, dada a relevância do universo de factos apurados e a que acima temos vindo a referir, entendemos que a conclusão do tribunal "a quo" sobre a autoria do assalto àquela Joana não poderia ser diferente mesmo que de nada valha a indicação que ela forneceu em julgamento.

É que, como consta do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-10-04, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.004, III-197, que seguiremos de perto, o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto provando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta, só por si, conduzir à sua convicção.

Em sede de apreciação, a prova testemunhal pode ser objecto da formulação de deduções ou induções, bem como da correcção de raciocínio mediante a utilização das regras da experiência.

Desde logo, é legítimo o recurso a tais presunções, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei, de acordo com o art.º 125.º; e o art.º 349.º do Código Civil prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351.º, do Código Civil).

Depois, as presunções simples ou naturais (como o são as aqui em causa) são simples meios de convicção e encontram-se na base de qualquer juízo, pois são o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto conhecido para um facto desconhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.

Como expendia Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, I-333 e ss., as presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cederão perante a simples dúvida sobre a sua exactidão em cada caso concreto.

Também Vaz Serra, em "Direito Probatório Material", Boletim do Ministério da Justiça, n.° 112 pág., 99, diz que «ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [..] ou de uma prova de primeira aparência».

O que significa que as presunções naturais não violam o princípio in dubio pro reo. Este princípio é que constitui o limite daquelas.

Ora da leitura da fundamentação da decisão recorrida, resulta que o Tribunal a quo não teve dúvidas sobre os factos que deu como assentes – constatando-se antes que, quando as teve, o tribunal "a quo" logo optou por dar como não provados os factos respectivos, como aconteceu com os constantes do NUIPC ---/13.7GBABF (pontos 27 a 31 dos factos provados e respectiva fundamentação da decisão da matéria de facto, a fls. 19 do acórdão recorrido) –, dúvidas que este Tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, também não tem, pois que só se a fundamentação revelasse que o tribunal a quo, face a algum ou alguns factos, tivesse ficado em dúvida "patentemente insuperável", como se referiu no Ac. do STJ de 15-6-00, publicado na Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.000, II-228, ou se, embora o tribunal "a quo" não reconhecesse o estado de dúvida, ele resultasse do texto da decisão recorrida só por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, só não sendo declarada pelo tribunal "a quo" por força de erro notório na apreciação da prova, é que se podia afirmar que havia sido postergado o princípio in dúbio pro reo, que sendo um corolário da presunção de inocência, só vale até ser, como foi, elidida em julgamento.

A fundamentação da decisão de facto do acórdão recorrido não evidencia qualquer dúvida que tenha sido solucionada em desfavor do arguido.

Por outro lado e como se afirmou no acórdão da Relação do Porto de 5-6-2.002, proferido no recurso n.º 0210320, consultável em www.dgsi.pt, a reapreciação das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1.ª Instância, caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas.

Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Ora ouvidas as gravações dos depoimentos prestados em julgamento que atrás mencionámos e conjugando-a com a demais prova que se produziu, não podemos deixar de aceitar a posição das julgadoras, porque baseada na imediação e que de modo algum aponta para uma apreciação arbitrária da prova produzida.

Todos os elementos circunstanciais são manifestamente suficientes para se concluir como concluiu o tribunal recorrido.

Termos em que se mantém intocada a matéria de facto assente como provada pela 1.ª Instância e se acham esgotadas pelo tratamento infra as demais questões postas pelo arguido nesse âmbito e que eram:

g) a de não merecer credibilidade o reconhecimento efectuado em julgamento pela ofendida Joana de ter sido o arguido A. o autor do assalto descrito nos pontos 24 a 26 dos factos provados, uma vez que ela em momento anterior, no âmbito de um reconhecimento formal ocorrido na PJ a fls. 808, não reconhecera o arguido como tal;

h) E também não merecer credibilidade o reconhecimento efectuado em julgamento pela ofendida Emma de ter sido o arguido A. o autor do assalto descrito nos pontos 3 a 7 dos factos provados, desde logo porque à hora em que ocorreu esse assalto, de acordo com a localização do seu telemóvel, constante no esquema junto ao anexo I dos autos, bem como das declarações prestadas pelo arguido, este estava com a sua companheira na casa onde aquela residia na altura, localizada em Montechoro:
##
No tocante à 2.ª das questões postas, a de que a pistola de alarme usada nos roubos não serve para agravar os mesmos nos termos dos art.º 210.º, n.º 2 al.ª b) e 204.º, n.º 2 al.ª f), do Código Penal, por não se tratar de uma arma de fogo verdadeira –, pelo que os crimes de roubo devem antes ser punidos pela previsão do art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, com as penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão e a pena única de 5 anos de prisão:

Dispõe o art.º 210.º, n.º 1 e 2 al.ª b), do Código Penal:
1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

2 - A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se:
(…)
b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 204.º, (…)

E o art.º 204.º, n.º 2 al.ª f), do mesmo diploma legal:
2 - Quem furtar coisa móvel alheia:
f) Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta;

Ora bem.
Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim: art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-3 (diploma que aprovou o actual Código Penal), preceito que mantém actualidade, não obstante a entrada em vigor em 22-8-2006 da Lei n.º 5/2006, de 23-2, que visa a regulamentação do regime jurídico das armas, definindo o que deve entender-se sobre os tipos de armas que enumera e a regulamentação da aquisição, detenção, uso e porte das mesmas, mas que não revogou aquela disposição.

Por outro lado, arma aparente é aquela que, no momento do crime, é mostrada, posta à vista, exibida à vítima. Arma oculta é aquela que o agente tem consigo, mas não mostra à vítima, embora invoque a sua existência junto da vítima para que esta se sinta ameaçada com perigo iminente para a vida ou para a integridade física e na impossibilidade de resistir à subtracção.

Exemplos: um indivíduo entra num supermercado, saca de uma pistola e diz à empregada da caixa: Mãos ao ar. Isto é um assalto. Vou levar esta garrafa de whisky – arma aparente.

O indivíduo entra num supermercado e ao sair pela caixa com a garrafa de whisky sem a pagar, diz à empregada, enquanto mantém a mão direita no bolso do casaco por forma a que ela perceba que está a empunhar e a apontar-lhe uma pistola, que realmente o agente tem mas não lhe mostra: está calada ou levas um tiro – arma oculta.

E já agora: o indivíduo entra no supermercado com uma pasta tipo diplomata na mão, mete a garrafa debaixo do casaco e sai sem pagar, sendo interceptado cá fora com a garrafa; vistoriada também a pasta, verifica-se que trazia lá uma pistola – nem arma aparente, nem arma oculta; a arma não teve qualquer papel no furto e não vai só por si agravá-lo: "Comentário Conimbricense do Código Penal", tomo II, pág. 80, § 63.

(Sobre a distinção entre armas aparentes e ocultas: Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Portuguesa, p. 640, nota 33).

Por outro lado, quando a lei fala em trazendo, no momento do crime, arma aparente, não está a dizer o mesmo que trazendo, no momento do crime, uma aparente arma.

Posto isto, prossigamos.

A propósito desta qualificativa – porte de arma aparente ou oculta - têm-se desenhado na jurisprudência duas correntes, que sinteticamente se poderão apelidar uma de objectivista e a outra de subjectivista.

O ac. STJ de 13-12-2007, proc. 07P3210, rel. Conselheiro Raul Borges, acessível em www.dgsi.pt, descreveu-as assim:

Uma, (…) que considera que a arma como agravativa dos crimes de furto e de roubo tem que revestir-se de efectiva perigosidade, defendendo que “o que está na base da agravação prevista na alínea f) do nº 2 do artigo 204º do Código Penal é o perigo objectivo da utilização da arma, determinando uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima, do mesmo passo que permite que o agente se sinta mais confiante e audaz e para que isto aconteça é necessário que esteja munido de uma arma eficaz. Trata-se, em suma, de uma qualificativa de ordem objectiva.

Esta corrente objectivista é a defendida no Código Penal Anotado de Leal-Henriques e Simas Santos, 1996, 2.º vol., pág. 443: o conceito de arma só abrange a que possa ser usada como meio eficaz de agressão, quer sejam armas ditas próprias destinadas normalmente ao ataque ou defesa e apropriadas a causar ofensas físicas, quer as impróprias, todas as que têm aptidão ofensiva, se bem que não sejam normalmente usadas com fins ofensivos ou defensivos. Uma imitação de arma não é um meio eficaz de agressão, mas um meio eficaz de ameaça, na qual se esgota.

