Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
637/20.1PBFAR.E1
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: CRIME DE ROUBO
VÍTIMA ESPECIALMENTE VULNERÁVEL
ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO À VÍTIMA
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Atendendo à definição de criminalidade violenta e especialmente violenta previstas nas alíneas j) e l) do art.º 1º do Código de Processo Penal, resulta que as vítimas de crime de roubo ou de violência após a subtracção, na sua forma ou simples ou qualificada, são consideradas, ope legis, como vítimas especialmente vulneráveis.
Assim, há lugar à reparação prevista no art.º 82º-A do Código de Processo Penal.

Nos presentes autos o ofendido assume a qualidade de vítima especialmente vulnerável em relação aos factos que sobre si foram praticados pelo arguido e não deduziu pedido de indemnização civil, tendo sido exercido o contraditório, tendo o arguido sido notificado para tal logo no despacho que recebeu a acusação e designou data para a audiência de julgamento, sendo que o ofendido não se opôs a que lhe fosse arbitrada reparação.

Impõe-se, assim, aferir se se justifica a fixação de reparação oficiosa a cargo do arguido.

A reparação ora em análise consiste em uma forma de indemnização e por isso tem que se subordinar ao domínio da responsabilidade civil por factos ilícitos, de cujos requisitos depende (art. 498º do CC e 129º do CP).

Verificada que se mostra, porém, a responsabilidade penal do arguido, mostra-se já constatada a prática de facto ilícito e culposo, sendo certo que a ilicitude civil se revela desde logo pela violação de direitos absolutos da vítima, desde logo a integridade física (ao terem sido efetuados vários puxões da mala que trazia no braço, daí resultando hematoma).

Além disso, considerando os critérios do art. 494º do Código Civil, ex vi do art. 496º, nº 3 do mesmo diploma legal, há a considerar que a situação patrimonial do responsável é precária, já que se encontra preso; a sua culpa, por seu lado, é elevada; as condições económicas da vítima não são conhecidas, mas a sua aplicabilidade também tem sido afastada pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores por poder violar o princípio da igualdade.

Não há, porém, que fazer apelo para a determinação da reparação às normas que respeitam à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, visto que a sua atribuição não é regulada pela lei civil, mas de acordo com o disposto nos artigos 16º, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04/09, 67º-A e 82º-A, do CPP, sendo que estes se não reportam a uma verdadeira indemnização, mas à reparação dos prejuízos – uma vez que a quantia é tida em conta em acção que venha a conhecer o pedido civil de indemnização, de acordo com o nº 3, deste artigo - figuras jurídicas não exactamente coincidentes, pelo que somos levados a concluir que, também neste caso, o que o legislador pretendeu foi a fixação de reparação, ainda que tenha utilizado de forma lata o termo “indemnização”, o que conduz a que seja calculada de acordo com a equidade.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o nº 637/20.1PBFAR, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Central Criminal de … – Juiz …, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, foi o arguido AA condenado, por acórdão de 03/06/2022, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

Foi ainda condenado a pagar a BB o montante de 2.270,00 euros, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da decisão, nos termos do artigo 16º, da Lei nº 130/2015, de 04/09 e artigo 82º-A, do CPP.

2. O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1 – O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito do acordão proferido nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática do crime de roubo p. e p. pelo art. 210º nº 1, do CP.

2 – A decisão que constitui, objecto do presente recurso assenta por um lado na consideração de um conjunto de factos que não poderiam ter sido considerados provados e por outro lado na desconsideração acrítica de outros que cuja consideração impunha juízo diferente quer quanto aos factos quer quanto ao Direito aplicáveis.

3 – Assim e desde logo a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto aos factos provados acha-se em manifesta contradição com a prova que foi produzida em audiência.

4 – Tendo o Recorrente errónea e injustamente, sido severamente punido pelo Tribunal “a quo”, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva, pela prática do crime de roubo, quando deveria ter sido absolvido, atendendo a insuficiência da prova, e à existência de sérias dúvidas.

5 - O Recorrente colaborou com o Tribunal na descoberta da verdade, e negou os factos, referiu que não era ele que estava no local, nem cometeu o crime em causa, que não conhece o Ofendido BB, mas que conhece a Testemunha CC, e que existe uma quezília entre eles, por o Recorrente ter sido intermediário no negócio de estupefacientes, e a Testemunha CC e seu namorado DD, deporte físico e aparência semelhante ao Recorrente, terem incumprido e ficado a dever dinheiro ao traficante de droga, devido a tal e para não ser considerado cúmplice da Testemunha, o ora Recorrente, teve que perseguir e exerceu pressão sobre a Testemunha CC e seu namorado DD, para procederem ao pagamento da quantia em divida ao traficante, em que o Recorrente foi intermediário.

6 – Devido a tal, era do interesse da Testemunha CC, que o Recorrente fosse detido, de modo a este não exercer mais pressão sobre si, para liquidar a quantia em dívida, relativamente ao negócio de estupefaciente.

7 – Sucede que o Recorrente, prestou declarações, colaborou com o tribunal na descoberta da verdade, tendo negado os factos, e dito que não esteve no local, data e hora, não conhece o ofendido BB, e que não cometeu o crime em causa, justificando o por que de se ver envolvido injustamente neste processo, sucede que o tribunal a quo, decidiu ignorar as declarações do Recorrente, e decidiu injusta e erroneamente condenar o Recorrente.

8 – Sendo que os depoimentos das testemunhas de acusação, BB e CC, não fizeram prova suficiente e certa quanto aos factos de que vem condenado o Recorrente, sendo os depoimentos destas testemunhas, bastantes incoerentes, confusos e contraditórios, relativamente a ocorrência dos factos em causa – pelo que estes depoimentos levantaram foi sérias dúvidas quanto a ocorrência dos factos, e quanto ao autor do crime.

9 – Com efeito, os depoimentos das testemunhas de acusação (BB e CC) não fizeram prova concreta e suficiente para fundamentar a condenação do Recorrente, designadamente:

10 – A Testemunha BB, prestou um depoimento incoerente, impreciso, controverso, pelo que não merece qualquer credibilidade, inclusive foi este depoimento totalmente descredibilizado e contrariado pelo depoimento das declarações da Testemunha CC.

11 – A testemunha BB, prestou depoimento em audiência de julgamento a 10/03/2022(10:10) e gravado em CD 20220310094741__4243992_2870823(3 498 KB), e declarou que não conhecia a menina com quem estava, nem sabia o nome dela, sendo que apenas sabia parcialmente o nome da menina, qualquer coisa C, porque o MP, teria acabado de enunciar o nome dela, tentando fazer crer que não conhecia a Testemunha CC – (cfr. minuto 3:02 a 3:17 do depoimento da Test. BB em CD 20220310094741__4243992_2870823) – sucede que este depoimento é descredibilizado pelo depoimento da Testemunha CC , que declarou que conhecia a Testemunha BB, e que mantém relações sexuais e uma relação de amizade com a Testemunha BB, há mais de 3/4 anos (cfr. minuto 1:35 a 1:39, e minuto 2:11 a 3:03 do depoimento da Test. CC em CD de 20220510161101_4243992_2870823 (1 647 KB);

12 – A Testemunha BB também relata que o ora Recorrente, saltou a cerca, entrou, não disse nada a ninguém, e foi direito a si, para lhe tirar o fio, mas que não conseguiu, porque a Testemunha não deixou, relatou ainda a Testemunha BB que conseguiu fugir para a rua, e que o Recorrente foi atrás de si e lutaram na rua, tendo ai o fio quebrado e caído ao chão, que está luta teve a duração de 5/10 segundos, e que o Recorrente depois fugiu (cfr. Minuto 1:33 a 2:04; minuto 7:57 a 8:15; minuto 17:33 a 17:52; minuto 20:40 a 20:47, minuto do depoimento da Test. BB em CD 20220310094741__4243992_2870823), sendo que tal versão dos factos é totalmente descredibilizada e contrariada pela Testemunha CC, que relatou uma ocorrência dos factos totalmente distinta, nomeadamente relatou que, o Recorrente saltou a cerca, foi em direcção ao BB, disse-lhe que a CC era a sua mulher, e os dois se pegaram pelos colarinhos, que em momento algum viu o Recorrente a tentar tirar alguma coisa ao BB, e que ela o repreendeu, e que o Recorrente se foi embora, e que a Testemunha BB diz que não tem o fio e o telemóvel, e vai atrás do Recorrente para a rua (cfr. minuto 1:39 a 1:52, minuto 2:13 a 3:03, minuto 3:34 a 3:45, minuto 3:54 a 4:27 do depoimento da Test. CC em CD de 20220510161101_4243992_2870823 (1 647 KB);;

