Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
29/23.0GAORQ.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
TESTE DE PESQUISA DE ÁLCOOL NO SANGUE
SOPRO INCORRETO
Data do Acordão: 06/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Tendo o condutor a quem foi transmitida ordem, pela autoridade de fiscalização rodoviária, de se submeter à prova de deteção de álcool no sangue, intencionalmente recusado efetuar o sopro do modo correto, como lhe foi circunstanciadamente assinalado, comete o crime de desobediência, previsto no artigo 348.º do Código Penal ex vi artigo 152.º, § 1.º, al. a) e § 3.º do Código da Estrada, por tal artifício equivaler à recusa em realizar o teste.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO
a). No Juízo Local de … procedeu-se a julgamento em processo sumário de AA, nascido a …/…/1982, com os demais sinais dos autos, a quem foi imputada a autoria, na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto no artigo 348.º, § 1.º, al. a) do Código Penal (CP), com referência aos artigos 69.º, § 1.º, al. c) CP e 152.º, § 1.º, al. a) e 3.º do Código da Estrada (CE).

Teve lugar a audiência e a final o Tribunal proferiu sentença, na qual condenou o arguido como autor de um crime de desobediência, previsto no artigo 348.º, § 1.º, al. a) CP, com referência aos artigos 69.º, § 1.º, al. c) CP e 152.º, § 1.º, al. a) e 3 CE, na pena de 95 dias de multa, à razão diária de 6€ e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 4 meses.

b). Inconformado com a condenação pelo crime de desobediência e com pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados que lhe foi aplicada, recorreu o arguido, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões:

«- A sentença sub judice não pode, a nosso ver, merecer acolhimento, por ter efetuado uma interpretação errónea das normas previstas nos artigos 69º, nº 1, al. c) e 348º, nº 1, al. a), do Código Penal, e 152º, n.º 1, al. a), e 3 do Código da Estrada, em face da prova produzida em audiência de julgamento e dada como provada, pelo que se impunha a absolvição do arguido pela prática do crime de que vinha acusado.

- Não existe nenhum documento que prove que o arguido tivesse com uma taxa de álcool de 0.90 g/l quando realizou o teste qualitativo.

- O arguido não se recusou a fazer o teste quantitativo no posto da GNR, vide declarações da gravação áudio com a referência …:

registo temporal de 17-02-2023, com início às 12:20:30 e termo 12:39:02, em especial o hiato de tempo entre os minutos 00:00 a 18:32, cujo segmento se transcreve:

Minutos 5:46 a 6:35 – Arguido:

”(…) soprei no balão vária vezes, várias vezes e inclusive disse ao Sr. Agente, eu estou à vontade, se o Sr. quiser vamos tirar sangue, que não tenho problemas com isso, e então soprei, soprei, soprei, uma, duas, três, o Sr. agente você vai cometer um crime, mas eu não estou a fazer nada nenhum, eu estou soprando, não consigo, eu disse-lhe várias vezes, eu vou tirar sangue se for preciso”.

- Para o efeito, há 3 (três) documentos comprovativos que deram testes insuficientes, conforme pode ser comprovado pela única testemunha de acusação, militar da GNR, vide declarações gravação áudio com a referência …: registo temporal de 17-02-2023, com início às 12:39:49 e termo 12:54:57, em especial o hiato de tempo entre os minutos 00:00 a 15:07, cujo segmento se transcreve:

Minutos 2:20 a 2:28 Militar da GNR:

“sopro insuficiente, o qual os papeis, o qual os papeis deram três testes, deram três testes insuficientes”.

- No entanto, os três testes apresentam a fls. a 13 a 15 dos presentes autos os testes realizados demonstram o contrário, demonstram “Resultado de sopro incorreto”.

- Existindo contradição nos autos entre os sopros insuficientes sopros incorretos.

