Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MOREIRA DAS NEVES | ||
Descritores: | REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA | ||
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Data do Acordão: | 09/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I. Condenando-se o arguido em pena de prisão efetiva em medida não superior a 2 anos e não se reunindo os pressupostos para aplicação de pena de substituição, deverá o tribunal de julgamento equacionar a possibilidade de aplicação do regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica (artigo 43.º CP), sob pena de omissão de pronúncia. II. O princípio da preferência às reações criminais não detentivas, previsto no artigo 70.º CP é também aplicável ao modo de execução da pena de prisão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1. No Juízo Local Criminal de Tomar, do Tribunal Judicial da comarca de Santarém, procedeu-se a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, de JMHM, com os sinais dos autos, a quem havia sido imputada a autoria, na forma consumada, de dois crimes de falsificação de documento, previstos no artigo 256.º, § 1.º, al. b), c), d), e) e f) e § 3.º do Código Penal (CP9 e de dois crimes de burla, previstos no artigo 217.º, § 1.º do mesmo código. RJCES deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando a condenação deste no pagamento de uma indemnização que computou em 4 050€ a título de danos patrimoniais causados e de 1 000€ a título de danos não patrimoniais sofridos. Na audiência de julgamento ofendido/demandante desistiu da queixa apresentada quanto aos crimes de burla simples, bem como do pedido cível formulado, por se considerar ressarcido, o que foi homologado. A final o tribunal a quo proferiu sentença em que decidiu condenar o arguido pela prática de dois crimes de falsificação de documento, previstos no artigo 256.º, § 1.º, als. b), c), d), e) e f) e § 3.º do Código Penal, na pena de um 1 ano de prisão por cada deles e, operado o cúmulo jurídico, condená-lo na pena única de 20 meses de prisão e nas custas do processo.
2. Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, que finalizou a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «i - A douta sentença enferma de erro notório na apreciação da prova e é fundamento do presente recurso cfr. art.º 410º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, além de que fez errada interpretação do art.º 50º do Código Penal, aplicável ao caso em apreço, na perspectiva do Recorrente. ii - O tribunal a quo conheceu do ressarcimento dos prejuízos causados ao ofendido, o qual foi chamado informalmente à audiência pela Mma Juiz, para esse efeito. Porém, este facto não foi considerado na matéria dada como provada, permanecendo a ideia de que o benefício ilegítimo do ofensor, no montante de €2500 se mantém. Carecendo de reforma da sentença. iii - Entendeu a Mma. Juiz fixar em 1 ano de prisão a pena a aplicar para cada um dos crimes, e, em cúmulo 1 ano e 8 meses de prisão. O Recorrente que confessou a prática dos factos e indemnizou o ofendido, no seu modesto entender, mereceria ser contemplado com uma decisão mais justa, em termos de medida concreta da pena, quando é certo que ao crime de falsificação de documento a moldura abstracta vai de pena de multa de 60 a 600 dias ou de prisão de 6 meses a 5 anos. iv - Consequentemente, a douta sentença enferma dos vícios a que alude o art.º 410º, n.º 2, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, e é fundamento do presente recurso, violando assim os princípios da necessidade, da proporcionalidade e adequação das penas. Desde já se advogando que se consideram violadas pela douta sentença os artigos 32º, n.º 2, 29º, n.º 6 e 30º, n.º 4 e 18º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Sendo que não foi observado pelo douto acórdão o disposto no art.º 40º do Código Penal que aponta no sentido de que as decisões judiciais devem contribuir para a reintegração e não para a segregação do arguido, aliás, consonantes com a sua condição pessoal de plena inserção social. v - Sucede que o Recorrente, pintor de automóveis de profissão, e restaurador de carros antigos, encontra-se preso desde 9 de Março de 2017, está inserido familiarmente, tem o apoio da mãe e da sua companheira, enfermeira de profissão (vide Pontos 24 e 25 da Matéria Provada). A reclusão prisional no nosso país não tem atingido os objectivos de reinserção almejados como tem sido reconhecido pelas estatísticas oficiais de reincidência da ordem dos 50%. Assim sendo, a comunidade ganha mais com a efectiva regeneração de um delinquente do que com a inflicção de uma pena efectiva, que não atinge 2 anos e está nos parâmetros da suspensão admitida pelo art.º 50º do Código Penal, e da concessão da pulseira electrónica. Sendo certo que o Recorrente tem tido exibido comportamento institucional adequado desde Setembro de 2017 (Ponto 29 dos Factos Provados). vi - Na perspectiva do Recorrente, um Arguido não pode ser condenado “ad aeternum“ pelo seu passado criminológico. Aludir a condenações pelo crime de tráfico praticado em 22/01/1999 e em 02/02/2005, isto é há 20 anos e há quase 15 anos, respectivamente, é questionar a filosofia dos normativos que enformam a prescrição do procedimento criminal e das penas e das medidas de segurança que, por algum motivo constam do nosso Código Penal (art.º 118º e 122º do Código Penal). Se valeu para indeferir a pretensão da douta acusação no que tange ao crime de reincidência (art.º 75º do CP), por maioria de razão, não deverá ser valorada em sede de crimes praticados num passado tão remoto. Pelo que se invoca, nesta sede, o art.º 410º, n.º 2, al.c) do Código de Processo Penal. Termos em que, e nos demais de direito, o Recorrente vem pugnar, junto desse Alto Tribunal, pela alteração da medida da pena que lhe foi fixada pela Mma Juiz do tribunal a quo, peticionando, com o imprescindível suprimento de Vossas Excelências, que seja decretada uma pena mais justa e conforme à gravidade dos factos praticados, suspensa na sua execução, porque, no seu modesto entendimento, preenche, para esse efeito, todos os requisitos legais exigíveis pelo art.º 50º do Código Penal, e sem prejuízo de cumprimento da pena com pulseira electrónica, prevista para as penas até 2(dois) anos. Porém, será esse Venerando Tribunal decidirá como melhor for de Justiça!»
