Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
9132/17.5T8STB-A.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
INTERPRETAÇÃO DE DOCUMENTO
ADMISSIBILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL
IMPUGNAÇÃO
COMPROPRIETÁRIO
Data do Acordão: 10/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - O recurso a elementos exteriores ao título executivo indicados no requerimento executivo, para efeitos de concretização da obrigação exequenda, não põe em causa a força executiva da ata contendo a deliberação da assembleia, nem importa se conclua pela respetiva insuficiência.

II - Em processo de reconversão de área urbana de génese ilegal (AUGI), as deliberações da assembleia que determinem o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão vinculam os proprietários ou comproprietários, titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, aos quais incumbe o dever de comparticipar nas despesas de reconversão;

III- A impugnação da deliberação constitui o meio processual adequado à manifestação, por parte de titular de prédios abrangidos pela AUGI, da discordância relativamente ao critério fixado; (sumário da relatora)

Decisão Texto Integral:





Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 - Relatório.

Por apenso à execução sumária instaurada por Administração Conjunta da Área Urbana de Génese Ilegal do Pinheiro Ramudo contra C… e A… vieram os executados deduzir oposição à oposição.

Fundamentaram a sua pretensão alegando o seguinte:

- a área indicada no pedido de licenciamento sofreu alterações resultantes, quer da diminuição da área, quer do aumento de fogos; a parte possuída pelos executados não pode representar a mesma proporção dos prédios constantes da proposta de alteração; os projectos não estavam aprovados à data a que se reporta o título executivo; desconhecem os executados qual a área da AUGI que a exequente representa, e mesmo se fazem parte da mesma;

- do título, do r.e. e dos documentos juntos não é possível determinar qual foi o período considerado para efeitos de concretização do elemento "G", bem como as datas consideradas para o apuramento do elemento ''T'', o mesmo se verificando em relação ao valor referente ao elemento "IE";

- não existe no título a tabela anexa referida na última folha, quando se designa o conceito de "K", por tal não ter sido submetido a discussão e aprovação, assim como as áreas fixadas para determinação dos elementos "STPT" e "STPL";

- do título não se infere quais os elementos constitutivos da operação aritmética da qual resulta o valor da quantia exequenda;

- na data da assembleia a que corresponde o título executivo não se encontravam aprovados os projetos de especialidade, não tinha sido concedida qualquer autorização para início de obras e a área de loteamento encontrava-se aprovada com vários condicionalismos;

- até à data a exequente não obteve a deliberação exigida pelo artº. 26º da Lei 91/95, de 02.09, não podendo por isso exigir o pagamento de quaisquer quantias baseadas em projetos que não foram aprovados pelas autoridades competentes, por trabalhos que não foram iniciados nem mostram sinais de o ser, não se vendo como pode a exequente chegar ao valor de € 762,66 como correspondendo ao elemento "P";

- os valores concretos dos itens "K", "STPT" e "STPL" não foram submetidos a discussão e aprovação pelos com proprietários;

- nunca foram executadas quaisquer obras até à data com base na autorização camarária de 2000;

- não consta do título executivo (acta nº 35) o valor das taxas a liquidar à autarquia pela realização das infra estruturas não se podendo aferir o valor concreto imputado aos executados;

- tal só será possível após a aprovação do instrumento de reconversão (operação de loteamento ou urbanização);

- não foi prestada caução o que a lei impõe;

- impugnam o montante reclamado a título de juros;

- a exequente litiga de má-fé ao intentar a execução com base em título insuficiente, invocando falsamente a aprovação de projetos quando apenas existia uma planta de síntese ou desenho urbano, ou trabalhos que ainda não foram iniciados.

Para além da cópia de decisões judiciais, os executados juntaram aos autos documentos referentes a informações municipais com data anterior a 19.08.2009, data em que foi aprovada a licença de loteamento e respetivas alterações, referentes à reconversão da AUG I da Quinta do Pinheiro Ramudo.

Concluíram pedindo a procedência dos embargos e a sua absolvição do pedido, ou, assim não se entendendo, a sua absolvição da instância, procedendo as exceções invocadas.

Requereram a condenação da exequente por litigância de má-fé, em multa e indemnização de valor não inferior a € 2.500,00 euros.

