Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1236/20.3T8PTG.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: INABILIDADE PARA DEPOR
PROVA PERICIAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
OPÇÃO PELA INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Sumário pelo relator:
1. Tendo o tribunal solicitado relatório médico sobre a aptidão mental de certa testemunha para prestar depoimento, caso este declare a inaptidão por ela sofrer de diversas patologias neurológicas e encontrar-se em estado de demência vascular, pode o juiz apreciar livremente essa prova pericial, mas, caso pretenda divergir, deverá exercer essa faculdade de forma especialmente prudente e fundamentar os motivos do seu desacordo.
2. Não existindo qualquer despacho justificando a divergência quanto ao juízo pericial de inaptidão mental da testemunha para prestar declarações, não pode o tribunal insistir nessa inquirição.
3. E muito menos pode recorrer ao mecanismo da prestação de depoimento escrito, nos termos do art. 518.º do Código de Processo Civil, por o problema não ser a mera “impossibilidade ou grave dificuldade de comparência no tribunal”, mas antes a própria inaptidão mental para prestar depoimento.
4. Concluindo-se pela ilicitude do despedimento por não comprovação do motivo justificativo, o valor da indemnização substitutiva da retribuição deverá situar-se em 30 dias da retribuição base e diuturnidades, se igualmente estiver apurado que esses valores se situam muito abaixo da remuneração base média, apesar da trabalhadora ter já mais de 19 anos de antiguidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Portalegre, A… impugnou o despedimento na sequência de procedimento disciplinar movido pela empregadora Comissão de Melhoramentos do Concelho de Sousel.
Realizada a audiência prévia, sem conciliação das partes, a empregadora apresentou articulado motivador do despedimento, o qual mereceu a contestação da trabalhadora, concluindo pela ilicitude daquela decisão e pedindo o pagamento de indemnização de antiguidade correspondente a 40 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de trabalho, tendo em consideração “o elevado grau de ilicitude do despedimento”, bem como as retribuições de tramitação devidas desde o despedimento e ainda € 1.698,11 por outros créditos salariais.
Na audiência de julgamento foi celebrada conciliação parcial, restrita aos outros créditos salariais peticionados, relativamente aos quais a trabalhadora reduziu o seu pedido à quantia de € 644,60, que a empregadora aceitou pagar.
Prosseguindo a causa para conhecimento dos pedidos associados à ilicitude do despedimento, realizou-se julgamento, após o qual foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente e declarando regular e lícito o despedimento.

Introduzindo a instância recursiva, a trabalhadora conclui:
1. A Recorrente considera incorrectamente julgados os pontos 24 e 25 dos factos provados.
2. O Tribunal a quo considerou estes factos como provados, a Recorrente entende que a resposta a dar deveria ser não provado.
3. Os meios de prova que impõem decisão diversa da tomada pelo Senhor Juiz da causa são: o depoimento de (…) – quanto ao ponto 24 e 25 minutos 03:55, 10:40; 18:58; 29:38; 46:09 e novamente chamada à sala minuto 01:36; o depoimento de (…) – quanto ao ponto 24 e 25 minutos 04:17; 07:03; 10:30; 21:00; 23:50; 26:17; 28:17; 30:54 e novamente chamada à sala minutos 01:05 e 03:50; o depoimento de (…) - quanto ao ponto 24 e 25 minutos 01:55; 06:25 e 10:19 e o depoimento escrito de (…).
4. O Tribunal deu como provado que “24 – Nessa altura, a arguida agarrou-o pela orelha, levando-o para o seu lugar à mesa. 25 – Após ter sido sentado à mesa, o referido utente tentou levantar-se, no que foi impedido pela arguida, que o empurrou para o assento, dando-lhe uma palmada na nuca.”
5. Da análise dos depoimentos prestados pelas duas testemunhas que afirmam terem assistido integralmente ao desenrolar da situação ((…) e (…)) não pode resultar que a Recorrente, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, tenha puxado a orelha do utente e dado uma palmada na nuca para ele se sentar.
6. Uma vez que, as duas testemunhas têm versões dos factos completamente dispares no que respeita a: localização das testemunhas, localização do utente e da Recorrente, acção da Recorrente sobre o utente, presença de outras colegas no mesmo espaço, reacções do utente após o sucedido.
7. Contudo, pese embora os depoimentos das testemunhas (…) e (…) se apresentem titubeantes, contraditórios em muitos aspectos, lacunosos e pouco espontâneos, conforme pode ser verificado das passagens supra transcritas, diz a sentença recorrida que “Tais testemunhas, que prestaram depoimentos espontâneos, pormenorizados, esclarecidos, e que, a nosso ver, se revelaram absolutamente isentos e credíveis (…)”.
