Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
270/09.9TBPTG-A.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
RENOVAÇÃO DA EXECUÇÃO EXTINTA
JUROS
Data do Acordão: 03/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. Não podem integrar o elenco dos factos provados os juízos que se retiram de factos provados que, além de conclusivos, envolvem juízos normativos, que se traduzem na apreciação da questão de direito objecto do processo.

II. Tendo o exequente pedido na reclamação de créditos apresentada no processo em que a penhora foi efectuada em primeiro lugar o pagamento do capital exequendo em dívida e tendo recebido integralmente tal quantia, bem como os juros pedidos, aquele montante tem que ser considerado, em face do pedido formulado, ao pagamento do capital exequendo, resultando afastadas as regras previstas no artigo 785º do Código Civil, relativas à imputação do cumprimento das obrigações.

III. A possibilidade de renovação da execução extinta, ao abrigo da citada norma do n.º 5 do artigo 850º do Código de Processo Civil, em que a extinção da execução ocorreu em função da sustação integral da execução para o exequente reclamar o crédito exequendo no processo em que existe penhora anterior – por aplicação da previsão da alínea e) do n.º 1 do artigo 849º e do nº 4 do artigo 794º do Código de Processo Civil –, tem como pressuposto que o exequente não haja sido ressarcido do crédito exequendo reclamado no dito processo, ou não o tenha sido totalmente, pois só assim se justifica que tenha legitimidade substantiva para prosseguir com a execução, com vista ao integral pagamento do crédito exequendo.

IV. Este pressuposto não ocorre quando o exequente haja recebido na sequência da reclamação e graduação do crédito exequendo reclamado a totalidade do montante pedido, ainda que em face da execução tivesse direito aos juros moratórios vincendos, os quais não pediu na reclamação de créditos deduzida.

Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação n.º 270/09.9TBPTG-A.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I – Relatório


1. AA deduziu oposição à execução que lhe é movida por Xmmt Financing, Dac [habilitado a prosseguir os termos da acção executiva, enquanto cessionário, em substituição do Exequente Banco Comercial Português S.A], pedindo a extinção da execução, com fundamento no pagamento da dívida exequenda e a condenação do Exequente como litigante de má-fé.


2. Alegou, para tanto, que a divida exequenda foi verificada, graduada e paga no âmbito do processo n.º 419/08.9..., cujos termos correram no Juízo Central Cível de Portalegre – Juiz 1, tendo o Embargado aí recebido a quantia de € 20.657,09.


Pugnou pela procedência dos embargos e pela condenação do Embargado a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 15.000,00 por litigância de má-fé, aduzindo, para tanto, que o Embargado fez um uso indevido do processo, o que lhe provocou ansiedade e pânico em virtude de este ter ficado persuadido que não poderia utilizar o veículo que utiliza no seu quotidiano e para transportar a sua esposa ao hospital e às consultas, após a penhora do mesmo.


3. Recebidos os embargos, o Embargado apresentou contestação, sustentando que, não obstante ter recebido a referida quantia de € 20.657,09, o certo é que remanesce em dívida a quantia de € 14.013,43, do qual € 11.840,24 é referente a capital, pelo que a execução foi objecto de renovação com a comunicação de recebimento do referido valor, com a consequente ulterior penhora de bens do Executado/Embargante, concluindo pela improcedência dos embargos e do pedido de condenação em indemnização a título de litigância de má-fé.


4. Em face da posição assumida pelas partes nos respectivos articulados e à documentação constante dos autos, concluiu-se que os autos dispunham de todos os elementos necessários que permitiam conhecer do mérito dos embargos, e tendo sido assegurado o respectivo contraditório, foi proferido saneador-sentença, no qual de decidiu:

a) Julgar improcedentes os presentes embargos de executado, com o consequente prosseguimento da execução;

b) Julgar improcedente o pedido de condenação do Embargado como litigante de má-fé.

5. Inconformado, interpôs o Executado/Embargante recurso, qual motivou, concluindo nos seguintes termos:

1. O capital em divida encontra-se integralmente pago.

2. A considerar-se em divida são os juros e não qualquer montante a título de capital, o que inviabiliza a cobrança de juros sobre juros; artigo 560º nº 1 do Código civil.