A exequente contestou, impugnando motivadamente a matéria de facto alegada pelo opoente/executado.

Pugnou pela improcedência dos embargos, bem como do pedido de condenação por litigância de má-fé.

Foi proferida sentença que, julgando os embargos parcialmente procedentes, determinou prosseguimento da execução para pagamento da quantia de € 8730,70 euros, acrescida de juros à taxa legal contados desde 01 de Julho de 2017 até integral pagamento.

Inconformados os executados vieram interpor recurso contra a mesma, formulando as seguintes conclusões:

«1-Na sentença foi tida só como base do título executivo a Acta n.º35 de 27.03.2004, mas a mesma não enumera pelo nome quem são os devedores, nem a quantia que cada um deve, e tinha que o fazer é um requisito legal.

2-Não foi tido em conta o período de tempo concreto para determinar os elementos "G" "IE", aos quais têm variação nomeadamente comas reconversões de 2006, 2009, que alteram os custos gerais e os custos a pagar por cada proprietário.

3-Tinha que ser levado a assembleia geral para votação os elementos "K", "T", "SPTL", "STPL" o que não foram.

4- As áreas de cada lote contida na acta nº 235 de 2004, bem como a área de construção não são iguais ao projecto final aprovado por decisão camarária de 30.07.2010, nem levaram em conta as alterações de 2006 e 2009.

5-0 titulo executivo acta nº 235 tinha que dizer qual o método de calculo do valor das custas encontradas para serem pagas por parte de cada proprietário e não diz

6- O cálculo das do valor a pagar por cada proprietário/ comproprietário na acta nº 235 foi calculado com base na área do lote, quando devia ser feita com base área de construção.

7-No titulo executivo, acta n.235 de 2004, nessa data nem as obras tinham sido iniciadas, a aprovação final é de 2010, depois plano de especialidade, só depois é possível determinar as custas da infra estruturas da AUGI. Não se podia chegar ao elemento "P", não se podia chegar ao valor apurado a pagar pelos proprietá rios/com proprietários.

8- Em 2004 ano da acta nº2 35, não tinham sido feito quaisquer obras., porque a licença final de loteamento é datada de 19.08.2009, logo era impossível calcular o que cada proprietário tinha que pagar.

9-Na acta nº 235 não consta quanto é que a AUGI tinha que pagar á Câmara Municipal de Palmela pelas infraestruturas, logo não se podia determinar o valor a pagar por cada proprietário ou comproprietário, tal tinha que ser apurado após operação de loteamento definitivo, tal só ocorreu em 2010, logo o titulo executivo é insuficiente, por a exequente o saber agiu de má-fé, e deve ser condenada por litigância de má fé na quantia peticionada, houve violação grosseira do artigo 10.2 da lei 91795 de 02.09.

10-A área da AUGI foi reduzida substancialmente, bem como o número de lotes iniciais de 2000, e acta nº 235 de 27.03.2004, não reflecte as alterações de 2006,2009, e é muito diferente do edital de 2010, esse sim final, e com plano de pormenor, só após este este plano de pormenor, é que se pode calcular o valor das obras, é que é exigível o pagamento das obras, até não se podia determinar quais as obras a efectuar e ou pagar, os valores da acta nº 935 a pagar pelos executados estão errados.

11- A acta nº235 de 27.03.2004 que serviu de base ao título executivo de 2017, não respeita os pressupostos legais, porque: não identifica pessoalmente os devedores e tinha que o fazer, faz os cálculos com base na área dos lotes, quando a mesma (custo da infra estruturas) é calculada com base na área de construção de cada lote, são coisas completamente destintas, a acta nº 235 tinha que estabelecer a data de inicio e fim da obra e não o fez, tinha a acta nº 235 de referir o método de cálculo e não o fez.

12- A acta nº 35 (titulo executivo) diz que os executados são dono' s de 525/230000 avos da AUGI, quando o próprio anexo à acta nº 35 e que faz dela parte integrante diz o contrário, que os executados são donos de 504/230000 avos da AUGI, logo a serem feitos os cálculos do que os executados teriam que pagar teria que ter por base o indicie mais favorável aos executados, foi feito o contrário. Mas cumulativamente existe divergência dos indicies a aplicar num caso manda-se aplicar o indicie 1,29 noutro o indicie 1,75, dúvidas não podem restar que foi aplicado o indicie mais desfavorável o índice 1,75, quando devia ser aplicado o índice mais favorável o índice 1,29.