3. Admitido o recurso o Ministério Público respondeu, sustentando que (transcrição): «1. Quando o Tribunal não dá como provados factos relevantes apurados em sede de audiência e julgamento, o vício de que a sentença padece é o de nulidade por omissão de pronúncia (art.º 379°/1-c) do CPP), que pode- e deve- ser sanado pelo Tribunal a quo, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo (vide Ac. do TRL de 10-1-2013 acima cit), 2. No caso, tendo ficado demonstrado que o arguido reparou o prejuízo ao ofendido, tal alusão devia constar dos factos dados como provados da douta sentença recorrida, por ser essencial para o apuramento da medida da pena, nos termos do artigo 71 n.º 2 alínea e) do Código Penal, 3. Assim, não o tendo feito, deve o Tribunal recorrido sanar a sentença e incluir tal facto no elenco dos factos provados e fazer referência ao mesmo na medida da pena. 4. Porém, ainda assim, entendemos que pena aplicada na sentença recorrida acabou por ser acertada, uma vez que obedeceu a rigorosos critérios de dosimetria penal, observando escrupulosamente a culpa e reintegração do recorrente, tendo sido ponderadas as exigências decorrentes das necessidades de prevenção geral e especial, bem como as condições económicas daquele e a sua confissão, razões pela qual deverá valer e permanecer. 5. Ao contrário do que defende o recorrente, a pena foi aplicada próxima dos limites mínimos, sendo que as exigências de prevenção e o grau de culpa evidenciado não permitem uma redução na medida da mesma, 6. Por fim, mostra-se justificada a não opção pela suspensão ou substituição da pena de prisão, já que o arguido praticou os factos em período de suspensão de pena aplicada por um crime de abuso de confiança qualificado e após ter sido condenado por 5 crimes de falsificação, sendo evidente a inexistência de um juízo de prognose favorável à socialização em liberdade ou na permanência na habitação (daí que 5 meses após do cometimento dos factos aqui indiciados, por sentença transitada em novembro de 2016, o arguido foi condenado em pena de 40 meses de prisão efetiva pela prática de dois crimes de burla, que ainda cumpre no EP). Por todo o exposto, antes da remessa ao Ven Tribunal da Relação, o MP requer que o Tribunal a quo sane a omissão de pronúncia acima identificada e, após se mantenha a douta sentença recorrida e a pena aplicada, negando-se provimento ao recurso apresentado pelo arguido. Assim se fazendo, uma vez mais, a costumada JUSTIÇA!» 4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância de recurso, na vista a que alude o artigo 416.° do CPP, secundando a posição do Ministério Público na 1.ª instância pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, § 2.º do CPP, não foi apresentada qualquer resposta.
6. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência. Cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação 1. Dispõe o artigo 412.º, § 1.º do CPP que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do pedido. São as conclusões do recorrente que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso e dos vícios referidos no artigo 410.º, § 2.º CPP, delimitam o objeto do recurso (art.ºs 403.º e 412.º, § 1.º do CPP e Acórdão Unif. da Jurisp. n.º 7/95, de 19out1995). Neste caso são duas as questões a apreciar: - erro notório na apreciação da prova; - erros de direito: medida da pena; substituição da pena; e modo de execução da pena de prisão.