13 – A testemunha BB, declarou que identificou o ora Recorrente como autor do crime, por ajuda e indicação da Testemunha CC, sendo que está é que lhe indicou o nome (cfr. minuto 9:48 a 9:56 e Minuto 21:13 a 21:22 do depoimento da testemunha/ofendido BB em CD 20220310094741__4243992_2870823 (3 498 KB), sendo que a Testemunha CC era pessoa que tinha um quezília com o ora Recorrente, conforme declarado por este nas suas declarações, e tinha interesse em ver o Recorrente detido, atendendo a que o Recorrente andava a exercer pressão para pagarem o dinheiro em divida pelo estupefaciente ( Cfr. minuto 0:53 a 1:04; 3:04 a 3:38; 3:52 a 3:59; 4:13 a 4:22 das declarações do Recorrente, em CD de 20220510162215_4243992_2870823 (2 871 KB)) – assim não há quaisquer certezas, pelo contrário, existem sérias dúvidas, quanto aos factos em causa, e da autoria do crime;

14 – A Testemunha BB refere que lhe foi roubado um fio de ouro grosso com uma medalha, que valeria € 3.000,00 (três mil euros) (cfr. Minuto 5:08 a 5:39 do depoimento da Testemunha BB em CD 20220310094741__4243992_2870823), mas nunca veio a juntar qualquer documento comprovativo da existência de tal fio de ouro (p.ex: comprovativo de compra, fotografia), nem sequer fez o pedido de indemnização civil, para solicitar o valor do bem alegadamente roubado, nem por danos morais – o que se mostra inconcebível, e descredibiliza a versão de que foi roubado um fio em ouro com medalha, no valor de €3.000,00€ - pelo que não se mostra credível o depoimento desta testemunha - sendo que tal versão dos factos é totalmente contrariada pela Testemunha CC, que referiu que mantinha uma relação sexual/intima e de amizade com a Testemunha BB há mais de 3/4 anos, e declarou em tribunal que nunca viu ou conheceu qualquer fio de ouro de malha grossa, com um amedalha com diamantes (cfr. minuto 4:11 a 4:27 do depoimento da Test. CC em CD de 20220510161101_4243992_2870823 (1 647 KB);

15 – Por último a Testemunha/ofendido, BB, relatou ter boa memória, ainda mais numa situação destas, quando alguém quer lhe fazer mal, não se esquece – facto é que não soube identificar o arguido, nem nenhuma característica física (como uma cicatriz grande na cara como tem o arguido) ou do vestuário do mesmo, como não se lembrava dos 20€ que diz que o arguido lhe tirou da mão, e inclusive afirma que os factos começaram no inicio da noite, e não tarde, que ocorreu pelas 09h e tal, 10h e tal o mais tardar (cfr. minuto 20:13 a 20:19 do depoimento da test. BB em CD 20220310094741__4243992_2870823 (3 498 KB), sendo que a Testemunha CC, a pessoa que identificou o Recorrente, como sendo o autor do crime, era pessoa com a qual tinha uma quezília, devia dinheiro devido a um negócio de estupefacientes – sendo que os factos conforme consta da acusação/condenação e segundo o depoimento da Testemunha CC, os factos ocorreram entre as 11h00 e a 01h00 da manhã (cfr. minuto 5:56 a 6:06 do depoimento da Test. CC em CD de 20220510161101_4243992_2870823 (1 647 KB);

16 – Efectivamente, estes depoimentos contraditórios das testemunhas de acusação, não fazem qualquer prova certa e suficiente para condenar o ora Recorrente, levantam sim razoáveis e sérias dúvidas quanto ao factos constantes da acusação, e inclusive sérias dúvidas há, se tal crime efectivamente ocorreu, se houve um bem roubado (sendo que apenas o ofendido referiu a existência do mesmo item mas não juntou qualquer prova da existência do mesmo) e quem foi o autor do crime, ou se foi uma simulação de crime, entre as Testemunhas.

17 – O Arguido ora Recorrente, negou os factos, relatou que não esteve no local, data e hora, que não conhece nem nunca viu o Ofendido/testemunha BB, e que deverá estar a ser confundido com o namorado (de alcunha DD) da testemunha CC, relatou ainda que esteve nessa data com a Testemunha EE, que não tinha o habito de sair à noite, ainda mais que nem podia, e se saísse a Testemunha EE, saberia, devido aos cães desta darem logo sinal, fazendo muito barulho, por fim , relatou que isto foi tudo uma cabala, organizada pela Testemunha CC e seu namorado, para afastar o Recorrente, e o ver detido, de modo a se esquivarem de pagar a divida pelo estupefaciente, o Recorrente referiu que fez a marca para verem que tem a cara desfigurada (com cicatriz grande), e que tal facto não foi dito pela testemunha BB, característica que seria logo a primeira a identificar no recorrente, pelo simples facto, de não ter sido o Recorrente quem cometeu o crime, por fim relata que o namorado da Testemunha CC, o DD tem muitas semelhanças físicas, altura, estatura e cabelo loiro/rossado (cfr. minuto 1:59 a 2.15, minuto 3:04 a 3:38; minuto 3:52 a 3:59; minuto 4:13 a 4:22; 5:44 a 5:54; 6:16 a 6:46;minuto 11:48 a 12.28; minuto 15:13 a 16:03, minuto 16:32 a 16:49 das declarações do Recorrente, em CD de 20220510162215_4243992_2870823 (2 871 KB); e minuto ); e minuto 5:06 a 5:56 do depoimento da testemunha EE, em CD de 20220310101118_4243992_2870823 (1 382 KB);

18 – O Recorrente negou os factos, e declarou por diversas vezes, que não esteve presente no local, data e hora, sendo que é a única coisa que pode dizer quanto aos factos, pois não foi ele (cfr minuto 1:35 a 1.38, minuto 1:51 a 2:47 das declarações do Recorrente, em CD de 20220510162215_4243992_2870823 (2 871 KB)

19 – Pelo exposto na presente motivação de recurso, e conforme supra-exposto, fica demonstrado que o Tribunal a quo, julgou erroneamente os factos como provados, sendo que nenhuma prova certa e suficiente foi produzida em audiência de julgamento, sendo que os depoimentos são notoriamente e bastante incoerentes, imprecisos, e contraditórios relativamente aos factos, sendo mais que notório, a existência de razoáveis e sérias dúvidas quanto aos factos.

20 – O ora Recorrente, está revoltado com a justiça, que apesar das contradições e divergências entre os depoimentos das testemunhas, as notórias divergências e sérias dúvidas quanto a existência do alegado bem em ouro, o dito roubo, circunstâncias dos factos, tempo e lugar, e sérias dúvidas quanto ao autor do crime, indevida e infundadamente sem suporte na prova produzida em audiência de julgamento, decidiu erroneamente o tribunal a quo, condenar o Recorrente, por um crime que não cometeu.

21 –Em suma, são fundamentos do recurso, os constantes do art.410º, nº1 e 2 al a) b) e c) do CPP, pelas razões melhor alegadas na motivação do presente recurso.

22 – Como na motivação se aludiu, os factos dados como provados, no douto Acórdão não o deverão ser, pelas razões e motivos aí expostos. Salvo o devido respeito, isto à luz da experiência comum e do princípio da livre convicção, que é sempre alicerçada na prova realizada em audiência de discussão e julgamento, conforme na motivação se alude.

23 – Tendo o douto Tribunal a quo, violando os princípios da boa fé, da lógica e da experiência comum e o princípio da livre apreciação da prova, que é livre mas não arbitraria, com sustentabilidade sempre na prova produzida.

24 – Salvo o devido respeito, e é muito, não vislumbramos onde o douto Colectivo, pode fundamentar o facto de o recorrente ter sido o autor do crime de roubo, e ainda mais a existência do alegado fio de ouro grosso (de valor de €3.000,00), e decidindo indevidamente a condenar o Recorrente no pagamento ao ofendido na quantia de €2.270,00, sem qualquer prova documental da existência do fio ou do valor do mesmo - Sendo que a única prova, que terá levado o Tribunal a quo a considerar tal facto como provado, terá sido o depoimento da Testemunha/Ofendido BB, e da testemunha CC, sendo que os depoimentos destas testemunhas foram bastantes contraditórios, levantando sim sérias e razoáveis duvidas quanto aos factos.