3. Os bens do fiador só respondem depois de excutidos os bens dos devedores o que obriga a que um eventual pedido de pagamento de crédito a titulo de juros tenha que prosseguir no âmbito do processo onde foi conseguido um montante superior a 200 mil euros, proc. n.º 419/08.9..., ou seja, montante mais que suficiente para garantir o crédito do ora executado sem necessidade de penhora dos bens do fiador, artigos 638 n.º1 do código civil e 745 n.º 5 do código de processo civil.

4. Por último considerar prescrita a divida no âmbito do processo nº 270/09.9..., porquanto os créditos por juros prescrevem no prazo de cinco anos, art. 310º do código civil.


Pelo que ...

5. A douta sentença proferida em 16.NOV/2010, deve ser revogada, decidindo esse venerando tribunal por


1. Considerar que o capital se encontra totalmente pago

2. Estipular que caso haja qualquer montante em dívida a título de juros estes devem ser peticionados no processo n.º em que foram vendidos bens dos executados por montante suficiente para pagar o que se considere vem, divida a título de juros

3.Sejam considerados prescritos, neste processo, quaisquer montantes em divida por juros vencidos e não pagos.

6. Não se mostram juntas contra-alegações.


7. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


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II – Objecto do recurso


O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:

i. Saber se a dívida de capital se encontra paga;

ii. Se persiste dívida de juros e se podem os autos prosseguir, com a renovação da instância executiva, para cobrança dos mesmos, ou se devem ser pedidos no processo onde foi feita a reclamação do crédito exequendo; e

iii. Da prescrição de juros.


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III – Fundamentação


A) - Os Factos


A.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1. Em 31.01.2003 o Banco Comercial Português, S.A. intentou execução de que estes autos são apenso contra BB, CC, DD e AA, com vista à cobrança coerciva da quantia de € 20.531,46, tendo sido apresentado como título executivo uma livrança.

2. O Executado AA foi citado em 06.07.2009.

3. Com data de 14.09.2011, foi lavrado auto de penhora que incidiu sobre o prédio urbano sito na Rua do V..., ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...87, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...206, e sobre o prédio urbano sito na Rua do V..., n.ºs 18 e 20 ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...69, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...608.

4. Por existência de prévia penhora efectuada e registada no processo n.º 419/08.9..., a Sra. Agente de Execução sustou quanto aos imóveis referidos em 3) a execução.

5. No âmbito do processo n.º 419/08.9...-C, foi proferida Sentença em 26.08.2012, transitada em julgado em 07.03.2018, com o seguinte decisório:

“Em face do exposto:

a) julgo improcedente a excepção peremptória de pagamento deduzida pelos impugnantes;

b) julgo reconhecido o crédito reclamado pelo Banco Comercial Português, S. A.;

c) procedo à graduação dos créditos da seguinte forma:

1.º - Crédito reclamado pelo “Banco Comercial Português, S. A.” garantido pela hipoteca registada em primeiro lugar sobre os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial do ... sob os n.ºs ...206 e ...608, ambos da freguesia de ...;

2.º - Crédito exequendo garantido pela hipoteca a favor da exequente e até ao limite desta registada em segundo lugar sobre os prédios supra identificados.”

6. Por conta da Sentença proferida em 5), o Sr. Agente de Execução procedeu à entrega da quantia de € 20.656,11 a XMMT FINANCING, DAC.

7. Em 27.02.2023, o Banco Comercial Português, S.A endereçou à Sra. Agente de Execução requerimento com o seguinte teor:

“Exequente melhor identificado nos autos referenciados em epígrafe, em que é Executada CC e outros, vem informar que no âmbito do Processo Judicial 419/08.9... foi ressarcido o montante de 20.656,11 Euros, valor este que deve ser imputado à dívida nos termos do artigo 785.º do Código Civil. Considerando que ainda se mantém em dívida o valor remanescente, serve o presente para ao abrigo do disposto no nº. 1 do artigo 15º. da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto (…) solicitar a V/Exa. se digne proceder à consulta de todas as bases de dados que se encontram à V/ disposição por forma a possa a Exequente decidir pela renovação, ou não, da instância.”

8. Por requerimentos datados de 21.04.2024 e 24.04.2024, o Banco Comercial Português, S.A requereu à Sra. Agente de Execução a renovação da instância relativamente ao Executado AA, indicando os seguintes bens à penhora: veículo automóvel com a matrícula ..-..-UQ, marca mercedes, modelo BENZ 211, e veículo automóvel de matrícula ..-DC-.., marca mercedes, modelo BENZ 311 CDI.

9. Por decisão datada de 26.04.2023, a Sra. Agente de Execução aceitou o pedido de renovação da instância quanto ao Executado AA.

