Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4606.18.3.7T8STB.E1
Relator: FLORBELA MOREIRA LANÇA
Descritores: PERDA DE CHANCE
PRESSUPOSTOS
DANO
INDEMNIZAÇÃO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
AVALIAÇÃO
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I.O dano resultante da perda de chance processual só releva se se tratar de uma chance consistente, designadamente se se puder concluir, com elevado grau de probabilidade ou de verosimilhança” que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida.
II. No domínio da perda de chance processual, o primeiro aspecto a dilucidar consiste em determinar se o sucesso da acção possui suficiente consistência e seriedade, cabendo ponderar, face ao estado da doutrina e da jurisprudência então existente, ou mesmo já em evolução, se seria suficientemente provável o êxito daquela acção, devendo ter-se em linha de conta, fundamentalmente, a jurisprudência então seguida nessa matéria pelo tribunal daquela causa, impondo-se fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atendendo no que poderia ser considerado como altamente provável por esse tribunal.
III. o dano em causa não se identifica com a vantagem frustrada pela conduta do lesante (o dano final) mas este é o ponto de partida (e de chegada) desse cálculo, cabendo, depois aplicar o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, sendo que o resultado de tal operação constituirá a indemnização a atribuir pela perda de chance.
IV. São inoponíveis ao lesado as cláusulas de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado de deveres de participação do sinistro à seguradora. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 1.ª SECÇÂO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA

I.Relatório
M… propôs a presente acção, sob a forma de processo comum, contra A…, Sindicato dos Trabalhadores …, e X…, SE, pedindo a condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia de € 10.830,00, sendo € 8.330,00 a título de perda de chance e € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Alegou, em suma que:
- Contratou serviços de aconselhamento jurídico e representação forense ao R. A…, que prestava serviços jurídicos no Réu Sindicado, do qual a A. era associada;
- Entregou ao R. Na… documentação, nomeadamente a carta, datada de 14/03/2011, que recebeu de M…, sua entidade empregadora, em que esta invocava a presunção do abandono do trabalho pela A.;
- O R. A… não reagiu a esta carta e, volvidos mais de um ano sobre a data da receção da carta, ficcionou um despedimento verbal da A. em 2013, para fundamentar a ação que intentou em representação da Autora;
- A A. tinha todas as probabilidades de vencer a acção se reagisse quanto à carta recebida por M…, pois estava de baixa médica e enviou sempre as baixas médicas para a entidade que pensava ser a sua entidade empregadora;
- Antes de 14.03.2011, a A. enviou as suas baixas médicas para a anterior entidade empregadora, pois desconhecia que a sua entidade empregadora tinha passado a ser M…
- A A. sofreu danos não patrimoniais;
- O R. A… tem a sua responsabilidade civil segurada pela Ré Seguradora.
O R. A… contestou, por impugnação e pediu a condenação da Autora em multa e em indemnização por litigar de má-fé.
O R. Sindicato contestou por excepção e por impugnação, pugnando pela improcedência da acção.
Por seu turno a R. Seguradora contestou, por excepção e impugnação, concluindo pela procedência das excepções invocadas ou, assim não se entendendo, pela improcedência da acção.
A A. respondeu ao pedido de condenação como litigante de má-fé, pugnando pela sua improcedência e, por sua vez, pediu a condenação do R. A… como litigante de má-fé, sustentando que este é que distorce e falseia os factos.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a excepção da prescrição invocada pelo R. Sindicato e designada data a realizada da audiência final.
Realizada a audiência final foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a presente acção, decidiu:
a) absolver o Réu SINDICATO DOS TRABALHADORES… de todos os pedidos formulados pela Autora;
b) condenar solidariamente o Réu A… e a Ré X…, SE ao pagamento da quantia de 4.165,00 € (quatro mil cento e sessenta e cinco euros) à Autora M…, a título de dano pela perda de chance, acrescida dos juros de mora contados desde o dia 26/09/2018, à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento;
c) condenar solidariamente o Réu A… e a Ré X…, SE ao pagamento da quantia de 2.000,00 € (dois mil euros) à Autora M…, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora contados desde a data da presente sentença, à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento;
d) absolver o Réu A… e a Ré X…, SE do demais contra si peticionado;
e) absolver a Autora e o Réu A… dos pedidos de condenação como litigantes de má-fé.
f) condenar a Autora e os Réus A… e a RÉ X…, SE ao pagamento das custas na proporção do decaimento, sendo que estes Réus respondem solidariamente pelo pagamento das custas e a Autora está dispensada das mesmas em virtude do apoio judiciário de que goza;
g) absolver o Réu SINDICATO DOS TRABALHADORES … do pagamento das custas. improcedente a acção, absolveu os RR. dos pedidos contra eles formulados”
A A. não se conformando com a sentença prolatada dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
a) O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida sub judice no segmento em que reduz o pedido de indemnização da A. por perda de chance em 50%, com fundamento em errónea apreciação da prova produzida e do direito aplicável.
b) Para tal decaimento do pedido da A. em 50%, entendeu o Tribunal a quo existirem as três seguintes ordens de razões:
-“(…) Há que ter em atenção que a probabilidade de vencimento da A. não era plena, pois no ponto 8 da sentença datada de 24.09.2013, no processo n.º 213/13.5TTSTB consta que “A Ré pediu por diversas vezes à A. que lhe enviasse os comprovativos da baixa médica”, na motivação da matéria de facto, constatamos que P… disse à Autora para enviar os comprovativos das baixas médicas a M… (…)”;
-“(…) não é despiciendo que se entenda, embora não seja o entendimento sufragado, que o documento da Segurança Social datado de 01/07/2010, intitulado “COMUNICAÇÃO DA ENTIDADE EMPREGADORA DE ADMISSÃO DE NOVOS TRABALHADORES /DECLARAÇÃO DO TRABALHADOR DE INÍCIO DE ACTIVIDADE E VÍNCULO PROFISSIONAL A NOVA ENTIDADE EMPREGADORA tenha servido para comunicar a nova entidade empregadora(…)”;
- “Outrossim, não ficou provado que entre 01/07/2010 e 14/03/2011, M… sabia que a Autora se encontrava a enviar mensalmente os documentos comprovativos das baixas médicas para a CPLI e que entre 27/07/2010 e 14/03/2011, M… sabia que a Autora se encontrava de baixa médica, o que exclui que a Autora pudesse invocar o abuso do direito de M… ao invocar a presunção do abandono do trabalho, previsto no art.º 334 do Código Civil, fundando-se na circunstância de M… ter conhecimento de que a Autora se encontrava de baixa médica”.
c) Salvo douto entendimento, as razões acima aduzidas nunca permitiriam em qualquer circunstância afastar a ilicitude da cessação do contrato de trabalho da A. promovida pela sua entidade empregadora M…, pelo que o pedido da A. sempre seria de total procedência, não fosse a conduta do 1º R..
d) No que respeita à 1ª ordem de razões, como também refere o douto Tribunal a quo, nem se apurou “o contexto em que o disse” em que a anterior entidade empregadora P… informou à A. para enviar as baixas antes para a nova entidade empregadora G….
e) Com efeito, se a A. não se encontrava ao serviço, como, quando e em que circunstâncias é que a anterior entidade empregadora – P… / CPLI - informou a A. para enviar as baixas médicas para a nova entidade empregadora?
f) Este facto provado e alegadamente verdadeiro nunca seria suscetível de afastar a imposição legal de comunicação escrita ao trabalhador relativa à transmissão do estabelecimento e cedência dos trabalhadores.