25 – Dúvidas não há, que os factos ocorridos no referido dia 16/06/2020, foram incorretamente julgados como provados, pelo Tribunal a quo - desconsiderando por completo as contradições e incoerências dos depoimentos das testemunhas da acusação, Sr. BB (Ofendido) e a CC, sendo que estes alegadamente presenciaram, integralmente, os factos – sendo que estas testemunhas contam por completo duas versões totalmente diferentes, relativamente às circunstâncias, tempo e lugar.

26 – O tribunal a quo ao dar como provados os factos ocorridos nos dia16/6/2020, atendendo as contradições e incoerências entre os depoimentos das testemunhas de acusações (BB e CC), e a negação da prática dos factos pelo Recorrente, existindo sim sérias dúvidas quanto aos factos constantes da acusação e condenação, pelo que o Tribunal a quo, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º, do CPP.

27 –Por outro lado, ao dar como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou, ainda, o disposto no art. 355º, nº 1, do CPP.

28 - Pelo exposto, o tribunal não interpretou, nem aplicou, correctamente o art. 210º nº1, do CP.

29 – Serias dúvidas existem quanto aos factos, erroneamente dados como provados, sendo que não há qualquer prova da existência do alegado bem roubado (fio de ouro grosso), inexistindo qualquer prova documental (comprovativo de compra, fotografia, etc) sendo que a própria testemunha CC, disse nunca ter visto o alegado fio de ouro ao pescoço do Ofendido e esta tinha relações sexuais com o ofendido.

30 – Bem como nunca poderiam tais factos ter sido dados como provados, atendendo a inexistência de provas suficientes produzidas em audiência de julgamento, existindo sim, serias dúvidas, conforme supra-exposto na motivação de recurso.

31 –Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo julgou incorrectamente os referidos factos, pois existe prova insuficiente.

32 – O princípio do in dubio pro reo sendo emanação do princípio da presunção de inocência surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de preterição do mandamento consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

33 – Desta forma o Tribunal a quo, não atendeu a todas as circunstâncias que fazendo e não fazendo parte do crime, depuseram em favor desta, em consequência não observando o disposto no art.71º nº2 do CP.

34 – E razão pela qual, por parte do Tribunal a quo, houve erro notório na apreciação da prova, produzida em audiência de julgamento, tendo indevida e erroneamente condenado o Recorrente.

35 – Tendo o Recorrente sido severamente punido pelo Tribunal “a quo”, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de roubo, e na quantia de € 2.270 (dois mil, duzentos e setenta euros), acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da presente decisão, quando o ofendido não requereu qualquer pedido de indemnização, violando o tribunal a quo, o dispostos nos art. 71º, 77º e seguintes do CPP, tendo o tribunal a quo erroneamente condenado o Recorrente, quando perante as contradições e divergências entre os depoimentos, estas imponham decisão diversa, designadamente deveria ter sido absolvido, atendendo a insuficiência da prova, e à existência de sérias dúvidas.

36 – Sendo manifesta a existência dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, mormente insuficiência da matéria fáctica e erro notório na apreciação da mesma,

37 – Em suma nos presentes autos foi criado uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos pelo qual vem condenado, não restam dúvidas que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado.

38 – Nos termos do supra alegado e não tendo o recorrente praticado o crime, nem havendo quaisquer provas certas e suficientes para fundamentar a condenação do Recorrente, existindo sim sérias dúvidas quanto aos factos, razão pela qual, e atendendo ao princípio do in dubio pro reo, deve o Recorrente ser absolvido do crime em causa, e das quantias monetárias (indemnização civil e danos morais), a que veio injustificada e erroneamente condenado.

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADO O ACORDÃO RECORRIDO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER O RECORRENTE ABSOLVIDO DO CRIME DE ROUBO EM QUE FOI CONDENADO, BEM COMO ABSOLVIDO DO PAGAMENTO DARESPECTIVAQUANTIA DE €2.270,00 AO OFENDIDO, E DEMAIS ENCARGOS COM O PROCESSO, ATENDENDO À INSUFICIENCIADA PROVA E AO PRINCIPIO DO INDUBIO PRO REO; CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DEVERÁ A RESPECTIVA PENA SER REVOGADA E SUBSTITUIDA POR OUTRA, OPTANDO-SE POR UMA PENA COINCIDENTE COM MINIMO LEGAL, E SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO.

FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pelo seu não provimento.

5. Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Verificação dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova.

Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento/violação do estabelecido no artigo 355º, do CPP/violação do princípio in dubio pro reo.

Enquadramento jurídico-penal da conduta do recorrente.

Dosimetria da pena aplicada.

Arbitramento de reparação à vítima pelos prejuízos causados.

2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1- A hora não concretamente apurada, mas entre as 00h00 e as 00h30m do dia 16 de Junho de 2020, BB encontrava-se na Travessa …, em ….

2- Nessa circunstância de tempo e lugar, AA agarrou em € 20 pertença do mesmo e que aí se encontravam em local não apurado, mas em cima de uma mesa ou na mão do ofendido, a quem se dirigiu.

3- De seguida, deitou a mão ao fio de ouro que o mesmo trazia ao pescoço, tendo BB agarrado o fio e fugido, indo o arguido no seu encalço, vindo a alcançar o mesmo, altura em que lhe retirou o telemóvel da marca … que o mesmo trazia consigo, tendo de seguida deitado o mesmo ao chão, porquanto o mesmo tinha o ecrã partido.

4- Após, o arguido agarrou BB por trás, tendo colocado um braço à volta do pescoço deste último e efetuado um estrangulamento.

5- Quando BB se encontrava quase a desmaiar, devido à força exercida pelo braço de AA sobre o pescoço do primeiro, o arguido desferiu um forte puxão no fio de ouro de BB que este usava ao pescoço e ficou na posse do mesmo.

6- AA abandonou o local na posse do dinheiro e do fio de ouro.

7- O fio de ouro, o dinheiro e o telemóvel eram pertença de BB.

8- O fio, em ouro amarelo e de malha grossa, tinha uma medalha em ouro amarelo, com três pedras em diamante e tinha o valor de pelo menos 1500 Euros.

9- Como consequência da acção descrita, designadamente da fricção efetuada pelo fio de ouro, BB ficou com marcas na pele, na zona do pescoço durante cerca de um mês, bem como teve dores durante cerca de uma semana e como consequência do apertar do pescoço e enquanto o mesmo perdurou dificuldade em respirar.

10- O arguido quis fazer seus os objetos e dinheiro que BB tinha na sua posse, sem que possuísse a autorização do respetivo proprietário e conhecendo o carácter alheio daqueles, tendo recorrido à força física para o efeito, o que efetivamente conseguiu.

11- O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.

Da situação pessoal do arguido

12- Nascido em … e sendo filho único, a sua infância/adolescência decorreu dentro de um padrão familiar estável e afetuoso, tendo sido relatados problemas relacionais com os pais, mas já ocorridos na idade adulta.

13- Por volta dos 13 anos, os pais separaram-se, tendo permanecido aos cuidados do pai em …, enquanto a mãe foi viver para o …, mantendo contactos regulares com o filho.

14- Quando tinha 18 anos de idade, a mãe encetou novo relacionamento afetivo, tendo tido uma filha.

15- O arguido nunca aceitou bem este relacionamento, mantendo uma reação conflituosa com o padrasto, tendo-se afastado destes familiares.

16- Frequentou a escolaridade até ao 12º ano e adquiriu formação profissional como eletricista naval, revelando hábitos de trabalho, nomeadamente em plataformas de petróleo, tendo-se deslocado em trabalho para a … em 2006, país onde viria a iniciar o consumo de estupefacientes.

17- Em termos afetivos, manteve um relacionamento com uma cidadã …, enquanto viveu naquele país, relação que terminou em 2009, fruto da problemática aditiva, tendo simultaneamente ocorrido o seu despedimento laboral.

18- Em 2011 regressou a Portugal, numa situação pessoal precária, não mantendo nessa fase contacto com os pais, tendo vivido como indigente e encetado percurso marginal.

19- Foi nesta fase que cometeu diversos crimes, os quais estiverem na origem do cumprimento da primeira pena de prisão.