E é a que respeita a noção de arma, para efeito do disposto no Código Penal, fornecida pelo art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95: qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim.

Para esta corrente, a objectivista, uma pistola de alarme, como meio de intimidação da vítima, não constitui circunstância suficiente para integrar a agravante prevista na al.ª f) do n.º 2 do art.º 204.º do Código Penal, mas sim requisito bastante para integrar a ameaça de perigo iminente para vida ou integridade física a que se refere o n.º 1 do art.º 210.º do mesmo Código.

Para a outra corrente, a subjectivista, para que se considere verificada a agravante qualificativa da al.ª f) do n.º 2 do art.º 204º do Código Penal, basta que – prossegue o referido ac. STJ de 13-12-2007 –, a arma tenha a virtualidade de justamente fazer pensar o homem médio ou comum que o agente da infracção está na posse de uma verdadeira arma, causando-lhe um justo receio de poder vir a ser atingido e lesado corporalmente.

A qualificativa nesta concepção é de ordem subjectiva e enraíza-se na maior intimidação da vítima, porque o temor resultante da ameaça exercida com arma, verdadeira ou não, é tal que anula a capacidade de resistência da vítima.

Esta corrente subjectivista é a defendida por Faria Costa, em "Comentário Conimbricense do Código Penal", tomo II, pág. 81, quando escreve que acompanha todos aqueles que centram a característica essencial da noção de arma na capacidade de provocar nas pessoas ofendidas ou nos circunstantes medo ou justo receio de poderem vir a ser lesados no corpo ou na vida através do seu emprego. (…) a qualificação em causa resulta (…) de um acréscimo de fragilidade da defesa. Fragilidade essa que pode ser desencadeada, justamente, pela percepção de um objecto que é tido, pelo comum e normal dos cidadãos, como um instrumento capaz de ferir ou de matar.

No que é seguido por Paulo Pinto de Albuquerque, que nas anotações ao art.º 204.º do seu Comentário do Código Penal, também entende que, se o agente do crime usar uma pistola de plástico como se fosse verdadeira ou usar uma pistola descarregada como se estivesse carregada e a encenação parecer objectivamente credível, verifica-se (a agravação), pois o efeito intimidatório da arma já se consumou.

A posse de uma arma, aparente ou oculta, activada ou desactivada, verdadeira ou semelhante a uma arma verdadeira, constitui a circunstância do artigo 204.°, n.º 2, al.a f), que qualifica o roubo, nos termos do artigo 210.°, n.º 2, al.a b), desde que ela seja usada para ameaçar explicitamente a vítima com um perigo iminente para a sua vida ou integridade física e a vítima se sinta em perigo.

O grande handicap, senão mesmo verdadeira incongruência desta tese subjectivista, é o de que, pelo menos aparentemente, ignora por completo a noção de arma, para efeito do disposto no Código Penal, fornecida pelo art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95: qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim – desiderato inalcançável para uma pistola de alarme (excepto se a considerarmos na vertente insignificantemente residual de poder ser usada como objecto contundente).

Mas se esta é a fragilidade da tese subjectivista, a outra tese, a objectivista, também dá azo a algumas insatisfações: nos casos, que são a maioria, em que a arma não é apreendida em flagrante delito ou não há disparos que deixem no local invólucros ou impactos de bala ou feridos ou mortos, há que arrostar com as dificuldades derivadas da invocação do "in dubio pro reo" de que a arma usada estava descarregada ou avariada. Nestes casos, parece evidente que fazer o assalto com uma pistola de alarme ou com pistola verdadeira mas em julgamento alegada como descarregada ou avariada, vai dar ao mesmo. Ambas não cumprem o desiderato do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95, que é o de, para serem arma, poderem ser usadas como efectivo meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim. Foi o que entendeu o ac. STJ de 7-5-2003, proc. 02P2566, www.dgsi.pt: (…) foi utilizada «uma pistola de calibre 6,35 mm., de características não concretamente determinadas, por não ter sido possível apreender e examinar (…) Não ficou pois provado se a pistola em questão estava municiada ou sequer em condições de funcionalidade. Por isso, de harmonia com o acima exposto, embora a utilização desse instrumento seja bastante para se ter como verificado o elemento típico da «ameaça» do crime de roubo simples p. e p. pelo art. 210º, nº 1, do C.P., não integra a circunstância agravante qualificativa do nº 2, al. b), do mesmo artigo, referido à al. f) do nº 2 do art. 204º do C.P.