g) Como refere o douto Tribunal a quo: “O estabelecimento ou uma empresa que constituam uma unidade económica podem ser transmitidos e, neste caso, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho nos respetivos trabalhadores – art.º 285 nº 1 do Código do Trabalho. Em relação à transmissão de empresa ou estabelecimento, há que se ter em atenção os deveres de informação do transmitente e adquirente previstos no art.º 286 CT. Preceituam os n º 1 e 2 do art.º 286 n º 1 do Código do Trabalho, na redação em vigor em 2010, que “ 1 - O transmitente e o adquirente devem informar os representantes dos respetivos trabalhadores ou, caso não existam, os próprios trabalhadores, sobre data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes. 2 - A informação referida no número anterior deve ser prestada por escrito, antes da transmissão, em tempo útil, pelo menos 10 dias antes da consulta referida no número seguinte”.
h) Na verdade, esta 1ª ordem de razões é suscetível de demonstrar o inverso: a de que ambas as entidades empregadoras tinham conhecimento do motivo da ausência ao trabalho por parte da A.. Até porque, sub judice, ambas as entidades empregadoras – antiga e nova - eram pelo menos parceiras de trabalho de vários anos.
i) Resulta do ponto 25) da matéria de facto julgada provado que “Na CPLI, P… conjuntamente com a M… e E…, eram quem dava ordens e instruções à Autora”.
j) Como testemunhou Ma… no dia 22.11.2019, segurança da empresa H…, onde a A. prestava serviço de limpeza:
(…) (…)
bbb) E, o R. não defendeu os interesses legítimos da A., tendo de forma consciente e culposa aproveitado-se da simplicidade e pouca instrução da A..
ccc) Pelo que, permitir que qualquer facto constante do referido processo n.º 213/13.5TTSTB seja usado para aquilatar da perda de chance será permitir uma segunda penalização da A. pelo incumprimento dos deveres que apenas ao 1º R. incumbiam.
ddd) Da simples leitura da sentença, sem mais considerações considera-se evidente, manifesto, que o R. bem sabia que faltou com a verdade nos autos sub judice, alterando a verdade do factos, reiterando-se assim o pedido da sua condenação em litigante de má fé, cfr. peticionada pela A. através do requerimento datado de 15.11.2018.
eee) O Meritíssimo Juiz a quo não fez a correcta apreciação da prova, interpretação e aplicação da Lei ao julgar que a A. tinha apenas uma probabilidade de 50% de conseguir demonstrar que não estavam reunidos os requisitos do abandono de trabalho, bem como ao absolver o 1º R. do pedido de condenação em litigante de má fé, por manifesta violação do normativo legal patente nos arts. 285/1, 286, 403 do Código do Trabalho e 542 CPCivil.
fff) Termos em que, deve a decisão sub judice ser alterada por outra que:
ggg) Acrescente à matéria de facto julgada provada os seguintes factos:
- 27 i) Nenhuma das entidades empregadoras – C… e M… – comunicou por escrito à A. a transmissão da empresa e a cedência da trabalhadora;
- 31 ii) Ambas as entidades empregadoras – C… e M… - sabiam que a A. se encontrava de baixa médica;
- 31 iii) Em 24.3.2011, 35 trabalhadores da H… elaboraram e assinaram “abaixo assinado” no qual fizeram constar ser facto do conhecimento público que a A. se encontra de baixa desde 25 de fevereiro de 2010 e que não enviou os comprovativos para a entidade empregadora certa pois não tinha conhecimento de que tinha visto o seu vinculo contratual cedido a uma nova empresa e qual a designação e sede desta.
hhh) Condene solidariamente os RR. no pagamento da quantia peticionada de € 8.330,00 a título de perda de chance, atenta inexistência de factos que permitissem diminuir a probabilidade da A. lograr demonstrar a ilicitude do despedimento, com fundamento em abandono de trabalho;
iii) Condene o R. em litigante de má fé, nos termos do disposto no art. 543/3 CPC.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas, deve ser julgado procedente por provado o presente recurso, alterando-se a decisão recorrida nos termos supra, com todas as legais consequências.
Também a R. Seguradora não se conformou com a sentença proferida e dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“I.Não pode a Ré/Recorrente concordar com o decidido na Sentença de 06.01.2020, pelo que vem da mesma recorrer, por i) não se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil e ii) por se encontrar excluída a sua responsabilidade em consequência do pré-conhecimento do sinistro por parte do R. A….
Quanto à não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil:
II. Os pontos 6) e 8) da matéria de facto dada como provada foram incorretamente julgados, por falta de produção de prova sobre esta matéria, resultando das Declarações de Parte do R. Dr. A… o contrário, uma vez que ficou demonstrado que este não sabia da comunicação e consequente alegação da presunção de abandono de posto de trabalho da Autora/Recorrida, efetuada pela sua então entidade empregadora.
III. O mesmo sucedeu com o ponto 9) da matéria de facto que o Tribunal “a quo” deu como provado, uma vez que a Autora/Recorrida não disponibilizou ao R. Dr. A… os comprovativos das baixas médicas, factualidade esta que resulta da produção de prova efetuada em sede de Audiência Final, nomeadamente das Declarações de Parte do R. Dr. A…..
IV. A Autora falhou por completo o seu ónus da prova, como decorre da Sentença proferida aos autos subjacentes (proc. n.º 213/13.5TTSTB), não se tendo apurado uma eventual recusa da prestação laboral da A..
V. Apurou-se, ao invés, que a então Ré comunicou à A. o seu abandono do posto de trabalho, sem que esta o tivesse impugnado posteriormente e sem que, ainda assim, se tivesse apresentado,
VI. Não tendo sido a versão dos factos apresentada pela Autora/Recorrida nas suas Declarações – em que o Tribunal “a quo” se socorre – corroborada por nenhuma testemunha, nem encontra suporte na demais prova produzida.
VII. Resultou, aliás, da matéria de facto dada como provada nos autos subjacentes que a Autora/Recorrida tinha dado conhecimento à sua entidade empregadora que se encontrava de baixa médica e que esta, interpelada para juntar os respetivos comprovativos, não o fez, não justificando a sua ausência do posto de trabalho por factos que apenas a si lhe são imputáveis.
VIII. Inexiste, por isso, facto ilícito e consequentemente dano, muito menos o necessário nexo de causalidade entre a conduta do R. Dr. A… e o alegado dano reclamado pela Autora/Recorrida.
Além disso,
IX. Não provou a Autora/Recorrida que mandatou o R. Dr. A… para os efeitos que alega, nem que lhe forneceu as instruções ou, sequer, que o dotou da documentação, prova e elementos necessários à propositura da ação de impugnação da licitude e regularidade do despedimento ainda em 2011, pelo que não resulta provada a prática de qualquer facto ilícito por parte do R. Dr. A…, não se encontrando preenchidos os pressupostos essenciais e cumulativos da responsabilidade civil profissional do mesmo.
Não obstante, refira-se, ainda, sem conceder:
X. Face aos factos julgados provados pelo Tribunal “a quo”, não se antevê como e em que medida poderia/conseguiria a Autora/Recorrida ilidir a presunção estabelecida no artigo 403.º, n.º 2 do Código do Trabalho (cf., nesse sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 19-11-2015 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 03.10.2013, ambos disponíveis em www.dgsi.pt), estando a ação judicial subjacente aos presentes autos (proc. n.º 213/13.5TTSTB) votada ao insucesso, não se verificando que algum dano tenha resultado para a Autora/Recorrida de qualquer alegada conduta ilícita do R. Dr. A….
XI. Mal andou o Tribunal “a quo” quando lançou mão do critério da equidade e, consequentemente, da fixação da indemnização no montante de € 4.165,00 «pela perda de chance», preterindo por completo o «julgamento dentro do julgamento», como se lhe impunha,
XII. Desde logo porque não existe uma perda de chance processual consistente e séria, nem se verificaram os pressupostos da responsabilidade contratual (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.09.2019, proferido no âmbito do proc. n.º 1052/16.7T8PVZ.P1.S1, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.01.2020, proferido no âmbito do proc. n.º 454/15.0T8AVR.P1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08.11.2018, proferido no âmbito do proc. n.º 139/14.5T8BJA.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Quanto à exceção perentória de exclusão do pré-conhecimento do sinistro:
XIII. A responsabilidade pelos factos alegados na petição inicial encontra-se excluída das garantias acordadas através do Contrato de Seguro celebrado com a R./Recorrente.