10. Com data de 26.05.2023, foi lavrado auto de penhora que incidiu sobre o veículo automóvel com a matrícula ..-..-UQ, marca mercedes benz, modelo E 220 CDI (211 006), do ano de 2003, cor preto, categoria ligeiro, tipo passageiros, com a cilindrada de 2148, a gasóleo e sobre o veículo automóvel com a matrícula ..-DC-.., marca mercedes benz, modelo 311 CDI (906.631), do ano de 2007, cor branca, categoria ligeiro, tipo mercadorias, com a cilindrada de 2148, a gasóleo.

11. Por Sentença proferida em 16.11.2023, no apenso C destes autos, foi a sociedade XMMT FINANCING, DAC.S.A. declarada habilitada a prosseguir os termos da acção executiva, em substituição do Exequente Banco Comercial Português S.A.

12. Em 14.12.2023, a dívida exequenda ascendia a € 14.091,55, sendo € 11.840,24 referente a capital. [eliminado]

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A.2. Nos termos do disposto nos artigos 607º, n.º 4, e 663º, n.º 2, do Código de Processo Civil, com fundamento na prova documental junta, e relevar para a decisão, consideram-se ainda provados os seguintes factos:

13. Consta do requerimento executivo que o título dado à execução referida em 1., é uma livrança, de que o exequente é portador, com o valor de € 20.412,81, vencida em 20 de Janeiro de 2009, subscrita pelos executados BB e CC, e avalizada pela executada DD e o executado AA deram o seu aval aos subscritores, apondo as suas assinaturas nos versos das livranças, por baixo da declaração "Bom para aval".

14. No requerimento executivo o exequente pediu o pagamento € 20.531,46, correspondente ao capital titulado na livrança, juros moratórios vencidos, e Imposto de Selo respectivo, bem como os juros vincendos, calculados às taxas legalmente aplicáveis até integral e efectivo pagamento, custas de parte e procuradoria da execução.

15. No processo n.º 419/08.9..., a que se reportam os pontos 4. a 6., o exequente reclamou o seu crédito, pedindo, com referência à data de 05/05/2009, o pagamento da quantia total de € 20.657,09, discriminada da forma seguinte:

- € 20.412,81 de capital;

- € 234,89 de juros vencidos, com referência a 05/05/2009;

- € 9,40 de imposto de selo [cfr. certidão junta aos autos]

16. Para pagamento da quantia referida no ponto 6 foi emitida a “Ordem de Pagamento” datada de 14/09/2022 [cfr. doc. de fls. 70].

17. A Sr.ª Agente de Execução elaborou a nota discriminativa da responsabilidade do executado, de fls. 18, da qual consta estar em dívida, em 31/10/2023, a quantia de € 14.013,43, sendo € 11.840,24 referente a capital [cfr. doc. junto ao processo executivo naquela data em cumprimento de despacho judicial].

18. A qual actualizou em 14/12/2023, referindo estar em dívida a quantia de € 14.091,55, sendo € 11.840,24 referente a capital [cfr. doc. junto ao processo executivo naquela data em cumprimento de despacho judicial]

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B) – Apreciação do Recurso/O Direito


1. O executado discorda da decisão dos embargos, porquanto entende que o capital em dívida encontra-se pago, em função do recebimento da quantia paga no processo n.º 419/08.9..., opondo-se ao prosseguimento da presente execução, invocando, além do mais, que, “se a exequente considerava que a dívida não estava totalmente liquidada devia ter reclamado na altura devida da liquidação e pagamento feitos pelo Sr. Agente de execução, no âmbito do referido processo 419/08.9..., ou vir, neste processo executar os juros de mora em falta”, e que ocorreu a prescrição de juros, nos termos do artigo 310º do Código Civil.


2. Antes de mais, importa referir que, embora o recorrente não impugne expressamente a matéria de facto, a sua alegação e conclusão de que o capital em dívida na execução se encontra pago, questionando a dívida de juros, redunda na impugnação do ponto 12. dos factos provados [“Em 14.12.2023, a dívida exequenda ascendia a € 14.091,55, sendo € 11.840,24 referente a capital”].