8. A verdade é que, sobre os factos que são imputados à trabalhadora como fundamentais para o seu despedimento foi apenas produzida prova testemunhal, sendo que os seus depoimentos apresentaram contradições relevantes. Isto é, sobre o essencial não foi produzida prova escorreita, inequívoca e clara que quanto a nós pudesse convencer o Tribunal.
9. Caso tivesse sido feita uma análise da prova de maneira isenta, distanciada, segundo as regras gerais da experiência comum e da lógica, essa factualidade teria necessariamente que ser dada como não provada.
10. Pois, a ser verdade que a Autora tivesse agredido um utente deficiente, atenta a gravidade do facto (como sublinha, aliás, a decisão recorrida), nada justifica que, volvido apenas um ano da alegada prática dos factos, uma testemunha diga que a agressão consistiu em agarrar a orelha para levar o utente para o lugar a uma distância de 3 a 4 metros, mais uma palmada na nuca; outra testemunha diga que a agressão consistiu em agarrar o utente pela orelha para o sentar na cadeira que estava ali, porque se encontravam junto à mesa; e a última testemunha diga que a agressão consistiu em “amochar as mãos os (…) às orelhas” ou “pegou nas orelhas do (…) com as duas mãos”.
11. Não se compreende como podem tamanhas contradições ser consideradas como não relevantes. Repare-se, não estamos a falar na localização, nem de posicionamento dos intervenientes, nem no número de bofetadas; estamos a falar em três tipos de agressão completamente diferentes que segundo as três testemunhas terão decorrido nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, não se tratando de uma acção contínua em que cada uma das testemunhas visualizou apenas uma parte da acção, mas de uma única acção da Autora sobre o utente.
12. Perante a prova produzida fica-se sem saber se a Autora agrediu ou não o utente, e mais ainda, como decorreu essa agressão e em que consistiu.
13. Sendo certo que, consistindo esses factos nos fundamentos da decisão de despedimento o ónus da prova quanto aos mesmos cabia à Ré entidade empregadora (artigo 387.º, n.º 3 e 4 do Código do Trabalho).
14. Logo, os pontos 24 e 25 dos factos provados deveriam ter sido julgados como NÃO PROVADOS.
15. Quanto à decisão da matéria de Direito, atendendo à factualidade que considerou provada – quanto a nós erradamente – a sentença recorrida considerou que a Autora violou o disposto no artigo 128.º, n.º 1, alíneas a), c) e e) do Código do Trabalho e que essa violação, pela sua gravidade e consequências, se circunscreve nas alíneas a) e d) do n.º 2, do artigo 351.º do CT, encontrando-se também verificada a previsão do n.º 1 e n.º 3 do mesmo artigo. Contudo, na decisão de despedimento a entidade empregadora apenas considera violado o dever contido na alínea c), do n.º 1, do artigo 128.º do Código do Trabalho.
16. Certo é que não consta da matéria de facto provada quando, quais e em que circunstâncias a Ré deu ordens, instruções, orientações ou directrizes que a Autora não tenha cumprido no exercício das suas funções de “Ajudante de Lar” ou “Ajudante de Acção Directa”, que pudessem integrar a violação do dever de obediência laboral.
17. E o mesmo se diga – falta de factos provados – em relação a eventuais comportamentos da Autora que pudessem ser integrados nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 351.º do CT, considerando os conceitos jurídicos que infra se expõe.
18. E, para efeitos de aferição da justa causa de despedimento, começa, logo, a decisão sub judice por afirmar que “este comportamento não é admissível e que a Ré, enquanto entidade empregadora, não lhe podia ficar indiferente do ponto de vista disciplinar, não subsistindo condições para que a trabalhadora continue ao serviço, uma vez que a sua presença seria factor de perturbação internamente, nos serviços, na relação com os seus superiores hierárquicos e sobretudo com os utentes.”(sublinhado nosso)
19. Sucede que, não ficou provado no processo, nem sequer foi alegado pela Ré que a manutenção da trabalhadora era causa de qualquer perturbação nos serviços, na relação com os superiores hierárquicos e com os utentes.
20. Esta afirmação nem sequer foi concretizada pela Meritíssima Juiz a quo, em termos de saber a que perturbação em concreto se refere, ou sequer fundamentada a razão de ser de tal afirmação, pois nenhum dos superiores hierárquicos afirmou não conseguir voltar a trabalhar com a Autora, nem nenhum utente ou familiar de utente algumas vez afirmou não ter confiança no trabalho da Autora ou manifestou qualquer reserva quanto a permanência da mesma ao serviço na instituição.