Ou seja, na maioria dos casos, por mais poderosa e medonha que seja a arma usada (AK 47, Uzi, Desert Eagle 357), será sempre, muito candidamente, um roubo simples, se por outra circunstância não puder ser agravado – o que é insatisfatório na protecção dos bens jurídicos postos em causa com a acção.

E assim vão os entendimentos desde pelo menos1995.

Ora se o embaraço da questão está, como parece estar, na definição de arma para efeito do disposto no Código Penal, fornecida pelo art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95, acontece que no entretanto saiu e entrou em vigor a Lei n.º 5/2006, de 23-2 (Regime Jurídico das Armas e Munições), em cujo art.º 3.º se enumera o arsenal de armas actualmente existente e no qual consta, citado apenas na parte que agora interessa ao caso:

2 - São armas(…):
(…)
n) As reproduções de armas de fogo e as armas de alarme ou salva que possam ser convertidas em armas de fogo;
(…)
8 - São armas (…):
(…)
b) As réplicas de armas de fogo;
c) As armas de fogo inutilizadas quando destinadas a ornamentação.
(…)
9 - São armas (…):
e) As reproduções de armas de fogo para práticas recreativas;
(…)
g) As armas de alarme ou salva que não estejam incluídas na alínea n) do n.º 2 do presente artigo;

Ora pareceria à primeira vista existir contradição entre a natureza e características destas armas com a definição contida no art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95, que é o de, para serem arma, ter a faculdade de poder ser usada como efectivo meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim.

Na verdade, não se vê como é que as reproduções de armas de fogo e as armas de alarme ou salva que possam ser convertidas em armas de fogo, mas antes da conversão, as réplicas de armas de fogo, as armas de fogo inutilizadas quando destinadas a ornamentação, as reproduções de armas de fogo para práticas recreativas e as armas de alarme ou salva que não estejam incluídas na alínea n) do n.º 2 do presente artigo possam ser armas, se, afinal, na definição do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95, não podem ser usadas como efectivo meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim (retirando, repete-se, a vertente insignificantemente residual de poderem ser usadas como objecto contundente).

Não obstante – e sendo certo que por causa da unidade do sistema, não se pode dizer que as armas do Código Penal são diferentes das armas do resto do ordenamento jurídico-penal –, o legislador não revogou o art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95!

O que só pode significar que, actualmente, após a entrada em vigor da Lei n.º 5/2006, armas, quer para o art.º 204.º, n.º 2 al.ª f), do Código Penal, quer para o demais ordenamento jurídico-penal, passaram a ser as enunciadas no art.º 3.º da Lei n.º 5/2006, mais as do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95.

E é assim que num roubo em que o agente utilize uma pistola de alarme, ele está a utilizar uma arma, não uma arma do 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95, mas uma arma do art.º 3.º da Lei n.º 5/2006.

Pelo que se verifica a agravante qualificativa do art.º 204.º, n.º 2 al.ª f), do Código Penal, não só porque o agente está a utilizar uma arma do art.º 3.º da Lei n.º 5/2006, como também – e agora é que a teoria subjectivista reaparece e resplandece, de forma supletiva – porque o homem médio ou comum é levado a pensar fundadamente que o artefacto com que o agente da infracção o está a constranger é uma arma autêntica, assumida pelo comum dos cidadãos como tendo potencialidade para ferir ou matar, causando-lhe um justo receio de poder vir a ser atingido e lesado corporalmente e dessa forma o fragilizando e lhe anulando a capacidade de resistência.

Termos em que improcede a pretensão do recorrente e os roubos por si cometidos, exibindo uma pistola de alarme, são qualificados pela previsão dos art.º 210.º, n.º 1 e 2 al.ª b) e 204.º, n.º 2 al.ª f), do Código Penal.

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No tocante à 3.ª das questões postas, a de que, para o caso de ser mantida a agravação dos roubos, a pena única aplicada é exagerada e deve antes ser fixada em 8 anos de prisão:

O tribunal "a quo" fundamentou a escolha da pena única do seguinte modo:

E. Da Medida da Pena
Aos crimes de Roubo Qualificado pelos quais vai o Arguido A. Condenado correspondem molduras penais abstractas de prisão de 3 a 15 anos (…)
(…)

Dispõe o artigo 71º que "a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes".