2. A sentença recorrida 2.1. Na sentença recorrida o tribunal a quo deu como provado seguinte acervo factual, baseado na confissão integral e sem reservas do arguido, conjugada com os documentos probatórios constantes dos autos, relatório social e certificado do registo criminal (transcrição (1)): «1. Em data situada entre o dia 1.6.2016 e o dia 20.6.2016, de forma não concretamente apurada, o arguido assenhoreou-se dos módulos de cheque n.º ………. e …………………, respeitantes à conta …………………. do Banco…………….., titulada por CPCLC, sua companheira. 2. Naquele período, em local não apurado, o arguido, com o seu punho, apôs o nome: "CPCLC" no campo "assinatura" daqueles dois cheques. 3. O arguido, com o seu punho, preencheu: - no referido cheque n.º ……………….: O valor ''€1000,00'' nos campos do valor por números e por extenso; no campo localidade "…….."; no campo data: "28.6.2016" e no campo beneficiário: "RJCES"; - no cheque n." :o valor "€1500,00" nos campos do valor por números e por extenso; no campo localidade "…….r"; no campo data: "20.6.2016" e no campo beneficiário: "RJCES". 4. De seguida, entregou os mesmos ao ofendido. 5. No dia 11 de Novembro de 2016, no Balcão do BCP, os dois cheques, acima discriminados, foram declarados extraviados pela sua titular CPCLC, pelo que o ofendido não pôde obter as quantias ali inscritas. 6. Do mesmo modo, o arguido sabia que não era titular das contas associadas aos cheques e que CC não o autorizou o seu preenchimento ou os pagamentos inscritos nos mesmos. 7. Fê-lo sempre com o propósito concretizado de fazer crer a RES e que era legítimo possuidor dos mesmos, o que sabia ser falso. 8. Procedeu, ainda, sempre com o propósito de prejudicar CC-sua companheira- e aquele. 9. Bem como obter, como efetivamente obteve, um benefício ilegítimo, na medida em que, por via disso, recebeu 2 veículos no valor de €2.500, sem efetuar o pagamento. 10. O arguido quis ainda colocar em causa a fé pública dos cheques como meios de pagamento. 11. Agiu sempre de forma livre, consciente e deliberada. 12. Bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. Mais se provou que: 13. JMHM é filho único. Os pais, sexagenários, encontram-se reformados, com problemas de saúde; ele com handicap motor, não especificado e a mãe com fibromialgia. Da sua família nenhum elemento teve contacto com o sistema judicial. 14. A infância do arguido decorreu em ambiente rural, marcada pelas brincadeiras com vizinhos, na rua. O acontecimento negativo da infância que refere é a morte do avô, quando tinha cerca de 10 anos, e que o deixou instável emocionalmente bem como a perturbação de psico activos de um tio. 15. Da dimensão escolar do seu desenvolvimento ressalta um percurso marcado por alguma instabilidade académica (reprova no 5.º ano). 16. Prossegue os estudos até ao 9.0 ano, que interrompe com 15 anos, a fim de trabalhar na fábrica de metalurgia de moldes de plástico, propriedade do pai. 17. Retoma as actividades escolares no regime nocturno. Aos 18 anos integra o Curso "Desenho Técnico de Moldes", na empresa "………….", habilitando-se com o 12.0 ano, aos 21 anos. 18. O pai proprietário de uma oficina de metalúrgica e a mãe, doméstica, trabalhava como mulher a dias, durante alguns dias da semana. A habitação é propriedade da família, uma moradia com 3 quartos, wc e cozinha, reunindo todas as condições de habitabilidade e salubridade. 19. Com cerca de 20 anos casou com a sua namorada da escola primária, de quem se havia de divorciar ao fim de um ano de casamento. 20. Encontra emprego numa oficina de automóveis. Habilita-se com um curso profissional de pintura de automóveis, profissão que manteve até ser detido. 21. Paralelamente investia na restauração de carros antigos. 22. Após o fim desta relação ficou cerca de 11 anos sozinho, com relações de namoro superficiais. 23. Conhece então a mãe do seu filho, S, com quem viveu cerca de 5 anos e de quem tem um filho, T, actualmente com 9 anos. Separou-se da mãe do filho quando este tinha cerca de 3. 24. À data da detenção, vivia com a sua actual companheira, C, de 39 anos, residente em ……., enfermeira, com quem vive desde 2015 e de quem não tem filhos. 25. O casal vivia do salário do trabalho de enfermagem da companheira e do seu trabalho como pintor de automóveis, numa oficina na sua residência. Paralelamente restaurava carros antigos. 26. Encontra-se preso desde 09-03-2017. 27. Enquanto esteve detido no EP de Torres Novas beneficiou de visitas da mãe, da companheira e da sogra. 28. Da consulta do registo SIP, apenas se verificam 4 visitas desde que foi afecto a este EP: duas da companheira e da sogra, nos dias 23 e 25 de Agosto, um mês depois de ter sido detido. 29. Tem exibido comportamento institucional adequado, conforme as regras e normas vigentes, sem ter cometido qualquer infração disciplinar, desde Setembro de 2017. 30. O trabalho diário como faxina (já o fazia durante a detenção no EP Torres Novas, trabalhando para a ………………, nas brigadas florestais) interrompeu-o na sequência da cirurgia a que foi submetido, permanecendo de baixa (desde Dezembro de 2018 a 12-07-2019, data em que veio transferido para este EP). 31. O arguido foi condenado pela prática de dois crimes de furto simples, quatro crimes de burla simples, um crime de burla qualificada, um crime de burla tentada, um crime de burla qualificada tentada, cinco crimes de falsificação de documento e de um crime de abuso de confiança, tudo nos termos constantes do CRC de fls. 305 a 343 junto aos autos e que se considera reproduzido. (…) Motivação Quanto aos elementos objectivos do tipo de ilícito, o Tribunal fundou a sua convicção com base na confissão, integral e sem reservas prestada pelo arguido. Mais se analisaram o auto de denúncia de fls. 2 a 4 verso; a cópia dos dois cheques a fls. 20; o print de registos de propriedade de fls. 40 a 46 e 302 a 333; as informações bancárias prestadas pelo ………..de fls. 48 a 57; a declaração de extravio e participação de fls. 105 e 106; a certidão de sentença condenatória por crimes similares de fls. 198 a 235; e relatório de exame de fls. 253 a 258. Quanto às condições económicas e sociais do arguido, analisou-se o relatório social, elaborado pela DGRSP. No que diz respeito aos antecedentes criminais, teve-se em atenção o certificado de registo criminal junto aos autos.»