21. De igual modo, nem tampouco foi ponderada ou alegada pela entidade empregadora a aplicação de outra sanção menos gravosa que permitisse preservar o vínculo laboral, mesmo com a alteração de local de trabalho ou mudança de funções.
22. O que significa, salvo melhor opinião, não ter sido demonstrada qualquer situação de impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho.
23. Para aplicação da sanção disciplinar mais gravosa torna-se necessário estabelecer o necessário nexo causal entre a prática da infracção disciplinar, tal como configurada pelo empregador, o respectivo grau de culpa do trabalhador e a impossibilidade da manutenção da relação laboral.
24. Logo, para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é necessário que seja grave em si mesmo e nas suas consequências, devendo tanto a gravidade como a culpa ser apreciadas em termos objectivos e concretos, de acordo com o entendimento de um empregador normal, em face do caso concreto e segundo critérios de objectividade e razoabilidade.
25. Acresce que, este episódio foi acto isolado nos 18 anos que prestou serviços no Lar, não sendo conhecidas queixas dos utentes ou das colegas da arguida da arguida no que diz respeito ao seu desempenho profissional ou relativamente ao seu trato para com os utentes (ponto 28 dos factos provados).
26. É Atento todo o circunstancialismo supra descrito – antiguidade, inexistência de passado disciplinar, atribuição de funções para as quais não foi contratada e não recebeu formação, inexistência de quaisquer consequências directas da conduta da trabalhadora – que leva a concluir por uma diminuição da culpa da trabalhadora e da própria gravidade da infracção – agarrar a orelha a um utente adulto que se comporta como uma criança - , que não permite concluir que seja adequada e proporcional a aplicação à Autora da mais gravosa sanção disciplinar prevista do direito laboral português, a extinção do vínculo laboral.
27. Tudo visto e ponderado, torna-se clara a violação do princípio da proporcionalidade previsto no n.º 1 do artigo 330.º do Código do Trabalho, e nessa medida se conclui pela ilicitude do despedimento da Autora.
28. E, por conseguinte, violou o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa que garante aos trabalhadores a segurança no emprego, proibindo os despedimentos sem justa causa. Consequentemente, forçoso será concluir pela inexistência de justa causa de despedimento e consequente ilicitude do despedimento do Autora, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 381.º do Código do Trabalho.
29. Ao decidir como decidiu, a decisão recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 128.º, 330.º e 351.º do Código do Trabalho e o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência ser revogada a decisão recorrida, sendo:
i) declarada a ilicitude do despedimento da Autora e, consequentemente;
ii) a Recorrida condenada a pagar à Recorrente uma indemnização correspondente a 40 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, decorrido desde a data do início do contrato até o trânsito em julgado da decisão judicial;
iii) a Recorrida condenada a pagar à Recorrente as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao transito em julgado da decisão, sem prejuízo do disposto nos artigos 98.º-N, n.º 1 a 3 do Código de Processo do Trabalho, deduzidas as importâncias referidas no artigo 390.º, n.º 2 do Código do Trabalho;
iv) Tudo acrescido dos respectivos juros à taxa legal em vigor, até integral pagamento.

A resposta sustenta a manutenção do decidido.
Já nesta Relação, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu parecer.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto:
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º n.º 5 do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].
Por outro lado, o art. 662.º do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
Deste modo, na reapreciação da matéria de facto o Tribunal da Relação deve lançar mão de todos os meios probatórios à sua disposição e usar de presunções judiciais para obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, não incorrendo em excesso de pronúncia se, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retirar dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso[2].
Ponderando que se mostram reunidos os pressupostos exigidos pelo art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil para a apreciação da impugnação fáctica, nada obsta à sua apreciação.
Preliminarmente, consigna-se que se procedeu à audição da prova gravada.
Nos pontos 24 e 25 do elenco fáctico, depois de referir que, durante a sobremesa do jantar do dia 26.06.2020, o utente (…) levantou-se da mesa e dirigiu-se ao caixote do lixo, a decisão recorrida declara provada a seguinte factualidade:
“24 – Nessa altura, a arguida agarrou-o pela orelha, levando-o para o seu lugar à mesa.
25 – Após ter sido sentado na mesa, o referido utente tentou levantar-se, no que foi impedido pela arguida, que o empurrou para o assento, dando-lhe uma palmada na nuca.”
A sentença recorrida afirma que estes factos foram apurados “com base na conjugação dos depoimentos das testemunhas que os presenciaram – (…), (…) e (…) e da testemunha a quem os mesmos foram relatados telefonicamente imediatamente após a respectiva ocorrência, (…).”
Apesar da sentença recorrida reconhecer contradições entre os depoimentos destas testemunhas, considerou tais contradições não essenciais e declarou provada esta matéria.