20- Ao nível das características e competências pessoais, demonstra acentuados défices de autocontrolo e capacidade de descentração, sendo percetível a sua incapacidade para estabelecer iniciativas de restrição pessoal, agindo tendencialmente por impulso.

21- Tendo em conta o seu historial criminal, parece-nos ser possível identificar alguma regressão no seu comportamento pessoal e social o qual evidencia o desrespeito pelas normas sociais e a dificuldade em cumprir obrigações impostas no âmbito do cumprimento de medidas de execução na comunidade, colocando-se frequentemente em situações de risco e reincidência criminal.

22- AA encontra-se afeto ao Estabelecimento Prisional de … desde 25-11-2020, onde regista agora um comportamento instável, com registo de múltiplas infrações disciplinares, ainda que desde cerca de dezembro de 2021 tenha alterado a sua atitude, revelando maior estabilidade.

23- Encontra-se em regime celular normal, tendo já permanecido a trabalhar e aguarda nova colocação, não tendo ainda beneficiado de medidas de flexibilização da pena, face também à indefinição da sua situação jurídico-penal.

24- Ao nível da problemática aditiva apresenta uma situação estável e, atualmente, isenta de consumos de estupefacientes, não efetuando qualquer tratamento.

25- É acompanhado em consultas de psiquiatria e psicologia, com toma de medicação diária, situação que o arguido considera importante para a sua estabilização emocional.

26- O arguido regista as seguintes condenações

a. Por decisão datada de 16-6-2005, transitada no dia 16-4-2012, proferida no âmbito do processo comum coletivo n.º …, foi condenado pela prática, em 18.3.2002, de dois crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º, do Código Penal e um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 220 dias de multa;

b. Por decisão datada de 10-1-2007, transitada no dia 5-12-2016, proferida no âmbito do processo comum singular n.º …, foi condenado pela prática, em 23.7.2001, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, n.º 1, do Código Penal, e um crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo artigo 137º, n.º 2, do Código Penal, na pena única de um ano e oito meses de prisão;

c. Por decisão datada de 24-5-2007, transitada no dia 13-11-2014, proferida no âmbito do processo comum singular n.º …, foi condenado pela prática, em 30.1.2005, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145º do Código Penal, um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º e 184º por referência ao artigo 132º, n.º 2 al. l) do Código Penal e um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º do Código Penal, na pena única de quinze meses de prisão;

d. Por decisão datada de 13-7-2012, transitada em 15-11-2012, proferida no âmbito do no processo comum coletivo n.º …, foi condenado na pena única de seis anos de prisão pela prática:

i. Em 12/05/2011, de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº 1 do Código Penal;

ii. Em 12/05/2011, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal;

iii. Em 05/2011, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.os 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204º, n.º 2, alínea f) e 4 do Código Penal;

iv. Em 11/05/2011, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal;

v. Em 02/05/2011, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nºs 1 e 2 do DL 2/98, de 03/01;

vi. Em 08/05/2011, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal;

vii. Em 09/05/2011, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal;

viii. Em 30/05/2011, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal;

ix. Em 02/05/2011, um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal;

x. Em 17/05/2011, de um crime de roubo, na forma tentada p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204º, n.º 2, alínea f) e n.º 4, 22º e 23º do Código Penal e um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204º, n.º 2, alínea f) e n.º 4, do Código Penal;

xi. Em 08/05/2011, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 e 2, alínea b), este último por referência ao artigo 204º, n.º 2, alínea f) e n.º 4, do Código Penal;

xii. Em 20/05/2011, de um crime violência depois da subtração, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 e 211º do Código Penal;

xiii. Em 20/05/2011, de um crime violência depois da subtração, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 e 211º do Código Penal;

xiv. Em 07/05/2011, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal.

e. Por decisão de 22-10-2015, transitada em julgado no dia 23.11.2015, proferida no âmbito do processo comum coletivo n.º …, foi condenado na pena única de sete anos de prisão e 300 (trezentos) dias de multa, correspondente ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nesses autos e as penas referidas em a. e c.;

f. Por decisão datada de 29-4-2016, transitada em julgado no dia 14.6.2016, proferida no âmbito do processo n.º …, foi condenado, pela prática, em 17-6-2014, de um crime de falsas declaração, p.e p. pelo artigo 348º-A, n.º 1, do Código Penal e um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de dez meses de prisão, declarada extinta pelo cumprimento;

g. Por decisão de 8-11-2017, transitada em julgado no dia 13.12.2017, proferida no âmbito do processo comum coletivo n.º …, foi condenado na pena única de oito anos de prisão e 300 (trezentos) dias de multa, correspondente a novo cúmulo jurídico das penas proferidas nesses autos e as referidas em a., b. e c.;

h. Por decisão datada de 12-12-2019, transitada em julgado no dia 24.01.2020, proferida no âmbito do processo n.º …, foi condenado, pela prática, em 14-04-2019, de um crime de furto, p.e p. pelo artigo 203º, n.º 1 do Código Penal, na pena de dez meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos;

i. Por decisão datada de 22-05-2020, transitada em julgado no dia 25.11.2020, proferida no âmbito do processo n.º …, foi condenado pela prática, em 01/2019, de um crime de ameaça, p. e p. pelos arts. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) do Código Penal e em 24-02-2019, de um crime de roubo, p.e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do Código Penal e de um crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, na pena única de 5 anos de prisão;

j. Por decisão datada de 28-05-2020, transitada em julgado no dia 05.02.2021, proferida no âmbito do processo n.º …, foi condenado, pela prática, em 02-04-2019, de um crime de violência doméstica, p.e p. pelo artigo 152º, nº 1, al. b) e nº 2 do Código Penal e de um crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223º do Código Penal, na pena 4 anos e 2 meses de prisão;

k. Por decisão datada de 30-09-2020, transitada em julgado no dia 13.10.2020, proferida no âmbito do processo n.º …, foi condenado pela prática, em 06-12-2018, de um crime de ameaça, p.e p. pelo artigo 153º, nº 1 do Código Penal, na pena 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa.

27- No âmbito do processo referido em i. o arguido esteve sujeito à medida de obrigação e permanência na habitação (Centro Terapêutico) com VE, entre 04/09/2019 e 25/03/2020, altura em que danificou os retirou sem autorização os mecanismos de controlo à distância e se pôs em fuga, vindo a ser detido em 22/06/2022 e sujeito a prisão preventiva nesses autos.

Quanto aos factos não provados, considerou como tal (transcrição):

1- Os factos descritos em 1 dos factos provados ocorreram cerca das 00H48.

2- Os 20 Euros estavam no bolso das calças de BB.

3- Os 20 euros e o telemóvel foram retirados em momento posterior a ser retirado a BB o fio que trazia ao pescoço.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

O tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados na sua globalidade.

Concretamente, revelaram-se fundamentais para criar a convicção do Tribunal, os seguintes meios de prova:

O decidido em 1 a 6 dos factos provados e em 1 a 3 dos factos não provados funda-se, no que respeita ao desenrolar dos factos, no relato conjugado das testemunhas BB e CC, sendo que nessa parte o arguido não pôs em causa tais relatos.

Com efeito, o arguido não põe em causa que BB tenha sido vítima dos factos por si relatados, mas tão só que seja o autor desses factos, referindo-se vítima de vingança por parte de CC, cujo relato referente à autoria dos factos reputa de falso.

Não obstante, afigura-se mais credível a versão da testemunha CC, em detrimento da versão do arguido, que se não considera credível por forma a pôr em causa o depoimento da testemunha.

Assim, CC refere que se encontrava com BB, a quem conhece, visando manter relações sexuais com aquele, a troco de dinheiro, o que foi confirmado pelo mesmo, referindo ele que a nota de € 20 visava o pagamento desse ato, quando surge o arguido, com quem já tinha mantido relações sexuais uma ocasião e conhecia ainda de outras situações, não tendo dúvidas de que se tratava do mesmo.

BB refere que não conhecia o autor dos factos, mas que o mesmo não trazia máscara e era conhecido da rapariga com quem se encontrava, o que foi logo referido pela mesma.

O arguido reconhece que já era conhecido de CC, referindo, no entanto, que era apenas há 2 a 3 semanas e a apresentou, bem como ao seu então namorado, de nome DD, a um indivíduo vendedor de estupefacientes e que quando este lhes foi efetuar uma entrega de estupefacientes no local descrito na acusação, o DD lhe furtou objetos do carro. Por esse motivo, juntamente com o dito indivíduo procuraram o DD, tendo o dito indivíduo dado prazo ao mesmo até ao final do mês para devolver os objetos ou os pagar. Mais referiu que o DD, não obstante ser consumidor de estupefacientes, tem uma compleição física semelhante à sua, aproximadamente a sua altura, sendo também ruivo, tal como o declarante.