3. Apreciando a. Do erro notório na apreciação da prova O artigo 410.º, § 2.º do CPP, estatui que mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, «…o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: (…) c) O erro notório na apreciação da prova.» O recorrente sustenta que a sentença recorrida padece deste vício, por não ter sido levado ao acervo dos factos provados a circunstância de o arguido ter procedido ao ressarcimento dos prejuízos causados ao ofendido, facto este que releva para a ponderação da escolha e medida da pena, que por tal razão não foi tida em conta. Constata-se, na verdade, que a sentença faz menção dessa circunstância no relatório, em consonância com o que consta da ata da audiência, onde se refere a audição do ofendido e a declaração de desistência de queixa oportunamente apresentada contra o arguido relativamente aos crimes semipúblicos (de burla), bem assim como do pedido civil por si apresentado, o que determinou as respetivas homologações pela M.ma Juíza a quo. Em direta conexão com este facto mais se constata que em tal acervo factual também não consta a confissão integral e sem reservas feita pelo arguido relativamente aos factos de que havia sido acusado. Facto este a que o recorrente igualmente se refere, o qual, contudo, ao contrário do relativo à reparação do prejuízo, veio a merecer referência na motivação da decisão de facto e foi (expressamente) considerado como atenuante na fixação da medida da pena. Vejamos então. Os vícios a que se alude nas três alíneas do § 2.º do artigo 410.º do CPP reportam-se à lógica jurídica ao nível da matéria de facto, isto é, a circunstâncias que inviabilizam uma decisão logicamente correta e em conformidade com a lei. No que concretamente respeita ao erro notório na apreciação da prova, este assenta numa deficiência no apuramento da matéria de facto, em molde que prescinde da prova concretamente produzida para se ater à conexão lógica do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, sendo necessário para a sua verificação que nele confluam os seguintes requisitos: a notoriedade do erro; e que este resulte do texto da decisão recorrida (por si só ou conjugado com as regras da experiência comum). Ora, «notório» significa patente, ostensivo, percetível pelo comum dos observadores; identificável pela generalidade das pessoas, de tal modo que não sobra motivo para duvidar da sua ocorrência. Ocorre nos casos de erro sobre facto históricos ou incontroversos que são do conhecimento geral; ou quando há desconformidade com as leis da natureza; ou atropelo elementar às regras da lógica; ou ofensa aos conhecimentos científicos, criminológicos ou vitimológicos adquiridos (2) . Ou ainda quando as provas revelem claramente um sentido contrário ao que se firmou na decisão recorrida; por este ser logicamente impossível; por se ter incluído ou excluído da matéria de facto provada algum facto essencial; ou quando determinado facto provado (positivo ou negativo) se mostra incompatível com outro também provado. E é justamente por isso que este vício, como os demais a que se reporta a citada norma legal, é de conhecimento oficioso, ainda que o recurso esteja limitado à matéria de direito. Se resultar do texto da sentença recorrida um erro notório na apreciação da prova o tribunal ad quem deverá sempre dele conhecer, ainda que não tenha sido suscitado no recurso. A jurisprudência dos tribunais superiores é abundante na apreciação e caracterização deste vício, convergindo nos parâmetros citados (3). Perscrutando o texto da decisão recorrida constata-se que a conexão lógica existente entre a factualidade que o tribunal recorrido julgou provada, os meios de prova em que se baseou e a valoração que fez de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º CPP), arreda o alegado erro, como do cotejo daqueles se infere, de modo aliás cristalino, exatamente o contrário: a sentença contém todos os factos relevantes que a prova evidenciou (incluindo os apontados pelo recorrente), havendo entre eles uma conexão lógica e a motivação sobre os mesmos explicar o modo como foram adquiridos. Não se verifica, pois, o apontado erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a al. c) o artigo 410.º, § 2.º do CPP. Mas dito isto há que reconhecer que do acervo factológico provado alinhado na sentença dele não consta efetivamente nem o ressarcimento ao ofendido dos prejuízos sofridos (o qual desistiu da queixa e do pedido civil – conforme mostra ata da audiência); nem ainda a confissão integral e sem reservas feita pelo arguido relativamente aos factos da acusação. E é indiscutível que tais factos se mostram provados, pois a sentença a eles se refere, ainda que noutros contextos (o primeiro no seu relatório; e o segundo na motivação da decisão de facto e depois também na decisão de direito a propósito da medida da pena). Não o é menos a relevância de tais factos para a boa decisão da causa, na medida em que constituem circunstâncias que depõem a favor do arguido, pois tal como se preceitua no artigo 71.º, § 2.º, al. e) CP, «na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: (…) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esteja destinada a reparar as consequências do crime». Apesar de tais factos não constarem (como seria devido) do acervo factológico da sentença (do segmento denominado «Factos provados:»), importa anotar que nem por isso deixaram, efetivamente, de integrar o juízo sobre a escolha e a medida das penas parcelares e da pena única, como adiante melhor se explicitará. Em todo o caso, deverão integrar o acervo factológico provado e por isso mesmo se adita ao rol dos factos provados na sentença, o seguinte: «32. O arguido ressarciu o ofendido dos prejuízos que com a sua conduta lhe causou. 33. E confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado.»