No entanto, vários pormenores essenciais prejudicam o juízo de certeza declarado na sentença recorrida.
Comecemos pela palmada na nuca, que a sentença recorrida declara ter sido atestada pela testemunha (…) – e, ouvindo as gravações, é certo que mais ninguém relata semelhante facto.
Ora, mesmo a testemunha (…) reconhece que o gesto por si observado não contém a intensidade e a força normalmente associadas a uma palmada. Expressamente interrogada acerca da intensidade e intenção do gesto praticado pela trabalhadora para impedir o (…) de se levantar da mesa (entre 18m58s e 19m54s do seu depoimento), nomeadamente se lhe deu no pescoço para bater, a resposta foi: “Não”; perguntada se a trabalhadora colocou a mão para ele se acalmar e se sentar, a resposta foi: “Foi para ele estar sossegado ali, não vou estar a inventar nem a aumentar…”; perguntada se era com o intuito repreensivo de lhe dar uma palmada, respondeu: “Não foi bater”; perguntada sobre o que exactamente viu, respondeu: “O (…) sentou-se e a A... disse, deixa-te estar sossegado”; perguntada se foi com as pontas dos dedos, semelhante a um gesto que a testemunha exemplificava em audiência, a testemunha respondeu: “Uma coisa assim, sei lá, nada de…”.
Sendo este o único depoimento que descreve um gesto praticado pela trabalhadora para impedir o utente (…) de se levantar da mesa, a sentença recorrida não justifica como o interpreta como “uma palmada na nuca”. A palmada consiste normalmente numa pancada desferida com a palma da mão, com força e intenção de magoar. Mas estas circunstâncias são expressamente negadas pela testemunha (…), afirmando que o gesto “não foi bater”, mas algo semelhante a um toque com a ponta dos dedos para o utente ficar sentado e sossegado.
Também quanto ao gesto descrito pelas testemunhas (…) e (…), da trabalhadora ter conduzido o (…) à mesa puxando-o por uma orelha, as contradições detectadas são relevantes e prejudicam a credibilidade dos seus depoimentos.
A começar pelo lugar onde se encontravam quando ouviram a utente (…) gritar “bater não, bater não” e se dirigiram para dentro do refeitório: a (…) garantiu que estava lá fora, no pátio, junto à porta do refeitório, a fumar um cigarro juntamente com a (…), mas esta garantiu que não foi assim, ainda estava na cozinha. Sobre o local onde estava o (…) quando a trabalhadora o agarrou pela orelha, a (…) disse que o viu ao pé do balde do lixo, a uns três ou quatro metros da mesa e foi daí conduzido pela orelha para a mesa, mas a (…) disse que apenas os viu junto à mesa onde o (…) andava às voltas. Quanto à presença da trabalhadora (…) quando estes factos ocorreram, a (…) garantiu que estava no refeitório junto aos tabuleiros, a (…) disse que não se lembrava e a (…) negou tal facto de modo enfático, dizendo que já tinha saído com o carrinho para dar de comer aos utentes acamados (acrescentando, inclusive, que a A... ficou no refeitório a dar insulina ao utente (…)).
Outros pormenores prejudicam a formulação de um juízo de certeza acerca desta matéria. São eles: a desvalorização dos factos pela encarregada (…) (que também tem a mãe internada no Lar, a utente (…)), que estava a jantar num restaurante quando recebeu um telefonema da (…) a referir que a A... teria batido no (…) e que a sua mãe estava muito agitada, recomendando apenas que a sua mãe fosse acalmada e não adoptando qualquer outro procedimento; a falta de comunicação destes factos às demais trabalhadoras que estavam a realizar o turno, nomeadamente à (…), que só soube no dia 18 de Julho que a A... era acusada de puxar a orelha e bater no (…) ; e o facto do (…) ter sido visto no próprio dia, pela testemunha (…), a caminho do seu quarto depois de jantar, não aparentando qualquer agitação, como a que sucederia se lhe tivessem puxado pela orelha e desferido uma palmada na nuca.
Quanto aos utentes que estavam no refeitório no momento dos factos, foi ouvida em audiência a testemunha (…) e inquirida por escrito a testemunha (…) (invocando-se a sua impossibilidade de comparência em audiência).
Sobre esta última, o tribunal recorrido teve a preocupação de solicitar um parecer médico acerca da sua capacidade mental e física para prestar depoimento e o respectivo relatório, junto em 16.06.2021, é muito claro: a utente (…), apesar dos seus 72 anos, sofre de diversas patologias neurológicas e encontra-se em estado de demência vascular, tendo sido declarada incapaz para prestar declarações. Este relatório médico não foi impugnado pelas partes, pelo que haveria a concluir-se que a (…) não dispunha da necessária aptidão mental para depor sobre os factos que constituíam objecto da prova, exigida pelo art. 495.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Manuel de Andrade[3] ensinou que a prova pericial “traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legítima susceptibilidade) das pessoas em quem se verificam tais factos; ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca doutros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas.”
