Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||
| Descritores: | PROCESSO LABORAL ACÇÃO DECLARATIVA ADMISSIBILIDADE DE RECONVENÇÃO VALOR DA CAUSA | ||
| Data do Acordão: | 12/10/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | SOCIAL | ||
| Sumário: | Sumário: 1. Em processo comum declarativo laboral, a questão da admissibilidade da reconvenção apenas nos casos em que o valor da causa excede a alçada do tribunal – art. 30.º n.º 1, in fine, do Código de Processo do Trabalho – deve ser apreciada face ao valor resultante da petição inicial, sob pena de subversão do objectivo processual pretendido pela norma: conferir maior agilidade processual aos processos de menor valor. 2. O aumento por dedução de reconvenção ou intervenção só produz efeitos quanto aos actos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção, ou seja, não produz quaisquer efeitos em relação ao próprio acto de dedução da reconvenção e apreciação da sua admissibilidade. 3. A questão da admissão da reconvenção é independente da questão do aumento do valor da causa por dedução de reconvenção inadmissível, que apenas tem efeito para fins de tributação do reconvinte. 4. Por outras palavras, o aumento do valor da causa não torna admissível uma reconvenção em si inadmissível. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
No Juízo do Trabalho de Santarém, Panóplia de Sonhos, Lda., demandou AA, pedindo que seja declarada ilícita a resolução do contrato de trabalho promovida pela trabalhadora Ré, com condenação desta a pagar-lhe € 1.800,00, a título de indemnização pelos prejuízos causados em virtude da ilicitude da resolução, nos termos do art. 399.º do Código de Trabalho, acrescido de juros. Na contestação, a Ré negou que a A. disponha de algum crédito sobre ela, e deduziu reconvenção alegando ser detentora de vários créditos em relação à demandante, motivo pelo qual pediu a sua condenação no pagamento da quantia total de € 35.179,80. No saneador, a reconvenção não foi admitida, por o valor da acção ser inferior à alçada da primeira instância. Veio a Ré recorrer, concluindo: 1. Vem o presente recurso interposto do despacho saneador que decidiu julgar inadmissível a reconvenção e consequentemente não admitir o pedido formulado pela R. em sede de reconvenção e a compensação peticionada. 2. Considerando o meritíssimo juiz para tal decisão que “Mostra-se, assim, por preencher um dos requisitos processuais pra a admissão da reconvenção: o valor da causa exceda a alçada do tribunal.” 3. A decisão nos presentes autos resulta em exclusivo do entendimento assumido pela sentença recorrida de que para a admissão da reconvenção é sempre necessário que o valor da causa exceda a alçada do tribunal, tal como dita a regra tutelada pelo art. 30.º do C.P.T.. 4. A sentença ao decidir como decidiu viola o art. 30.º n.º 1 e 98.º-L n.º 3 ambos do C.P.T. Existindo erro de julgamento. 5. A regra geral relativa ao valor da causa exceder a alçada do tribunal para ser admissível a reconvenção, constante do art. 30.º n.º 1 do C.P.T. contém uma excepção. 6. E na realidade dispõe-se no art. 98.º-L n.º 3 do C.P.T., que: “Na contestação, o trabalhador pode deduzir reconvenção nos casos previstos no n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, bem como para peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho, independentemente do valor da acção”. 7. Nunca poderia a decisão ser a de não admissão da reconvenção por não se encontrar preenchido o requisito processual do valor da causa, quando é a própria lei processual laboral que afasta a necessidade desse requisito processual quando a reconvenção tem por objectivo peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho, como sucede no caso em apreço. 8. Errou assim a sentença/saneador ao decidir como decidiu, quando face aos factos em que fundamenta a decisão conclui que; “Mostra-se, assim, por preencher um dos requisitos processuais para a admissão da reconvenção: o valor da causa exceda a alçada do tribunal.”. Não houve resposta. Já nesta Relação, a Digna Procuradora Geral Adjunta produziu Parecer no sentido da confirmação do despacho recorrido. O Relator proferiu Decisão Singular, negando provimento ao recurso. Em consequência, a Ré reclamou para a conferência. Daqui a intervenção do Colectivo de Juízes deste Tribunal – art. 652.º n.º 3 do Código de Processo Civil. Antes do mais, vejamos a fundamentação jurídica da Decisão Singular, adiantando desde já que os factos essenciais à decisão do recurso são os que constam do relatório: «A Ré entende que ao caso dos autos seria aplicável a regra do art. 98.º-L n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, mas há considerar que esta norma apenas é aplicável à acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, iniciada “nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação…” – art. 98.º-C n.