Porém, independentemente das razões que adiante se explicitaram que levarão a concluir que tais montantes não podem assim ser considerados, certo é que tal factualidade não pode integrar o elenco da matéria de facto, por ser conclusiva e integrar matéria de direito, relacionada com as regras de imputação na dívida exequenda das quantias recebidas pelo exequente no processo onde reclamou o seu crédito – tal como foi efectuada pela Sr.ª Agente de Execução na nota discriminativa da responsabilidade do executado –, que constitui o objecto dos embargos.


Ou seja, a factualidade em causa integra um juízo conclusivo que envolve a apreciação de um facto – o pagamento efectuado no processo onde foi reclamado o crédito exequendo – e a sua imputação no pagamento da dívida exequenda, envolvendo um juízo normativo que se traduz na apreciação da questão de direito objecto do processo, consistente em saber se a quantia exequenda se mostra, ou não, paga, não podendo, assim, integrar o elenco dos factos provados.


Por conseguinte, determina-se a eliminação do ponto 12 da matéria de facto, devendo apenas dela constar o teor das notas discriminativas elaboradas pela Sr.ª Agente de Execução, a que se reportam os pontos 17 e 18, agora aditados.


3. Mas será que se mostra paga a dívida de capital, como invoca o executado?


Vejamos:


Como resulta dos factos provados, com a presente execução cambiária, o exequente visava obter o pagamento da quantia de € 20.531,46, correspondente ao capital de € 20.412,81, e aos juros vencidos, acrescidas dos juros vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.


A presente execução foi sustada pela Sr.ª Agente de Execução, ao abrigo do artigo 871º do anterior Código de Processo Civil, por os imóveis penhorados já se encontrem penhorados noutro processo (proc. n.º 419/08.9...), e veio a ser declarada extinta, em face da sustação integral, ao abrigo do disposto no actual n.º 4 do artigo 794º do Código de Processo Civil, por decisão de 11/10/2016.


Resulta igualmente apurado que o exequente reclamou, no processo n.º 419/08.9..., o seu crédito pelo montante global de € 20.657,09, discriminado da forma seguinte: - € 20.412,81 de capital; - € 234,89 de juros vencidos, com referência a 05/05/2009; - € 9,40 de imposto de selo. E não pediu juros vincendos.


E está também apurado que o exequente recebeu na totalidade o crédito reclamado, referente a capital e aos juros vencidos, cujo pagamento pediu no aludido processo.


Sucede, porém, que o exequente veio informar ao processo executivo ter recebido a quantia reclamada no processo 419/08.9..., referindo que tal montante devia ser imputado à dívida, nos termos do artigo 785º do Código Civil, e, posteriormente requereu a renovação da execução extinta, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 850º do Código de Processo Civil, para pagamento do remanescente da dívida, tendo indicado bens à penhora.


4. A primeira questão que o exequente coloca, consiste em saber se, no caso, em face do pagamento efectuado se mostra, ou não, pago o capital em dívida objecto da execução, o que envolve a apreciação da questão relativa forma de imputação do pagamento efectuado no processo 419/08.9...-C na dívida exequenda.


Como se vê das notas discriminativas da responsabilidade do executado, contra o qual foi requerida a renovação da execução, tal imputação foi operada em aplicação da norma do n.º 1 do artigo 785º, onde se estipula que “[q]uando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas da indemnização, dos juros e do capital”, acrescentando-se no n.º 2 , que “[a] imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes”.


E, como se vê das mesmas notas a imputação da quantia recebida pelo exequente no aludido processo foi imputada na dívida exequenda, primeiro ao pagamento das despesas e dos juros e, por fim, ao capital, daí que se tenha referido estar ainda em dívida, à data da elaboração da última nota, a quantia de € 14.091,55, sendo € 11.840,24 referente a capital.


Porém, ainda que se entenda que tais regras de imputação do cumprimento das obrigações são também aplicáveis ao pagamento coercivo, como se decidiu, entre outros, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22/1072019 (proc. n.º 562/19.9...), disponível como os demãos citados em www.dgsi.pt, [I – Na ausência de acordo das partes ou disposição válida do credor, conforme decorre do artigo 785º, nº1 do Código Civil, quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital. II – Tal imputação de cumprimento vale igualmente quando o pagamento é obtido coercivamente nomeadamente no âmbito de uma acção executiva], entende-se que, no caso concreto, a aplicação de tais normas mostram-se afastadas pela actuação do credor, que expressamente pediu no processo onde reclamou o seu crédito o montante de capital em dívida na execução e os juros vencidos, o qual recebeu integralmente.