Segundo o modelo consagrado no artigo 40º do Código Penal, primordialmente, a medida da pena há-de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida. Através do requisito da culpa dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (limite máximo). Por último, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável - podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo elas que vão determinar, em último termo, a medida da pena. (Cfr. Prof. Figueiredo Dias, "As Consequências Jurídicas do Crime" p. 227, Anabela Rodrigues, "A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade", p. 478 e ss. e, ainda, a título meramente exemplificativo, o acórdão do S.T.J., de 10/04/96, CJSTJ, ano IV, t. 2, p. 168).

Tendo presente o modelo adoptado, importa, de seguida, eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos factores da medida da pena referidos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.

Assim, as necessidades de prevenção geral são prementes no que diz respeito ao crime de roubo, atendendo à frequência com que este tipo de criminalidade violenta se vai verificando e o receio e o alarme social que provoca, devendo a pena restabelecer a tranquilidade e a expectativa comunitárias na vigência e validade da norma violada.
(…)

O grau de ilicitude dos factos e o dolo são elevados, atendendo ao modo de execução dos factos, à não recuperação de grande parte dos bens subtraídos e ao grande número de vítimas no curto espaço de tempo em que o Arguido A. praticou os factos, relevando uma forte energia criminosa. (…)

Por outro lado, o Arguido A. conta com antecedentes criminais, nomeadamente pela prática de um crime de Furto Qualificado, tendo-lhe sido, já aplicadas penas de prisão (uma suspensa na sua execução e outra substituída por trabalho a favor da comunidade). E, embora goze de inserção social e de apoio familiar, o certo é que tal não o impediu de praticar os factos em apreço, ao que acresce que o número de crimes pelos quais vai condenado, o modo de empregabilidade instável e a ausência de auto-censura são fortes indiciadores do risco de voltar a praticar factos criminosos.
(…)
F. Do Cúmulo

Atento o teor do artigo 30º do Código Penal, os crimes pelos quais o Arguido A. vai condenado encontram-se numa relação de concurso entre si, pelo que se deverá encontrar uma pena única, nos termos do artigo 77º do mesmo diploma legal.

Ainda de acordo com este artigo, a moldura penal abstracta do concurso terá o limite máximo de 63 (sessenta e três) anos de prisão e um limite mínimo de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Na medida da pena única a aplicar ao Arguido são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (cfr. artigo 77º, nº 1 do Código Penal).

Significa isto que “devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente, mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente” – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.12.2006, disponível na Internet in www.dgsi.pt.

Assim e levando em consideração todas as circunstâncias já acima referidas, nomeadamente a reiteração da conduta, a energia criminosa revelada na prática dos factos, os antecedentes criminais do Arguido, bem como a sua empregabilidade instável e a ausência de auto-censura, julga-se adequado condenar o Arguido A.na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão.

Vejamos:
Estabelece o art.º 77.º do Código Penal, sob a epígrafe de regras da punição do concurso:

1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Assim, no caso dos autos, a moldura penal abstracta da pena única é de 3 anos e 6 meses de prisão; e o limite máximo seria o de 63 anos de prisão, que é reduzido a 25 por força do disposto no art.º 41.º, n.º 2 e 3, do Código Penal.

Na graduação da pena única e tendo em conta que:

- o arguido agiu com manifesto sentimento de impunidade, tornando-se mais ousado de roubo para roubo, procurando as suas vítimas em grupos de mulheres que pudesse aterrorizar com a arma, em suma com elevado grau de ilicitude e com intenso dolo directo;

- os factos causaram forte alarme social;

- o valor dos bens e objectos apropriados, desde logo os telemóveis, topo de gama;

- a não recuperação da maioria desses bens e objectos por parte das suas legítimas proprietárias;

- a imagem de país inseguro que deu às turistas de diversas nacionalidades, manchando uma das principais fontes de receita da região e do país, com os factos a repetirem-se ao longo de mais de um mês, em oito ocasiões diferentes, afectando vinte e cinco pessoas, e consubstanciando dezoito crimes.

E ainda, como consta do acórdão recorrido:

- a energia criminosa revelada na prática dos factos, os antecedentes criminais do arguido, bem como a sua empregabilidade instável e a ausência de auto-censura.