b. Erros de direito: medida da pena, substituição da pena e modo de execução da pena de prisão b.1. Medida da pena Entende o recorrente que a medida da pena de prisão aplicada na sentença é desproporcionada e o seu cumprimento efetivo desnecessário, devendo valorar-se o ressarcimento dos prejuízos causados, a sua confissão e o bom comportamento prisional, de molde a possibilitar a suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50.º CP); ou a determinar o cumprimento da pena de prisão efetiva no regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância (artigo 43.º CP). Vejamos. A finalidade das penas é a de proteger bens jurídicos e reintegrar o agente na sociedade, não podendo a pena exceder a medida da culpa do infrator (artigo 40.º CP). Ensina Figueiredo Dias (4) , que «toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; a pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; dentro desse limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais.» Quando para a punição de um crime a lei prevê alternativamente pena privativa e pena não privativa da liberdade, como sucede no crime de falsificação aqui em causa (os crimes cometidos são puníveis com prisão de 6 meses a 5 anos ou multa de 60 a 600 dias), deve dar-se preferência à segunda sempre que a mesma realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 70.º CP). Na escolha entre a pena de prisão e a de multa intervêm as exigências de prevenção geral e as necessidades de prevenção especial, traduzindo-se a primeira na necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (sendo por isso uma razoável forma de expressão afirmar como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime); e a segunda, numa vertente positiva ou de socialização, traduz-se na oferta ao arguido das condições ajustadas à prevenção da reincidência (5) . No caso concreto o passado criminal do arguido, com diversas condenações por crimes contra o património, evidencia uma personalidade rebelde ao direito. Ademais, no respeitante aos ilícitos julgados neste processo, constata-se que os mesmos foram praticados no período de suspensão da pena de prisão suspensa na sua execução que lhe havia sido aplicada no proc. n.º 3150/12.7TASTB, do 5.º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Setúbal (cf. CRC). Nestas circunstâncias as exigências de prevenção geral não prescindem, para consolidação e reforço das expectativas comunitárias, de uma pena significante e significativa, que contribua de modo mais incisivo para a prevenção de futuros crimes. Do mesmo modo as necessidades de prevenção especial, que realizam não apenas uma função positiva de socialização, mas também a função negativa (subordinada) de advertência individual (ou de segurança; ou inocuização), tornam claro que a pena de multa é circunstancialmente desajustada, mostrando-se, pois, acertada a opção feita na sentença pela pena de prisão. Debrucemo-nos agora sobre a medida da pena de prisão e a preconizada escolha de pena de substituição ou do modo de execução da prisão por banda do recorrente. Os aludidos crimes de falsificação de documento, recordemos, são puníveis com prisão de 6 meses a 5 anos. Ressalta das circunstâncias de facto assentes que o valor envolvido na prática dos ilícitos foi de 2 500€ (um cheque no valor de 1 000€ e outro no valor de 1 500€), tendo em contrapartida recebido o arguido duas viaturas automóveis. Mais se apurou que tem 42 anos de idade, é filho único, teve percurso académico atribulado que culminou na conclusão de nível equivalente ao 12.º ano, com 21 anos de idade. Entretanto encetou vida laboral, primeiro como operário não especializado na oficina de metalurgia do pai e depois numa oficina de automóveis, tendo-se habilitado num curso profissional de pintura de automóveis. Casou com 20 anos de idade, mas logo se divorciou (um ano depois). Em 2015 encetou vida com a sua atual companheira. Encontra-se preso desde março de 2017, mantendo aquela relação. Quando foi preso o casal vivia do salário da companheira e do trabalho do arguido como pintor de automóveis, numa oficina que montou na residência, onde restaurava carros antigos. Mantém comportamento institucional adequado. O seu registo criminal mostra que foi condenado por dois crimes de furto, quatro crimes de burla, um crime de burla qualificada, um crime de burla tentada, um crime de burla qualificada tentada, cinco crimes de falsificação de documento e um crime de abuso de confiança. Ressarciu o ofendido dos prejuízos que com a sua conduta lhe causou, tendo confessado integralmente e sem reservas os factos de que estava acusado. Numa moldura abstrata da pena de prisão que vai de 6 meses a 5 anos, o tribunal a quo graduou as penas em 1 ano de prisão por cada um dos dois crimes de falsificação de documentos praticado; e em cúmulo jurídico fixou a pena única em 20 meses de prisão. Para a fixação do quantum da pena correspondente a cada um dos crimes praticado relevam as exigências de estabilização das expectativas comunitárias (prevenção geral), das quais decorre um patamar mínimo. Por seu turno, no concernente às necessidades de prevenção especial (ou de integração), importa atentar no passado criminal do arguido, o qual é revelador de uma personalidade pouco sensível a qualquer espécie de advertência que não seja muito significativa. E no que se refere à culpa, que estabelece o limite máximo de pena a aplicar, ressaltam as circunstâncias atinentes à conduta ilícita empreendida (nomeadamente o valor do prejuízo causado – que na data sua prática era superior a quatro vezes o salário mínimo nacional) e as relativas à ineficácia das anteriores condenações/advertências para o afastar da prática de crimes, evidenciando situar-se o grau de culpa acima da mediania. A favor do arguido milita a atitude empreendida para reparação do prejuízo causado ao ofendido e algum potencial de ressocialização, alicerçado na sua integração familiar e porventura também profissional. Convenhamos que do ponto de vista estritamente processual a confissão dos factos se mostra contextualmente pouco significativo, porquanto a prova dos ilícitos estava no essencial documentada nos autos. Neste preciso contexto, numa moldura de 6 meses a 5 anos de prisão, a fixação da pena em 1 ano de prisão por cada um dos ilícitos cometidos mostra-se ajustada para a respetiva punição. O mesmo sucedendo com a fixação da pena única. E deste modo fica claro, como já supra se havia enunciado, que apesar de o Tribunal a quo não ter expressamente integrado no acervo fáctico da sentença os dois factos ora aditados por este Tribunal, não terá deixado de os ter em mente quando judiciosamente ponderou, escolheu e graduou as penas parcelares e a pena única que aplicou ao arguido, pois (indubitavelmente) só por causa deles as penas se quedam tão próximo do limite inferior da moldura legal. Nada há, pois, a alterar relativamente à medida da pena.