Podendo o juiz apreciar livremente a prova pericial – arts. 389.º do Código Civil e 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil – caso pretenda divergir do laudo pericial deverá exercer essa faculdade de forma especialmente prudente, fundamentando os motivos do seu desacordo, tanto mais que estão em causa factos que implicam conhecimentos especiais que os julgadores não possuem. Daí que se deva exigir, em caso de divergência com o laudo pericial, um acrescido dever de fundamentação.[4]
Porém, não existe qualquer despacho nos autos justificando a divergência quanto ao juízo pericial de inaptidão da (…) para prestar declarações.
Apesar disto, o tribunal recorrido insistiu na inquirição desta testemunha, e de forma não presencial, através de depoimento escrito, nos termos do art. 518.º do Código de Processo Civil, apesar do problema não ser a mera “impossibilidade ou grave dificuldade de comparência no tribunal”, mas antes a própria inaptidão mental para prestar depoimento. E o resultado, que se observa no manuscrito apresentado em 06.07.2021, também não permite concluir pela aptidão mental da testemunha (…), desvalorizando o parecer pericial que concluiu pela inaptidão. O discurso ali contido é confuso e deixa sérias dúvidas acerca da coerência e juízo esclarecido do depoimento prestado, para além que não se alcança como é que o necessário contraditório de ambas as Ilustres Mandatárias poderia ser devidamente realizado face às limitações da testemunha.
Enfim, ao contrário do que decidiu a sentença recorrida, o depoimento da testemunha (…) não deve ser valorizado.
Finalmente, quanto ao depoimento da testemunha (…), apesar dos seus 94 anos de idade, o relatório pericial concluiu pela sua aptidão mental para prestar depoimento, pois está lúcida, orientada no tempo e no espaço e a sua linguagem é coerente e colaborativa ao interrogatório. Ouvindo a gravação do seu depoimento, podemos confirmar a sua aptidão mental para depor, pois aparenta lucidez, detém memória e possui um discurso coerente e argumentativo, notável na sua idade.
E quanto aos factos, a (…) foi bem clara: nada se passou e jamais a A... faria algum mal ao (…) , pois ela gosta dele e até o conhecia desde a sua juventude. Ademais, a A... sempre foi atenciosa e meiga com os utentes, pelo que seria absolutamente anormal que arrastasse um utente pela orelha e assim o levasse desde o caixote de lixo até à mesa.
Concluindo, também quanto à alegação do (…) ter sido agarrado pela orelha e assim arrastado até à mesa, não foi produzida prova suficientemente segura, coerente e esclarecida que permita afirmar a sua realidade, pelo que também não poderia ser declarada esta matéria como provada.
Um último ponto.
Em vários passos do elenco fáctico (nos pontos n.ºs 14, 15, 17, 20, 21, 24, 25, 28, 30, 32 e 33), a sentença recorrida designa a trabalhadora A... como “arguida”.
Não é esse o seu estatuto processual nos autos, e do regime processual constante dos arts. 98.º-B e ss. do Código de Processo do Trabalho e 387.º n.º 2 do Código do Trabalho deve concluir-se que a trabalhadora é a parte demandante, por dar início à instância de oposição ao despedimento. Logo, sendo esse o seu estatuto processual, adequado se revela o tratamento de “Autora”, que a sentença também lhe atribui noutros pontos do elenco fáctico (nos n.ºs 3, 5, 11, 12, 13, 34 e 35).
Assim, concedendo provimento à impugnação fáctica, decide-se:
· quanto ao ponto 24 do elenco de factos provados, declarar provado apenas o seguinte: “Nessa altura, a Autora levou-o para o seu lugar à mesa”;
· quanto ao ponto 25 do mesmo elenco, declarar provado apenas o seguinte: “Após ter sido sentado na mesa, o referido utente tentou levantar-se, no que foi impedido pela Autora, que o empurrou para o assento”;
· substituir a designação “arguida” contida nos pontos 14, 15, 17, 20, 21, 28, 30, 32 e 33 por “Autora”.

Fica assim estabelecida a matéria de facto:
1. A Ré é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), que tem como fim estatutário, entre outros, o apoio aos cidadãos na velhice e invalidez ou em situação de incapacidade.