Acrescentando nos agora também, a favor do arguido, o facto de, se os acontecimentos no decurso dos assaltos degenerassem de forma inesperada, pelo menos as mulheres assaltadas não seriam molestadas pelo uso da arma, por ser de alarme.

Pelo que, tudo visto e ponderado, sopesando a globalidade dos factos, tem-se por justa e adequada a pena única de 16 anos de prisão aplicada pela 1.ª Instância.

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No tocante à questão posta pela arguida B., a de que – e citando o 1.º parágrafo das conclusões de seu recurso –, a pena aplicada à arguida é excessiva, tendo em conta as penas aplicadas aos outros arguidos, que vinha acusados do mesmo crime, pelo que deve a mesma ser absolvida, pois não faz sentido aplicar uma pena com esta gravidade, sendo certo (…) que a mesma não tinha conhecimento da proveniência do telemóvel:

Começaremos por dizer que não se percebe o que é que a arguida pretenderá com a asserção de que tendo em conta as penas aplicadas aos outros arguidos, que vinha acusados do mesmo crime (…) deve a mesma ser absolvida. É que os outros arguidos que vinham acusados pelo mesmo crime foram absolvidos e a arguida não. Por outro lado, se é assim que a arguida pretende impugnar a matéria de facto assente como provada quanto a si própria, ao finalizar que deve a mesma ser absolvida, porque não tinha conhecimento da proveniência do telemóvel, então dir-lhe-emos que o que quer que seja que na motivação do recurso lhe pudesse parecer constituir essa impugnação é absolutamente inepto para esse fim, como se constata da reprodução da parte supostamente referente a tal desiderato:

4 - Ora vejamos, se a arguida, não tinha, como não teve conhecimento que o telemóvel, que lhe foi oferecido pelo seu ex companheiro, era furtado e tinha segundo a sua convicção como missão, uma tentativa de aproximação entre eles.

5 - Ora nunca passou pela cabeça da arguida que o telemóvel era furtado, pois confiava no seu ex companheiro.

6 - Ele tinha-lhe feito passar a mensagem que havia um brasileiro que estava de saída para o Brasil, e que tinha aquele telemóvel e como o mesmo não iria servir no Brasil o queria vender.

7 - Ele ter-lhe-á dito que o teria comprado ao dito brasileiro e que o mesmo era uma oferta, pois sabia que a arguida, tinha um telemóvel já muito velho e muito usado.

8 - Não desconfiou a arguida que o mesmo tivesse sido furtado.

9 - A arguida vivia com algumas dificuldades económicas, pois tem uma filha menor, e não tinha possibilidades de comprar um novo telemóvel.

10 - A arguida não vivia com o principal arguido e ex companheiro na mesma casa, mas como tem uma filha em comum, viam-se com regularidade.

Ora, com o devido respeito, isto não é nem impugnação da matéria de facto regulada no art.º 412.º, n.º 3 e 4, nem impugnação da matéria de facto regulada no art.º 410.º, n.º 2.

De forma que passamos ao que resta da questão e que é a de que a pena aplicada à arguida é excessiva.

O tribunal "a quo" fundamentou a escolha e doseamento dessa pena assim:
(…) ao crime de Receptação praticado pela Arguida B. cabe uma moldura penal abstracta de 1 mês a 5 anos de prisão ou multa de 10 a 600 dias.

Uma vez que as penas aplicáveis à Arguida B. são alternativas, cumpre desde já proceder à escolha da pena.

Nos termos do artigo 70º do Código Penal revisto "Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma suficiente as finalidades da punição".

São, pois, finalidades de prevenção geral positiva de integração (protecção de bens jurídicos) e de prevenção especial (integração do agente) as que se têm em conta na escolha da pena, não se considerando aqui a culpa, que apenas será valorada na determinação da medida da pena.

No caso, apesar da Arguida não ter antecedentes criminais, as necessidades de prevenção geral revelam-se prementes, atenta a frequência com que se pratica este tipo de criminalidade na comarca e por todo o país e o incentivo que o mesmo serve para a prática de outros crimes contra o património, como sejam o furto e o roubo. Impõe-se, deste modo, ao Tribunal uma intervenção firme, afigura-se-nos que a pena de multa não satisfaz de forma suficiente e adequada as finalidades da punição, pelo que se opta por aplicar à Arguida B. uma pena de prisão.
*
Dispõe o artigo 71º que "a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes".