b.1. Substituição da prisão por suspensão da sua execução O recorrente pretende também que a pena de prisão seja suspensa na sua execução (artigo 50.º CP); ou seja determinado o cumprimento daquela em regime de permanência na habitação (artigo 43.º CP). Vejamos agora a questão da suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artigo 50.º CP. Esta é uma verdadeira pena, com um conteúdo autónomo de censura, medido à luz de critérios gerais de determinação da pena (artigo 71.º), assente em pressupostos específicos, sendo na sua categorização dogmática uma pena de substituição, isto é, uma pena que se aplica na sentença condenatória em vez da execução de uma pena principal concretamente determinada (6). No artigo 50.º, § 1.º do CP fixam-se os respetivos pressupostos: um de natureza formal (a medida concreta da pena imposta ao agente não pode ser superior a 5 anos de prisão); e outro de cariz material, constituído por um juízo de prognose favorável acerca da ressocialização do arguido em liberdade (a desnecessidade de cumprir efetivamente a pena de prisão), assente na sua personalidade, nas condições da sua vida, na sua conduta anterior e posterior à prática do crime e às circunstâncias deste, de que a simples censura do facto e a ameaça da execução da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tal juízo de prognose social favorável assenta num risco prudencial (7) , cabendo realizá-lo no momento da condenação, quando se tem de escolher e fixar a medida da pena. Exige a norma que se proceda a uma ponderação de todos os elementos disponíveis que possam sustentar a conclusão de que o facto ilícito praticado terá sido como que um acidente de percurso; e de que a solene advertência que constitui a condenação e a ameaça da prisão terá inevitável reflexo sobre o comportamento futuro do condenado, em benefício da sua reintegração social. Fatores essenciais para tal desiderato são: a capacidade da pena concreta apontar ao arguido o rumo certo no domínio dos valores prevalecentes na sociedade, impondo-lhe num sentido pedagógico e autorresponsabilizante o seu comportamento futuro; e a capacidade do arguido para sentir e compreender essa ameaça de molde a que esta exerça sobre si efeito contentor. O juízo final exige ainda, de acordo com o princípio vertido no artigo 40.º, § 1.º do CP, que se acautelem as razões de prevenção geral positiva, isto é, que a suspensão da pena não comprometa a manutenção da confiança da comunidade na ordem jurídica e na norma penal violada. A suspensão da execução da prisão tem, pois, impregnada a ideia (o objetivo) da ressocialização do condenado, estando vocacionada para a prevenção da reincidência e a reintegração do agente na comunidade. Em vista desse objetivo a suspensão da pena de prisão pode até ser sujeita a deveres especiais para reparar o mal causado com a prática do crime (artigo 51.º CP) ou ao cumprimento de regras de conduta de conteúdo positivo (artigo 52.º) ou a um regime de prova (artigos 53.º e 54.º CP). Sucede que o percurso criminal do arguido, com contumaz desrespeito pelas condenações anteriores e desperdício das oportunidades que lhe foram concedidas, impõe um prognóstico que não pode senão ser negativo, pois o cumprimento da pena em liberdade contrariaria o mínimo das expectativas comunitárias acerca da validade e reafirmação da norma proibitiva. E como assim a pena de prisão fixada não deverá ser suspensa na sua execução.