XIV. Do contrato de seguro celebrado com a R./Recorrente resulta que «Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações:
a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (…)».
XV. O R. Dr. A…, em 12.03.2013 – data em que foi intentada a ação subjacente aos presentes autos –, tinha consciência dos factos referidos nos pontos 14) e 15) da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal “a quo”, por lhe serem imputados, e tinha conhecimento que os mesmos eram geradores da sua responsabilidade civil, sendo irrelevante a pretensa natureza obrigatória do contrato de Seguro sub judice para a exclusão dos factos por si conhecidos à data do seu início.
XVI. Resulta do ponto 15) da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal “a quo” que, antes da submissão da petição inicial no proc. n.º 213/13.5TTSTB, em 12.03.2013, o R. A… tinha definido a estratégia de ficcionar a apresentação da Autora/Recorrida à sua então entidade empregadora após um período de baixa e a recusa da prestação laboral para ainda poder fundamentar e reagir processualmente à cessação do contrato de trabalho daquela, impugnando desta forma a ilicitude do despedimento.
XVII. No mesmo sentido, a contestação apresentada por M… no proc. n.º 213/13.5TTSTB e a matéria de facto dada como não provada na respetiva sentença.
XVIII. Resulta do ponto 47) da matéria de facto dada como provada que o R. Dr. A… não comunicou à R./Recorrente os factos e circunstâncias acima descritos, como era a sua obrigação, nos termos do contrato de seguro relativo à Apólice n.º ES00013615EO18A – que teve início às 00.00 horas do dia 01.01.2018 –, bem como a possibilidade dos mesmos poderem gerar uma «reclamação» e, consequentemente, a sua responsabilização decorrente do exercício da sua atividade profissional, o que constitui um requisito prévio à assunção pela aqui R./Recorrente de qualquer obrigação dali decorrente, por se tratar de um «sinistro» ocorrido em data anterior – o que era fundamental e essencial à sua cobertura.
XIX. Factos geradores de responsabilidade civil estes que foram confirmados aquando da notificação da sentença proferida no âmbito do proc. n.º 213/13.5TTSTB, no ano de 2013 (cf. ponto 46) da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal “a quo”).
XX. Não cumpriu, assim, o R. Dr. A… o disposto nas cláusulas 8.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”, nem a Cláusula 7.ª (âmbito temporal) das Condições Particulares do Contrato de Seguro.
XXI. Deve, por isso, a Decisão nessa parte ser revogada, substituindo o Douto Tribunal da Relação por outra em que absolva a aqui R./Recorrente do respetivo pedido, nos termos e para os efeitos do artigo 576.º, n.º 2 e 579º, todos do CPC, por estamos perante uma causa de exclusão da cobertura do Contrato de Seguro em causa, e de forma a não violar estas disposições legais (nesse sentido, a Decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no âmbito do proc. n.º 1537/18.0T8CSC, a Decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no âmbito do proc. n.º 7507/12.5TBMTS e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do proc. n.º 923/12.4TBPFR).
XXII. Devendo, ainda, ser dada como provada a seguinte matéria no âmbito da factualidade vertida pela R./Recorrente nos artigos 29.º a 30.º, 32.º e 33.º da sua Contestação:
- O R. Dr. A… teve conhecimento dos factos que lhe são imputados pela A. e/ou da intenção da A. lhe imputar responsabilidade pelos mesmos, antes da data da propositura da presente ação judicial e antes do dia 01.01.2018.
- O R., Dr. A…, teve conhecimento dos factos imputados pela A. na p. i. e de que os mesmos poderiam ser geradores de responsabilidade civil no ano de 2013.À data da celebração e vigência dos contratos de seguro celebrados com a Ré – de 01.01.2018 a 01.01.2019 – o Dr. A… tinha perfeito conhecimento dos factos e circunstâncias que lhe são imputados na p. i. e que era intenção da A. responsabilizá-lo pelos danos alegadamente decorrentes dos mesmos.
XXIII. Ao contrário do defendido pelo Tribunal “a quo”, resulta irrelevante a pretensa natureza obrigatória do referido Contrato de Seguro dos autos para a aplicação da exclusão de pré-conhecimento prevista nesse contrato, mormente na alínea a) do artigo 3.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”.
XXIV. Mesmo que se equacione a natureza obrigatória do Contrato de Seguro em causa e que o mesmo seja inoponível ao lesado, a exceção da falta de participação do sinistro sempre será oponível ao Segurado nos termos previstos no Regime Jurídico do Contrato de Seguro, pelo que a aqui R./Recorrente sempre tem a possibilidade de repercutir sobre o R. Dr. A… o sacrifício patrimonial decorrente do incumprimento do dever de participação do sinistro, como resultou da prova produzida em sede de Audiência Final.
Nestes termos e nos mais de direito, dando provimento ao presente recurso e absolvendo a ora Recorrente do pedido, farão a acostumada
JUSTIÇA!”
A A. respondeu às alegações recursórias da R. Seguradora e o R. A… respondeu a ambos os recursos interpostos.
Providenciados os vistos, em simultâneo, e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
II. Objecto do Recurso
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e das QUE forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC).
São, pois, questões a decidir:
- Modificação da matéria de facto;
- Verificação dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil contratual;
- Medida do ressarcimento devido à apelante.
- Procedência da excepção peremptória;
- Condenação do Réu A… como litigante de má-fé;
III. Fundamentação
1.De Facto
Na sentença recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
1. No dia 17.03.2011, a A. recebeu uma comunicação escrita de M,,,, datada de 14.03.2011, com seguinte teor:
1. Desde 1 de Julho de 2010, que V. Exa. não se apresenta para trabalhar no seu local de trabalho, sem que tenha comunicado à entidade patronal, podendo e devendo tê-lo feito, qual o motivo da ausência que é, assim, injustificada. 2. Presume-se portanto, nos termos dos art.º 403º, 1 e 2 do Código de Trabalho (…) o abandono do trabalho, que vale como denúncia do contrato, nos termos do n.º 3 do mesmo art.º 403. 3. Nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal vimos invocar, por este meio, a cessação do contrato, para todos os legais efeitos. 4 Ficam à v. disposição todas as quantias a que tem direito em consequência da cessação do contrato de trabalho”.
2. A A. encontrava-se sindicalizada no R. Sindicato dos Trabalhadores …
3. O R. Sindicato disponibilizava serviços de aconselhamento jurídico e representação forense aos seus sócios, nas suas instalações.
4. O R. A… prestava os serviços referidos em 3. aos sócios do Réu Sindicato ao abrigo de um contrato de prestação de serviços com o R. Sindicato.
5. Em 03.05.2011, a A. dirigiu-se às instalações do R. Sindicato, para solicitar aconselhamento jurídico quanto à comunicação referida em 1.
6. Em 03.05.2011, a A. forneceu ao R. A… a comunicação referida em 1.
7. Em 03.05.2011, o R. A… aceitou a defesa da causa e a representação da A., tendo esta conferido para o efeito procuração forense redigida, impressa e dada à assinar à A..
8. O R. A… aconselhou no sentido de se reagir judicialmente à falta de preenchimento dos requisitos legais da comunicação de abandono do trabalho, através da propositura de uma ação de impugnação de despedimento.
9. A A. disponibilizou ao R. A… os comprovativos das baixas médicas.
10. Em datas que não foram apuradas, por mais de uma vez, entre 03.05.2011 e o início de 2013, quando a A. lhe perguntou pelo estado do seu assunto, o R. A… disse-lhe para ter calma que ia ser chamada a Tribunal.