Nestes termos e nos demais de direito, que V.Ex. Doutamente suprirá, deverá a presente Apelação ser julgada procedente, e assim ser revogada a sentença ora recorrida, ser o exequente condenado por litigância de má fé, sendo os executados absolvidos do pedido, por provado o presente recurso, com todos os efeitos legais.»

Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

Factos dados como provados na 1ª instância:

1. No requerimento executivo, além de se alegar que os executados, casados entre si no regime da comunhão de adquiridos são titulares inscritos de uma participação com 525/230000 avos indivisos, do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o nº …, integrado no perímetro classificado como AUGI do Pinheiro Ramudo, sito da freguesia da Quinta do Anjo, Concelho de Palmela, a que corresponde a apresentação 16 de 1995-08-14, alega-se que são devedores de quantia de € 9990,70 euros referente a custos de reconversão da Augi do Pinheiro Ramudo, em que aquele prédio se integra, reclamando-se o pagamento de tal quantia e dando-se à execução a acta que contém a deliberação que determina o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão, nos termos do artº. 10º, n.º 5 da Lei 91/95, de 2/9.

2. A favor dos executados encontra-se registada, pela Ap. 16 de 14.08.1995, da Conservatória do Registo Predial de Palmela, a aquisição com 525/230000 avos indivisos, do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela do prédio rústico sito na freguesia de Quinta do Anjo, Palmela, descrito sob o nº …, e inscrito na matriz predial rústica sob o art. …, secção A.

3. O prédio referido no ponto anterior faz parte da Área Urbana de Génese Ilegal (AUG I) de Pinheiro Ramudo.

4. A assembleia geral de com proprietários da AUGI de Pinheiro Ramudo, realizada em 27.03.2004, deliberou, além do mais, aprovar o orçamento provisional das obras de urbanização, elaborado com base nos custos previsíveis, no montante global de € 8.916.880,49 euros.

5. A assembleia geral deliberou ainda sobre a seguinte proposta:

«1 - Que seja adoptada a seguinte fórmula na repartição dos custos de reconversão por lote:

CL = (P+G+GO)*K+((T +IE)/STPT)*STPL, em que:

CL = Custo da reconversão a imputar a cada lote;

P = Custo relativo à 1 ª fase do processo (execução e aprovação dos projectos), no montante de € 762,66 (...), com IV A incluído;

G = Custo relativo à gestão do processo, no montante de € 11,67 ( ... ), com IV A incluído, por cada mês, desde Julho de 2000 até à aprovação das contas finais;

GO = Custo relativo à gestão das obras, no montante de € 20,95 ( ... ), a que acresce alva em vigor, por cada mês, desde o início das obras até à sua conclusão;

T = Valor das taxas a liquidar à Câmara Municipal de palmela pela realização das infra- estruturas adicionado ao de quaisquer outras obras que, legalmente, sejam devidas;

IE = Custo de todas as infraestruturas a realizar;

STPT = Área máxima total de construção atribuída ao loteamento no respectivo alvará;

STPL = Área máxima de construção atribuída ao respectivo lote no alvará de loteamento;

K = índice relativo à dimensão dos lotes, de acordo com a tabela em anexo.

2 - Que seja estabelecido o dia 30 de Abril do corrente ano como data limite para o pagamento dos custos adicionais, calculados de acordo com o orçamento aprovado por esta assembleia, sem qualquer encargo adicional;

3 - Que seja estabelecido um prazo máximo de 30 dias meses, a contar dessa mesma data, como prazo limite para pagamento desses custos, desde que seja apresentado e aceite por esta Comissão no prazo de um mês um plano de pagamento e que, neste caso, que o valor em dívida sujeito a um encargo equivalente a 6% ( ... ) ao ano.»

6. Consta o seguinte da acta da assembleia geral, logo após o texto da proposta referida no ponto anterior: «Apresentada esta proposta ( ... ), face à indefinição quanto à STPL (área de construção) a atribuir a cada lote, foi dado um prazo de 15 dias aos com proprietários que ainda o não fizeram para decidirem sobre a(s) área (s) de construção do (s) seu (s) lote (s) findo o qual se considerará a área prevista no actual projecto aprovado, atribuindo-se então o respectivo valor dos custos de reconversão por lote com base na fórmula em aprovação».