- Os factos dados por provados pelo Tribunal a quo não preenchem os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime de desobediência, pelo que o tribunal a quo, ao analisar o direito aplicável, deveria ter decidido absolver o arguido pela prática de um crime de desobediência e não condená-lo, como fez.

- Ora, não ficou provado que o arguido recusou submeter-se ao teste de alcoolemia, nem nunca se recusou a soprar, pois, na verdade soprou por diversas vezes, cujos resultados foram insuficientes. O simples facto de o arguido não soprar de acordo com a indicação do militar da GNR, não está a desobedecer à autoridade, pois não tem sustentação no texto legal (e onde o legislador não distingue, não deve o interprete distinguir, além de ter de se levar em consideração o princípio de que o legislador optou pelas melhores soluções de direito e soube exprimir corretamente o seu pensamento no texto da lei – art. 9.º do Código Civil). Com efeito, se após várias tentativas, resulta do teste de alcoolemia que o sopro do arguido, conforme se pode constar através dos talões do analisador do teste quantitativo a fls. 13 a 15 dos autos, o primeiro durou 6,9 segundos e que o volume de ar exalado foi de 1.2 LT, o segundo durou 1,3 segundos e que o volume de ar exalado foi de 0,2 LT, o terceiro durou 1.3 segundos e que o volume de ar exalado foi de 0.0 LT, é de concluir que não houve recusa, mas sim que o teste não foi conseguido.

- No caso concreto, resultou provado que o arguido, por motivos que se desconhecem, não conseguiu expelir o ar em quantidade suficiente para a realização, com êxito, do teste em analisador quantitativo, sendo certo que algo na prova produzida aponta mesmo para uma incapacidade do arguido, já que naquele dia estava muito constipado, como referiu o arguido, vide declarações da gravação áudio com a referência …: registo temporal de 17-02-2023, com início às 12:20:30 e termo 12:39:02, em especial o hiato de tempo entre os minutos 00:00 a 18:32, cujo segmento se transcreve:

Minutos 6:28 a 6:35 – Arguido: “se a máquina não estava boa, se não conseguia soprar porque estava constipado, isso não sei, se tivesse problemas não diria olhe vou tirar sangue”:

Minutos 6:37 a 6:41 – Meritíssimo Juiz:

”Então testou insuficiente porquê, porque estava constipado”

Minutos 6:41 a 6:49 – Arguido:

“eu estou constipado e estou, como se vê, não sei, pode ser disso, pois, já soprei várias vezes e não apareceu isso agora”.

- Ora, em tal situação, não há desobediência alguma, já que se impunha, perante as circunstâncias era que a autoridade militar nos termos do disposto no artigo 4.º da Lei n.º 18/2007, de 17.05 e com o artigo 153.º, 7 e 8, do Código da Estrada, deveria ter procedido à colheita de sangue, ou mandar submeter o arguido a exame médico.

- Só, então, se o arguido se recusasse a submeter à colheita de sangue é que haveria efetiva e definitivamente uma recusa em termos de a considerar penalmente relevante, ou seja, potenciadora da prática, pelo arguido, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, com referência ao artigo 152.º, n.º 3, do Código da Estrada, o que não aconteceu.

- Ora, perante a fundamentação da aquisição probatória encontramos um vício de erro notório na apreciação da prova, de acordo com o artigo 410.º, n.º 2, al. c) do CPP. Pelo que, o referido vício tem a ver com aptidão da fundamentação da aquisição probatória à consideração sobre se determinados factos se encontram provados, ou não.

- Acresce que o Militar da GNR o que disse foi ter-lhe sido “PEDIDO” para soprar, pelo que inexiste ordem no sentido aqui relevante.

- Antes se conclui que o arguido submeteu-se aos testes em analisador quantitativo, não tendo no entanto conseguido expelir ar suficiente.

- O princípio da livre apreciação da prova tem de respeitar as regras da experiência e motivação da convicção do Tribunal tem de ser coerente e razoável, explicando o modo de génese da mesma.