º 1 do Código de Processo do Trabalho. Sucede que nos autos não está em apreciação uma decisão de despedimento individual comunicada pela entidade empregadora à trabalhadora, mas outra situação: a apreciação da justa causa de resolução comunicada pela trabalhadora à sua empregadora. Daí que os autos estejam sujeitos à forma de processo comum de declaração – art. 21.º, 1.ª espécie, 49.º n.º 1 e 54.º e ss., todos do Código de Processo do Trabalho – e a reconvenção deva obedecer ao disposto no art. 30.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, onde avulta o impedimento de utilização deste instrumento processual quando “o valor da causa exceda a alçada do tribunal.” Ora, como bem anota a decisão recorrida, o que releva é o valor da causa no momento em que a acção foi proposta – i.e., o que resulta da petição inicial – pois, por outro modo, o objectivo da norma seria completamente perdido. Bastaria a dedução de reconvenção de valor superior à alçada do tribunal, e esta teria de ser admitida, mesmo que a acção tivesse um valor inferior a essa alçada. Para os fins do art. 30.º n.º 1 do Código de Processo Civil, o valor da causa que “exceda a alçada do tribunal”, constitui um requisito de admissibilidade da reconvenção, e daí que o valor a atender, para esses fins seja por referência à petição inicial, tanto mais que, como dispõe o art. 299.º n.º 3 do Código de Processo Civil, o aumento por dedução de reconvenção ou intervenção “só produz efeitos quanto aos actos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção”, ou seja, não produz quaisquer efeitos em relação à própria dedução da reconvenção e apreciação da sua admissibilidade. Visto que o aumento do valor da causa em função da soma do valor da reconvenção ao valor da acção não é, assim, uma questão prévia à admissão deste incidente processual, “antes se colocando a posteriori, se e na medida em que a reconvenção seja admitida e apenas produzindo efeitos quanto aos actos e termos posteriores” – Acórdão da Relação de Guimarães de 16.12.2021 (Proc. 1080/21.0T8BRG-A.G1), publicado no endereço da DGSI – bem procedeu a decisão recorrida ao aplicar a regra do art. 30.º n.º 1, in fine, do Código de Processo do Trabalho, e não admitir a reconvenção.» *** Na sua reclamação, a Recorrente argui, no essencial, o seguinte: • a Decisão Singular interpretou de forma errada o disposto no art. 299.º do Código de Processo Civil, retirando qualquer utilidade processual aos seus n.ºs 1 e 2; • no Supremo Tribunal de Justiça decidiu-se, em Acórdão de 30.09.2009 (Proc. 08S2587), que “II – Formulado pedido reconvencional, o valor da causa passa a corresponder ao da soma dos pedidos: principal e reconvencional. III – A rejeição, por inadmissibilidade legal, do pedido reconvencional importa apenas para efeitos de tributação do reconvinte, mas já não para efeitos do valor da causa que fica inalterado após a dedução da reconvenção, independentemente da sorte desta.” Apreciando, o que está em causa no recurso é a questão da admissibilidade da reconvenção, e para efeitos do art. 30.º n.º 1, in fine, do Código de Processo do Trabalho o que releva é o valor resultante da petição inicial, sob pena de subversão do objectivo processual pretendido pela norma: conferir maior agilidade processual aos processos de menor valor. Note-se que, face ao disposto no art. 299.º n.º 3 do Código de Processo Civil, o aumento por dedução de reconvenção ou intervenção “só produz efeitos quanto aos actos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção”, ou seja, não produz quaisquer efeitos em relação à própria dedução da reconvenção e apreciação da sua admissibilidade. No fundo, o que está em causa é apreciar se a reconvenção podia ser validamente deduzida pela Ré na sua contestação, face aos termos como estava redigida a petição inicial – e a resposta das disposições conjugadas do art. 30.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e do art. 299.º n.º 3 do Código de Processo Civil é que a Ré não podia reconvir, face ao valor pedido na petição inicial, pelo que o próprio acto de dedução da reconvenção violou aquelas disposições legais. Por outro lado, a questão do aumento do valor da causa após dedução de reconvenção, é diversa da questão da própria admissibilidade da reconvenção – são questões distintas, sujeitas a regras distintas. Daí que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça citada na reclamação esteja correcta: a questão da admissão da reconvenção é independente da questão do aumento do valor da causa por dedução de reconvenção inadmissível, que apenas tem efeito para fins de tributação do reconvinte. Ou seja, mesmo que a reconvenção seja inadmissível, o aumento da causa ocorre “para efeitos de tributação do reconvinte”, como se declarou no citado aresto do Supremo Tribunal de Justiça, mas não interfere na questão da admissibilidade da reconvenção. Por outras palavras, o aumento do valor da causa não torna admissível uma reconvenção em si inadmissível. Decisão. Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida. Custas do recurso pela Ré. Évora, 10 de Dezembro de 2025 Mário Branco Coelho (Relator) Emília Ramos Costa Paula do Paço |