11. Em Março de 2013, a A. tomou conhecimento que a ação destinada a impugnar o seu despedimento contra M… foi instaurada no dia 12.03.2013, no Tribunal do Trabalho de Setúbal, Secção Única, correndo com o processo nº 213/13.5TTSTB.
12. Na petição inicial que deu origem ao processo nº 213/13.5TTSTB, consta que “1.º A Autora foi contratada pela Ré para a esta prestar a sua actividade, agindo sob as suas ordens, direção e fiscalização. 2.º O que sucedeu no dia 1 de julho de 2010. 3.º Tinha, no entanto a Autor a sua prestação de trabalho iniciada em 1 de novembro de 1997, para a L…, Lda., 4.º À qual a R. veio a suceder, por via da transmissão do seu estabelecimento, onde a Autora se integrava. 5.º A Autora possuía a categoria de “Empregada de Limpeza”. 6.º Auferia a retribuição mensal de 490,00 €. 7.º Em 26 de fevereiro de 2010 a Autora entrou de baixa médica por doença natural. 8.º Facto que comunicou à sua entidade patronal. 9.º Tendo realizado a entrega dos respectivos comprovativos de baixa médica. 10.º A Autora viu a sua baixa médica prolongada até ao dia 31 de janeiro de 2013. 11.º Entretanto a sua baixa médica foi interrompida, em meados de Abril de 2011, data em que se apresentou na Ré.12.º Tendo esta comunicado que não se deveria apresentar pois teria um processo disciplinar. 13.º Voltou a Autora a entrar de baixa médica, até à supra referida data. 14.º Finda abaixa a Autora apresentou-se ma Ré para trabalhar no dia 1 de fevereiro de 2013. 15.º Tendo esta recusado a sua prestação laboral, afirmando que ela abandonara o posto de trabalho. 16.º Sucede que nunca a Ré comunicou à Ré que a considerava em abandono de posto de trabalho. 17º Sendo certo que este abandono teria de cumprir os formalismos do art. 403º do C.T.. 18º Os quais a Ré não cumpriu. (…) 21.ºÉ pois o despedimento ilícito…Nestes termos e nos melhores de direito, com o mui douto suprimento de V. Ex.a, deverá a presente ação ser julgada procedente e:
“A) Ser julgado ilícito o despedimento da A. pela R.;
B) Ser a R. condenada a pagar à A. uma indemnização de antiguidade no montante de 7.840€;
C) Ser a Ré condenada a pagar à A. as retribuições vencidas e vincendas, desde a data do despedimento, até à data do trânsito em julgado da decisão que o julgar lícito, o que se calcula em 490€ quanto às vencidas”.
13. Com a petição inicial, o R. A… juntou um documento, que era uma declaração do Sindicato dos Trabalhadores … a atestar que a A. era associada do R. Sindicato e assim isenta de custas judiciais nos termos do disposto do art. 4/1/h RCP e arrolou como testemunha P….
14. A A. não se apresentou ao trabalho em 01.02.2013, nem foi recusada a sua prestação de trabalho nesta data, nem a A. comunicou ao R. A… que se apresentou ao trabalho em 01.02.2013, nem que foi recusada a sua prestação de trabalho nesta data.
15. Na petição inicial referida em 12, o R. A… ficcionou uma apresentação ao trabalho da A. em 01.02.2013 e uma recusa da sua prestação laboral nesta data.
16. Em 18.04.2013, M…, R. nos autos n.º 213/13.5TTSTB apresentou contestação, onde refere que:
“(…)
1º A Ré em 31 de Maio de 2010, iniciou a sua actividade profissional como empresária em nome individual, com actividade de Limpeza Geral…
2º A A. foi contratada pela R. em 1.07.2010, para sob a sua direcção, orientação e fiscalização, lhe prestar as tarefas inerentes à categoria de encarregada de limpeza”.
3º Em 1.07.2010 a A. assinou juntamente com a entidade empregadora a declaração do trabalhador de início de actividade e vínculo profissional a nova entidade empregadora. Doc 2 (…)
15º Tinha a A. a obrigação de entregar à R. a justificação da sua ausência ao trabalho, o que não fez. (…)
17º A A. não apresentou à R. a ocorrência de um motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência e da sua justificação.
18º O contrato de trabalho que vigorou entre as partes cessou por abandono de
trabalho, o que corresponde a uma denúncia do contrato pelo trabalhador”.
17. M… juntou à sua contestação: como documento nº 1 uma declaração de início de atividade sua; como documento nº 2 o documento da Segurança Social datado de 01/07/2010, intitulado “COMUNICAÇÃO DA ENTIDADE EMPREGADORA DE ADMISSÃO DE NOVOS TRABALHADORES / DECLARAÇÃO DO TRABALHADOR DE INÍCIO DE ACTIVIDADE E VÍNCULO PROFISSIONAL A NOVA ENTIDADE EMPREGADORA” assinado pela Autora, como documento nº 3 a comunicação referida em 1 e como documento 4, o respetivo aviso de receção.
18. Antes da realização da audiência de julgamento do processo laboral, o R. A… falou à A. da possibilidade de retomar a sua relação laboral mediante o pagamento de 500,00 €.
19. O R. A… aconselhou a A. a aceitar a proposta de reintegração ao serviço de M….
20. A A. recusou a proposta de trabalho reintegração ao serviço de M….
21. Os autos n.º 213/13.5TTSTB findaram com sentença, datada de 24.09.2013, onde ficou a constar o seguinte:
Após julgamento, julgo provada a seguinte matéria de facto:
1. A A. foi admitida ao serviço da L…, Lda., em 01.11.1997, a fim de exercer, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, as funções de empregada de limpeza, mediante remuneração, ultimamente fixada em € 490,00; 2. A A. exercia as suas funções no estabelecimento H…, onde aquela sociedade efectuava o serviço de limpeza; 3. A A. entrou de baixa por doença natural a partir de 26.02.2010; 4. A Ré iniciou a sua actividade profissional como empresária em nome individual, na área da limpeza geral, em 31.05.2010; 5. A partir do dia 01.07.2010, o serviço de limpeza no supra referido estabelecimento passou a ser explorado pela Ré, passando esta a dar ordens, a dirigir e a remunerar as empregadas de limpeza que ali desempenhavam funções; 6. Com data de 01.07.2010, A. e R. subscreveram um documento de comunicação da entidade empregadora de admissão de novos trabalhadores e declaração do trabalhador de vínculo profissional a nova entidade empregadora; 7. A A. Informou a Ré que se encontrava de baixa médica e continuou a não se apresentar ao serviço; 8. A Ré pediu por diversas vezes à A. que lhe enviasse os comprovativos da baixa médica, o que a A. não fez, continuando a não se apresentar ao serviço; 9. Por carta registada com A/R, datada de 14.03.2011 e recebida pela A. a 17 seguinte, a R. comunicou-lhe que presumia o seu abandono de trabalho, uma vez que não se apresentava ao serviço desde 01.07.2010 nem comunicava qual o motivo da ausência, pelo que invocava a cessação do contrato de trabalho; 10. A A. Continuou a não se apresentar ao trabalho.