- Não havendo nenhum elemento probatório que sustente ter havido não acatamento de qualquer ordem, a fundamentação da matéria de facto mostra-se ilegal, ferindo de modo irreparável a decisão, sobretudo porque as provas apontam expressamente para diferente explicação do sucedido.

- Pelo que, deve ser alterada a matéria de facto, passando a matéria não provada que o arguido recusou ou manteve decisão de se recusar submeter-se ao teste de alcoolemia pois nenhuma prova aponta para tal, antes havendo referência expressa à explicação: “fazendo o sopro insuficiente, o qual os papeis, o qual ao papeis deram três testes, deram três testes insuficientes” depoimento do militar da GNR, única testemunha de acusação, corroborados por 3 prints de resultados de testes, de fls. 13 a 15 dos autos.

- Deve passar a constar da matéria provada que o arguido “ não conseguiu fazer o teste de deteção de álcool por sopro”.

- Com efeito, não resulta suficientemente provada tal matéria, tudo inculcando a ideia de que o arguido não conseguiu realizar o teste do sopro com êxito.

- Ora, nesta situação, seria aplicável o disposto no artigo 153º nº 8 do Código da Estrada, conjugado com o artigo 4º nº 1 da Lei 18/2007 de 17 de maio, submetendo-se o examinando a teste através de análise sanguínea, o que não aconteceu.

- Deste modo, foram violados os artigos 152.º, n.º 1, al. a) e 153.º, n.º 7 e 8, ambos do Código da Estrada, 49.º, n º 1 da lei 18/2007 de 17 de maio, 348º, nº 1, al, a) e 69º nº 1 al, c), ambos do Código Penal e, ainda os artigos 127.º e 374.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.

- Sem prescindir sempre se diga que, face à matéria dada como provada, o período de 4 meses aplicado é manifestamente excessivo.

- A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69º, nº 1, do CP, apresenta uma moldura variável entre um limite mínimo (3 meses) e um limite máximo (3 anos).

- A sua determinação deve ter por base as circunstâncias do caso concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção (art. 71º, do CP).

- Ora, para além dos factos já referidos, o arguido é vendedor de produtos alimentares, utilizando o automóvel como instrumento de trabalho.

- Acresce que, não tendo possibilidades económicas para contratar um motorista, a pena aplicada causar-lhe-á inúmeros prejuízos, que podem colocá-lo numa situação de absoluta carência económica, atentas as despesas que tem a seu cargo.

- Paralelamente, é de notar que o período de 4 meses aplicado, não é sustentado nos mesmos argumentos que o tribunal invocou para a determinação da pena principal (para os quais remeteu), designadamente a ilicitude do facto (moderada), as condições pessoais do arguido e a sua situação económico e profissional.

- Por outro lado, as exigências de prevenção especial e geral também não justificam tal medida.

- Assim, a medida da pena acessória deve ser reduzida para o seu limite mínimo (3 meses).

- Pelo exposto, o tribunal a quo violou, entre outros, os arts. 65º, 69º e 71º, todos do CP.

Termos em que e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:

- A sentença revogada, não se mostrando preenchidos todos os elementos tipificadores do crime imputado, nas circunstâncias concretas dos factos apurados, sendo o arguido absolvido; ou caso assim se não entenda deve ser julgada procedente,

A pena acessória ser reduzida ao seu limite mínimo (3 meses).

Fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça!»

c). Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, pugnando pela sua improcedência, concluindo, no essencial, do seguinte modo:

- Apesar de não se conformar com a factualidade provada, arguido não faz análise crítica da prova;

- O facto de o arguido poder estar constipado isso não o impedia de expirar;

- A medida da pena acessória mostra-se ajustada.

d). Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso, considerando nomeadamente que: «Uma constipação não impede seja quem for de inspirar e/ou expirar ar pela boca, quando muito causando obstrução nasal que em nada obstaculiza ao funcionamento dos processos fisiológicos na base dos mecanismos de inspiração e expiração para efeitos da perfeita realização do exame em causa - facto notório, de conhecimento público, que não carece de ser provado em razão da sua natureza.