7. As aludidas propostas foram aprovadas por maioria absoluta.

8. Por edital de 30.07.2010, foi tornada pública a aprovação pela edilidade camarária da licença de loteamento, e respetivas alterações, referente à Reconversão da AUGI da Quinta do Pinheiro Ramudo, por deliberação da Câmara tomada em reuniões de públicas de 13.12.2000, 18.10.2006 e 19.08.2009.

9. Aquando da aprovação do pedido de loteamento na reunião de 13.12.2000, estava previsto que a Augi teria a área total de 917.368,00 m2.

10. De acordo com a aprovação da alteração da licença de loteamento em reunião de 18.10.2006, a Augi passaria a ter a área total de 948.237 m2, e seria constituída por 1188 lotes.

11. Após a aprovação da alteração da licença de loteamento em reunião de 19.08.2009, a Augi passou a ter a área total de 829.546 m2, sendo constituída por 1156 lotes.

2 – Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que a questão a decidir é seguinte: Saber se a acta que não contém o concreto montante a pagar por cada proprietário ou comproprietário, por referência aos lotes abrangidos pela AUGI mas acompanhada de deliberação da assembleia que, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, al. f), da Lei n.º 91/95, aprova os mapas e os respectivos métodos e fórmulas de cálculo, bem como as datas para a entrega das comparticipações referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º é titulo executivo ou se é necessário que essa deliberação discrimine o concreto montante a pagar por cada proprietário ou comproprietário, por referência aos lotes abrangidos pela AUGI?

3 - Apreciando o recurso.

A questão fundamental a decidir nestes autos consiste em saber se a acta da reunião da assembleia de com proprietários realizada em 27.03.2004, que deliberou o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão, pode valer como título executivo (sendo que as demais questões dependem desta resposta).

O artigo 724.º, n.º 4, al. a), do CPC, dispõe que o requerimento executivo deve ser acompanhado de cópia ou do original do título executivo, se o requerimento executivo for entregue por via eletrónica ou em papel, respectivamente. Portanto, o título executivo constitui pressuposto essencial da possibilidade de recurso ao processo executivo.

O artigo 703.º do CPC prevê, taxativamente, as espécies de títulos executivos. Entre elas, estão os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

O n.º 1, al. d). O artigo 10.º, n.º 5, da Lei n.º 91/95, de 02.09, regula o processo de reconversão das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI), e constitui uma dessas disposições especiais, ao estabelecer que a fotocópia certificada da acta que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão constitui título executivo.

Nos termos do artigo 3º dessa lei, a reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas em AUGI constituem dever dos respetivos proprietários ou comproprietários.

O dever de reconversão inclui o dever de conformar os prédios que integram a AUGI com o alvará de loteamento ou com o plano de pormenor de reconversão, nos termos e prazos a estabelecer pela câmara municipal e ainda o de comparticipar nas despesas de reconversão, nos termos fixados nessa mesma lei, sendo responsáveis pelos encargos com a operação de reconversão os titulares dos prédios abrangidos pela AUGI.

Assim, segundo o que dispõe a alínea d) do n.º 2 do artigo 10º, compete à assembleia de proprietários ou comproprietários aprovar o projecto de reconversão a apresentar à câmara municipal, na modalidade de pedido de loteamento, acompanhar o processo de reconversão, aprovar os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º designadamente as comparticipações relacionadas com as despesas do seu funcionamento, para execução dos projectos, acompanhamento técnico do processo e execução das obras de urbanização – artigo 10º, n.º 2, alínea f). As comparticipações nos encargos da reconversão são consideradas provisões ou adiantamentos até à aprovação das contas finais da administração conjunta – artigo 16º-C, n.º 1.

O citado artigo 10.º, n.º 5, da Lei n.º 91/95, descreve o conteúdo da “deliberação” como “deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão”.

Que não basta uma deliberação genérica no sentido de que os proprietários ou comproprietários das áreas abrangidas pela AUGI deverão comparticipar nas despesas de reconversão, é óbvio. Esse dever decorre da lei, mais precisamente do artigo 3.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 91/95 pois a referida deliberação seria, além do mais, inútil.