- que a A. Tenha entregue à Ré os comprovativos de baixa médica;
- que a A. Tenha visto a sua baixa médica prolongada até ao dia 31.01.2013;
- que a baixa tenha sido interrompida em meados de Abril de 2011, data em que a A.se apresentou na Ré;
- que a Ré tenha então comunicado à A. que não se deveria apresentar pois teria um processo disciplinar;
- que a A. tenha então voltado a entrar de baixa médica, até 31.01.2013;
- que a A. se tenha apresentado na Ré para trabalhar, no dia 01.02.2013;
- que então a Ré tenha recusado a prestação laboral da A.;
- que a Ré nunca tenha comunicado à A. que a considerava em abandono de posto de trabalho”:
Motivando a decisão da matéria de facto, para além da matéria sobre a qual existiu acordo das partes e da análise dos documentos juntos aos autos, haverá a notar que as testemunhas arroladas pela A. – P…, Â…, C… e O…, empregadas de limpeza na H… ou trabalhadoras desta empresa – nada sabiam acerca das apresentações da A. para trabalhar em Abril de 2011 e em Fevereiro de 2013, nem de um eventual despedimento ocorrido em 01.02.2013, sabendo apenas que a A. já estava de baixa médica quando a Ré tomou conta da limpeza naquele estabelecimento. Quanto ao testemunho de E…, companheiro da Ré e que exerce funções de coordenador da actividade de limpeza, foi relevante quanto à falta de apresentação dos comprovativos de baixa por parte da A. bem como ao envio da carta de abandono do trabalho em Março de 2011, enquanto que P…, gerente da empresa que anteriormente a 01.07.2010 prestava a actividade de limpeza no local, confirmou que a A. já se encontrava de baixa desde Fevereiro de 2010, tendo continuado a enviar-lhe os comprovativos de baixa médica já após a transmissão ocorrida em 01.07.2010, isto apesar de saber qual era a sua nova entidade empregadora e da própria testemunha lhe ter dito para enviar tais comprovativos à Ré….”.
22. Concluiu a sentença que:
“(…) Entrando na análise directa dos factos, nada se apurou quanto a uma eventual recusa da prestação laboral da A., ocorrida em 01.02.2013 – neste ponto, a A. falhou por completo o seu ónus de prova. Não é possível, pois formular um juízo inequívoco de despedimento ocorrido nessa data, como alega da A. Bem pelo contrário, o que se apurou foi que a Ré comunicou à A. o seu abandono do posto de trabalho, o que fez por carta registada com A/R, remetida em 14.03.2011 (…) logo a cessação do contrato de trabalho ocorreu nessa altura e certo é que a A. Não o impugnou, pelo que jamais poderia invocar, em Fevereiro de 2013, a execução do contrato de trabalho, quando este já não existia desde Março de 2011.
Decisão
Destarte, julgo a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré M… de todos os pedidos deduzidos pela A. Ma…”.
23. A sociedade C….., foi a entidade empregadora da Autora desde março 2009 até 01.07.2010.
24. A sócia gerente da sociedade C…, Unipessoal Lda. era P….
25. Na C… conjuntamente com a M… e E… eram quem dava ordens e instruções à Autora.
26. A partir de 01.07.2010, M… passou a ser entidade empregadora da A., assegurando o serviço de limpeza na H… e, passando a dar ordens, a dirigir e a remunerar as empregadas de limpeza que ali desempenhavam funções.
27. A A. assinou o documento da Segurança Social datado de 01.07.2010, intitulado “COMUNICAÇÃO DA ENTIDADE EMPREGADORA DE ADMISSÃO DE NOVOS TRABALHADORES / DECLARAÇÃO DO TRABALHADOR DE INÍCIO DE ACTIVIDADE E VÍNCULO PROFISSIONAL A NOVA ENTIDADE EMPREGADORA”.
28. A A. tem o segundo ciclo do ensino básico e tem dificuldades de interpretação e na leitura.
29. A A. entrou de baixa por doença natural em Fevereiro de 2010 até pelo menos 24.01.2013 e entre Fevereiro de 2010 e Março de 2011, a Autora enviou todos os comprovativos de baixa médica à entidade empregadora CPLI.
30. A partir do momento em que recebeu a carta de M…, datada de 14.03.2011, a invocar o abandono do trabalho, a A. passou a enviar todos os comprovativos de baixa médica a M…, até Janeiro de 2013.
31. No contrato de trabalho, datado de 26 de Julho de 2010, celebrado entre M…, na qualidade de entidade empregadora e M…, na qualidade de trabalhadora, consta que:
O motivo do presente contrato baseia-se no facto do 2º Outorgante ir substituir a empregada M… que se encontra de baixa, conforme o n.º 3 do art. 140º da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro”.
32. A A. confiou na diligência do R. A… e a conduta do R. A… descrita em 15. e o desfecho do processo nº 213/13.5TTSTB, fez com que a Autora se sentisse traída e enganada.
33. A descoberta de que a A. não poderia impugnar o abandono do trabalho comunicado pela carta referida em 1., importou à Autora sentimentos de angústia, impotência e revolta.
34. O R. A… é advogado português com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados Portugueses desde 26.10.1985.
35. Nos termos do ponto 4 das Condições Particulares da Apólice, a R. XL Insurance Company SE celebrou com a Ordem dos Advogados Portugueses um contrato de seguro de grupo, titulado pela apólice n.º ES00013615EO18A, em que é Tomador do Seguro a Ordem dos Advogados e Segurados, nomeadamente “Os Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam a atividade em prática individual ou societária, por dolo, erro, omissão ou negligência profissional”.
36. Nos termos do art. 2º n.º 1 das Condições Especiais do contrato de seguro “(…) a presente apólice tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período do seguro, pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido(a) pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva legalmente responder no desempenho da atividade profissional (…)”.
37. Nos termos do ponto 6 A das condições particulares da apólice, a Ré segura a “Responsabilidade Civil Profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de 150.000,00€ por Sinistro…”
38. Nos termos do ponto 10 das condições particulares da apólice, o Contrato de Seguro foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2018 e termo às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2019.
39. Nos termos do ponto 7 das Condições particulares da apólice, “O Segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice e sem qualquer limitação temporal da retroatividade…
Para os fins supra indicados, entende-se por reclamação a primeira das seguintes comunicações:
a) Notificação oficial por parte do sinistrado, do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, da intenção de reclamar ou de interposição de qualquer ação perante os tribunais;
b) Notificação oficial do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, de uma reclamação administrativa ou investigação oficial, com origem ou fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, que haja produzido um dano indemnizável à luz da apólice;
c) Por outra via, entende-se por reclamação, qualquer facto ou circunstância concreta, conhecida prima facie pelo tomador do seguro ou segurado, da qual resulte notificação oficial ao segurador, que possa razoavelmente determinar ulterior formulação de um pedido de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.
40. Nos termos do ponto 9 das Condições Particulares da apólice consta que “Estabelece-se uma franquia de 5.000,00 € por sinistro, não oponível a terceiros lesados”.
41. Nos termos do ponto 12 do art.º 1 das condições especiais da apólice, constitui “Reclamação: Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra o segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice; Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo segurado e notificada oficiosamente por este ao segurador, de que possa:
i) Derivar eventual responsabilidade abrangida pela apólice;
ii) Determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou
iii) Fazer funcionar as coberturas da apólice”.
42. Nos termos do art.º 4 das Condições Especiais do Contrato de Seguro“ É expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que a presente apólice será competente exclusivamente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice:
a) Contra o Segurado e notificadas ao segurador; ou
b) Contra o segurador em exercício de ação direta;
c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, resultantes de dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado após a data retroativa”.
43. Nos termos do art.º 8 nº1 das Condições Especiais da apólice “O tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador sob esta apólice, comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível:
a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice”.
44. Nos termos do art.º 3 n º1 alínea a) das Condições Especiais do Contrato de Seguro, “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações:
a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (…)”,
45. Nos termos do art.º 10 nº 1 e nº 2 das Condições Especiais do Contrato de Seguro “1 - O segurado, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8.º desta Condição Especial, deverá comunicar ao corretor ou ao segurador, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efetuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação.”
2- A comunicação referida em 1, dirigida ao corretor ou ao segurador ou seus representantes, deverá circular entre os eventuais intervenientes de modo tal que o conhecimento da reclamação possa chegar ao segurador no prazo improrrogável de 8 dias”.