Segundo o modelo consagrado no artigo 40º do Código Penal, primordialmente, a medida da pena há-de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida. Através do requisito da culpa dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (limite máximo). Por último, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável - podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo elas que vão determinar, em último termo, a medida da pena. (Cfr. Prof. Figueiredo Dias, "As Consequências Jurídicas do Crime" p. 227, Anabela Rodrigues, "A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade", p. 478 e ss. e, ainda, a título meramente exemplificativo, o acórdão do S.T.J., de 10/04/96, CJSTJ, ano IV, t. 2, p. 168).

Tendo presente o modelo adoptado, importa, de seguida, eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos factores da medida da pena referidos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.
(…)
Relativamente ao crime de receptação praticado pela Arguida B., como acima se referiu, as necessidades de prevenção geral revelam-se igualmente elevadas, atenta a frequência com que se pratica este tipo de criminalidade na comarca e por todo o país e o incentivo que o mesmo serve para a prática de outros crimes contra o património, como o foi, no caso, concreto, o roubo.
(…)

Já a Arguida B., não tem antecedentes criminais e mostra-se social, profissional e familiarmente inserida, embora também não tenha revelado capacidade auto-censura.

Tudo ponderado, julga-se adequado aplicar:
(…)
b) Arguida B., a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de Receptação em que vai condenada.

G. Da Suspensão da Execução da Pena de Prisão Aplicada à Arguida B.
De acordo com o artigo 50º do Código Penal, a execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos deverá ser suspensa sempre que, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Significa isto que nos casos em que seja possível ao julgador formular um juízo de prógnose favorável, através de considerações de prevenção especial acerca da possibilidade de ressocialização, deverá suspender a execução da pena.

Nos termos do disposto do mesmo artigo, para aferir da capacidade do agente manter uma conduta conforme o direito, é necessário fazer, em concreto, uma análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou. Se dessa análise resultar que é possível esperar que a mera ameaça da pena de prisão e a censura do facto são idóneos a permitir a formulação de um juízo de confiança na sua capacidade para não cometer novos crimes, deverá ser decretada a suspensão da execução da pena.

É ainda de ponderar que a execução de uma pena de prisão de curta duração seria de todo desvantajosa para a socialização da Arguida.

Ora, atendendo aos factos que resultaram provados nos autos, nomeadamente, a ausência de antecedentes criminais e a inserção social, laboral e familiar da Arguida, é ainda possível esperar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 50º do Código Penal, determina-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada à Arguida B. pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses.

Porque é que a pena aplicada à arguida é excessiva ou que pena afinal pretende ela como justa, se outra das substitutivas, se esta em versão mais branda, não o diz ela, excepto uma enigmática referência a que no doseamento da mesma o tribunal "a quo" violou as normas jurídicas constantes do artigo nº.71, nº.2 al. c) e d) do Código Penal – pelo que, não tendo nas duas páginas que constituem a totalidade do seu recurso, explicado as razões que em seu entender a levam a tal conclusão, nem se tratando de matéria de conhecimento oficioso, debalde as procurámos. De forma que assim estando, sem a arguida nos dizer sobre que concretas objecções à pena pretende ela que nos debrucemos – e entendemos que o tribunal "a quo" escolheu e doseou tal pena de forma correcta, de tal forma que a recorrente não lhe consegue assacar em concreto qualquer defeito.

IV
Termos em que se decide negar provimento aos recursos e manter na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelos arguidos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, que é individual, atendendo ao trabalho e complexidade de tratamento das questões suscitadas, em cinco UC’s para o arguido A.e três Uc’s para a arguida B. (art.º 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9, do RCP e tabela III anexa).

Para os efeitos do disposto no art.º 215.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, remeta à 1.ª Instância, ao processado mencionado no art.º 414.º, n.º 7, do mesmo diploma legal, certidão do presente acórdão, fazendo nela menção de que o mesmo não transitou ainda em julgado.
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Évora, 19-1-2016

(elaborado e revisto pelo relator)

João Martinho de Sousa Cardoso

Ana Barata de Brito

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[1] . Preceitos que expressamente preveem que possa ser mostrado ao depoente ou declarante quaisquer pessoas, documentos ou objectos.

[2] . Cfr Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, Verbo-1999 p. 175.