A questão que se coloca é a de saber se é necessário que essa deliberação discrimine o concreto montante a pagar por cada proprietário ou comproprietário, por referência aos lotes abrangidos pela AUGI?

A jurisprudência dividiu-se quanto a esse grau de exigência:

Uma posição defende que para que a acta possa ser título executivo, basta uma deliberação da assembleia que, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, al. f), da Lei n.º 91/95, aprove os mapas e os respectivos métodos e fórmulas de cálculo, bem como as datas para a entrega das comparticipações referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º, ou seja, admitem como suficiente que a acta inclua a deliberação da mesma assembleia onde se procedeu à liquidação dos montantes em dívida por cada condómino - neste sentido Acs. da RE de 27-06-2019, proc. nº 733/16.1T8STB-A.E1 e de 12/09/2019, proc. nº 7755/17.1T8STB-A.E1 (relatora: Ana Margarida Leite) e de 30/01/2020, proc. nº 4284/17.7T8STB-A.E1 (relator: Tomé de Carvalho); de 08-10-2020, Proc. nº 1279/19.0T8STB-A.E2 (relator: Mata Ribeiro); Ac RL de 29-04-2019 proc. nº 7334/16.0T8LRS-A.L1-2 (relatora: Gabriela Cunha Rodrigues), bem como o acórdão do STJ de 28/01/2020, no âmbito do processo número 1078/18.6T8STB-A.E1.S1, da 6ª secção cível, (relator: Henrique Araújo). disponíveis em www.dgsi.pt.

A sentença em análise seguiu essa posição.

E para outra posição, só são considerados títulos executivos as actas em que estejam exaradas as deliberações da assembleia de condóminos que tiverem procedido à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino, argumentando que se assim não for apenas se constata a existência da dívida – neste sentido, Acs. RE de 02.05.2019, processo n.º 1078/18.6T8STB-A.E1, (relatora: Isabel Imaginário; de 24.10.2019, proc. 384/18.7T8STB-A.E1 (relator: Vitor Sequinho); de 22.10.20 proc. nº 969/18.9TBSTB-A.E1 (relator: José Moita) e Ac. RL de 9.07.2015, proc. nº 4852/12.3TCLRS-A.L1-6 (relatora: Anabela Calafate).

Seguimos o primeira posição supra referida, que foi a posição tomada no único Acórdão do STJ a esse propósito.

No nosso entendimento, o título executivo só tem que permitir a compreensão do valor global através do cálculo aritmético e isso é assegurado nos autos através dos próprios mecanismos previstos na lei.

Com efeito, dispõe o artigo 15.º, n.º 1, al. c), da citada lei, que compete à comissão de administração elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações; por outro lado, estabelece o artigo 10.º da indicada lei, na alínea f) do n.º 2, que compete à assembleia aprovar os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos naquela alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º.

E regulando o funcionamento da assembleia, dispõe o artigo 12.º da mesma lei, no seu n.º 1, que a assembleia delibera nos termos previstos no Código Civil para a assembleia de condóminos dos prédios em propriedade horizontal, com as especificidades previstas nos demais números do preceito, designadamente relativas à publicidade das deliberações, conforme decorre dos n.ºs 6 e 7; estabelece o n.º 8 do preceito que as deliberações da assembleia podem ser judicialmente impugnadas por qualquer interessado que as não tenha aprovado, no prazo de 60 dias a contar da data da assembleia ou da publicação referida no n.º 6 do presente artigo, consoante aquele haja ou não estado presente na reunião.

E deve considerar-se ainda que o artº. 16º-C, n.º 1, da mesma lei, prescreve que as comparticipações nos encargos da reconversão são consideradas provisões ou adiantamentos até à aprovação das contas finais da administração conjunta.

Do regime exposto decorre que, as deliberações da assembleia que determinem o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão vinculam os proprietários ou comproprietários, titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, aos quais incumbe o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, sendo admitida a impugnação judicial por parte daqueles que as não tenham aprovado, obriga o recorrente ao pagamento parcial da comparticipação que lhe compete, nos termos decorrentes do critério deliberado pela assembleia, pois decorre desde logo a aceitação por parte do recorrente de tal critério e da respetiva concretização posterior.