46. O R. A… foi notificado da sentença proferida no âmbito do processo judicial referente à ação laboral no ano de 2013, via Citius.
47. O R. A… não comunicou à R. seguradora, directamente ou através da sua corretora, os factos ou circunstâncias alegados na petição inicial e a possibilidade de tais factos poderem dar origem a uma reclamação.
48. A R. teve conhecimento dos factos alegados na petição inicial na sequência da sua citação para a presente ação judicial.
E Não provados:
a) Entre 01.07.2010 e 14.03.2011, M… sabia que a A. se encontrava a enviar mensalmente os documentos comprovativos das baixas médicas para a C….
b) Entre 27.07.2010 e 14.03.2011, M… sabia que a A. se encontrava de baixa médica.
c) A A. ficou várias noites sem dormir, por recordar-se da confiança que havia depositado no R. A… e dos momentos difíceis vividos com injustiça da entidade empregadora.
2. O Direito
1.ª Questão
Os recursos interpostos por A. e R. Seguradora têm por objecto, para além do mais, a reapreciação da matéria de facto (…) (…)
Assim, com base no inestimável contributo da experiência comum da vida e tendo em atenção aqueles dois factos, é viável concluir pela demonstração de que “Entre 27.07.2010 e 14.03.2011, M… sabia que a A. se encontrava de baixa médica”, adicionando-se esse facto aos demais tidos comos provados.
No que tange à apelação da Ré … (…) (…)

2.ª Questão Solvenda
A segunda questão relaciona-se com o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil contratual que impende sobre o R. A….
Sustentava, em resumo, a apelante “X…, SE, Sucursal en España” que a A. não facultara àquele os documentos necessários à propositura da competente acção.
Porém, como se disse, o elenco factual mantém-se inalterado e, como vimos, dele resulta que a A. facultou ao Réu A… não só a declaração recebida de M… mas também os documentos que permitiriam comprovar que se encontrava de baixa.
Daí que o juízo subsuntivo estabelecido a este respeito na sentença apelada não deva merecer qualquer censura.
Em aditamento, cabe, porém, observar que nem sequer seria necessário o recurso à via judicial (cfr. a opção mencionada no ponto n.º 8 do elenco factual) para contraditar a facticidade vertida na dita declaração. Com efeito, a ilisão (cfr. n.º 2 do art.º 350.º do Cod. Civil) da presunção legal estabelecida no n.º 2 do art.º 403.º do Cód. do Trabalho não o requer e, posto que aquele I. Causídico tinha ao seu dispor documentos que demonstravam que a falta de comparência da A. no local de trabalho se deviam a baixa clínica, nada impedia que reagisse extrajudicialmente à sobredita declaração. Foi, aliás, o que A., que tem o segundo ciclo do ensino básico e tem dificuldades de interpretação e na leitura, fez (pontos 28. e 30. do elenco factual).
Assim, também neste conspecto se surpreende a violação do dever contratual de zelo que fundamenta a responsabilidade civil contratual do Réu A….
3.ª Questão Solvenda
A terceira questão solvenda prende-se com a ressarcibilidade do dano da perda de chance.
Como tem vindo a ser entendido, a perda de uma chance apenas é indemnizável quando possa ser equiparada à “quase propriedade de um bem”, não podendo, por isso e em si mesmo, constituir um dano patrimonial indemnizável[1].
Numa outra perspectiva, a perda de chance apenas será ressarcível quando se comprove que se frustrou efectivamente quaisquer possibilidades ou probabilidades reais que assistiriam ao lesado. Tal revela-se decisivo para reconduzir uma perda com essa dimensão ao conceito de danos futuros - os quais apenas são indemnizáveis nos termos do n.º 2 do art.º 564º do Cod. Civil, conquanto sejam previsíveis (i.e. certos - porque redundam no desenvolvimento de um dano actual - ou suficientemente prováveis[2]) - e nos afastarmos do campo do dano hipotético ou eventual, obviamente não indemnizável.
Em síntese, “o dano resultante da perda de chance processual só releva se se tratar de uma chance consistente, designadamente se se puder concluir, “com elevado grau de probabilidade ou de verosimilhança” que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida.”[3].
Assim, no domínio da perda de chance processual, o primeiro aspecto a dilucidar consiste em determinar se o sucesso da acção possui suficiente consistência e seriedade.
Para tanto, cabe ponderar, “face ao estado da doutrina e da jurisprudência então existente, ou mesmo já em evolução, se seria suficientemente provável o êxito daquela acção, devendo ter-se em linha de conta, fundamentalmente, a jurisprudência então seguida nessa matéria pelo tribunal daquela causa, impondo-se fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atendendo no que poderia ser considerado como altamente provável por esse tribunal”[4].
No caso em apreço, tal aspecto vem questionado pela apelante “X…, Sucursal en España”, pelo que se nos impõe que nos debrucemos sobre se aquele que seria o desfecho provável da acção judicial que deveria, atempadamente e com base em fundamentos fácticos verídicos, ter sido proposta pelo Réu A….
Para tanto, importa concitar a norma substantiva aplicável e os pertinentes ensinamentos doutrinais e jurisprudenciais.
Sob a epígrafe “Abandono do Trabalho”, dispõem os n.ºs 1 a 4 do art.º 403.º do Cod. do Trabalho:
1 - Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar.
2 - Presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.
3 - O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida deste.
4 - A presunção estabelecida no n.º 2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.”.
O abandono do trabalho tem sido encarado com uma ruptura irregular (i.e. sem invocar justa causa e sem observar período de aviso prévio – cfr. o n.º 4 do preceito) do vínculo laboral pelo trabalhador.
Como decorre do n.º 1 do citado preceito, o abandono do trabalho assenta na ausência do trabalhador ao serviço (o pressuposto objectivo) e na intenção de não o retomar, o qual é extraído de factos concludentes que revelem essa vontade - o pressuposto subjectivo[5].
Ao abandono do trabalho é equiparada, em termos socialmente adequados, a ausência prolongada ao trabalho sem notícia por parte do trabalhador, estabelecendo o n.º 2 do mesmo artigo uma presunção “iuris tantum” que se funda na não comparência ao serviço por dez dias úteis seguidos e na circunstância de o empregador não ter recebido comunicação do motivo que determinou essa ausência[6].
Tal presunção pode ser ilidida nos termos do n.º 4 daquele artigo, ou seja mediante demonstração, pelo trabalhador, de que ocorreram factos que não lhe são imputáveis e que o impediram de comunicar atempadamente à entidade empregadora a causa da sua ausência[7].
Para que o empregador se possa prevalecer desta ausência qualificada do trabalhador, deve remeter a este carta registada com A/R para a última morada conhecida daquele a comunicação a que se alude no n.º 3 do artigo 403.º do Cod. do Trabalho). Como parece decorrer do mesmo preceito, esta comunicação não tem eficácia constitutiva, constituindo somente uma mera constatação dos factos que integram uma situação - real ou a tal equiparada - de abandono de trabalho e relevando somente para que a entidade empregadora a possa invocar, designadamente em juízo ou em procedimento disciplinar[8].
No caso vertente, os factos inscritos na dita declaração não foram colocados em crise. Todavia, a A. encontrava-se em situação de baixa clínica desde Fevereiro de 2010, sendo que a sua entidade patronal conhecia essa situação na data em que lhe remeteu essa declaração. E, assim que recebeu a dita comunicação (em 17 de Março de 2011), a A. apressou-se a remeter a M… os comprovativos da sua situação.
Ora, como é sabido, a baixa clínica por doença que se prolongue por mais de 30 dias determina automaticamente a suspensão do contrato de trabalho (n.º 1 do art.º 296.º do Cod. do Trabalho), pelo que o trabalhador não tem que comprovar ou justificar as suas faltas.
Daí que, enquanto subsista essa situação clínica e sendo a mesma, como era, do conhecimento da entidade empregadora, não possa haver lugar à invocação da sobredita presunção legal[9].