Sendo certo que o resultado do teste indicava que não estava sequer a entrar ar no aparelho e que foram feitas várias tentativas, todas elas falhadas

De onde se conclui que o arguido, propositadamente, não expelia a quantidade de ar suficiente para que o aparelho realizasse o teste, assim recusando a sua realização.

(…)

Pretende ainda o recorrente, condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 4 meses, que a mesma deverá ser fixada pelo mínimo, sem razão.

Na verdade, para além do mais a relevar no caso, o mesmo já foi condenado por decisões transitadas em julgado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez nos processos 47/16.5… (pena acessória de 3 meses de proibição de conduzir veículos motorizados) e 18/19.0… (pena acessória de 4 meses de proibição de conduzir veículos motorizados), e não interiorizou o desvalor da conduta.

Defende o recorrente que, sendo vendedor de produtos alimentares, utilizando o automóvel como instrumento de trabalho e não tendo possibilidades económicas para contratar um motorista, a pena aplicada causar-lhe-á inúmeros prejuízos, que podem colocá-lo numa situação de absoluta carência económica, atentas as despesas que tem a seu cargo.

Ora, atendendo à jurisprudência do Tribunal Constitucional plasmada no Ac. nº 440/02 e ao art.º 23.º da DUDH, é admitida a restrição dos direitos invocados pelo recorrente para a salvaguarda de outros direitos humanos.»

e). No exercício do contraditório o recorrente nada acrescentou.

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP) (1), estando suscitadas duas questões: i) Erro de julgamento da questão de facto; ii) Vício de erro notório na apreciação da prova; iii) Erro de julgamento de direito quanto à verificação do ilícito e à medida da pena.

2. O tribunal recorrido considerou provado o seguinte quadro factológico:

«- No dia 16-02-2023, pelas 17:30, o arguido encontrava-se a tripular o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula …, na Rua …, junto ao …, em ….

- No referido local, foi dada ordem de paragem ao arguido, pelo militar BB, que se encontrava devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, tendo o arguido acatado a referida ordem.

- No âmbito da referida fiscalização, foi efetuado teste qualitativo de álcool, tendo o mesmo dado resultado positivo.

- O arguido foi conduzido ao posto da GNR de Castro Verde para ser submetido a teste quantitativo de álcool no sangue.

- Já no interior do referido posto, não obstante lhe ter sido explicada a forma correta de realização do teste, o arguido, apesar das diversas tentativas que lhe foram facultadas, nunca soprou com a intensidade adequada.

- Como consequência direta e necessária da atuação do arguido, nos vários testes realizados o resultado foi sempre o de sopro insuficiente.

- De seguida, foi o arguido advertido pelo militar da GNR BB de que, caso se recusasse a realizar o teste corretamente, conforme lhe havia sido previamente explicado, cometia um crime de desobediência.

- Não obstante, o arguido continuou a realizar o teste de forma incorreta.

- Depois de lhe ter sido, uma vez mais, explicado o modo correto de realização do teste, e apesar de ter sido novamente advertido de que a recusa em realizar o teste integrava a prática de um crime, o arguido continuou a realizar o teste de forma incorreta.

- O arguido sabia e representou que lhe tinha sido dada uma ordem legítima pelo militar da GNR, que se encontrava devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, que ao recusar-se a realizar o teste quantitativo do álcool, conforme ordenado, praticava um crime, pois disso havia sido previamente advertido por aquele militar e, ainda assim, quis recusar-se a realizar aquele teste, o que conseguiu.

- O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, tendo capacidade para se auto determinar de acordo com esse conhecimento.

- O arguido já foi anteriormente condenado, em 3jul2016, por um crime de condução em estado de embriaguez; e novamente em 2019 pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, cujas penas já foram declaradas extintas.

3. Apreciando

3.1 Da impugnação do julgamento de facto

O recorrente não se conforma com o julgamento da questão de facto relativamente aos segmentos concernentes à intenção de não realizar o sopro necessário ao funcionamento do aparelho de teste de pesquisa de álcool no sangue. A prova que contrapõe ao julgamento feito pelo Tribunal a quo cinge-se às suas próprias declarações em juízo e ao facto de haver «nos autos 3 (três) documentos comprovativos que deram testes insuficientes»!

Os recursos não são segundos julgamentos (ou segundas «oportunidades») de lograr vencimento de causa, mas agora sem oralidade e imediação com os meios de prova, mas antes meios de corrigir erros de procedimento ou de julgamento, concretamente determinados (precisados pelo recorrente).

É esse mesmo o significado do preceituado no § 3.º do artigo 412.º CPP, onde se refere que: «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto o recorrente deve especificar:

«a) os concretos pontos de facto que considerar incorretamente julgados;

b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.»

Consegue perceber-se (ainda que não «concretizadamente») qual é a factualidade que se impugna, mas não quais são as provas que impõem decisão diversa.

Dizer, como faz o recorrente, que o resultado dado pelo aparelho era de «sopro insuficiente» é, perdoe-se-nos a redundância, insuficiente... Porquanto, nas circunstâncias do caso, conforme bem explicou em audiência pela testemunha/militar BB, a informação dada pelo aparelho foi aquela porque o arguido resolveu não soprar, isto é, não soprar conforme lhe fora indicado e era seu dever fazer.

Isto é, o sopro foi deliberadamente insuficiente para permitir a medição quantitativa.

E é esse o sentido, claro, da explicação dada pela testemunha na audiência, distinguido esta muito bem a «insuficiência» assinalada no aparelho (por ausência do sopro devido); e o sopro deliberadamente «incorreto» do arguido.

Não sobrando quanto a isso nenhuma espécie de dúvida.

Esta testemunha, ao contrário do arguido, está sujeito ao dever de verdade e não tem nenhum interesse próprio na causa.

Até a alegada «constipação» denuncia a intenção malévola do arguido. Pois que os constipados também respiram e para soprar o aparelho medidor, de modo a fazer a medição não é preciso ser um nadador de fundo, com grande capacidade de armazenamento de ar. Os aparelhos homologados estão preparados para medir os sopros menos potentes dos constipados. Ademais, os agentes fiscalizadores do trânsito rodoviários, têm a mais da formação adequada uma larga experiência na deteção dos «sopros incorretos».

Finalmente, refira-se que o teste qualitativo prévio deu resultado «positivo», E só por isso houve deslocação ao posto para realizar o teste quantitativo no aparelho para tal homologado, pois que só se realiza o teste quantitativo se no teste qualitativo (prévio) se apurar uma TAS (indiciária) de valor que a lei considera ilícito. E foi o que sucedeu.

Foi nesse momento, quando o arguido era já conhecedor do resultado do teste qualitativo e sabia o que esperava do medidor quantitativo, que «surgiu» a alegada «constipação». Sendo por isso que ensaiou a tática do sopro incorreto, na vã esperança que isso lhe servisse para algo.

Valorar a prova com prudência e sabedoria é conjugar os dados objetivos com as regras da experiência comum. E foi isso mesmo que fez – e muito bem - o tribunal a quo.

E claro que não há documento nos autos a demonstrar a taxa de 0,90 g/l dos testes qualitativos. Para quê? Se esse dado é completamente irrelevante! E se tal houvera nenhum valor teria, porque só o teste quantitativo, realizado através de instrumento quantitativo homologado serve de prova da TAS (cf. artigos 3.º, § 1.º e 4.º, § 1.º e 5.º do Regime Geral de Controlo Metrológico - Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de setembro - e artigo 7.º, § 2.º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros – Portaria n.º 1556/2007, de 10 dezembro).

Em suma: não se constata nenhum erro de julgamento. As provas foram bem ponderadas e as conclusões a que chegou o tribunal recorrido estão alinhadas com a lógica que as coisas sempre têm e com as regras da experiência comum.

O arguido sabe bem por que razão não soprou de acordo com as instruções que lhe foram dadas. Sendo para isso mesmo que a lei prevê e sanciona esse comportamento, conforme decorre das normas supra citadas.

3.2 Erro notório na apreciação da prova

O recorrente alude a um «erro notório» afirmando que «o referido vício tem a ver com aptidão da fundamentação da aquisição probatória à consideração sobre se determinados factos se encontram provados, ou não.»

Não é claro ao que se referirá!

Será aos alegados «sopros insuficientes» que são deveras sopros incorretos?

Se é a isso que se reporta a questão não será de vício da sentença, mas de erro de julgamento. E sobre isso já fizemos as considerações que se justificavam.

O erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a al. c) do § 2.º do artigo 410.º CPP, tem em vista vício da própria decisão. Vício que tem na sua base um erro na construção do silogismo judiciário. E não o chamado erro de julgamento da questão de facto (artigo 412.º, § 3.º CPP), a que o recorrente parece - verdadeiramente - se reportar.

Esclareçamos que os vícios previstos no § 2.º do artigo 410.º CPP são de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correta e conforme à lei, sendo anomalias decisórias ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, apreensíveis pela simples leitura do respetivo texto, sem recurso a quaisquer elementos externos a ela, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.

Haverá erro notório quando este for ostensivo e de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando um homem de formação média facilmente dele se dá conta. (2) Isto é, quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal na questão de facto (que o recorrente não questiona). Isto é, quando se deram como provados factos que em face das regras da experiência comum e da lógica corrente, não se teriam podido verificar ou se mostram contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos.

Têm-se, pois, em referência os casos em que a decisão recorrida evidencia que se deu como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum.

Já o dissemos e repetimos: o recorrente não esclarece a que se reporta. Mas sendo esse vício de conhecimento oficioso, a verdade é que pela simples leitura do teor da decisão recorrida não constatamos o vício (formal) que o recorrente lhe assaca. Pois que, para além de os factos considerados assentes sustentarem cabalmente a decisão, também não são contraditórios entre si nem com aqueles que foram dados como não provados ou com a fundamentação que sobre eles incidiu. Assim como também não se vislumbra que a apreciação dos meios de prova tivesse afrontado qualquer principio jurídico ou as regras da experiência comum.

E por conseguinte, improcede a invocação deste alegado vício formal da decisão.

3.3 Do crime de desobediência

Comecemos por enunciar e depois caracterizar o ilícito em referência, para que as considerações subsequentes o tenham por referência. Dispõe o artigo 152.º do Código da Estrada, no âmbito do «Procedimento para a fiscalização da condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas» no seu artigo 152.º, que:

1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:

a) Os condutores;

b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito;

c) As pessoas que se propuserem iniciar a condução.

(…)

3 - As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.

(….)»

Preceitua depois o artigo 248.º, § 1.º do CP, sob a epígrafe «desobediência», que:

«1 - Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:

a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou

b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.»

Decorre destas normas o dever jurídico que os condutores têm de se submeter à realização das provas de deteção de álcool no sangue. O sopro «incorreto», como foi realizado pelo recorrente, equivale à recusa a realizar o teste e esta constitui desobediência à lei, por isso mesmo existe a expressa remissão do Código da Estrada para o artigo 348.º do Código Penal (crime de desobediência). É neste contexto que o recorrente questiona o procedimento, afirmando que deveria ter sido sujeito a colheita de sangue e sequente análise ou a exame médico, nos termos previstos no § 8.º do artigo 153.º do Código da Estrada. Estabelece-se nesse retábulo normativo que:

«8 - Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.»

Sucede que, como se deixou demonstrado, não se verificou nenhuma impossibilidade de pesquisa de álcool no ar expirado. O que houve foi uma verdadeira recusa em viabilizar o teste respetivo e, nessas circunstâncias o que há é desobediência nos termos já referidos. Não há, pois, nenhuma espécie de dúvida quanto à comissão do ilícito de desobediência por banda do arguido/recorrente, uma vez que os factos provados integram indubitavelmente os seus elementos objetivos e subjetivo.

3.2 Da medida da pena acessória de proibição de conduzir

Alega o recorrente que a medida concreta da pena acessória é excessiva! Mas não invoca um só argumento que sustente tal afirmação.

Atentemos, pois.

Comecemos por recordar que também na matéria relativa à escolha e medida da pena o recurso mantém o referido arquético de «remédio jurídico». Daí que o Tribunal ad quem só possa alterar a pena quando detetar incorreções na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem este segmento da decisão penal ou distorções no processo de aplicação. O mesmo é dizer que a sindicância a realizar não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato de pena quando esta, decorrendo da correta aplicação dos princípios e regras constitucionais e legais, ainda se revele proporcionada (3).

Deveremos também sublinhar que a graduação das penas acessórias obedece às regras gerais (artigo 71.º CP), o que significa que se tem de atender à culpa e às necessidades de prevenção (geral de integração e especial de socialização). Acrescendo, no que especialmente concerne à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, que esta prossegue também especiais finalidades de prevenção geral negativa - de intimidação (visa aportar um contributo significativo «para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano»).(4)

Ora, o Tribunal a quo graduou a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, a que se reporta o artigo 69.º, § 1.º, al. a) CP, em 4 meses, dentro de uma moldura legal que vai de 3 meses a 3 anos. Onde está o excesso?

Acaso o recorrente confessou os factos e mostrou arrependimento? Não.

O recorrente é primário? Não, regista já duas condenações anteriores por factos da mesma área da criminalidade.

Diz que é vendedor de produtos alimentares, utilizando o automóvel como instrumento de trabalho e não tem possibilidades económicas para contratar um motorista, vindo a pena aplicada a causar-lhe inúmeros prejuízos, que poderão colocá-lo numa situação de carência económica. Mas, assim sendo, convirá atentar que a culpa se reporta justamente à censura dirigida ao agente por referência à prática do facto ilícito, consistindo justamente na desaprovação da sua atitude interna face às exigências do dever ser sociocomunitário. (5)

Uma vez que para o desempenho das suas ocupações profissionais necessita da carta de condução, temos de convir que o juízo de censura à sua atitude (à sua culpa) é (também por isso) mais elevada, na exata medida do dever acrescido que tinha de acautelar aquela circunstância.

Eis, pois, demonstrado não haver qualquer excesso de pena. A haver alguma adjetivação a qualificar a pena aplicada, seguramente não pode ser «excessiva».

Nenhum reparo merece, pois, a decisão recorrida, pelo que o recurso não merece provimento.

III – DISPOSITIVO

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter integralmente a douta sentença recorrida.

b) Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigo 513.º, § 1.º e 3.º do CPP e artigo 8.º Reg. Custas Processuais e sua Tabela III).

Évora, 28 de junho de 2023

J. F. Moreira das Neves (relator)

Artur Vargues

António Condesso

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1 Cf. acórdão do STJ n.º 7/95, de 19/10/1995 (Fixação de Jurisprudência), publicado no DR, I-A, de 28/12/1995.

2 Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2014, Universidade Católica Editora, pp. 326.

3 Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 197, Aequitas – Editorial Notícias, 1993.

4 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 165.

5 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 3.ª Edição, 2019, Gestlegal, pp. 318/319.