2. Para concretização da sua actividade, a Ré tem, entre outros, o Lar da Terceira Idade do Cano.
3. Por contrato de trabalho a termo certo celebrado em 20.12.2002 entre a Ré e a Autora foi esta admitida ao serviço daquela para desempenhar, no Lar de 3ª Idade do Cano, as funções inerentes à categoria profissional de Ajudante de Lar e Centro de Dia, funções que consistiam no acompanhamento diurno e nocturno dos utentes, dentro e fora dos serviços e estabelecimentos; em colaborar nas tarefas de alimentação dos utentes; em participar na ocupação dos tempos livres; em prestar cuidados de higiene e conforto aos utentes; em proceder à arrumação e distribuição das roupas e à recolha de roupas sujas e sua entrega na lavandaria.
4. Tal contrato converteu-se em contrato sem termo, por decorrência dos respectivos períodos de renovação e foi objecto de aditamento, em 20.07.2008, que alterou a remuneração e o horário de trabalho.
5. Ultimamente a Autora auferia um vencimento ilíquido no montante de € 646,00, acrescido de € 63,00 a título de diuturnidades, € 161,50 de subsídio de turno noite e € 4,77 de subsídio de refeição por cada dia de trabalho prestado.
6. A categoria profissional de ajudante de lar e centro de dia é actualmente designada de ajudante de acção directa.
7. Em 27.06.2020 a Directora Técnica do Lar de 3ª Idade do Cano, (…), participou à Direcção da Ré que no dia 26.06.2020, à hora do jantar (entre as 18h e as 19h), a trabalhadora A... teria pegado na orelha do utente (…) , tendo-lhe dando-lhe uma palmada na parte de trás do pescoço para que este voltasse para o seu lugar à mesa e terminasse a refeição.
8. Naquela sua participação a Directora Técnica indicava como testemunhas dos factos as trabalhadoras que se encontravam ao serviço com o mesmo horário da referida trabalhadora.
9. Na sequência da referida participação, em 30.06.2020, foi instaurado procedimento disciplinar a A....
10. O processo disciplinar foi iniciado em 13.07.2020 e, após inquirição das testemunhas referidas na participação, foi deduzida nota de culpa.
11. A Autora foi notificada da nota de culpa, tendo-lhe sido fixado o prazo de 10 dias úteis para, querendo, apresentar a respectiva defesa escrita, podendo juntar documentos, arrolar testemunhas ou requerer quaisquer diligências de prova que reputasse essenciais à sua defesa.
12. Foi ainda a Autora informada do local onde poderia consultar o processo disciplinar durante o prazo para a dedução da defesa.
13. Representada por advogada, a ora Autora deduziu a respectiva defesa, tendo requerido diligências de prova.
14. Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pela Autora, tendo sido juntos ao procedimento disciplinar diversos documentos.
15. No dia 26 de Junho de 2020 a Autora encontrava-se a trabalhar no Lar de 3ª Idade do Cano, tendo cumprido o turno das 16.00h às 00:00h.
16. No Lar do Cano o jantar é servido entre as 18:00h e as 19:00h, sendo tomado no refeitório pelos utentes com mobilidade e que conseguem comer sozinhos, numa sala contígua ao refeitório pelos utentes a quem é necessário dar a comida e nos quartos pelos utentes que se encontram acamados.
17. Cerca das 18:00h a Autora encontrava-se no refeitório a preparar os tabuleiros dos utentes que ali não tomam as refeições.
18. De entre os utentes que jantavam no refeitório, no dia 26.06.2020 encontrava-se o utente (…), também conhecido por (…).
19. O (…) tem 53/54 anos de idade, mas comporta-se como uma criança, tem pulsão por comida, enchendo muito a boca e levantando-se constantemente da mesa, adora comer e é sempre um dos primeiros a correr para o refeitório.
20. Para além da Autora, estavam também no refeitório e na área envolvente do mesmo, a trabalhadora (…), preparando tabuleiros para os utentes que não vão ao refeitório, (…), funcionária da Ré com funções de apoio à cozinha e ao refeitório e (…), que exerce funções de apoio domiciliário e que ali se encontrava a lavar e arrumar os objectos que utilizara no referido apoio.
21. A trabalhadora (…) deixou o refeitório antes da Autora.
22. A sobremesa do jantar do dia 26.06.2020 foi melão.
23. O utente (…) levantou-se da mesa e dirigiu-se ao caixote do lixo.
24. Nessa altura, a Autora levou-o para o seu lugar à mesa.
25. Após ter sido sentado na mesa, o referido utente tentou levantar-se, no que foi impedido pela Autora, que o empurrou para o assento.
26. O utente (…), comportando-se embora como uma criança, nunca manifestou qualquer agressividade, quer para com as trabalhadoras do Lar, quer para com os utentes.