Face a esta facticidade e considerações, é patente que existia uma probabilidade suficientemente séria de sucesso de uma acção de impugnação judicial do despedimento protagonizado por M…, o qual se antevê que, por aqueles motivos, seria forçosamente considerado ilícito.
Esclarecido este aspecto, impõe-se agora quantificar a indemnização associável à perda de chance de invocar estes factos em juízo no tempo e pelo meio processualmente adequado.
É consabido que o dano em causa não se identifica com a vantagem frustrada pela conduta do lesante (o dano final) mas este é o ponto de partida (e de chegada[10]) desse cálculo, cabendo, depois “aplicar o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, sendo que o resultado de tal operação constituirá a indemnização a atribuir pela perda de chance”[11].
Ora, no caso, o dano final corresponde à indemnização devida por despedimento ilícito por não haver motivo justificativo da invocação da presunção do abandono do trabalho ou ainda por não ter precedido do respectivo processo (als. b) e c) do n.º 1 do art.º 381.º do Cod. do Trabalho), acrescida das retribuições vencidas e vincendas, desde a data do despedimento, até à data do trânsito em julgado da decisão.
Em face do que viemos de expor, a possibilidade de sucesso de uma acção judicial interposta nos moldes supra delineados seria seguramente superior àquela que foi apurada em 1.ª instância.
Decisivamente, há a ter em conta que foi apurado que M… sabia que a situação de baixa se mantinha, pelo que a invocação da presunção do abandono do trabalho constituía um intolerável abuso do direito. Por outro lado, mal se compreende a hesitação revelada quanto à utilidade do documento mencionado no ponto 17. do elenco factual para comunicar à A. a transmissão da posição contratual entre a “C…” e M….
E, como bem salienta a A., não se pode ter em conta a facticidade apurada na acção que correu termos sob o n.º 213/13.5TTSTB, já que o núcleo essencial da causa de pedir aí inveridicamente invocada pelo R. por sua exclusiva iniciativa consubstancia, por si só e se outros factos inexistissem, a perda de chance indemnizável.
Assim, não se pode deixar de considerar que a probabilidade de sucesso de uma acção interposta em devido tempo naqueles moldes seria de 100%.
Ora, considerando que, em 17.03.2011, o vínculo entre a A. e M… (que sucedera na posição contratual de entidade patronal) perdurava há 13 anos, 5 meses e 16 dias, que a mesma auferia € 490,00 de retribuição mensal e tendo em conta o grau de ilicitude do despedimento (que é patente nos aludidos factos), é de considerar que a indemnização devida seria estabelecida pelo máximo (45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade) legalmente previsto (cfr. n.º 1 do art.º 391.º do Cod. do Trabalho) e ainda as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento (n.º 1 do art.º 390.º do mesmo diploma).
Por isso, conclui-se que o dano emergente da perda de chance quantifica-se em € 8.330,00.
Nessa medida, conclui-se pela procedência da apelação da Autora.
4.ª questão
A presente questão prende-se com a invocação da exclusão contratual da cobertura da responsabilidade da apelante, por o R. A… não ter comunicado que poderia ser responsabilizado pelos danos sofridos pela A. quando teve conhecimento da sentença do processo de trabalho em 2013.
Apurou-se que, efectivamente, o R. A… não comunicou à R. seguradora, directamente ou através da sua corretora, os factos ou circunstâncias alegados na petição inicial e a possibilidade de tais factos poderem dar origem a uma reclamação, pelo que aquela apelante apenas teve conhecimento dos factos alegados na petição inicial na sequência da sua citação para a presente acção judicial. E não resultou demonstrada a demais facticidade a este respeito invocada pela apelante, a qem cabia o ónus da prova (n.º 2 do art.º 342.º do Cod. Civil).
Independentemente desta facticidade ser, como bem se observou, em 1.ª instância insuficiente para preencher a exclusão contratual delineada pela al. a) do n.º 1 do art.º 3.º das condições gerais (por incumprimento da obrigação acessória do segurado prevenida no ponto n.º 1 da cláusula 8.ª e nos pontos n.º 1 e 2 da cláusula 10.ª do mesmo clausulado), observa-se, desde já, o seguinte:
Deparamo-nos com um seguro de grupo de responsabilidade civil profissional de natureza obrigatória (n.º 1 do art.º 99.º do EOA, na versão vigente à data dos factos), embora supletivo face a um seguro que, com o mesmo fito, seja individualmente celebrado pelo segurado.
Ora, nesse âmbito e em virtude do disposto do regime que se extrai do n.º 4 do art.º 101.º da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Dec.-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril, são inoponíveis ao lesado as cláusulas de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado de deveres de participação do sinistro à seguradora.
Trata-se de uma manifestação do princípio enunciado no art.º 147.º do mesmo diploma que prevalece sobre a dita exclusão[12].
Desta forma, sem prejuízo do exercício do direito de regresso pela apelante contra o co-Réu nos termos prevenidos naqueloutro preceito (questão de que não cabe curar neste âmbito) e à míngua de outros elementos atendíveis (a apelante refere injustificadamente a irrelevância deste aspecto), há que concluir pela improcedência da dita excepção.
5.ª questão Solvenda
A última questão solvenda prende-se com a condenação do R. como litigante de má-fé.
O direito de acção constitui uma emanação do sistema de justiça pública – i.e. o monopólio estatal do exercício da função jurisdicional -, o qual tem como alicerce básico o estabelecimento da regra da proibição da autodefesa (art.º 1º do CPC).
O direito de acção caracteriza-se por ser um direito de fazer agir o Estado para que, através dos tribunais, defina a posição jurídica concreta do requerente[13], cabendo àquele o dever de actuar (cfr. n.º 1 do art.º 20.º e n.º 2 do art.º 205.º, ambos da Constituição da República Portuguesa e n.º 1 do art.º 8.º do Cod. Civil).
Essa definição respeitará o contraditório da contraparte (n.ºs 1 e 2 do art.º 3º do Código de Processo Civil e impõe a demonstração dos pertinentes factos (n.ºs 1 e 2 do art.º 342.º do Cod. Civil).
Assim, apesar de a todo o direito substantivo corresponder uma acção (n.º 2 do art.º 2.º do CPC), o direito a accionar os órgãos competentes do Estado assume-se também como distinto do direito subjectivo que sustenta a pretensão do requerente, surgindo no conflito desencadeado por uma violação e ameaça de violação desse direito ou ainda pela incerteza relativamente àquele direito subjectivo[14].
E essa autonomia releva-se, desde logo, na circunstância de o direito de acção existir e funcionar sem que se saiba se o direito subjectivo subjacente existe e no reconhecimento de que, ressalvados os casos excepcionais de má-fé, o direito de acção foi correctamente exercido, mesmo nas hipóteses em que, a final, se vem a reconhecer que o direito substantivo não existe[15].
É que, mesmo nos casos em que a acção improcede, não se pode, sem mais, afirmar que o direito de acção foi exercido em termos abusivos. Por outras palavras, o recurso legítimo aos tribunais não é apenas consentido àqueles que inequivocamente tem a razão a seu lado, tanto mais que o sistema consente que existam decisões judiciais contrárias à verdade material ou ao direito.[16]
Daí que a improcedência da acção apenas acarrete a condenação em custas (n.º 1 do artigo 527º do Código de Processo Civil), isto é a responsabilização processual objectiva do vencido.
Porém, como sucede com qualquer direito, também o direito de acção é susceptível de ser exercido em termos abusivos (cfr. artigo 334º do Código Civil).
Tal conduta é sancionada através do mecanismo da responsabilidade processual subjectiva, i.e. da litigância de má fé, sendo esta correntemente descrita como um afloramento do abuso de direito[17].
Decorre do n.º 1 do artigo 542º do Código de Processo Civil que, tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária se esta a pedir.