Embora não o tenha afirmado expressamente, o arguido parece, com a versão que apresentou, querer indicar que tenha sido o dito indivíduo de nome DD, mas em tudo semelhante a si a nível físico, a praticar os factos, dando como motivo para que o mesmo o fizesse, necessitar de dinheiro para pagar ao dito indivíduo vendedor de estupefacientes pelos objetos que lhe furtara.

Sucede que não só é pouco credível que o dito indivíduo fosse furtar o seu fornecedor de estupefacientes quando o mesmo se deslocara até junto de si e da sua namorada a efetuar uma entrega de estupefacientes, como não deixa de se estranhar que o mesmo tivesse uma aparência física em tudo semelhante à do arguido (altura, compleição física e tom arruivado do cabelo), como não se compreende qual o motivo pelo qual a testemunha CC necessitaria de incriminar o arguido da prática de um crime grave que havia sido praticado pelo seu namorado, quando não tinha qualquer quezília com o arguido e o ofendido não conhecia o autor dos factos, que se pôs em fuga. Se o objetivo da CC, mancomunada com o seu namorado DD, era roubar o ofendido para conseguirem pagar ao fornecedor de estupefacientes, bastaria à mesma dizer que não conhecia o indivíduo autor dos factos, também ele desconhecido do ofendido e que face à sua fuga previsivelmente não seria identificado, nenhuma razão existindo para que a mesma atribuísse (e atribua) a autoria ao arguido.

A versão apresentada pelo arguido, que não merece credibilidade pelo referido, não tem, assim, a virtualidade de contrariar a versão apresentada pela testemunha CC quanto à autoria dos factos pelo arguido.

E o mesmo se diga quanto ao depoimento da testemunha EE, amiga do arguido, no sentido de o mesmo, que se encontrava a residir consigo desde uma semana ou duas antes do seu aniversário, ocorrido a 18/06, se encontrar sempre em casa, sendo que daria pela sua saída, que apenas acontecia para comprar tabaco, na sua companhia.

Com efeito, não só seria possível o arguido sair de casa sem que a testemunha se apercebesse, como o próprio arguido referiu que saía de casa durante o dia e que à noite raramente, o que significa que em algumas vezes saía mesmo no período noturno.

Acresce que estando à data o arguido em incumprimento da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com VE (que cumpriu à ordem do processo nº …, entre 04/09/2019 e 25/03/2020, altura em que cortou os mecanismos da VE e fugiu do local de cumprimento da medida, como ele próprio reconheceu e resulta de fls. 97 e de fls. 99 a 102), igualmente não é credível que saísse de casa com maior frequência durante o dia, ao invés do que à noite, onde seria menos provável de ser localizado. Efetivamente, o arguido refere que durante o dia saía mais e relatou até ter sido ele nesse período a apresentar a CC e namorado ao dito indivíduo vendedor de estupefacientes e a os ter procurado no Bairro …, em …, local, como é do conhecimento deste tribunal por vários julgamentos realizados, onde a polícia se desloca com frequência, por aí existirem muitos vendedores de estupefacientes, o que igualmente se revela pouco credível.

Assim sendo, conferindo credibilidade à versão da testemunha CC, conclui-se pela autoria dos factos por parte do arguido.

No que respeita à data dos factos, foi valorado o teor do auto de notícia de fls. 26 a 27, já que as testemunhas já não tinham ideia precisa quanto ao dia e mês, mas apenas quanto ao ano, mas referindo ter a polícia comparecido no local após a sua prática. Por seu lado, quanto à hora dos factos, embora o ofendido refira cerca das 22h00 e a testemunha CC refira por volta das 23h00, verifica-se que o telemóvel retirado ao ofendido e após deixado no local foi apreendido pela 1h05m (fls. 28). Ora, sabendo-se que o decurso do tempo tem efeitos sobre a memória, em particular no que respeita a factos conexionados com números, como datas e horas, mas recordando o ofendido que a polícia levou cerca de meia hora a chegar ao local, sabendo-se que à 1h05 estava já a ser efetuada a apreensão do telemóvel, é seguro concluir que os factos terão ocorrido num período temporal que terá mediado entre uma hora a meia hora antes.

No mais, quanto ao valor do fio e medalha de pedras (factualidade descrita em 7 dos factos provados), embora o ofendido tenha indicado um valor de € 3000, assentou tal numa convicção face a ser grosso o fio e ter as pedras de diamante, embora do tamanho da cabeça de um alfinete, mas não apresentou um conhecimento efetivo quanto a tal valor, referindo já possuir o fio há muitos anos, tendo-o adquirido ainda no tempo dos escudos. Face a tal considera-se persistir a dúvida quanto ao valor corresponder a um tal valor de € 3000, considerando-se, assim, ser um valor mínimo seguro apenas o valor descrito na acusação.

A factualidade descrita em 8 dos factos provados resultou do depoimento de BB, em conjugação com a fotografia de fls. 42.

Da conjugação da factualidade descrita em 1 a 8 dos factos provados com as regras da experiência comum, conclui-se pela demonstração dos factos descritos em 9 a 10 dos factos provados.

A factualidade descrita em 11 a 24 dos factos provados resulta do teor do relatório social de fls. 192 a 194 e a descrita em 25 dos factos provados do teor do CRC de fls. 247 a 269.

A factualidade descrita em 26 dos factos provados resulta da conjugação das declarações do arguido com fls. 97 e fls. 99 a 102.

Quanto ao mais descrito na acusação, mormente a descrição que se refere à obtenção de vantagem, não se considerou nos factos provados e não provados por constituir matéria conclusiva e de direito.

Apreciemos.

Verificação dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova

Conforme estabelecido no artigo 428º, nº 1, do CPP, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, de onde resulta que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respectivos poderes de cognição.

A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, no que se denomina de “revista alargada”, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento – neste sentido, por todos, Ac. do STJ de 05/06/2008, Proc. nº 06P3649 e Ac. do STJ de 14/05/2009, Proc. nº 1182/06.3PAALM.S1, in www.dgsi.pt. - ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal.

Sustenta o recorrente que o acórdão recorrido padece dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova.

Como vimos, os apontados vícios, a que se reporta o artigo 410º, nº 2, alíneas a) e c), do CPP, respectivamente, só relevam se resultarem do texto (e do contexto) da decisão recorrida apreciado na sua globalidade, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum. São vícios da decisão, não do julgamento, como frisa Maria João Antunes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro/Março de 1994, pág. 121.

Verifica-se a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão.

Refere-se, por isso, à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito (e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova) e ocorre quando, nas palavras de Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, Editorial Verbo, 2000, pág. 340, “a matéria de facto se apresenta como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito” porque o Tribunal “deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deviam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão” - Ac. do STJ de 03/07/2002, Proc. nº 1748/02-5ª; a insuficiência “decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão”, ou seja, quando da decisão revidenda resulta que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição – Ac. do STJ de 18/03/2004, Proc. nº 03P3566, em www.dgsi.pt e Ac. do STJ de 21/06/2007, Proc. nº 07P2268.

Ou seja, a insuficiência para a decisão da matéria de facto, enquanto vício desta, com as consequências a que conduz – o reenvio do processo para novo julgamento quando não for possível decidir da causa, conforme consagra o nº 1, do artigo 426º, do CPP - não se identifica nem com a eventual insuficiência da prova produzida para se poder ter por assente a factualidade apurada pelo tribunal recorrido, nem com a dos factos provados para a decisão que está em causa, antes concerne à impossibilidade de permitir uma qualquer decisão segundo as várias soluções plausíveis para a questão. Se os factos provados permitem uma decisão, ainda que com orientação diferente da prosseguida, não estamos perante a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada mas, eventualmente, face a erro de julgamento e de subsunção dos factos provados ao direito.

Já o erro notório na apreciação da prova verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugado com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.

Também ocorrendo quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis.

Como bem se esclarece no Acórdão do STJ de 29/10/2015, Proc. nº 230/10.7JAAVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, o erro notório na apreciação da prova consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto, quando a conclusão lógica seria a contrária já por ofender princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, já por se ter violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova.