27. As trabalhadoras do Lar não têm formação específica para lidar com utentes portadores de défice mental.
28. Não são conhecidas queixas dos utentes ou das colegas da Autora no que diz respeito ao seu desempenho profissional ou relativamente ao seu trato para com os aqueles.
29. A regra dos banhos no Lar era de um banho por semana para cada utente, com excepção do utente (…) que, quando frequentava o CAO de Portalegre (da APPACDM), antes da Pandemia Covid-19, tomava banho todos os dias antes de ir para aquele Centro.
30. A mãe da encarregada de serviços gerais, (…), tomava banho duas vezes por semana, e o pai da Autora passou também a fazê-lo.
31. A partir de determinada altura alguns utentes, entre os quais figuram os pais da Presidente da Direcção, passaram a tomar banho duas vezes por semana.
32. A Directora Técnica do Lar fez duas participações contra a Autora, uma das quais foi referida na reunião da Direcção da CMCS realizada no dia 18.08.2014.
33. A Autora nunca foi disciplinarmente punida.
34. A Autora conhece o utente (…) desde criança, uma vez que os seus pais tinham uma mercearia na vila de Cano onde aquele se encontrava diariamente.
35. A Autora nunca recebeu formação para lidar com pessoas adultas com deficiência.
36. A mãe e o pai da Presidente da Direcção da Ré entraram no Lar do Cano, respectivamente, em 15.06.2020 e 13.07.2020, tendo realizado testes à Covid 19 com resultados conhecidos, respectivamente, em 16.06.2020 e em 14.07.2020.
37. Em 17.07.2020 (…) (irmão do utente (…)) enviou à Presidente da Direcção da Ré o e-mail constante de fls. 7 do procedimento disciplinar e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

APLICANDO O DIREITO
Da justa causa de despedimento
Tem este colectivo afirmado de forma constante – a título meramente exemplificativo, mencionam-se os Acórdãos de 05.12.2019 (Proc. 2458/18.2T8EVR.E1) e de 11.02.2021 (Proc. 1516/19.0T8BJA.E1)[5] – que o despedimento com justa causa por falta disciplinar do trabalhador apenas pode ser decretado se ocorrer absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo representaria uma exigência desproporcionada e injusta, tornando inadequadas as demais sanções conservadoras do vínculo laboral.
A gravidade do comportamento culposo do trabalhador deve ser aferida com base em critérios de objectividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjectivamente como tal. O art. 351.º n.º 3 do Código do Trabalho impõe que se atenda, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes.
Note-se que a exigência da gravidade da infracção decorre do princípio geral da proporcionalidade das sanções disciplinares, consagrado no art. 330.º n.º 1 do Código do Trabalho: “sendo o despedimento a sanção disciplinar mais forte, ela terá que corresponder a uma infracção grave; se o comportamento do trabalhador, apesar de ilícito e culposo, não revestir particular gravidade, a sanção a aplicar deverá ser uma sanção conservatória do vínculo laboral.”[6]
Há também a referir que compete à empregadora efectuar a prova da justa causa do despedimento, pois sendo este “um acto necessariamente vinculado, que só é permitido quando se verificarem as razões justificativas que a lei prevê, caberá sempre ao seu autor demonstrar a ocorrência dos factos e fundamentos que invocou para motivar a cessação do contrato de trabalho.”[7]
Foi imputada à trabalhadora uma infracção disciplinar por ter agarrado o utente (…) pela orelha, levando-o assim para o seu lugar à mesa, e depois o ter impedido de se levantar, dando-lhe uma palmada na nuca.
A tónica da decisão disciplinar é colocada na perspectiva do acto violento, humilhante e degradante, agravado pela circunstância de ter sido praticado contra pessoa portadora de deficiência mental e incapaz de se defender.
Porém, para além de não estar demonstrada a factualidade imputada à trabalhadora (o agarrar pela orelha e o desferir uma palmada na nuca), não podemos deixar de anotar que a decisão disciplinar nada esclarece acerca da deficiência mental de que padecerá o (…) e da sua efectiva incapacidade para se defender. Diz-se que tem 53/54 anos de idade, comporta-se como uma criança, tem pulsão por comida e nunca manifestou qualquer agressividade, mas nada se esclarece acerca do seu grau de autonomia e da sua capacidade (ou incapacidade) de reacção e de defesa face a qualquer agressão.
Neste contexto, não se pode assumir que a trabalhadora tenha pretendido exercer algum comportamento coercitivo, humilhante ou degradante em relação ao utente (…) , e muito menos quando o essencial do comportamento disciplinar imputado não ficou demonstrado.
Ora, o despedimento por falta disciplinar apenas pode ser decretado se ocorrer impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, traduzida pela inexistência do suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, com absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo representaria uma exigência desproporcionada e injusta, tornando inadequadas as demais sanções conservadoras do vínculo laboral.