No n.º 2 do artigo 542º do Código de Processo Civil, elencam-se situações que a lei entende integrarem o conceito de litigância de má-fé.
Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, tiver praticado omissão grave do dever de cooperação, ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A primeira “fattispecie” enquadra os casos em que é deduzida pretensão com manifesta falta de fundamento fáctico ou jurídico, ao passo que a segunda prende-se com a violação do dever de verdade na alegação de factos que relevem para a acção ou para a defesa.
A doutrina tem considerado a má fé de que trata o artigo 542° do Código de Processo Civil sob dois aspectos: a má fé material e a má fé instrumental.
A primeira noção abrange os casos de dedução de pedido ou oposição cuja falta de fundamento se conhece e a alteração consciente da verdade dos factos ou a omissão de factos essenciais. A segunda noção diz respeito ao uso reprovável do processo, ou dos meios processuais, para conseguir um fim ilegal, para entorpecer a acção da justiça ou para impedir a descoberta da verdade[18].
Requisito necessário é, em ambos os casos, que a parte actue de forma dolosa (ou seja, com a consciência de não ter razão) ou com negligência grave.
Trata-se de uma inovação decorrente entrada em vigor das alterações introduzidas pela Reforma de 1995/1996, operada pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro, a qual introduziu uma nova filosofia de colaboração, dando um especial relevo ao “(…) dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos”(cfr. o respectivo preâmbulo).
Ou seja, os pressupostos subjectivos da litigância de má-fé alargaram-se e, por isso, quem actuar com negligência grosseira também pode e deve ser condenado como litigante de má-fé.
Porém, tem de ser uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da actuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação ou de censura e idêntica reacção punitiva.
Assim, entende-se que a actuação contrária à boa-fé será “temerária” sempre que a parte actue com culpa grave ou erro grosseiro (será “simplesmente imprudente” se a lide foi conduzida com culpa leve) ou “dolosa”, sempre que a parte viole intencionalmente aqueles princípios, i.e. sabia não ter razão e ainda assim litigou[19].
O exercício do direito de defesa é, como vimos e em regra, lícito, pelo que cabia à A./apelante alegar e demonstrar factos dos quais se pudesse extrair a responsabilidade processual subjectiva do apelado com base nas alegações vertidas na sua contestação (n.º 1 do art.º 342.º do Cod. Civil).
Não o fez (ou, melhor, só o fez em sede de apelação), limitando-se a expender vagas considerações e a apelar para a versão dos factos que ficou provada.
Embora não haja ficado demonstrada a versão propugnada pelo R. (designadamente no que concerne à entrega da documentação por parte da A.), a valoração da contestação não evidencia a falta de seriedade das invocações ali deduzidas, pelo que é inviável concluir que o apelado se defendeu incumprindo o dever de verdade.
Assim, a actuação da apelante não é enquadrável em qualquer uma das alíneas que compõem o n.º 2 do art.º 542.º do CPC.
Não ocorrem, pois, os pressupostos objectivos ou subjectivos da condenação do R. apelado por litigância de má-fé.
As custas de ambos os recursos serão suportadas, porque vencidos pelos RR. (n.ºs 1 e 2 do art.º 527.º do CPC).

IV. Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em negar provimento à apelação da R. X…, SE e em conceder parcial provimento à apelação da A., M…, e, na revogação parcial da sentença recorrida, condenam-se solidariamente os RR., A… e X…, SE, ao pagamento da quantia de € 8.330,00 (oito mil trezentos e trinta euros) à A., M…, a título de dano pela perda de chance, acrescida dos juros de mora, contados desde o dia 26.09.2018, à taxa legal de 4%, até efectivo e integral pagamento, confirmando-se no mais a sentença apelada.
Custas de ambas as apelações pelos apelados.
Registe.
Notifique.
Évora, 5 de Novembro de 2020

Florbela Moreira Lança (Relatora)*

Elisabete Valente (1:ª Adjunta)**

Ana Margarida Leite (2.ª Adjunta)*

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- Sessão e conferência realizadas por meio de plataforma de comunicação remota, nos termos do aditamento ao ponto 4.1. do Plano de Contingência do Tribunal da Relação de Évora, de 16 de Março p.p., e da Divulgação n.º 3/20, de 18 de Março p.p., da Presidência deste Tribunal da Relação da Évora.

* Acórdão assinado electronicamente

** Atesto o voto de conformidade da Senhora Juíza Desembargadora Elisabete Valente, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, Florbela Moreira Lança

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[1] Neste sentido, vide. L. P. Moitinho de Almeida, op. cit., pp. 36 e 37 e o Ac. do STJ de 26.10.2010, CJ STJ, III, pp. 145, onde se colheu a frase citada.
[2] Assim Dário Martins de Almeida, Manual de acidentes de viação, Almedina, pp. 380.
[3] Assim, o Ac. do STJ de 05.05.2020, proferido no proc. n.º 27354/15.1T8LSB.L1.S2 e acessível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/?queries[filter_unique_number]=27354%2F15.1T8LSB.L1.S2.
[4] Assim, o Ac. do STJ de 09.07.2015, proferido no proc. n.º 5105/12.2TBXL.L1.S1e acessível em www.dgsi.pt.
[5] Sobre o abandono do trabalho, vide João Leal Amado, Contrato de Trabalho à Luz do Novo Código do Trabalho, Coimbra, pp. 452 e Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, pp. 856 e ainda o Ac. do STJ de 03.06.2009, proferido no proc. n.º 08S3696 e acessível em www.dgsi.pt
[6] Assim, o Ac. do STJ de 29.10.2008, proferido no proc. 08S2273 e acessível em www.dgsi.pt
[7] A respeito dos factos que podem consubstanciar o conceito de força maior, vide o Ac. da RL de 23.05. 2001, C.J., III, pp. 168
[8] Neste sentido, vide o Ac. do STJ de 26.03.2008, proferido no proc. n.º 07S2715, acessível em www.dgsi.pt.
[9] Perante situação semelhante, vide o Ac. do STJ de 16.02.2000, proferido no proc. n.º 99S298 e acessível em www.dgsi.pt.
[10] Já que o dano indemnizável não pode ser superior àquele.
[11] Assim, o citado Ac. do STJ de 05.05.2020. No mesmo sentido, vide os Acs. do STJ de 04.09.2013, proferido no proc. n.º 298/10.6TBAGN.C1.S1 e de 29.11.2012, proferido no proc. n.º 298/10.6TBAGN.C1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt
[12] Neste sentido, vide os Acs. do STJ de 16.05.2019, proferido no proc. n.º 236/14.7TBLMG.C1.S2 e de 11.07.2019, proferido no proc. n.º 5388/16.9T8VNG.P1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt.
[13] Assim Antunes Varela, O Direito de Acção e a sua natureza jurídica, RLJ n.º 3824, pp. 328-329.
[14] A este respeito, Antunes Varela, op. cit., RLJ n.º 3825, pp. 358 e 350; neste sentido, vide, ainda, o Ac. da RP de 19.05.1994, C.J., III, pp. 211.
[15] Assim Antunes Varela, op. cit., RLJ n.º 3824, pp. 330.
[16] Assim Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I, Almedina, pp. 307- 308
[17] Sobre a ligação entre o exercício abusivo do direito de acção e a litigância de má-fé, vide, entre outros, o citado Ac. da RP de 19.05.1994 e o Ac. da RL de 18.05.1977, CJ, III, pp. 617.
[18] A este respeito, vide Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra, pp. 195-196.
[19] Assim Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, II, 3.ª ed., Reimpressão, Coimbra, pp. 262 e Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, op. cit., pps. 194 e 195; para a distinção entre uma lide temerária e dolosa, vide, entre outros, o Ac. da RL de 04.05.2000, BMJ n.º 497, pp. 433