O requisito da notoriedade afere-se pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio. Ou, se partirmos de um critério menos restritivo, de acordo com o entendimento do Conselheiro José de Sousa Brito, na declaração de voto no Acórdão n.º 322/93, in www.tribunalconstitucional.pt, ao juiz “normal”, dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, desde que seja segura a verificação da sua existência, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, consistindo, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido - cfr. também Acs. do STJ de 18/11/2021, Proc. nº 2029/17.0GBABF.E2.S1 e 23/06/2022, Proc. nº 11/20.0GACLD.C1.S1, consultáveis em www.dgsi.pt.

Destarte, a discordância, face aos elementos de prova apreciados, entre aquilo que foi dado como provado e aquilo que o recorrente entende não ter resultado da prova produzida – ou que devia ter ficado provado – não se configura como erro notório na sua apreciação.

Ora, não suscita o recorrente questão alguma que resulte da insuficiência da matéria de facto provada ou erro notório na apreciação da prova, enquanto vícios da matéria de facto nos termos legalmente configurados e que densificados pela jurisprudência nacional se mostram, mas tão só, relativamente à sua actuação, exprime a divergência quanto à forma como foi apreciada pelos julgadores da 1ª instância a prova produzida em audiência, a convicção firmada e a subsunção efectuada dos factos ao direito, o que naqueles se não enquadra.

Com efeito, a factualidade que provada se mostra permite uma decisão segundo as várias soluções plausíveis para as questões em causa, mesmo eventualmente diversa da que foi encontrada pelo tribunal a quo.

Por outro lado, partindo do texto da decisão sob recurso não se vê que o tribunal recorrido tenha retirado de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, dado como provado algo que normalmente está errado, que não podia ter acontecido, ou, de todo o modo, que do mesmo texto, usando um processo racional e lógico, suposto no cidadão comum minimamente prevenido, se retire de um facto considerado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.

Face ao que, improcede o recurso neste segmento.

Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento/violação do estabelecido no artigo 355º, do CPP/violação do princípio in dubio pro reo

O recorrente discorda da matéria de facto dada como provada nos pontos 1 a 11, dos fundamentos de facto da decisão revidenda, fazendo apelo, entre o mais, às declarações do próprio e depoimento das testemunhas BB, CC e EE, prestados em audiência de julgamento.

Ora, quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto na modalidade ampla, as conclusões do recurso, por força do estabelecido no artigo 412º, nº 3, do CPP, têm de discriminar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

Segundo o nº 4 da mesma disposição legal, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º (cumprindo, actualmente, face à revogação deste nº 3 pela Lei nº 94/2021, de 21/12, que entrou em vigor em 22/03/2022, considerar a remissão como feita para o seu nº 1), devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa - nº 6.

Para dar cumprimento a estas exigências legais tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (específicas) que impõem decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na acta da audiência de julgamento se faz essa referência – o que se verifica no caso em apreço - o que não obsta a que, nesta eventualidade, o recorrente, querendo, também proceda à transcrição dessas passagens).

Analisando as conclusões e a motivação (corpo) de recurso, constata-se que se mostram cumpridas as exigências legais.

Assim se entendendo, importa analisar então a prova produzida com o objectivo de determinarmos se consente a convicção formada pelo tribunal recorrido, norteados pela ideia – força de que o tribunal de recurso não procura uma nova convicção, mas apurar se a convicção expressa pela 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e demais elementos probatórios podem exibir perante si (partindo das provas indicadas pelo recorrente que, na sua tese, impõem decisão diversa, mas não estando por estas limitado) sendo certo que apenas poderá censurar a decisão revidenda, alicerçada na livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se for manifesto que a solução por que optou, de entre as várias possíveis e plausíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum - artigo 127º, do CPP.

E, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção”, pois “doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”.

Cumpre ter em atenção também que os diversos elementos de prova não devem ser analisados separadamente, antes ser apreciados em correlação uns com os outros, de forma a discernir aqueles que se confortam e aqueles que se contradizem, possibilitando ou a remoção das dúvidas ou a constatação de que o peso destas é tal que não permite uma convicção segura acerca do modo como os factos se passaram.

Analisemos então a concreta factualidade que o arguido critica, considerando a óptica da censura que lhe faz e se tem ou não suporte na prova produzida.

O recorrente afirma inexistir prova suficiente de que tenha praticado os factos dados como assentes objecto de crítica, que refuta, pretendendo descredibilizar os depoimentos prestados pelas testemunhas BB e CC em audiência de julgamento, aduzindo que, quanto à segunda, existia uma situação de conflito entre ambos e, no que tange ao ofendido, para além do seu depoimento ser incoerente e impreciso, também está em contradição com o teor do prestado pela CC.

Mas, como se salienta, entre outros, no Acórdão R. do Porto, de 21/04/2004, Processo nº 0314013 e Acs. R. de Coimbra de 18/02/2009, Proc. nº 1019/05.0OGCVIS.C1, de 10/11/2010, Proc. nº 2354/08.1PBCBR.C2, e de 09/01/2012, Proc. nº 102/10.5 TAANS.C1, todos consultáveis em www.dgsi.pt, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum.

No caso sub judice, o tribunal recorrido elucida cabalmente as razões da valoração que fez, considerando como credíveis os depoimentos das testemunhas mencionadas e não credíveis as declarações negatórias do arguido, ainda que corroboradas pelo depoimento da testemunha EE, sendo que do texto da decisão não se retira essa inadmissibilidade.

E, tendo-se procedido à audição dos depoimentos das testemunhas BB e CC, na gravação disponibilizada pelo tribunal a quo, extrai-se que não são os mesmos inteiramente coincidentes.

Descreve a testemunha BB:

Só viu o arguido no dia em que ele me roubou.

Este senhor saltou a cerca de arame do quintal da CC para dentro e começou-me a roubar o fio de ouro amarelo que trazia ao pescoço e eu consegui fugir. Mas, ele foi atrás de si para a rua e alcançou-o no parque da Segurança Social, começaram a guerrear (andámos à luta os dois) e o fio partiu-se. O arguido fez-lhe uma gravata com força, pela retaguarda, começou-me a faltar o ar (depois caí no solo) e levou o fio, abandonando o local numa viatura onde estava outro indivíduo e depois fugiram. Também lhe agarrou o telemóvel, que tinha o ecrã partido, mas lançou-o para o chão, não o tendo levado.

Também me tinha roubado vinte paus, é verdade, mas isso já foi lá na casa da senhora. Na casa da miúda, lá no quintal ele roubou-me vinte paus. Já nem me lembrava disso, foi um bocadinho antes do fio. Isso foi logo o primeiro.

Lá altura, viu bem as feições do indivíduo que lhe tirou os bens, pois uma pessoa quando está com uma pessoa que lhe quer fazer mal grava logo tudo, não é, ao menos eu (…) Na altura não tinha barba e agora tem.

A CC na altura disse logo à Polícia o nome do indivíduo que assim actuara contra si, pois eles são conhecidos. Ela começou a mandar vir com ele quando saltou o muro do quintal. Põe-te já de aqui para fora e assim.

Mas, como é sabido, as descrições das ocorrências estão sujeitas necessariamente a um processo de selectividade e interpretação do percepcionado pelos sentidos, pois um relato descreve apenas algumas das várias facetas da realidade de uma coisa, evento ou fenómeno, quais sejam, aquelas a que o narrador prestou maior atenção ou considerou significativas.

“Às vezes, um depoimento sem lógica, contraditório, é considerado pouco fiel, porque se julga que a testemunha não se recorda bem, ou então insincero, ao passo que os testemunhos correntes dão uma impressão de fidelidade e veracidade, e pode ser o contrário, provindo o primeiro de uma dificuldade em se exprimir, ou de um fenómeno de timidez, ao passo que a naturalidade do segundo pode derivar de uma hábil preparação” - Enrico Altavilla, Psicologia Judiciária, volume IV, 1959, Arménio Amado Editor, pág. 8.

O depoimento de BB revela-se ser de um indivíduo com um discurso pouco elaborado, pouco letrado e manifesta imprecisões, é vero, sendo a memória reduzida em alguns segmentos, aliás pouco relevantes.

Mas, não patenteia, por isso, ser menos revelador da realidade que vivenciou, antes foi indubitavelmente genuíno.

Por seu turno, relata a testemunha CC:

Conheceu o arguido através de um primo seu, há coisa de dois anos atrás, não mais.