b.2. Cumprimento da prisão em regime de permanência na habitação Tendo o arguido sido condenado numa pena de prisão efetiva de 20 meses, deveria o tribunal ter avaliado a possibilidade de determinar que a execução da pena de prisão se fizesse em regime de permanência na habitação, nos termos previstos no artigo 43.º § 1.º, al. a) CP. O regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica (RPH-VE), constitui um modo de execução da pena de prisão, a determinar pelo juiz de julgamento, o qual foi introduzido no Código Penal pela primeira vez em 2007, através da Lei 59/2007, de 4 de setembro, que (então) no artigo 44.º cingia a sua aplicação aos casos de prisão não superior a 1 ano de prisão, com o consentimento do condenado; ou ao remanescente não superior a 1 ano da pena de prisão efetiva que excedesse o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação; ou ainda na verificação de circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselhassem a privação da liberdade em estabelecimento prisional, dentre as quais as que expressamente se previram nas diversas alíneas do seu § 2.º. Este regime encontra ainda antecedente no regime introduzido pela Lei n.º 36/96, de 29 de agosto, relativamente a condenados afetados por doença grave a irreversível, no âmbito da execução da pena de prisão. Regime este que ainda se mantém, agora com previsão no artigo 118.º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade. Recentemente, através da Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, alargou-se o seu campo da aplicação deste regime de execução da pena de prisão aos casos de condenação a pena de prisão não superior a 2 anos ou a prisão não superior a 2 anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º CP; ou a prisão não superior a 2 anos sequente à revogação de pena não privativa de liberdade ou do não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º CP. Do mesmo passo, através da mesma Lei, extinguiram-se a «prisão por dias livres» e o «regime de semidetenção» (institutos pouco utilizados e aos quais os Juízos de Execução de Penas e os Serviços Prisionais e de Reinserção Social vinham apontando deficiências na respetiva operacionalidade e ineficácia na ressocialização). O RPH-VE, agora previsto no artigo 43.º do CP, foi gizado no âmbito de um grupo de trabalho nomeado pelo Governo (8), composto por académicos e especialistas de direito penal e de execução das penas, sob a coordenação de Jorge Figueiredo Dias, dando sequência à Recomendação do Conselho da Europa sobre vigilância eletrónica no âmbito da justiça criminal (CM/Rec [2014]4, de 19 de fevereiro de 2014) (9) . Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 90/XIII, refere-se que se pretendeu «clarificar, estender e aprofundar a permanência na habitação, conferindo-lhe um papel político-criminal de relevo. Vinca-se, por um lado, a sua natureza de regime não carcerário de cumprimento da pena curta de prisão e alarga-se, por outro lado, a possibilidade da sua aplicação.» Não constituindo uma pena de substituição da prisão, antes uma nova modalidade de execução desta, mas fora dos muros das instituições penitenciárias, visa responder à reconhecida nocividade (10) (aos efeitos criminógenos) do cumprimento institucionalizado de penas de prisão de curta duração, perseguindo as finalidades ressocializadoras cometidas às penas pelo artigo 40.º CP, alinhando ainda com soluções do mesmo género e espécie que vêm sendo adotadas noutros países do nosso entorno cultural. Esta modalidade de execução da pena de prisão, que é desde logo muito exigente para o próprio condenado, na medida em que se lhe comete uma grande responsabilidade no cumprimento de regras (o que logo por si tem efeitos reintegradores), integra-se logicamente no princípio consagrado no artigo 70.º do Código Penal, da preferência que deve dar-se às reações criminais não detentivas, é aplicável - por igualdade de razão – também ao modo de execução da pena de prisão. É o que decorre da circunstância de naquela norma se encerrar um princípio (11) com vocação otimizadora do objetivo reintegrador das penas, conforme preconizado no artigo 40.º do mesmo código. Com vista à reintegração do condenado o Tribunal pode no âmbito do RPH-VE autorizar ausências, frequência de programas de reinserção, de formação profissional, de habilitação académica ou mesmo para desenvolver atividade profissional, como igualmente pode subordinar o condenado ao cumprimento de regras de conduta, que poderão posteriormente ser modificadas e ajustadas às circunstâncias. A utilização de meios técnicos de controlo à distância no RPH-VE faz-se ao abrigo das regras da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro, conforme consta da al. f) do seu artigo 1.º (na redação dada pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto). De onde resulta, entre o mais, que o consentimento do arguido se faz de uma dada forma (artigo 4.º, § 1.º da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro), sendo ainda exigível o consentimento de coabitantes com idade inferior a 16 anos (artigo 4.º, § 4.º Lei n.º 33/2010). Contrariamente ao era devido (12), o Tribunal a quo omitiu qualquer juízo quanto à possibilidade de determinar a execução da prisão nos termos do RPH-VE (artigo 43.º CP), apesar de haver nos autos menção a uma residência do arguido, dizendo-se que nela coabitava com a sua companheira antes de preso, em cujas instalações, também, pintava automóveis. Contudo os autos não evidenciam os detalhes sobre essa habitação, nomeadamente para avaliar se reúne todas as condições para o RPH-VE, nem, se nele coabitam outras pessoas. Por outro lado. não se pode considerar que a referência (aliás vaga) a este regime de cumprimento da pena de prisão na peça recursiva constitua um verdadeiro consentimento do arguido, posto que este terá sempre de ser um ato pessoal (artigo 4.º, § 1.º e 3.º da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro. Consideramos, em suma, que a circunstância de o Tribunal a quo não ter equacionado a possibilidade de o cumprimento da pena de prisão aplicada poder realizar-se em RPH-VE (nos termos do artigo 43.º, § 1.º CP), ao invés do cumprimento institucional em estabelecimento prisional, constitui uma omissão de pronúncia, integradora de nulidade, prevista no artigo 379.º, § 1.º, al. c), do CPP, a qual só poderá ser colmatada pelo Tribunal a quo. Como assim, deverão os autos voltar à 1.ª instância, exclusivamente para ser recolhida a informação necessária junto dos serviços de reinserção social relativamente à habilidade técnica da referida habitação do arguido (ou outra) e respetivos coabitantes; e em nova sessão da audiência ou do modo que o Tribunal entender mais ajustado, colher o consentimento do arguido, dando do mesmo passo oportunidade ao Ministério Público para sobre esta possibilidade se pronunciar (artigo 7.º, § 3.º da citada Lei). Tais diligências serão prévias à decisão de mérito do Tribunal sobre se o RPH-VE realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, conforme preconizado nos artigos 40.º e 43.º, § 1.º CP).