Tendo ficado por demonstrar o comportamento disciplinar imputado à trabalhadora naquele dia 26.06.2020, e que permitiriam aferir da respectiva censurabilidade, tal só pode implicar um juízo de ilicitude do despedimento – art. 381.º al. b) do Código do Trabalho.
Não pode, pois, ser mantida a sentença recorrida, ao ter declarado a licitude do despedimento.

Dos créditos devidos em consequência da ilicitude do despedimento
Procedendo o recurso da trabalhadora quanto à declaração de ilicitude do despedimento, pretende esta que a indemnização substitutiva da reintegração corresponda a 40 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de trabalho ou fracção de antiguidade, face ao “elevado grau de ilicitude do despedimento.”
A indemnização substitutiva da reintegração obedece aos parâmetros do art. 391.º n.º 1 do Código do Trabalho, devendo atender-se ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no art. 381.º do mesmo diploma.
O Supremo Tribunal de Justiça tem decidido que, na fixação do valor da indemnização devida em consequência de despedimento ilícito, deve ter-se em consideração o valor da retribuição e o grau de ilicitude, sendo aquele mais elevado quanto menor for a retribuição e quanto maior for a ilicitude do comportamento do empregador.[8]
Nos autos, está demonstrado que a trabalhadora auferia uma retribuição ilíquida de € 646,00, acrescida de € 63,00 a título de diuturnidades e € 161,50 de subsídio de turno/noite. A retribuição base estava próxima da retribuição mínima mensal em vigor no ano de 2020, que era de € 635,00 mensais, e mesmo com o acréscimo das diuturnidades e do subsídio de turno, estava muito abaixo da remuneração base média, que no ano de 2019 era de € 1.005,10, conforme dados publicados por Portal PORDATA.[9] Já quanto ao ganho médio, englobando os subsídios, horas extra e prémios, esse valor era no mesmo ano de € 1.209,90.
A circunstância da retribuição se situar muito abaixo da média nacional contrabalança os mais de 19 anos de antiguidade que esta contabiliza nesta data.
Por outro lado, para além de se tomar em consideração o reduzido tempo de duração do processo – a instância teve início a 15.12.2020 – não se pode deixar de ponderar o mediano grau de ilicitude do despedimento, que assenta num juízo de não comprovação do motivo justificativo invocado para o efeito.
Enfim, nestas circunstâncias, ponderamos que a indemnização de antiguidade deverá situar-se no patamar médio dos 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fracção de antiguidade, nessa medida se realizando a condenação.
Terá a trabalhadora, ainda, direito ao pagamento dos salários de tramitação desde o despedimento – o formulário foi apresentado em menos de 30 dias após a notificação da decisão da empregadora – embora com as deduções a que se referem as als. a) e c) do n.º 2 do art. 390.º do Código do Trabalho.

DECISÃO
Destarte, concede-se provimento ao recurso, declara-se a ilicitude do despedimento e condena-se a empregadora no seguinte:
a) pagar à Autora uma indemnização substitutiva da reintegração equivalente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades, contada até ao trânsito em julgado da decisão final;
b) pagar igualmente as retribuições base e diuturnidades que a Autora deixou de auferir desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão final, incluindo subsídios de férias e de Natal, mas com dedução das importâncias referidas nas als. a) e c) do n.º 2 do art. 390.º do Código do Trabalho, o que será liquidado no respectivo incidente;
c) Pagar juros de mora, à taxa a que se refere o art. 559.º n.º 1 do Código Civil, desde a citação quanto à condenação supra da al. a) e desde a liquidação quanto à condenação supra da al. b).

Custas pela empregadora.
Évora, 28 de Outubro de 2021

Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
__________________________________________________
[1] Neste sentido, vide os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1) e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2015 (Proc. 219/11.9TVLSB.L1.S1), na mesma base de dados.
[3] In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, Reimpressão, pág. 262.
[4] Neste sentido, vide o Acórdão da Relação de Guimarães de 26.10.2017 (Proc. 5237/16.8T8GMR.G1), disponível em www.dgsi.pt.
[5] Ambos publicados em www.dgsi.pt.
[6] Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., 2016, pág. 806.
[7] Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª ed., 2017, pág. 458.
[8] Cfr. os Acórdãos de 12.01.2017 (Proc. 1368/15.0T8LSB.L1.S1) e de 11.04.2018 (Proc. 354/16.7T8PTM.E1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[9] Mais exactamente, em https://www.pordata.pt/DB/Portugal/Ambiente+de+Consulta/Tabela, seleccionando os separadores Emprego e Mercado de Trabalho, Salários, Remuneração e ganho.