Tem conhecimento de uma situação ocorrida entre o arguido e BB. Foi no quintal de minha avó. Ia ter relações sexuais com este, já o conhece há três ou quatro anos. Ele ajuda-me. Somos amigos. Não nos encontramos só por isso, também por isso. E apareceu o AA na cerca do quintal da minha avó, saltou lá para dentro e os dois agarraram-se. Ele a dizer que eu era mulher dele, coisa que não é verdade e pronto. Sei que se engalfinharam ali e depois o senhor AA foi-se embora.

No momento não se apercebeu de o AA ter tirado algum objecto ao BB. Depois o Senhor BB disse que já não tinha o fio e levaram o telemóvel, mas isso eu não vi. Sei que eles estavam agarrados os dois. Não reparou se BB trazia algum fio. Os vizinhos chamaram a polícia.

Não sabe precisar se o BB lhe disse que lhe tinham tirado o fio e o telemóvel estando ainda no quintal ou se tal ocorreu depois de sair para a rua e regressado.

Assim que o senhor AA saiu depois ele (BB) saiu para fora. Não sabe se era para seguir no alcance do AA.

Ponderando o teor destes depoimentos, conjugando-os, não vemos razão alguma para divergir do entendimento do tribunal recorrido, tanto mais que tem o benefício da imediação e da oralidade, enquanto este Tribunal da Relação está limitado à prova documental e ao registo das declarações e depoimentos.

Como se elucida no Ac. R. de Coimbra de 02/06/2009, Proc. nº 9/05.8TAAND.C1, que pode ser lido no referenciado sítio, “a imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.”

Dai que, continua o aresto, seja “essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.”

No caso sub judice, como já se disse, o tribunal recorrido revela claramente as razões da valoração que fez e não se vislumbra esta inadmissibilidade, pois o juízo de credibilidade e não credibilidade, respectivamente, efectuado não conflitua, de modo algum, com a boa lógica e a experiência comum.

Diz o recorrente também que ocorreu violação do estabelecido no artigo 355º, do CPP, reconduzindo-a ter o tribunal recorrido dado “como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento.”

Mas, o que se conclui é que apenas discorda o recorrente da valoração que foi feita dos depoimentos de BB e CC, que contribuíram para a formação da convicção dos julgadores quando à demonstração dos factos que provados se encontram e contra os quais se insurge, o que não integra essa obliteração.

Resulta ainda que o recorrente entende ter sido violado o princípio in dubio pro reo.

Ora, a violação deste princípio, corolário do da presunção de inocência constitucionalmente tutelado, pressupõe “um estado de dúvida insanável no espírito do julgador”, só podendo concluir-se pela sua verificação quando do texto da decisão recorrida decorrer, por forma evidente, que o tribunal encontrando-se nesse estado, optou por decidir contra o arguido (fixando como provados factos dubitativos ao mesmo desfavoráveis ou assentando como não provados outros que lhe são favoráveis) ou, quando embora se não vislumbre que o tribunal tenha manifestado ou sentido dúvidas, da análise e apreciação objectiva da prova produzida, à luz das regras da experiência e das regras e princípios válidos em matéria de direito probatório, resulta que as deveria ter – cfr. Ac. do STJ de 27/05/2009, Proc. nº 05P0145 e Ac. R. de Évora de 30/01/2007, Proc. nº 2457/06-1, ambos em www.dgsi.pt.

Percorrendo a decisão revidenda, não resulta da mesma que o tribunal a quo tenha ficado num estado de dúvida – dúvida razoável, objectiva e motivável – e que, a partir desse estado, tenha procedido à fixação dos factos provados desfavoráveis ao arguido e nem a essa conclusão (dubitativa) se chega da análise desse mesmo texto à luz das regras da experiência comum ou fazendo apelo à prova que gravada se mostra.

Não se encontrando o tribunal a quo nesse estado de dúvida e nada nos permitindo concluir que o devesse estar, não se manifesta violado o princípio in dubio pro reo.

Para que se proceda à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelo recorrente teria este que demonstrar que a convicção obtida pelo tribunal a quo constitui uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação das aludidas regras, uma manifestamente errada utilização de presunções naturais, não bastando que apresente uma argumentação no sentido de que outra convicção era possível.

Tal demonstração de que as provas que aponta conduzem inequivocamente a uma convicção diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, não a fez, pelo que não merece acolhimento a sua pretensão de alteração da matéria de facto.

Termos em que, cumpre concluir que da análise efectuada resulta que a factualidade considerada provada objecto de impugnação se apresenta sustentada por prova suficiente, adequada e legalmente permitida, não se registando obliteração das regras da experiência comum, sem margem para dúvidas razoáveis, não havendo, por isso, fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto, não podendo proceder a pretensão do recorrente de impor a sua convicção pessoal face à prova produzida em audiência em detrimento da do julgador, pois a decisão sobre esta está devidamente fundamentada, tendo sido proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção – artigo 127º, do CPP.

Assim, carecendo de razão o recorrente no que tange à alteração da matéria de facto, tem de se considerar esta definitivamente fixada nos termos mencionados, improcedendo o recurso nesta parte.

Enquadramento jurídico-penal da conduta do recorrente

O arguido censura a sua condenação com alicerce na impugnação da matéria de facto que pretendia fazer valer.

Esse seu desiderato, como vimos, não foi alcançado.

E, tendo em consideração os factos que provados se encontram, mostram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos típicos do crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, por que foi condenado.

Dosimetria da pena aplicada

Inconformado se encontra também com a pena de 3 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada.

Ao crime de roubo praticado corresponde pena de prisão de 1 a 8 anos.

Nos termos do artigo 71º, do Código Penal, para a determinação da medida da pena tem de se atender à culpa do agente, às exigências de prevenção e bem assim às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele.

De acordo com estes princípios, o limite superior da pena é o da culpa do agente. O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.

A pena tem de corresponder às expectativas da comunidade.

Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial de socialização. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade – cfr. Ac. do STJ de 23/10/1996, in BMJ, 460, 407 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, págs. 227 e segs.

Ou, dito de outra forma, opera através da “neutralização-afastamento” do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, como intimidação do autor do crime para que não reincida e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa - Claus Roxin, Derecho Penal-Parte Especial, I, Madrid, Civitas, 1997, pág. 86.

Da conjugação das duas mencionadas normas resulta que a pena concreta, numa primeira fase, é encontrada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.

Assim, daquela primeira aproximação decorrem duas regras basilares: a primeira, explícita, consiste em que a culpa é o fundamento para a concretização da pena, devendo esta proteger eficazmente os bens jurídicos violados; a segunda, que está implícita, é que se impõe ter em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido no seio da comunidade e da necessidade desta dele se defender, mantendo a confiança na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.

Percorrendo o acórdão recorrido, verifica-se que o tribunal de 1ª instância atendeu para a determinação da pena concreta (mondadas as referências legais e doutrinárias):

- a ilicitude dos factos é elevada, considerando o grau de violência, valor dos bens de que o arguido se apropriou e terem os factos sido praticados à noite;

- quanto à atuação necessariamente dolosa do arguido, foi-o na forma mais intensa: dolo direto;

- quanto às exigências de prevenção geral, são elevadas, pela frequência com que o crime de roubo é cometido na comarca e pelo alarme social que provoca, face ao sentimento de insegurança gerado na população em geral;

- as de prevenção especial também são muito elevadas, face aos antecedentes criminais do arguido, que já possuía várias condenações pela prática de crimes de variada natureza, mas em que se incluem crimes com violência ou ameaça sobre as pessoas (ameaça e ofensa à integridade física e roubo) e contra o património (dano, furto e roubo), sendo que à data já havia cumprido penas de prisão pela prática desses crimes e se encontrava em incumprimento (fuga) da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com VE no âmbito de processo em que veio também a ser condenado pela prática, além de outros, de crime de roubo, tendo não só violado a medida, como estando no âmbito dessa violação cometido novo crime de roubo. O arguido foi também condenado, após a prática dos factos objeto destes autos, pelos crimes de violência doméstica, extorsão e ameaça.

- ainda a considerar o percurso de vida do arguido, que igualmente não abona a seu favor, já que após a sua emigração para a …, pautado pelo consumo de estupefacientes e em reclusão por vários registos disciplinares, embora no EPR tenha abandonado os consumos.

Face ao que supra ficou transcrito, é patente que a decisão revidenda levou em linha de conta e de forma correcta os factores relevantes para a determinação da pena, nos termos estabelecidos no artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

Mas, afirma o recorrente que contribuiu para a descoberta da verdade, o que militaria em seu benefício.