Decorre deste regime que os desconhecimento do inicio das obras ou da aprovação das contas finais não impede que a acta em causa seja titulo executivo.

Note-se que:

No caso dos autos, a acta cuja cópia foi junta como título executivo documenta uma reunião da assembleia de proprietários e comproprietários de áreas abrangidas pela AUGI de (…) que teve lugar em 27.03.2004. Foi então deliberada a aprovação de um orçamento provisional das obras de urbanização, elaborado com base nos custos previsíveis dessas mesmas obras, bem como de uma fórmula matemática de repartição dos custos de reconversão por lote. Foi ainda deliberado o prazo de pagamento dos custos adicionais calculados de acordo com o referido orçamento provisional. Finalmente, “face à indefinição quanto à STPL (área de construção) a atribuir a cada lote, foi dado um prazo de 15 dias aos comproprietários que ainda o não fizeram para decidirem sobre a(s) área(s) de construção do(s) seu(s) lote(s) findo o qual se considerará a área prevista no actual projecto aprovado, atribuindo-se então o respectivo valor dos custos de reconversão por lote com base na fórmula em aprovação”.

Assim embora a acta não identifique expressamente como devedores os executados, caso não tenham estado presentes na assembleia que deliberou o montante das despesas comuns a cargo dos condóminos, a identificação destes faz-se através da junção dos elementos do registo predial, não deixando, por isso, da respetiva acta valer como título executivo.

E no caso dos autos os elementos de registo juntos com a acta demonstram a qualidade de comproprietários dos executados.

Sendo titulares de prédios abrangidos pela AUGI, poderiam ter impugnado a deliberação em causa, o que não fizeram, sendo certo que a impugnação da deliberação constitui o meio processual adequado à manifestação da discordância relativamente ao critério fixado, não podendo agora valer as considerações criticas ao mesmo e aos elementos seguidos na Assembleia.

Neste sentido, entendeu-se no acórdão da Relação de Lisboa de 14-11-2017 (relator: Manuel Marques), proferido no processo n.º 531/13.2TBALM-C.L1-1 e publicado em www.dgsi.pt, que, no que toca ao conteúdo e à exigibilidade das deliberações e à falta de elaboração dos mapas de comparticipação, trata-se de matéria que só poderia ser apreciada em sede de impugnação judicial das deliberações da assembleia (art. 12º, n.º 8, da Lei n.º 91/95) e não em sede de oposição à execução, pois que não se mostra que as deliberações tomadas violem em si mesmas normas imperativas, mas tão só que não foram precedidas da elaboração e aprovação daqueles mapas.

Assim sendo, uma vez que na Assembleia, foi determinada a forma de cálculo das despesas que os proprietários de cada um dos lotes deveriam pagar à comissão de administração, forçoso será concluir que a dívida exequenda é exigível e determinável por cálculo aritmético, constituindo a acta de tal assembleia, indubitavelmente, título executivo.

Por outro lado, quanto ao argumento de que não foi obtida deliberação referente à comunicação prévia das obras de urbanização, a que alude o artº. 26º da Lei 91/95, tal como refere a sentença uma vez que a licença de loteamento foi inicialmente aprovada em 13.12.2000, e que foi posteriormente alterada, nomeadamente em 18.10.2006 e em 19.08.2009, é esta última a data a considerar para efeitos de se verificar se era necessária a observação do procedimento de comunicação prévia previsto nos artºs. 25º e 26º da referida Lei 91/95.

Ora, verifica-se assim que, à luz da versão da lei vigente em 19.08.2009, nomeadamente a que foi introduzida pela Lei 64/2003, de 23/8, não estava previsto qualquer procedimento de comunicação prévia, que só foi introduzido pela Lei n.º 70/2015 (procedeu à quinta alteração da Lei 91/95). Deste modo, o regime introduzido pela Lei 70/2015 não pode ser invocado para ser alegada a inobservância do procedimento de comunicação prévia das obras de urbanização (cf. artº. 12º do CC).

Em suma, acompanhamos a sentença recorrida, pelo que improcede totalmente o recurso.

Sumário:

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora acordam em julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Évora, 14.10.2021

Elisabete Valente
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita