Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | EDGAR VALENTE | ||
Descritores: | EXTRADIÇÃO TRATAMENTO DESUMANO AGRAVAMENTO DA SITUAÇÃO PROCESSUAL PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO MÚTUO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 03/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Não ocorrendo nenhuma causa de inadmissibilidade ou de recusa facultativa da extradição, constante dos artigos 3.º e 4.º da CECPLP e não sendo aplicável o estabelecido no artigo 18.º, n.º 2 da L 144/99, de 31.08, há que fazer prevalecer o princípio do reconhecimento mútuo que radica na confiança mútua entre os estados contratantes de tal Convenção e, considerando que o cumprimento do pedido de extradição não se mostra contrário à segurança, à ordem pública ou a outros interesses fundamentais do Estado Português ou a quaisquer instrumentos jurídicos internos e externos a que o Estado português esteja vinculado, cumpre deferir o pedido de extradição. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório. 1. O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação, tendo em vista a extradição para a República Federativa do Brasil, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º, 2.º e 21.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa1 (doravante CECPLP), apresentou AA, filho de BB e de CC, nascido aos …1967, em …, …, Brasil, de nacionalidade brasileira, titular do passaporte brasileiro n.º …, para audição. 2. O requerido foi detido em Portugal pela autoridade policial portuguesa em 20.01.2025, na sequência do pedido de detenção internacional difundido pela Interpol com o n.º … e da existência de mandado de detenção internacional n.º … emitido aos 17.06.2022 pela autoridade judiciária da República Federativa do Brasil. 3. Em 21.01.2025 procedeu-se a diligência de audição do extraditando no Tribunal da Relação de Évora, nos termos do art.º 54.º da Lei n.º 144/99 de 31.08 (lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal, doravante L 144/99). Nessa diligência, o requerido declarou não se opor à extradição e não renunciar à regra da especialidade. O relator de turno decidiu manter a situação de detenção provisória. Foi ainda determinado que “a homologação do consentimento prestado só terá lugar após a decisão da Exmª. Ministra da Justiça relativamente ao seguimento do pedido de extradição.” 4. Em 24.01.2025, o requerido veio requerer o seguinte (transcrição): 1. A revogação da homologação de extradição, com o reconhecimento de que a manifestação de vontade apresentada durante o interrogatório foi comprometida por vícios de consentimento, não refletindo a real intenção do extraditando. 2. A concessão do direito de não concordar com a extradição e renunciar a regra da especialidade, a fim de que, atendidos os princípios do devido processo legal e acesso à Justiça, tenha assegurado o seu direito de ter acesso a todos os meios processuais no Brasil e em Portugal e requerer/revisar a concessão para que possa cumprir a pena em Portugal. 3. Que seja concedida liminarmente a suspenção imediata do processo de extradição, até a decisão final sobre este pedido de revisão. 4. A intimação do Ministério Público para manifestação, bem como das autoridades competentes para análise da viabilidade de cumprimento da pena em território português. 5. A notificação do Ministério da Justiça acerca da nova manifestação de vontade do extraditando, conforme previsto no artigo 40.º, n.º 6, da Lei 144/99.” 5. O MP foi ouvido, promovendo a audição do requerido. 6. Foi então proferido pelo relator despacho determinando a audição do requerido logo que fosse proferida decisão da Exm.ª Sr.ª Ministra da Justiça sobre o pedido formal da Extradição. 7. Junto o pedido formal de extradição, o Parecer favorável do Exm.º Sr. Conselheiro PGR e a Declaração de Admissibilidade da mesma pela Exm.ª Sr.ª Ministra da Justiça, foi o requerido de novo ouvido, tendo declarado que não consente na sua extradição e que não renuncia à regra da especialidade. 8. O requerido veio, então, deduzir oposição à extradição, invocando, em síntese, o seguinte (transcrição): “I. DA REALIDADE DA VIDA DO EXTRADITANDO 1. O Extraditando já vive em Portugal há, pelo menos, 06 (seis) anos ininterruptos, quando emigrou para Portugal em 2018 (visto n.º …, a partir … 2018). 2. Compõem o núcleo familiar ele e sua esposa DD, cidadã …, e a estrutura financeira pelos rendimentos de ambos. 3. AA está devidamente legalizado em Portugal, com cartão de cidadão n.º … e título de residência n.º …, emitidos pelas autoridades portuguesas, tem contrato de trabalho, empresa constituída em seu nome e imóvel próprio (residência fixa). 4. Em Portugal, o Extraditando tem ocupação lícita remunerada, prestando serviços de tecnologia da informação para grandes empresas. Além disso, tem um imóvel no Brasil que está arrendado, onde também aufere um rendimento mensal. 5. Nesta qualidade, o agregado familiar tem atividade lícita que lhes permite viver e se sustentar em Portugal, declarar e pagar seus impostos regularmente e contribuir para a Segurança Social. 6. E por meio dessas atividades lícitas, digna, exercitada dia-a-dia, é que o Extraditando e sua companheira davam conta de proporcionar uma vida decente para sua família, diferentemente da cultura e vida que poderia ser proporcionada no Brasil. II. DO DIREITO (Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto) a) DA RECUSA FACULTATIVA DA EXTRADIÇÃO – TRATAMENTO DESUMANO. AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES PARA A RESSOCIALIZAÇÃO. DESRESPEITO ÀS CONVENÇÕES E TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE OS DIREITOS HUMANOS. AGRAVAMENTO DA SITUAÇÃO PROCESSUAL 7. O Extraditando refez toda a sua vida em Portugal, não tendo mais vínculos com o Brasil, razão pela qual se fosse transferido para cumprir a pena no sistema penitenciário brasileiro estaria gravemente prejudicado em relação aos direitos que a liberdade, em princípio, não lhe afetaria. 8. Estamos falando do direito à uma vida digna, de contato com a família, de ter todo o suporte material, moral, emocional que o contato com a companheira lhe traria, coisa que se for transferido para o Brasil certamente não terá. 9. Sozinho, em solo brasileiro, Extraditando não terá as melhores condições para se ressocializar, sendo que a pena não tem um fim em si mesmo, muito pelo contrário, possui o caráter pedagógico, sancionador, mas também deve preparar o executado para o retorno à vida social. 10. Em se tratando de um cumprimento da pena de 21 (vinte e um) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, o apenado teria que cumprir muito tempo preso longe do apoio da sua família. 11. E, ainda quando progredisse ao regime semiaberto, precisaria cumprir mais uma boa quantidade da pena remanescente para, somente então, conseguir alcançar o regime aberto e buscar uma autorização para retornar a Portugal para conseguir rever sua família. 12. Isso representa muito tempo longe de sua companheira, o que se agrava ainda mais pelo fato de ela estar em outro País, vivendo sem os seus cuidados, sem o seu suporte, amparo e proteção. 13. Nesse sentido, entende-se que aquele MM. …º Juizado da …ª VEC de …, diante da noticiada situação de excepcionalidade comprovada pelos documentos que instruem este pedido, poderia deixar ao encargo das autoridades portuguesas para, caso não criem nenhum obstáculo para o cumprimento da pena privativa de liberdade naquele país, mantê-lo lá para o resgate da pena de um crime que também é passível de punição em solo português. 14. Não custa rememorarmos que a relação entre Brasil e Portugal é, em boa medida, marcada pelos fluxos dos seus cidadãos de um país para o outro. Esta realidade, de séculos, leva a que, não raro, os Estados português e brasileiro solicitem entre si cooperação judiciária com vista à extradição de cidadãos portugueses e brasileiros que se encontram no Estado requerido por crimes cometidos no território do Estado requerente. 15. Mas não só! Não é raro também que ambos os Estados cooperem entre si para a transferência de processos de execução de penas. 16. Nesse aspecto, estamos falando de seres humanos, de vidas, em que cada caso é um caso, não podendo se colocar todos numa vala comum e, sem analisar os argumentos trazidos pelo preso na iminência de ser extraditado, para permanecer no País em que firmou residência e vive de maneira lícita, com dignidade, ao lado da sua família. 17. Assim, o art. 203 da Constituição da República Federativa do Brasil - CRFB prega que “a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice (...)”. 18. Ainda: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (CRFB, art. 226). 19. A Constituição da República Portuguesa – CRP, dispõe no mesmo sentido, conforme o n.º 1 do art. 67.º, in verbis: “1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.” 20. A nossa lei de cooperação acolhe princípios que foram desenvolvidos pelo Conselho da Europa nas suas convenções setoriais, e a sua aplicação assume especial relevância no domínio da extradição. 21. Sabido em consabido que a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – Convenção CPLP, dispõe na alínea b) do n.º 1 do Art. 3.º que o Estado Requerido pode recusar o auxílio quando considere que existam fundadas razões para crer que existe risco de agravamento da situação processual da pessoa por motivos de instrução, situação econômica ou condição social. 22. Ainda, o art. 6.º, n.º 1, al.s a) e c) da Lei 144/99 de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal) prevê os requisitos gerais negativos da cooperação prevendo que o pedido de cooperação é recusado quando o processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal (“al. a)”) e, ainda, se existir risco de agravamento da situação processual de uma pessoa por qualquer das razões indicadas na alínea anterior (“al. c)”). 23. Assim, a prestação do auxílio por parte de Portugal agravará o risco da situação do processo de execução da pena – tanto na parte legal, quanto prática – do Extraditando, pois estará sozinho, sem apoio da sua família, em um País que não lhe favoreceu a educação e tão pouco condições sociais e econômicas, levando-se em consideração que os processos de execução da pena são pautados por disciplina, ressocialização e reinserção social, apoio da família, entre outros. 24. Ademais, com a crescente de denúncias no que se refere ao sistema prisional brasileiro, revelando círculo vicioso entre aprisionamento, violação de direitos e violência sobrepostas, em um contexto em que os números são alarmantes e as violações imensas, principalmente as praticadas pelo Estado, a pena é tida como promotora de afrouxamento quando não do desfazimento dos laços familiares dos presos. A família deve ser considerada como um lugar para a formação e manutenção da dignidade humana dos seus entes e o papel do Estado deve ser o de preservar e promover esta relação. A respeito dos Direitos Humanos da pessoa em cumprimento de pena privativa de liberdade e a manutenção dos laços familiares são componentes fundamentais para a sua dignidade e integração social. 25. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU) prevê em seu art. 16.º que: “Artigo 16.º [...] A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à protecção desta e do Estado.” 26. Na mesma linha segue o Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, senão vejamos: “ARTIGO 23.º 1 - A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à protecção da sociedade e do Estado.” 27. Por fim, e talvez mais importante que tudo que já foi exposto, temos que levar em consideração que o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal do Brasil, em julgamento ocorrido no mês de outubro passado, precisamente no dia 04.10.2023, em decisão unânime na ADPF1 n.º 347, reconheceu a existência de um cenário de violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro, em que são negados aos presos, por exemplo, os direitos à integridade física, alimentação, higiene, saúde, estudo e trabalho. Ainda, foi estabelecido que a atual situação das prisões compromete a capacidade do sistema de cumprir os fins de garantir a segurança pública e ressocializar os presos. 28. Isto posto, soa estreme de dúvidas que na hipótese de extradição do ora extraditando para o cumprimento de pena em regime fechado no sistema carcerário brasileiro, a justiça brasileira admitirá a imposição de um estado de coisa inconstitucional a um nacional nato, quando se há a opção de mantê-lo no país desenvolvido e com grande qualidade social onde hoje reside legalmente com sua família, em um contexto de vida próspera. 29. Com base no art. art. 3°, 1, do Tratado de Extradição firmado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Portuguesa, de 07 de maio de 1991, quando se puder considerar que a pessoa será sujeita a processo que não ofereça garantias de um procedimento criminal que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos direitos humanos ou cumprirá a pena em condições desumanas, NÃO DEVERÁ SER EFETUADA A EXTRADIÇÃO. 30. Neste sentido, dispõe o art. 2.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU) que: “Artigo 2.º Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.” 31. Ainda, reza o art. 5º do mesmo diploma internacional que: “Artigo 5.º Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.” 1 ADPF: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 32. Na mesma linha de raciocínio, temos o art. 7.º do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, in verbis: “ARTIGO 7.º Ninguém será submetido à tortura nem a pena ou a tratamentos cruéis, inumanos ou degradantes. Em particular, é interdito submeter uma pessoa a uma experiência médica ou científica sem o seu livre consentimento.” 33. E o art. 10.º, n.ºs 1 e 3 do mesmo Pacto dispõe que: “ARTIGO 10.º 1 - Todos os indivíduos privados da sua liberdade devem ser tratados com humanidade e com respeito da dignidade inerente à pessoa humana. [...] 3 - O regime penitenciário comportará tratamento dos reclusos cujo fim essencial é a sua emenda e a sua recuperação social. Delinquentes jovens serão separados dos adultos e submetidos a um regime apropriado à sua idade e ao seu estatuto legal.” 34. Também é essa a garantia da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em seu art. 16.º, n.º 1, senão vejamos: “ARTIGO 16.º 1 - Os Estados partes comprometem-se a proibir, em todo o território sob a sua jurisdição, quaisquer outros actos que constituam penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e não sejam actos de tortura, tal como é definida no artigo 1.º, sempre que tais actos sejam cometidos por um agente público ou qualquer outra pessoa agindo a título oficial, a sua instigação ou com o seu consentimento expresso ou tácito. Nomeadamente, as obrigações previstas nos artigos 10.º, 11.º, 12.º e 13.º deverão ser aplicadas substituindo a referência a tortura pela referência a outras formas de penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.” 35. Apesar de tudo, o Extraditando sempre deixou claro que não pretende se esquivar da sua responsabilidade, sendo que sempre ficou à disposição do judiciário brasileiro e português para cumprir a pena, em território lusitano, que foi condenado. 36. Por tudo que foi exposto, se OPÕE veementemente à sua extradição, uma vez que se for transferido para o Brasil, não terá condições de ser ressocializado, sendo certo que será submetido a tratamentos desumanos e situações degradantes que nem o pior dos criminosos merece, quiçá o próprio Extraditando. 37. E mais, já passa da hora do referido acordo entre Brasil e Portugal ser objeto de revisão e até mesmo revogação, em virtude das situações que aqui são DENUNCIADAS pelo Extraditando, pelo que se requer que tais informações sejam objetos de comunicação para a PGR, fazendo com que o Brasil seja instado a se manifestar sobre a ADPF n.º 347 e as condições do seu sistema carcerário. 38. Nestes termos e nos melhores de direito, entende Extraditando que não estão reunidos os pressupostos que fundamentam o caráter da pena e, principalmente, a função ressocializadora, uma vez que se for extraditado, será afastado da sua família por muitos anos. III. O ESTIGMA DOS CRIMES DE VIOLÊNCIA CONTRA MENORES NO AMBIENTE PRISIONAL 39. Crimes de violência contra menores, especialmente aqueles de cunho sexual, carregam um estigma particular no contexto carcerário. 40. No Brasil, existe uma "lei do crime" não escrita entre os presidiários, segundo a qual indivíduos condenados por delitos sexuais, sobretudo contra crianças, são alvos preferenciais de retaliação violenta. Essa prática, conhecida como "justiça paralela", frequentemente resulta em agressões físicas, tortura ou até mesmo homicídio do condenado, independentemente de medidas oficiais de proteção. 41. Essa "lei do crime" manifesta-se em rituais de violência, como o "batismo" – a recepção de novos presos com agressões para "testar" sua resistência ou puni-los por seus delitos. Para os acusados de crimes contra menores, o batismo é, na verdade, uma punição que frequentemente termina em morte ou mutilação. Relatos de detentos e ex-presidiários, amplamente documentados em estudos como os da Pastoral Carcerária, descrevem cenas de espancamentos coletivos, queimaduras com água quente e execuções sumárias. O extraditando, ao chegar ao Brasil, seria imediatamente identificado como alvo, seja por registros prisionais, seja pela "rádio peão" (comunicação informal entre presos), tornando sua sobrevivência dependente de intervenção estatal que raramente ocorre. 42. Casos documentados, como o assassinato de detentos acusados de estupro em presídios como o … (…), ilustram a vulnerabilidade extrema dessa categoria de presos. 43. A extradição de um cidadão brasileiro de Portugal para o Brasil, nesse cenário, expõe o extraditando a riscos concretos, quais sejam: a) Violência Direta por Parte de Presidiários: A falta de segregação efetiva entre detentos e a incapacidade do Estado de garantir segurança dentro das unidades prisionais aumentam a probabilidade de ataques direcionados. O condenado pode ser identificado rapidamente como "alvo" devido à natureza de seu crime. b) Condições Desumanas de Cumprimento da Pena: A superlotação e a precariedade das instalações comprometem a saúde física e mental do detento, potencializando os riscos de doenças, desnutrição e colapso psicológico, que podem ser agravados por abusos sofridos devido à natureza de seu crime. c) Incapacidade Estatal de Proteção: Apesar de existirem previsões legais para a proteção de presos vulneráveis (como o artigo 84 da Lei de Execução Penal), a implementação é falha, e unidades de segurança máxima, como as prisões federais, são exceção, não regra. 44. A entrega de um indivíduo a um sistema onde sua integridade física e sua vida estão em perigo iminente pode ser interpretada como uma violação do princípio da proibição de tratamentos desumanos ou degradantes, consagrado tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos quanto na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (artigo 3º). 45. Abaixo, exemplos concretos de casos reais que ilustram os riscos enfrentados por indivíduos condenados por crimes de abuso contra menores no sistema carcerário brasileiro, cujos quais não podem ser ignorados pela Justiça Portuguesa: a) Caso … (…, 2014-2020): … condenado a 181 anos de prisão por abusar sexualmente de pacientes, incluindo menores, … enfrentou ameaças constantes no presídio de …(…). Apesar de estar em uma unidade destinada a presos "vulneráveis", relatos indicam que ele sofreu pressões e tentativas de extorsão por outros detentos. Sua condição de saúde deteriorou-se rapidamente, levando a pedidos de prisão domiciliar, o que reflete a dificuldade de protegê-lo mesmo em um ambiente controlado. b) Massacre no … (…, 2013): Em um dos episódios mais violentos da história recente, detentos acusados de estupro, incluindo crimes contra menores, foram alvos específicos durante uma rebelião. Três presos foram decapitados por outros detentos, e seus corpos exibidos como "troféus". O caso expôs a incapacidade do Estado de conter a "justiça paralela" e a brutalidade direcionada a esse perfil de criminoso. c) Assassinato de … (…, 2008-presente): Condenado pelo assassinato de sua filha de 5 anos, …, em um caso que chocou o país, …foi alvo de ameaças repetidas na Penitenciária de … Apesar de estar em uma unidade de segurança diferenciada, a hostilidade dos demais presos e o risco de ataques persistem, evidenciando que nem mesmo alas especiais garantem proteção total. d) Rebelião em … (…, 2017): Durante o confronto entre facções, um preso acusado de estupro de uma criança foi identificado, separado do grupo e morto a golpes de faca por detentos do …. O corpo foi mutilado e jogado em uma área comum do presídio, em um ato simbólico de punição. 46. Portanto, o caso apresentado aqui nestes autos, que deram origem ao pedido de extradição são sérios, sendo que Portugal, ao avaliar o pedido de extradição, pode invocar a cláusula de recusa facultativa prevista nos acordos internacionais, uma vez que constatado que o Brasil não oferece garantias suficientes de proteção ao extraditando. 47. Além disso, como mencionado anteriormente, o Supremo Tribunal Federal brasileiro já reconheceu, em decisões como o julgamento da ADPF 347 (que declarou o sistema prisional em "estado inconstitucional de coisas"), a crise humanitária nas prisões, reforçando a necessidade de cautela em casos de extradição. IV. DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS FINAIS 48. Ex positis, requer seja indeferido o requerimento de extradição, por: a) Seja a presente OPOSIÇÃO recebida, em todos os seus termos, para a final ser(em) o(s) pedido(s) de extradição RECUSADO(S), com fundamento no art. 6.º, al.s a) e c) da Lei n.º 144/99 de 31 de Agosto; (…).” 9. O MP respondeu, alegando, em síntese, o seguinte: “Nesta fase processual o direito de defesa traduz-se no direito a deduzir oposição ao pedido de extradição, conforme disposto no artigo 55.º, n.º 2 da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, nos termos do qual a oposição só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição. Vejamos. Ora, dúvidas não há de que o oponente seja a pessoa reclamada. E não se vislumbra, no caso concreto, e com os elementos disponíveis, razões que justifiquem o não cumprimento do pedido de extradição por não verificação dos respetivos pressupostos. Quanto aos pressupostos da extradição releva a Constituição da República Portuguesa e as normas da CECPLP, devendo atentar-se nas causas de inadmissibilidade e de recusa facultativas previstas especificamente nesta convenção. Para efeitos do artigo 2.º da CECPLP, constata-se que os factos que originaram o pedido de extradição: - são puníveis pela lei penal brasileira como crime; - são tipificados como crime segundo a lei portuguesa; Dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano. Sendo que, nos termos do artigo 31.º, n.ºs 2 e 4, da Lei n.º144/99, de 31/08, os factos pelos quais o requerido foi condenado são puníveis à luz da lei portuguesa, como crime com pena de prisão superior a 1 ano, e a pena a cumprir é superior a 4 meses. E no que respeita às causas de inadmissibilidade da extradição e causas de recusa facultativa, previstas nos artigos 3.º e 4.º da CECPLP, não se verificam, a saber: - a pena a cumprir pelo requerido no estado requerente não é pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da sua integridade física, nem é prisão perpétua ou de duração indefinida - cfr. artigos 33.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, e 3.º, n.º1, alínea a), e 4.º, alínea b), ambos da CECPLP; - O crime não tem natureza militar artigo 3.º, n.º1, alínea c) da CECPLP. - O crime não foi cometido em Portugal e os factos pelos quais o extraditando foi condenado não foram nem são objeto de processo em Portugal, nem foram objeto de indulto, amnistia ou perdão - artigos 3.º, n.º1, alínea d) e 4.º, alínea c) da CECPLP e 32.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 144/99, de 31/08. - O reclamado não foi condenado por um tribunal de exceção - artigo 3.º, n.º1, alínea e) da CECPLP; - A pena aplicada não se mostra extinta por efeito da prescrição quer nos termos da legislação da parte requerente, quer nos termos da legislação portuguesa - artigo 3.º, nº1, alínea f) da CECPLP. - O extraditando não tem nacionalidade portuguesa – artigos 33.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa e 4.º, alínea a) da CECPLP e 32.º, n.º1, alínea b) da Lei n.º 144/99, de 31/08. - Não existe obstáculo ao procedimento criminal em razão da idade do requerido - artigo 4.º, alínea d) da CECPLP. - O requerido não foi condenado à revelia artigo 4.º, alínea e) da CECPLP. Sobre esta matéria foi já produzida abundante jurisprudência, no sentido de que a CECPLP estabelece um regime taxativo de causas de recusa da extradição, inexistindo qualquer lacuna a preencher pela Lei n.º 144/99, de 31/08, ou qualquer margem para invocar outras causas de recusa, que não as previstas na Convenção. Ora, os fundamentos invocados pelo oponente, não estando previstos na convenção, não dão azo à recusa do pedido de extradição. A circunstância de o extraditando ter a sua vida, e da sua família, pessoal e profissional, organizada em Portugal não obsta ao deferimento do pedido, dado que o respeito pela vida privada e familiar não é, naturalmente, um direito absoluto e cede perante as exigências de prestar contas à justiça, maxime quando estão em causa factos de elevada gravidade e o visado abandonou o território do país que solicita a sua extradição. No que se refere a toda a argumentação relativa às condições das prisões do Estado requerente e às garantias processuais aí asseguradas, importa não extravasar o objeto restrito deste processo, sendo que nenhum facto e circunstâncias concretas são invocados, para além das comuns consequências inevitáveis de eventual sujeição ao cumprimento de uma pena criminal, não existindo em concreto quanto ao extraditando motivos sérios para crer na existência de risco real de sujeição a tratamentos desumanos ou degradantes. Todas as considerações genéricas sobre o concreto estado da ordem jurídica do estado requerente são apenas ponderáveis no âmbito dos órgãos do Estado Português que decidem politicamente quanto à política internacional, designadamente para celebrar tratados e para os manter, remetendo-se para o teor do pedido de extradição, do Parecer de Sua Excelência o Procurador-Geral da República e do Despacho de Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça que considera admissível o pedido de extradição apresentado pela República Federativa do Brasil. Certamente que a Senhora Ministra da Justiça não consideraria admissível o presente pedido de extradição se existisse um risco real do extraditando vir a ser sujeito a um tratamento desumano e degradante. A mera existência de elementos que atestem deficiências, quer sejam sistémicas ou generalizadas, quer afetem determinados grupos de pessoas ou ainda determinados centros de detenção, no que respeita às condições de detenção no Estado-Membro de emissão, não implica necessariamente que, num caso concreto, a pessoa em causa seja sujeita a um tratamento desumano ou degradante em caso de entrega às autoridades desse Estado-Membro. O Brasil não deixa de ser um Estado de Direito e tem de existir uma mínima confiança mútua institucional. A «Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa», em parte alguma do seu articulado, nomeadamente nos seus artigos 3.º e 4.º – normas que, de forma taxativa, indicam, respetivamente, os casos e situações de inadmissibilidade de extradição e de recusa facultativa de extradição –, prevê a possibilidade de denegação ou de recusa de extradição com fundamento no alegado deficiente funcionamento do sistema de justiça e prisional do Estado requerente emissor do pedido de cooperação. O pedido de extradição objeto dos autos foi formulado pela República Federativa do Brasil que, tal como a República Portuguesa, assinou a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, aprovada por Resolução da Assembleia da República n.º 49/08 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 66/08, de 01-09, publicado no DR, I série, de 23-11-05, está vinculada às regras constantes daquela Convenção, conforme resulta expressamente do seu art. 1.º, sob a epígrafe “Obrigação de extraditar”. Quer o elenco dos requisitos gerais negativos da cooperação internacional constantes do art. 6.º, quer o elenco das circunstâncias de não admissibilidade da cooperação constantes o art. 8.º, ambos da Lei n.º 144/99, de 31-08, não incluem a falta de declaração formal pretendida pelo requerido. Tão pouco o caso em apreço integra qualquer das previsões do art. 32.º da mesma Lei. Quanto à alegada “disfuncionalidade” do sistema de justiça e prisional do Estado brasileiro, e ao risco de incumprimento do compromisso assumido pelas suas autoridades judiciárias perante o Estado português, de observância das regras da Convenção dos Estados Membros da CPLP, as reservas manifestadas pelo requerido não encontram qualquer correspondência nos procedimentos levados a cabo pelas autoridades judiciárias brasileiras no caso destes autos. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que as alegações sobre a atual situação prisional no Brasil não constituem causa de recusa da extradição, sublinhando que o princípio da confiança mútua impõe que cada um dos Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa que firmaram a Convenção respeite os direitos fundamentais e não permita a existência de condições desumanas nos estabelecimentos prisionais. Neste sentido, veja-se o acórdão do STJ de 30/10/2013, proferido no processo n.º 86/13.8YREVR.S1: I- A Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP e a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal não contemplam a possibilidade de substituição da extradição do recorrente pelo cumprimento em Portugal da pena que lhe foi imposta. II - Ao contrário do que sucede com o n.º 2 do art. 18.º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP não prevê, no seu art. 4.º, a possibilidade de recusa da extradição, quando esta possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal. III - Mesmo o n.º 2 do art. 18.º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, faz depender a denegação facultativa da extradição, não só das consequências que possa implicar para a pessoa visada, mas também de um juízo de ponderação de interesses entre a gravidade do facto criminoso e a gravidade das consequências da extradição. V - A Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP não prevê a possibilidade de recusa de extradição com fundamento no alegado funcionamento deficiente do sistema de justiça e do sistema prisional do Estado emissor do pedido de cooperação. E, no mesmo sentido, o acórdão do STJ de 30/07/2021, proferido no processo n.º 209/21.3YRLSB.S1, e o acórdão do tribunal da relação de Évora de 24/01/2023, proferido no processo n.º 230/22.4YREVR. E ainda o acórdão do STJ de 06/10/2021, proferido no processo n.º 1627/21.2YRLSB-3: (…) II- Uma vez que neste pedido de extradição, a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa são, respetivamente, Estado requerente e Estado requerido, o regime definido na Convenção entre os Países da CPLP substitui ou afasta a aplicação das normas da Lei nº 144/99 de 31 de agosto que regulem a mesma matéria. Ainda em conformidade com o previsto no artigo 25º nº 1, as disposições da Convenção CPLP sobrepõem-se às disposições do anterior Tratado de Extradição entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinado em Brasília em 7 de Maio de 1991; III - A jurisprudência tem afirmado unanimemente que o circunstancialismo decorrente da atual situação prisional no Brasil não constitui causa de recusa da extradição, sublinhando que o princípio da confiança mútua impõe que cada um dos Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa que firmaram a Convenção respeite os direitos fundamentais e não permita a existência de condições indignas ou desumanas nos estabelecimentos prisionais. IV - No artigo 4º da Convenção da CPLP, norma que enuncia de forma taxativa as causas de recusa facultativa da extradição, não se inclui a possibilidade de denegação da cooperação internacional quando do deferimento do pedido possam resultar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal, tal qual sucede com o n.º 2 do artigo 18º da Lei nº 144/99, de 31 de agosto. Bem como o acórdão proferido no Processo n.º 72/23.0YRCBR.S1, de 29/06/2023: (…) II - Sobre a extradição em que Portugal seja parte, entre outros instrumentos legislativos nacionais, aplicam-se as disposições, substantivas e processuais, fixadas no regime jurídico relativo à cooperação internacional em matéria penal, Lei n.º 144/99, de 31/08 (designadamente, os arts. 21.º. 29.º, 31.º a 43.º, 48.º a 60.º); da CRP (art. 33.º); do CPP, (designadamente art. 229.º e ss. e as disposições relativas à detenção e à aplicação de medidas de coacção) e do CP. Porém, apenas, subsidiariamente estes outros instrumentos legislativos se aplicam ao processo de extradição assente em instrumento legislativo convencional – art. 3.º, da Lei n.º 144/99. III – (…) aquilo que a lei impõe é que a decisão de extradição tem de assentar em requisitos específicos exigidos nos termos dos arts. 3.º e 4.º (cujo elenco é taxativo) da Convenção da Extradição entre os Estados Membros da CPLP, e em garantias prestadas pelo Estado requerente. IV - Em caso de extradição e não existindo norma específica, o disposto no art. 6.º, n.º 3, da Lei n.º 144/99, indica um caminho para apreciação do juízo de suficiência sobre a exigência de garantias a prestar pelo Estado requerente, designadamente tendo em conta a legislação e a prática do Estado requerente, a possibilidade de não aplicação da pena, de reapreciação da situação da pessoa reclamada e de concessão da liberdade condicional, bem como a possibilidade de indulto, perdão, comutação de pena ou medida análoga, previstos na legislação do Estado requerente. V - A suficiência da garantia prestada pelo Estado requerente bastase, com a indicação de que na ordem jurídica do Estado requerente existem os instrumentos legislativos adequados a fazer cumprir o acordo e a garantia prestada, designadamente os meios de impugnação ou de recurso, caso as mesmas não sejam cumpridas; ou a assumpção do compromisso de não aplicação de penas e medidas que atentem contra a integridade física do extraditando, entre outras; ou mesmo a existência de mecanismos de queixa ao nível nacional ou internacional, que permitam a intervenção de entidades nacionais e/ou internacionais que possam influir nos Estados, com vista à alteração do modo como prestam serviços públicos ou de interesse comunitário. VI - A exigência de uma apreciação da realidade concreta do modo de funcionamento e organização do sistema prisional do Estado requerente não é compatível com a observação do princípio da confiança e da boa-fé em que a ordem jurídica dos Estados Contratantes da Convenção da Extradição entre os Estados Membros da CPLP se funda, bem como, com a seriedade do compromisso, princípios que estão na base dos acordos que asseguram as garantias de cumprimento e respeito pelas decisões emanadas de Estados de direito. VII - O que sempre se exigiu e analisou é que a realidade concreta é a garantia oferecida pelo Estado requerente, ou seja, pela sua ordem jurídica e pela declaração do Estado requerente que a fará implementar. É o que está na base da celebração dos tratados e acordos de extradição: o princípio da confiança. Confiar que o outro Estado vai cumprir o que consta do acordo. VIII - Por isso, não colhe alegar que o sistema prisional que está instalado no Estado requerente padece de deficiências que o permitem qualificar como um sistema inseguro e violento porquanto tais razões não integram a causa de recusa inscrita no direito convencionado. IX - A Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa prevê taxativamente, no seu art.º 4º, sob a epígrafe de recusa facultativa de extradição, as circunstâncias em que a extradição pode ser recusada, não se verificando a possibilidade de recusa da extradição, tal como se preceitua no n.º 2, do citado art. 18.º, da Lei 144/99, Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal. X - O extraditando não invocou quaisquer razões em função da idade, estado ou saúde ou motivos de carácter pessoal que fundamentem uma avaliação objectiva de circunstâncias factuais e que permitam concluir por uma situação de gravidade das consequências que a sua extradição importa. De todo o modo, em nenhum caso, seja para a execução da pena seja para a extradição, as condições materiais em que fica o condenado ou a sua família são razões para não se executar a pena. 16 - Acresce que a República Federativa do Brasil é um Estado soberano, de democracia institucionalmente constituída e consolidada, cuja constituição garante o respeito pela dignidade da pessoa humana, a independência dos poderes legislativo, executivo e judiciário, de igualdade dos cidadãos perante a lei. 17- Sendo que subjacente à celebração da convenção se encontra a ideia de cooperação judiciária internacional em matéria penal, com vista ao combate célere e eficaz da criminalidade, com base no princípio da confiança mútua entre os Estados contratantes, e do respeito pela soberania de cada Estado, assente na convicção de que todos os Estados contratantes comungam de valores nucleares em matéria de direitos humanos. 18- Mais se dirá que o Brasil não é um Estado Membro da União Europeia, nem tão pouco se situa no continente europeu. E desta elementar circunstância geográfica decorre a inaplicabilidade do direito europeu, designadamente do regime legal do Mandado de Detenção Europeu, previsto na Decisão-Quadro 2002/584/JAI, de 13 de junho, na Decisão-Quadro 2009/299/JAI, do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, e na Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, bem como do regime da transmissão de sentenças penais para efeitos de execução de pena na União Europeia, previsto na Decisão-Quadro 2008/909/JAI, de 27/11/2008, e na Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro. Donde, inexistindo norma que articule o processo de extradição com o processo de transmissão e reconhecimento de sentença com vista à execução da pena, não pode tal desiderato ser perseguido no processo de extradição, ao contrário do que sucede no regime legal do mandado de detenção europeu. Nem tão pouco se aplica, no caso concreto, a Convenção Europeia de Extradição, pois esta vincula os Estados signatários sempre que um deles ou ambos, embora pertencentes ao continente europeu, o que não é o caso, não sejam parte da União Europeia. E inexiste qualquer ascendente hierárquico da CEDH sobre a CECPLP. 19 - Por último, ainda se dirá que resulta inequívoco do junto aos autos Formulário Para Pedido de Extradição emitido por Juíza de Direito datado de 29/01/2025, no ponto 12) Garantias: “Assumo as seguintes garantias a serem apresentadas pelo Estado brasileiro ao Estado requerido: (…) VI- Não submeter o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. (…)”. Em face do exposto, verificados que se mostram os requisitos de que depende a extradição nos termos requeridos, deverá ser indeferida a oposição do requerido por falta de fundamento legal, deferindo-se o pedido de extradição e, em consequência, ser determinada a entrega do cidadão ao Estado requerente, assim se cumprindo compromissos internacionalmente assumidos pelo Estado Português em matéria de extradição.!” 10. Procedeu-se ao exame do processo e, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação. II-a. Fundamentos de facto. Encontram-se provados os seguintes factos: 1. AA, no âmbito do Processo -crime n.º … da ….ª Vara Criminal do Foro Central de …, Brasil, foi condenado, por Acórdão do Superior Tribunal de Justiça transitado em julgado em 30.05.2022, na pena de 21 anos e 3 meses de reclusão em regime fechado. 2. Os factos por que foi condenado são, em síntese, os seguintes (transcrição): “O cidadão em causa, em dias não especificados do ano de 2014, em … - Brasil, em diversas ocasiões, praticou actos libidinosos que não de relação sexual, contra a vítima …., com idade compreendida entre os 12 e os 13 anos de idade. O arguido, então padrasto da vítima, para satisfazer a sua lascívia, entrava no quarto e deitava-se ao lado da sua enteada e, com fins libidinosos, passava as mãos no corpo, nos seios e na vagina da vítima. A conduta acima descrita foi perpetrada no âmbito da convivência doméstica vigente, em ambiente intrafamiliar e o arguido tirou partido desse acesso e proximidade com a vítima para cometer tais actos libidinosos.” 3. Não se mostra extinto, por prescrição, o procedimento criminal respetivo perante a lei da República Federativa do Brasil ou a legislação portuguesa. 4. As autoridades brasileiras pretendem que AA seja extraditado para a República Federativa do Brasil para cumprimento da referida pena de prisão. 5. AA tem nacionalidade brasileira. 6. Foi detido com fundamento no mandado de detenção internacional emitido em 16 de janeiro de 2025 pela República Federativa do Brasil, inserido no sistema de informação oficial da Interpol sob notícia vermelha. 7. Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, pelo despacho n.º …/2025, assinado em 20.02.2025, declarou admissível o pedido de extradição. 8. O pedido formal de extradição foi recebido neste Tribunal, mostra-se junto aos autos e encontra-se devidamente instruído, pela forma legalmente exigida pela Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. 9. Inexiste conhecimento de que se encontre pendente em Portugal qualquer processo com o mesmo objeto. Inexistem quaisquer outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão. A convicção deste Tribunal quanto aos factos provados, formou-se com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos emanados das autoridades brasileiras e bem assim do teor do despacho de Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, cuja veracidade não está colocada em causa. II-b. Fundamentos de direito Tendo em conta a oposição deduzida pelo extraditando, as questões a decidir são as seguintes: 1.ª questão – Da recusa facultativa da extradição. Tratamento desumano. Ausência de condições de ressocialização. Desrespeito às convenções e tratados internacionais sobre os direitos humanos. Agravamento da situação processual. 2.ª questão - Condições no sistema prisional brasileiro. Apreciemos. Generalidades. O Ministério Público promove o cumprimento do pedido de extradição formulado pelas autoridades da República Federativa do Brasil, para cumprimento de pena. De acordo com o art.º 3.º, com referência ao art.º 1.º da L 144/99, a extradição rege-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português, só havendo lugar à aplicação da aludida lei na falta desses instrumentos internacionais ou na sua insuficiência, sendo que a CECPLP, no seu art.º 25.º, n.º 1, estabelece que “substitui, no que respeita aos Estados aos quais se aplica, as disposições de tratados, convenções ou acordos bilaterais que, entre dois Estados Contratantes, regulem a matéria da extradição.” A República Federativa do Brasil invoca precisamente as normas desta Convenção para fundamentar a sua pretensão. Tal pedido, que foi julgado admissível por despacho de Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça e, como ali se menciona, refere-se a factos subsumíveis ao artigo 217-A, c/c artigo 226, inciso II, na forma do artigo 71.º., todos do Código Penal da República Federativa do Brasil, por factos que tiveram lugar em 2014 e tendo a decisão transitado em julgado em 30.05.2022. O extraditando é o próprio e foi informado da matéria do pedido de extradição. O pedido de extradição integra cópia dos documentos pertinentes, comprova a existência de ordem de detenção do extraditando e foi regularmente transmitido, obedecendo aos requisitos de forma e de conteúdo previstos no art.º 10.º da CECPLP. O crime por que o extraditando se encontra condenado tem correspondência no disposto no art.º 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b, ambos do Código Penal Português, sendo punível com pena de duração máxima abstratamente aplicável de 8 anos de prisão, agravada em um terço. Tal pena não se mostra extinta por prescrição, nos termos do art.º 109.º e 110.º do Código Penal da República Federativa do Brasil e nos termos do disposto do art.º 122.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Português. Analisemos então os motivos apresentados pelo extraditando para a sua oposição ao pedido. 1.ª questão – Da recusa facultativa da extradição. Tratamento desumano. Ausência de condições de ressocialização. Desrespeito às convenções e tratados internacionais sobre os direitos humanos. Agravamento da situação processual. Começa o extraditando por afirmar que refez toda a sua vida em Portugal e que, caso venha a cumprir a sua pena no Brasil “estaria gravemente prejudicado em relação aos direitos que a liberdade, em princípio, não lhe afetaria.” Estamos de acordo. Se qualquer condenado, em qualquer local do mundo, não cumprir uma pena de reclusão que lhe foi aplicada, obviamente que não ficará “gravemente prejudicado” porque terá todos os direitos que a liberdade lhe proporciona. Impõe-se, aqui, no entanto, uma observação prévia: “O Direito penal deve criar, mediante o afastamento da violência e da arbitrariedade, um espaço de convivência dentro do qual se possa decidir livremente e adotar as suas resoluções segundo a sua própria discricionariedade. Por isso, o Direito penal não só limita, como também cria liberdade. A aplicação da justiça distributiva significa em Direito penal que vulnerações consideráveis do Direito não podem ser bagatelizadas através de atenuações arbitrárias nem tampouco dramatizadas com excessiva dureza, para que se imponha ao agente “aquilo que mereça”, uma parcela de liberdade, património ou prestígio, que torne reconhecível de modo geral o facto ilícito cometido e que impeça a sua legitimação pela consciência da comunidade.”2 Assim, a “liberdade” de permitiu a sua resolução criminosa e a concretização do facto ilícito impõe que cumpra aquilo que mereça (e que três instâncias judiciárias do Brasil determinaram), ou seja, a ablação da parcela da sua liberdade que sentença penal transitada determinou, deslegitimando a prática daquele facto ilícito perante a comunidade. Estamos perante uma evidência que a asserção invocada pelo requerido infelizmente torna necessário esclarecer. Por seu turno e mais especificamente, estabelece-se na CECPLP: Artigo 1º Obrigação de extraditar Os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente. Artigo 2.º Factos determinantes da extradição 1 - Dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano. 2 - Se a extradição for requerida para o cumprimento de uma pena privativa da liberdade exige-se, ainda, que a parte da pena por cumprir não seja inferior a seis meses. 3 - Se a extradição requerida por um dos Estados Contratantes se referir a diversos crimes, respeitado o princípio da dupla incriminação para cada um deles, basta que apenas um satisfaça as exigências previstas no presente artigo para que a extradição possa ser concedida, inclusive com respeito a todos eles. Artigo 3.º Inadmissibilidade de extradição 1 - Não haverá lugar a extradição nos seguintes casos: a) Quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física; b) Quando se tratar de crime que o Estado requerido considere ser político ou com ele conexo. A mera alegação de um fim ou motivo político não implicará que o crime deva necessariamente ser qualificado como tal; c) Quando se tratar de crime militar que não constitua simultaneamente uma infracção de direito comum; d) Quando a pessoa reclamada tiver sido definitivamente julgada, indultada, beneficiada por amnistia ou objecto de perdão no Estado requerido com respeito ao facto ou aos factos que fundamentam o pedido de extradição; e) Quando a pessoa reclamada tiver sido condenada ou dever ser julgada no Estado requerente por um tribunal de excepção; f) Quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido. 2 - Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 não se consideram crimes de natureza política ou com eles conexos: a) Os crimes contra a vida de titulares de órgãos de soberania ou de altos cargos públicos ou de pessoas a quem for devida especial protecção segundo o direito internacional; b) Os actos de pirataria aérea e marítima; c) Os actos a que seja retirada natureza de infracção política por convenções internacionais de que seja parte o Estado requerido; d) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949; e) Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1984. Artigo 4.º Recusa facultativa de extradição A extradição poderá ser recusada se: a) A pessoa reclamada for nacional do Estado requerido; b) O crime que deu lugar ao pedido de extradição for punível com pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida; c) A pessoa reclamada estiver a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido; d) A pessoa reclamada não puder ser objecto de procedimento criminal em razão da idade; e) A pessoa reclamada tiver sido condenada à revelia pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, excepto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente.” * Consequências graves da extradição para o extraditando e a sua “ressocialização”, dado que cumprirá a sua pena noutro país e longe da sua companheira3. Antes de mais, importa sublinhar que o previsto no art.º 18.º, n.º 2 da L 144/99 não é aqui aplicável, pois a CECPLP regula cabal e taxativamente os motivos de inadmissibilidade da extradição ou sua recusa facultativa e a problemática familiar não consta do elenco, nem de uns, nem de outros. A este propósito, lê-se no Acórdão do STJ de 21.04.2021 proferido no processo n.º 5/21.8YREVR.S1, disponível em www.dgsi.pt: “Dispõe o artº 25º, nº 1, da referida Convenção que «A presente Convenção substitui, no que respeita aos Estados aos quais se aplica, as disposições de tratados, convenções ou acordos bilaterais que, entre dois Estados Contratantes, regulem a matéria da extradição.» Significa isto que não tem aplicação do artº 18º, nº 2, da L. 144/99 de 31/8, como bem se refere no ac. do S.T.J. de 30/10/2013: «da hermenêutica do preceito do artigo 4.º da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa resulta que ali se indicam taxativamente as situações de recusa facultativa da extradição»”. Porém, ainda que “assim se não entendesse, tem vindo a consolidar-se no Supremo Tribunal de Justiça o entendimento, a que aderimos, de que “não se enquadra como motivo de recusa de extradição prevista no artigo 18º, nº 2, da LCJ “circunstâncias graves para a pessoa visada em razão de outros motivos de carácter pessoal”, o facto do extraditando ter família (filhos) a residir no nosso País. Tem-se decidido no sentido que o afastamento da família é uma consequência “inevitável” da extradição (…) e que não se sobrepõe ao superior interesse da cooperação internacional no prosseguimento da boa administração da justiça”, como elucida cabalmente o Ac. Do STJ de 23/04/2020, Proc. nº 498/18.0YRLSB.S1, consultável no referido sítio, que também é acompanhado, entre outros, pelo referenciado Ac. do mesmo Tribunal de 21/04/2021.”4 Improcede, assim, este segmento de questão. Quanto à possibilidade de cumprimento da pena em Portugal sugerido pelo requerido, como já tivemos oportunidade de referir, não é admissível neste procedimento. Com efeito, como já dissemos, , verifica-se que, pura e simplesmente, não se mostra prevista na CECPLP a possibilidade de, neste âmbito processual específico, a substituição da extradição pelo cumprimento da pena em Portugal. Obviamente, como também assinalámos, não estará o extraditando, no país requerente, impedido de formular tal pretensão, que será apreciada segundo o ordenamento jurídico aplicável.5 Improcede, assim, este segmento de questão. * Vem também o requerido invocar o disposto no “Tratado de Extradição firmado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Portuguesa em 07 de maio de 1991”, especificamente quanto à seguinte norma6: Artigo 3.º Inadmissibilidade de extradição 1 - Não haverá lugar a extradição nos seguintes casos: (…) h) Haver fundadas razões para considerar que a pessoa reclamada será sujeita a processo que não ofereça garantias de um procedimento criminal que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos direitos do homem ou cumprirá a pena em condições desumanas; (…) Porém, “a invocação (…) não tem razão de ser, nem aplicação no caso dos autos, uma vez que deixou de vigorar desde a entrada da CEEMCPLP, como resulta do seu art. 25.º, n.º 1.”7 Improcede, assim, também este segmento de questão. Segundo o requerido a “Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – Convenção CPLP, dispõe na alínea b) do n.º 1 do Art. 3.º que o Estado Requerido pode recusar o auxílio quando considere que existam fundadas razões para crer que existe risco de agravamento da situação processual da pessoa por motivos de instrução, situação econômica ou condição social.” Ora, a acima mencionada CECPLP, no seu art.º 3.º, n.º 1, b) refere-se a crimes políticos, aqui sem aplicação. Caso se esteja a referir ao acima mencionado “Tratado de Extradição firmado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Portuguesa em 07 de maio de 1991”, também este instrumento, na referida norma, ao local da infração, igualmente aqui sem aplicação. Finalmente, a L 144/99 (no seu art.º 6.º, alínea c) menciona um agravamento da situação processual de uma pessoa por razões (mencionadas na alínea b) que aqui não têm qualquer aplicação ou justificação8. De qualquer forma, sempre se dirá que “[a] obrigação de extraditar que resulta do art. 1.º para os Estados contratantes da referida Convenção (CEEMCPLP) apenas pode ser recusada quando ocorrem os motivos de inadmissibilidade previstos no seu art. 3.º ou os de recusa facultativa previstos no seu art. 4.º. Trata-se, pois, de um regime próprio e taxativo em matéria de causas de recusa de extradição no âmbito da referida Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, que delimita em conformidade a soberania dos Estados Contratantes, inexistindo lacuna a preencher nesse domínio, pelo que não faz sentido recorrer às normas da Lei n.° 144/99.9 Improcede, também este segmento de questão. 2.ª questão - Condições no sistema prisional brasileiro. Segundo o requerido, se for extraditado para o Brasil, será submetido a um sistema prisional onde ocorrem “violação de direitos e violência sobrepostas”, o que poderá colocar em causa a sua integridade física, saúde e até a vida. Esta questão tem sido sucessivamente suscitada quando está em causa a extradição para a República Federativa do Brasil e tem tido resposta caracterizada pela uniformidade pelo STJ. Assim, pode ler-se no Acórdão de tal Tribunal 21.04.2021, proferido no processo n.º 5/21.8YREVR.S1 e disponível em www.dgsi.pt: “(…) Brasil é um Estado democrático, assente em princípios fundamentais como a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a separação de poderes, regendo-se nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, sendo certo que subscreveu inúmeras convenções internacionais respeitantes aos direitos humanos e à Cooperação Judiciária Internacional, nomeadamente a Convenção de 1987 contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e a Convenção de extradição entre os Estados membros da CPLP, razão pela qual as autoridades brasileiras não deixarão de assegurar, de forma integral, o respeito pelos direitos fundamentais do extraditando. Como, aliás, se refere no Ac. STJ de 7/9/2017, Proc. 483/16.7YRLSB.S1, «Tendo cada país um regime político-criminal próprio os países subscritores da Convenção da CPLP não deixaram de ter em conta uma comum identidade de princípios e valores de defesa dos direitos humanos quando reciprocamente se obrigaram à extradição enquanto forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, de forma a combater de forma eficaz a criminalidade. E no que respeita ao Brasil, que é hoje indiscutivelmente um país democrático, é desde logo a Constituição da República que no seu art.º 1.º garante a dignidade da pessoa humana, a independência dos poderes (legislativo, executivo e judiciário) (art.º 2.º), a regência das suas relações internacionais com prevalência dos direitos humanos (…) e a concessão de asilo político (art.º 4.º). (…) Para além disso, o Brasil é um Estado Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (1966), que ratificou em 1992, bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e que, à semelhança da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, não deixam de lhe conferir o direito a um processo justo e equitativo, no modo como é consagrado pelo art.º 6.º desta Convenção e acolhido no art.º 20.º da CRP, como, de resto, explanou o acórdão recorrido, do direito à publicidade, direito ao contraditório, direito à igualdade de armas, direito a estar presente, direito ao silêncio e direito a julgamento em prazo razoável»”. De qualquer forma, como já tivemos oportunidade de sublinhar, a CECPLP não contempla a possibilidade de recusa da extradição fundamentada em alegadas más (ou mesmo péssimas) condições do sistema prisional do Estado emissor do pedido de cooperação, sendo certo que, como se pode ainda ler no mesmo aresto (citando o Acórdão do STJ de 30.10.2013, proferido no processo n.º 86/13.8YREVR.S1), “à dita Convenção “encontra-se subjacente a ideia de cooperação judiciária internacional em matéria penal, tendo em vista o combate célere e eficaz da criminalidade, na base da confiança recíproca entre os Estados contratantes e do reconhecimento mútuo, princípios através dos quais se garante que as decisões judiciais de qualquer um dos Estados serão respeitadas e tomadas em consideração por todos os outros Estados nos precisos termos em que foram proferidas””. Daí que não se vê que que a extradição para o Brasil, por si só, coloque em risco a integridade física ou a vida do requerido Invoca ainda o extraditando o teor do ADPF10 n.º 347 do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal do Brasil de 04.10.202311 para obstar à extradição. Vejamos. Como se escreveu no mencionado Acórdão do STJ de 03.01.2024, com a aludida ADPF “pretende-se melhorar o sistema prisional brasileiro, o que é positivo, mas não ficou inviabilizado que o sistema prisional continue a funcionar. De recordar que o art. 1.º da Constituição do Brasil estabelece o princípio da dignidade da pessoa humana como princípio basilar do Estado Democrático de Direito, e o art. 5.º garante que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, enquanto a Lei nº 7.210, de 11 de Julho de 1984 (Lei de Execuções Penais) regula, além do mais, os direitos que são assegurados aos condenados/detidos. Considerando a legislação nacional e internacional a que o Brasil está vinculado, pode-se concluir que está garantida a proteção do recorrente em estabelecimento prisional (tanto mais que o próprio Brasil também está vinculado, entre outras, à Convenção Universal dos Direitos do Homem e à própria Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis). Ora, na própria notícia vermelha relativa ao seu pedido de detenção, consta no que se refere à “Localização e prisão com vista à extradição”: Garante-se que a extradição será solicitada após detenção da pessoa em causa, em conformidade com a legislação nacional e/ou com os tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis. Portanto, foi garantido pelo Brasil o cumprimento dos tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis. Daí que o Estado requerido (Portugal) deva dar crédito às garantias dadas pelo Estado requerente (Brasil), sendo certo que, ainda que não fosse esse o caso, o recorrente teria no Brasil meios judiciais de exigir o cumprimento que aquele Estado se vinculou para com Portugal, no âmbito do pedido de extradição. (…) A CEEMCPLP, nos seus arts. 2.º a 4º não tinha de contemplar sequer qualquer referência à CEDH e/ou a outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados pelo Brasil, como o faz o art. 6.º, al. a), da Lei 144/99, pois os Estados contratantes daquela Convenção, como se esclarece ao ac. do STJ de 7.09.2017, processo n.º 483/16.7YRLSB.S1 (Francisco M. Caetano), são em princípio Estados democráticos, vinculados à defesa e garantia dos direitos humanos, sendo o Brasil “um Estado Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (1966), que ratificou em 1992, bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e que, à semelhança da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, não deixam de lhe conferir o direito a um processo justo e equitativo, no modo como é consagrado pelo art.º 6.º desta Convenção.”” Do exposto flui com toda a clareza que a aludida ADPF não inviabiliza (nem o poderia fazer) a aplicação da CECPLP aos casos concretos de extradição, como o presente. Por seu turno, apesar dos exemplos mediáticos apontados, não há quaisquer indícios de que seja seguro (ou até provável) que a integridade física / vida do extraditando seja colocada em risco, sendo certo que aquela ADPF prevê, como vimos, a adoção de medidas concretas para melhorar o sistema penitenciário brasileiro visando obstar à sistemática violação de direitos humanos que aquele supremo tribunal reconheceu. Assim, não ocorrendo nenhuma causa de inadmissibilidade ou de recusa facultativa da extradição, constante dos artigos 3.º e 4.º da CECPLP e não sendo aplicável in casu o estabelecido no artigo 18.º, n.º 2 da L 144/99, de 31.08, há que fazer prevalecer o princípio do reconhecimento mútuo que radica na confiança mútua entre os estados contratantes de tal Convenção e, considerando que o cumprimento do pedido de extradição não se mostra contrário à segurança, à ordem pública ou a outros interesses fundamentais do Estado Português ou a quaisquer instrumentos jurídicos internos e externos a que o Estado português esteja vinculado, cumpre deferir o pedido de extradição. III – Dispositivo. Pelo exposto, após conferência, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em autorizar a extradição, para a República Federativa do Brasil, de AA, filho de BB e de CC, nascido aos …1967, em …, …, Brasil, de nacionalidade brasileira, titular do passaporte brasileiro n.º …, para aí cumprir a pena de foi condenado pelo Acórdão do Superior Tribunal de Justiça brasileiro, transitado em julgado em 30.05.2022, na pena de 21 anos e 3 meses de reclusão em regime fechado. Sem custas. Notifique, sendo o requerido pessoalmente. Dê conhecimento, pela via mais expedita, ao Gabinete Nacional da Interpol. Proceda-se às necessárias comunicações. (Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário) ..................................................................... 1 Subscrita em 23.11.2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 18.07, publicada no DR n.º 178, de 15.09.2008, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67/2008, de 15.09, com entrada em vigor em 01.03.2010. 2 Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigand, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Comares, 5.ª edição, Granada, 2002, página 3. 3 São totalmente inócuas as referências aos artigos 16.º e 23.º da DUDH, pois, apesar de a família ser uma realidade especialmente valorada nessa sede normativa, também os valores tutelados pelas normas penais merecem proteção, justificando-se um justo sacrifício daquela por estes em casos devidamente justificados, que aqui não são minimamente colocados em causa, em face dos factos criminais praticados. 4 Acórdão deste TRE de 24.01.2023 proferido no processo n.º 230/22.4YREVR, que temos vindo a seguir parcialmente e que seguiremos também em parte, disponível em www.dgsi.pt. 5 Acórdão do STJ de 14.07.2022 proferido no processo n.º 16/22.6YRPRT-A.S1, disponível em www.dgsi.pt: “Na CECPLP não está prevista a possibilitada de cumprir a pena em que foi condenado em estabelecimento prisional português, ou seja, está afastada a possibilidade de substituição da extradição pelo cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional português (o que deve ser requerido no Estado requerente pelos meios próprios).” 6 Olvidando a referência à alínea em causa. 7 Acórdão do STJ de 03.01.2024 acima citado. 8 Afirmar-se que o Brasil não “favoreceu” a educação do requerido ou condições sociais e económicas é uma afirmação meramente conclusiva e sem qualquer fundamentação válida. 9 Acórdão citado de 03.01.2024. 10 Arguição de descumprimento de preceito fundamental. 11 Onde se reconhece que “[h]á um estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro responsável pela violação massiva de direitos fundamentais dos presos. Tal estado de coisas demanda a atuação cooperativa das diversas autoridades e instituições e comunidade para a construção de uma solução satisfatória. Diante disso, União, Estados e Distrito Federal em conjunto com o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Conselho Nacional de Justiça deverão elaborar planos a serem submetidos à homologação do Supremo Tribunal Federal nos prazos e observadas as diretrizes e finalidades expostas no presente voto, especialmente voltados para o controle da superlotação carcerária, da má qualidade das vagas existentes e da entrada e saída dos presos” e, consequentemente, se reconhece “o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro”, pelo que se julga (…) procedente o pedido para: 1. Reconhecer o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro. 2. Determinar que juízes e tribunais: 2. Determinar que juízes e tribunais: a) realizem audiências de custódia, preferencialmente de forma presencial, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão; b) fundamentem a não aplicação de medidas cautelares e penas alternativas à prisão, sempre que possíveis, tendo em conta o quadro dramático do sistema carcerário. a) realizem audiências de custódia, preferencialmente de forma presencial, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão; b) fundamentem a não aplicação de medidas cautelares e penas alternativas à prisão, sempre que possíveis, tendo em conta o quadro dramático do sistema carcerário. 3. Ordenar a liberação e o não contingenciamento dos recursos do Fundo Nacional Penitenciário - FUNPEN. 3. Ordenar a liberação e o não contingenciamento dos recursos do Fundo Nacional Penitenciário - FUNPEN. 4. Determinar - e esse é o ponto central da nossa decisão - a elaboração de plano nacional e de planos estaduais e distrital para a superação do estado de coisas inconstitucional, com indicadores que permitam acompanhar a sua implementação. 4. Determinar - e esse é o ponto central da nossa decisão - a elaboração de plano nacional e de planos estaduais e distrital para a superação do estado de coisas inconstitucional, com indicadores que permitam acompanhar a sua implementação. 5. Estabelecer que o prazo para apresentação do plano nacional será de até seis meses, a contar da publicação desta decisão, e de até três anos, contados da homologação, para a sua implementação, conforme cronograma de execução a ser indicado no próprio plano. 5. Estabelecer que o prazo para apresentação do plano nacional será de até seis meses, a contar da publicação desta decisão, e de até três anos, contados da homologação, para a sua implementação, conforme cronograma de execução a ser indicado no próprio plano. 6. Estabelecer que o prazo para a apresentação dos planos estaduais e distrital será de seis meses, a contar da publicação da decisão de homologação do plano nacional pelo Supremo e implementado em até três anos, conforme o cronograma de execução a ser indicado no próprio plano local. 6. Estabelecer que o prazo para a apresentação dos planos estaduais e distrital será de seis meses, a contar da publicação da decisão de homologação do plano nacional pelo Supremo e implementado em até três anos, conforme o cronograma de execução a ser indicado no próprio plano local. 7. Prever que a elaboração do plano nacional deverá ser efetuada conjuntamente pelo CNJ e pela União, em diálogo com instituições e órgãos competentes e entidades da sociedade civil, nos termos explicitados acima e observada a importância de não alongar excessivamente o feito. 7. Prever que a elaboração do plano nacional deverá ser efetuada conjuntamente pelo CNJ e pela União, em diálogo com instituições e órgãos competentes e entidades da sociedade civil, nos termos explicitados acima e observada a importância de não alongar excessivamente o feito. 8. Explicitar que a elaboração dos planos estaduais e distrital se dará pelas respectivas unidades da federação, em respeito à sua autonomia, observado, todavia, o diálogo com o CNJ, a União, instituições e órgãos 8. Explicitar que a elaboração dos planos estaduais e distrital se dará pelas respectivas unidades da federação, em respeito à sua autonomia, observado, todavia, o diálogo com o CNJ, a União, instituições e órgãos competentes e entidades da sociedade civil, nos moldes e em simetria ao diálogo estabelecido no plano nacional. 9. Prever que, em caso de impasse ou divergência na elaboração dos planos, a matéria será submetida ao Supremo para decisão complementar. 9. Prever que, em caso de impasse ou divergência na elaboração dos planos, a matéria será submetida ao Supremo para decisão complementar. 10. Estabelecer que todos os planos deverão ser levados à homologação do Supremo, de forma a que se possa assegurar o respeito à sua decisão de mérito. 10. Estabelecer que todos os planos deverão ser levados à homologação do Supremo, de forma a que se possa assegurar o respeito à sua decisão de mérito. 11. Determinar que o monitoramento da execução dos planos seja efetuado pelo DMF do CNJ, com a supervisão necessária do Supremo, cabendo ao órgão provocar o Tribunal em caso de descumprimento ou de obstáculos institucionais insuperáveis que demandem decisões específicas de sua parte. 11. Determinar que o monitoramento da execução dos planos seja efetuado pelo DMF do CNJ, com a supervisão necessária do Supremo, cabendo ao órgão provocar o Tribunal em caso de descumprimento ou de obstáculos institucionais insuperáveis que demandem decisões específicas de sua parte. E, por fim: E, por fim: 12. Estipular que os planos devem prever, entre outras medidas examinadas neste voto, e deverá observar as diretrizes gerais dele constantes, sendo exequíveis aquelas que vierem a ser objeto de homologação final pelo Supremo em uma segunda etapa. 12. Estipular que os planos devem prever, entre outras medidas examinadas neste voto, e deverá observar as diretrizes gerais dele constantes, sendo exequíveis aquelas que vierem a ser objeto de homologação final pelo Supremo em uma segunda etapa. (disponível no seguinte sítio - chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/pe |