III – Decisão 1. Destarte e por todo o exposto aditamos à matéria de facto constante da sentença recorrida os seguintes factos: a) O arguido ressarciu o ofendido dos prejuízos que com a sua conduta lhe causou. b) E confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado (que na respetiva ordenação figurarão em 32.º e em 33.º lugar, respetivamente. 2. Declara-se nula a sentença recorrida, por omissão de pronúncia sobre a possibilidade de determinar o cumprimento da pena de prisão aplicada em regime de permanência na habitação, nos termos do disposto nos artigos 43.º, § 1.º do CP e 379.º, § 1.º, al. c) do CPP, determinando-se a sua reforma nessa parte, pelo mesmo Tribunal, para que após a realização das diligências necessárias profira decisão sobre o mérito da aplicação (ou não aplicação) do regime de permanência na habitação para cumprimento da pena de prisão aplicada ao arguido. 3. Confirmar no mais a sentença recorrida. 4. Sem custas. Évora, 22 de setembro de 2020
J. F. Moreira das Neves (relator)
José Proença da Costa
1. Não é muito conhecida (e talvez devesse ser) mas há uma NORMA para o uso gráfico dos EUROS. Infelizmente tropeça-se diariamente na errada expressão gráfica da nossa moeda. Neste contexto importará deixar dito, com clareza, que um erro, ainda que muito repetido e por uma generalidade de pessoas (mesmo distintas), nunca deixará de ser aquilo que é efetivamente: um erro. Nas Convenções para Portugal e para a língua portuguesa, como acontece para a generalidade das línguas europeias diferentes do inglês: a) O Código de Redação Interinstitucional da União Europeia (e respetiva convenção tipográfica) impõe a posição do símbolo monetário à direita do número e não antes, não devendo, outrossim, ser colocado um espaço entre o símbolo € e os algarismos. Exemplo: 1 234,56€ (e não € 1 234,56); b) De acordo com o sistema métrico que vigora no nosso espaço cultural, a vírgula é o símbolo gráfico que separa os números inteiros das casas decimais. Na expressão devem figurar sempre duas casas decimais. Daí que os números superiores à unidade se apresentam em séries de três, sendo cada série separada por um espaço (e não por um ponto, como tantas vezes, também erradamente, se vê). O espaço designa-se por separador de milhares. Exemplo: 1 234,56€ (e não 1.234,56€ ou 1234.56€), 1 234,50€ (e não também 1 234,5€). Referências na rede: http://ftp.infoeuropa.eurocid.pt/database/000021001- 000022000/000021583.pdf https://publications.europa.eu/code/pt/pt-370303.htm https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/como-usar-o-simbolo-do-euro/30249 2. Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Portuguesa Editora, 2007, pp. 1101-1102. 3.Cf. Acórdãos do STJ de 4-10-2001 (CJ-STJ, ano IX, 3.º, pp.182) e acórdão da Rel. Porto de 27-9-95 (CJ, ano XX, 4.º, pp. 231). Por todos cf. acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 21/5/2019, no proc. 61/15.8EAEVR.E1 (Des. Proença da Costa), no qual se refere que o erro notório na apreciação da prova ocorre quando «… as provas revelam claramente num sentido e a decisão recorrida extrai ilações contrárias, logicamente impossível, incluindo na matéria de facto ou excluindo dela algum elemento. Trata-se, assim, de uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se passou, provou ou não provou. Existe um tal erro quando um homem médio, perante o que consta da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. Não se podendo incluir no erro notório na apreciação da prova sindicância que os recorrentes possam pretender fazer/efetuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no art.º 127.º, do CPP. Ou dito de outro modo, o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao vício do erro notório sobre matéria de facto.» 4. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 3.ª ed., pp. 96. 5. «Por reforço dos standards de comportamento e de interação na vida comunitária (condução da vida “de forma socialmente responsável”)» - Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 74, 110 e 238 ss., Aequitas – Editorial Notícias, 1993. No mesmos sentido cf. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Lições aos alunos de Direito Penal III, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2010-2011, pp. 31 e ss. 6. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Noticias, 1993, pp. 90-91. 7. Hans-Heirich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Bosch, Barcelona, 1981, 2.º vol., pp. 1152 e 1154. 8. Cf. Francisca Van Dunen, Ministra da Justiça, «O regime de permanência na habitação e a política criminal do XXI Governo Constitucional», Público, 21nov2018. 9. Sobre os pressupostos e regime, desenvolvidamente, cf. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2020 [reimpressão da edição de 2017], pp. 87 ss. 10. Cf. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, Coimbra, 2018 – Reimpressão, pp. 90. 11. Sobre a distinção dogmática entre princípios e regras cf. Manuel Atienza y Juan Ruiz Manero, Sobre Principios y Reglas, DOXA, Cuadernos de Filosofia del Derecho, n.º 19, 1991, pp. 101 ss., maxime pp. 108 – Biblioteca Virtual Miguel Cervantes. 12. Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 90/XIII, refere-se a este propósito o seguinte: «verificado que tem perante si um crime provado e concretamente punido com pena de prisão até dois anos, começará por determinar se é adequada e suficiente às finalidades da punição alguma pena de substituição (multa, suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade) ou se é necessário aplicar a pena de prisão. Nesta última hipótese, ficam à sua disposição duas possibilidades de execução, pela ordem seguinte: ou em regime de permanência na habitação, ou dentro de muros da prisão, em regime contínuo.» |