Não vemos como. Pois, na verdade, negou em absoluto a prática dos factos imputados. E, não podendo ser prejudicado por ter tomado esta posição face aos mesmos, certo é que, tendo sido eles comprovados, não milita a seu favor.

Não revelou o arguido interiorização do desvalor da conduta delituosa.

Importa ainda realçar, quanto às exigências de prevenção especial, que o recorrente sofreu já, entre 16/04/2012 e 13/10/2020, dez condenações, pela prática, entre outros, de sete crimes de roubo, dois de sequestro e dois de violência depois da subtracção, pelo que são significativas.

As necessidades de prevenção geral são também muito intensas, cumprindo atender, à frequência com que são praticados crimes com recurso à violência, que criam nos membros da comunidade forte sentimento de insegurança, potenciando a perda de confiança dos cidadãos no próprio Estado como principal regulador da paz social, impondo-se, por isso, o reforço da validade da norma violada aos olhos da comunidade.

Daí que, efectuado juízo de ponderação sobre a culpa, como medida superior da pena e considerando as exigências de prevenção e as demais circunstâncias previstas no artigo 71º, do Código Penal, não se mostra que a pena encontrada se mostre desadequada, por exceder a medida da respectiva culpa.

Arbitramento de reparação à vítima pelos prejuízos causados

Considera o recorrente que foi indevidamente condenado apagar a BB a quantia de 2.270,00 euros, porquanto o ofendido não requereu ser ressarcido, nem deduziu pedido de indemnização civil, tendo-se violado o estabelecido nos artigos 71º e 77º e segs. do CPP.

A propósito, diz na decisão revidenda:

A Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que aprovou o Estatuto da Vítima, atribui no seu art.º 16º o direito à indemnização por parte da vítima, estabelecendo que:

1 – “À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.

2-“Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”.

Já o art.º 67º-A, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, aditado ao Código de Processo Penal pela supra referida Lei n.º130/2015, dispõe que considera-se vítima especialmente vulnerável aquela cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social, sendo que, nos termos do número 3 deste normativo “as vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.”

Ora, atendendo à definição de criminalidade violenta e especialmente violenta previstas nas alíneas j) e l) do art.º 1º do Código de Processo Penal, resulta que as vítimas de crime de roubo ou de violência após a subtracção, na sua forma ou simples ou qualificada, são consideradas, ope legis, como vítimas especialmente vulneráveis.

Assim, há lugar à reparação prevista no art.º 82º-A do Código de Processo Penal que dispõe:

1- Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.

2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório. (…)

Nos presentes autos BB assume a qualidade de vítima especialmente vulnerável em relação aos factos que sobre si foram praticados pelo arguido.

E não deduziu pedido de indemnização civil, tendo sido exercido o contraditório, tendo o arguido sido notificado para tal logo no despacho que recebeu a acusação e designou data para a audiência de julgamento, sendo que o ofendido não se opôs a que lhe fosse arbitrada reparação.

Impõe-se, assim, aferir se se justifica a fixação de reparação oficiosa a cargo do arguido.

A reparação ora em análise consiste em uma forma de indemnização e por isso tem que se subordinar ao domínio da responsabilidade civil por factos ilícitos, de cujos requisitos depende (art. 498º do CC e 129º do CP).

Verificada que se mostra, porém, a responsabilidade penal do arguido, mostra-se já constatada a prática de facto ilícito e culposo, sendo certo que a ilicitude civil se revela desde logo pela violação de direitos absolutos da vítima, desde logo a integridade física (ao terem sido efetuados vários puxões da mala que trazia no braço, daí resultando hematoma).

Além disso, considerando os critérios do art. 494º do Código Civil, ex vi do art. 496º, nº 3 do mesmo diploma legal, há a considerar que a situação patrimonial do responsável é precária, já que se encontra preso; a sua culpa, por seu lado, é elevada; as condições económicas da vítima não são conhecidas, mas a sua aplicabilidade também tem sido afastada pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores por poder violar o princípio da igualdade.

Vejamos agora quanto aos concretos danos, além do já referido quanto aos bens jurídicos violados.

Há a considerar o valor dos objetos subtraídos, num total de € 1520, que os factos ocorreram de noite, a dificultar a defesa, o facto de ter ficado na ocasião com falta de ar, com dores cerca de uma semana e uma marca no pescoço cerca de um mês. Entende-se que face a tal e por recurso a critérios de equidade se deve fixar em € 750, acrescido do valor dos objetos (num total de € 1520) ou seja, o total de € 2.270 o valor da reparação.

A perda de vantagens supra determinada não prejudica os direitos do ofendido a esta reparação (art. 110º, nº 6 do Código Penal).

Quanto aos juros na reparação oficiosa, eles apenas podem ser devidos a partir da data desta decisão, porquanto a reparação corresponde a um valor atualizado dos danos e, por outro, por tal ser imposto pela natureza oficiosa da reparação imposta pelo regime do art. 805º, nº 3 do Código Civil.

Pois bem.

Estabelece-se no artigo 16º, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04/09, que “à vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável” – nº 1; sendo que “há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser” – nº 2.

E, de acordo com o artigo 67º-A, do CPP, na parte a ter em conta:

“1 - Considera-se:

a) 'Vítima':

i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, directamente causado por acção ou omissão, no âmbito da prática de um crime;

(…)

b) 'Vítima especialmente vulnerável', a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;

(…)

3 - As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 (…)”.

Já o artigo 82º-A, do mesmo Código, consagra:

“1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.

2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”

Da leitura conjugada dos artigos transcritos resulta a imposição (excepto no caso em que a vítima expressamente se opuser) ao tribunal de fixar, em relação a vítimas especialmente vulneráveis, reparação pelos danos sofridos, a suportar pelo agente do crime, sendo certo que, o crime de roubo se integra no conceito de “criminalidade violenta” e mesmo no de “criminalidade especialmente violenta”, que nos são dadas pelo artigo 1º, alíneas j) e l), do CPP, pois os bens jurídicos tutelado pela incriminação são, não só a propriedade, mas também a vida, a integridade física e a liberdade de decisão e acção – cfr. Paulo Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª edição actualizada, UCE, 210, pág. 210 e, na jurisprudência nacional, por todos, o Ac. do STJ de 01/04/2020, Proc. nº 643/18.6PTLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.

No caso em apreço, não foi pelo ofendido BB deduzido pedido de indemnização civil no processo penal, nem, tanto quanto se sabe, em separado e também não se opôs expressamente a que lhe fosse arbitrada quantia reparadora, tendo sido o arguido notificado para o exercício do contraditório (notificação determinada no despacho que recebeu a acusação e designou data para a audiência de julgamento e efectuada aos 09/02/2022).

Assim sendo, haveria que fixar uma quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos.

Não há, porém, que fazer apelo para a respectiva determinação às normas que respeitam à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, visto que a sua atribuição não é regulada pela lei civil, mas de acordo com o disposto nos artigos 16º, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04/09, 67º-A e 82º-A, do CPP, sendo que estes se não reportam a uma verdadeira indemnização, mas à reparação dos prejuízos – uma vez que a quantia é tida em conta em acção que venha a conhecer o pedido civil de indemnização, de acordo com o nº 3, deste artigo - figuras jurídicas não exactamente coincidentes, pelo que somos levados a concluir que, também neste caso, o que o legislador pretendeu foi a fixação de reparação, ainda que tenha utilizado de forma lata o termo “indemnização”, o que conduz a que seja calculada de acordo com a equidade – cfr. Acs. do STJ de 06/10/2011, Proc. nº 88/09.9PESNT.L1.S1 e 27/11/2019, Proc. nº 1257/18.6SFLSB.L1.S1, consultáveis em www.dgsi.pt.

Assim sendo, tendo em conta o valor do dano patrimonial sofrido, que a vítima ficou com marcas na pele, na zona do pescoço, durante cerca de um mês, teve dores durante cerca de uma semana e “como consequência do apertar do pescoço e enquanto o mesmo perdurou dificuldade em respirar”, bem como a situação económica do arguido, considera-se isento de crítica o montante da reparação fixada.

Termos em que, cumpre negar provimento ao recurso nesta parte e, por conseguinte, na totalidade.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC.

Évora, 28 de Fevereiro de 2023

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário).

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(Artur Vargues)

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(Nuno Garcia)

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(António Condesso)