Assim, em face da posição expressamente assumida pelo credor, tendo este recebido integralmente naquele processo o capital em dívida na execução, bem como os juros pedidos, entende-se que a quantia exequenda referente ao capital em dívida na presente execução está liquidada, como refere o executado, bem como os juros ali peticionados.


5. Em face deste entendimento, e considerando-se liquidada a dívida de capital, verifica-se que em face do pedido formulado na acção executiva estariam em dívida os juros vincendos não reclamados no processo n.º 419/08.9...-C, os quais seriam devidos até à data em que ocorreu o pagamento do capital em dívida efectuado no referido processo.


Assim, coloca-se a questão de saber se a execução pode prosseguir, com a renovação nos termos previstos no n.º 5 do artigo 850º do Código de Processo Civil, para cobrança dos juros não vincendos, não abrangidos pelo pagamento efectuado no âmbito da reclamação apresentada no processo n.º 19/08.9...-C.


Vejamos:


Como já se referiu, a presente execução foi sustada pela Sr.ª Agente de Execução, ao abrigo do artigo 871º do anterior Código de Processo Civil, por os imóveis penhorados já se encontrem penhorados noutro processo (proc. n.º 419/08.9...), e, posteriormente, veio a ser declarada extinta, em face da sustação integral, ao abrigo do disposto no actual n.º 4 do artigo 794º do Código de Processo Civil, por decisão de 11/10/2016.


Ora, a sustação da execução, por via da penhora anterior dos bens efectuada noutro processo, à data prevista no artigo 871º do Código de Processo Civil, com correspondência no actual artigo 794º, visa facultar ao exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora foi primeiramente efectivada, e no caso dos autos, apurou-se que o exequente, efectivamente, reclamou, no processo n.º 419/08.9..., o seu crédito pelo montante global de € 20.657,09, pedindo o pagamento de € 20.412,81 de capital, € 234,89 de juros vencidos, com referência a 05/05/2009, e de € 9,40 de imposto de selo, tendo obtido o pagamento do crédito reclamado.


Contudo, na reclamação, o exequente, não obstante ter alegado no articulado que era credor da quantia titulada pela livrança acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a data de vencimento do título até à data da entrada em juízo, e ainda dos juros vincendos até integral pagamento ao exequente do capital, certo é que no pedido formulado no processo onde deduziu a reclamação não pediu expressamente o pagamento dos juros vincendos, e não alegou, nem consta, que tenha reclamado da liquidação efectuada do crédito reclamado e graduado para pagamento naquele processo, caso entendesse que tinha também ali direito aos juros moratórios vincendos.


E, não o tendo feito, e tendo recebido o montante total que liquidou no pedido da reclamação de créditos, não se nos afigura que o exequente tenha legitimidade para requerer a renovação da instância extinta, à luz da norma do n.º 5 do artigo 850º do Código de Processo Civil.


É certo que da referida norma resulta a possibilidade da renovação da execução extinta, designadamente no caso em que a extinção da execução ocorreu em face da previsão da alínea e) do n.º 1 do artigo 849º e do nº 4 do artigo 794º do Código de Processo Civil, em função da sustação integral da execução.


Porém, o exequente alcançou o resultado pretendido com a referida sustação, pois foi integralmente ressarcido do crédito exequendo pelo valor pedido na reclamação de créditos, pelo que, ainda que se entendesse que o pedido formulado, englobava também o pagamento dos juros vincendos, apesar de não terem sido expressamente pedidos, certo é que o exequente se conformou com o montante pago referente ao crédito exequendo reclamado naquele processo, que, assim, se tem por liquidado.


Assim, não pode a execução prosseguir para pagamento do crédito exequendo, que se considera extinto pelo pagamento efectuado no processo da reclamação, não podendo, por isso, a execução ser renovada para aquele efeito, o que implica a revogação da decisão recorrida em conformidade com o decidido.


6. Deste modo, procede a apelação, com a consequente revogação da sentença recorrida na parte em que determinou o prosseguimento da execução, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.


Importa ainda referir que não temos que nos pronunciar sobre o pedido formulado nos embargos de condenação do exequente como litigante de má-fé, posto que o mesmo foi absolvido deste pedido nos embargos e tal decisão não integra o objecto do recurso.


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C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]


(…)


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IV – Decisão


Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, que determinou o prosseguimento da execução, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.


Custas a cargo do Apelado.


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Évora, 27 de Março 2025


Francisco Xavier


António Fernando Marques da Silva


Elisabete Valente


(documento com assinatura electrónica)