Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1523/16.5T8STR-G.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
PRÁTICA DO ACTO NOS TRÊS DIAS ÚTEIS SEGUINTES
CONCLUSÕES DE RECURSO
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: As questões a decidir serão, além das de conhecimento oficioso, apenas as que constarem das conclusões, cabendo ao recorrente o ónus de as formular e de nelas incluir as questões que pretende ver reapreciadas.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1523/16.5T8STR-G.E1
Juízo de Comércio de Santarém
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

Nos autos de prestação de contas que correm termos por apenso ao processo no âmbito do qual foi declarada a insolvência de (…), foi proferido em 17-03-2022 despacho que, reportando-se à divisão efetuada pelo administrador da insolvência, entre a massa insolvente e as herdeiras do marido da insolvente – (…) e (…) –, do produto da liquidação, no que respeita ao preço da venda de dois bens imóveis apreendidos, determinou a devolução à massa insolvente do valor indevidamente recebido pelas herdeiras e a retificação da prestação de contas tendo em consideração a oposição do credor (…) Activity Company.
(…) e (…) vieram aos autos, em 07-04-2022, requerer a alteração do determinado no despacho de 17-03-2022, pelos motivos que expõem, pugnando se mantenha a afetação efetuada pelo administrador da insolvência.
Por despacho de 07-06-2022, considerou-se esgotado o poder jurisdicional do Tribunal para apreciação da questão em apreço, pelo que não se apreciou o requerimento apresentado em 07-04-2022, condenando-se as requerentes em custas.

Inconformadas, as requerentes (…) e (…) interpuseram recurso do despacho de 07-06-2022, o qual foi admitido.
Por acórdão proferido em 30-03-2023 no apenso E, esta Relação revogou a parte em apreciação do despacho de 07-06-2022 e determinou o seguinte: (…) devendo o Tribunal a quo antes de mais ordenar o cumprimento do disposto no artigo 139.º, n.º 6, do CPC e, posteriormente, se for o caso, conhecer do requerimento entrado em juízo em 7-4-2022.
Por despacho de 08-05-2023, foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 139.º, n.º 6, do CPC, relativamente ao requerimento apresentado em 07-04-2022.
Foi efetuada a notificação a que alude o artigo 139.º, n.º 6, do CPC e paga a multa.
Por despacho de 23-06-2023, decidiu-se o seguinte:
Por conseguinte, pronunciando-se o Tribunal expressamente sobre o requerimento de 07-04-2022 supra identificado (quer sobre a factualidade que já tinha sido apreciada no despacho de 17-3-2022 e que não foi objeto de recurso; quer sobre a nova factualidade invocada), tem o mesmo de improceder, indeferindo-se a alteração do ordenado em relação às Intervenientes acidentais (com a consequente manutenção na esfera jurídica das mesmas do valor que lhes foi entregue pelo sr. AI), por falta de fundamento legal para o efeito.
Custas pelo incidente anómalo a cargo das intervenientes acidentais (…) e (…) que se fixam em 1 UC.
Notifique.
Foi proferido em 06-09-2023 o despacho seguinte:
Considerando que o nosso despacho de 17-03-2022 não foi alterado pelo Tribunal da Relação, tendo transitado em julgado, e o trânsito em julgado do despacho que antecede, notifique o sr. AI para em 10 dias dar cumprimento ao nosso despacho de 17-03-2022, providenciando pela devolução à massa insolvente do valor indevidamente recebido pelas herdeiras e a retificação da prestação de contas tendo em consideração a oposição do credor (…) Activity Company.
Foi proferido em 13-12-2023 o despacho seguinte:
Renovo o despacho de 06-09-2023.
O administrador da insolvência requereu autorização para constituir mandatário visando a instauração de ação executiva, em nome da massa insolvente, contra as herdeiras do marido da insolvente, para restituição do montante indevidamente recebido, o que foi deferido por despacho de 02-09-2024.
Por despacho de 04-10-2024, foi ordenada a notificação do administrador da insolvência para informar em 10 dias se já instaurou a ação executiva que se havia proposto instaurar, juntando o respetivo comprovativo.
O administrador da insolvência veio aos autos, em 22-11-2024, juntar comprovativo da apresentação de requerimento executivo, no qual são identificadas, como exequente, a Massa Insolvente de (…) e, como executadas, (…) e (…).
Em 18-01-2025, (…) e (…) apresentaram requerimento dirigido ao Presidente do Tribunal da Relação de Évora, invocando o não cumprimento do acórdão proferido por esta Relação em 30-03-2023; alegam que, após o cumprimento do disposto no artigo 139.º, n.º 6, do CPC e o pagamento da multa, a 1ª instância proferiu o despacho de 23-06-2023, em que se pronunciou sobre o requerimento de 07-04-2022, na sequência do que deveria o processo ter sido enviado ao Tribunal da Relação, para apreciação do recurso anteriormente interposto, afirmando que tal recurso não havia sido apreciado por falta de cumprimento pela secretaria do disposto no mencionado preceito; requer se ordene a remessa dos autos a esta Relação «a fim e ser apreciada a Apelação interposta pelas Reclamantes com a nova sustentação da Exma. Sra. Dra. Juíza».
Foi proferido em 19-02-2025 o despacho seguinte: antes do mais, notifique as “reclamantes” para indicarem o enquadramento legal da reclamação que pretendem apresentar ao Tribunal da Relação de Évora.
Foi proferido em 18-03-2025 o despacho seguinte: Insista, sob pena de indeferimento liminar por não ser percetível a pretensão jurídica das reclamantes, já que não tem enquadramento possível à luz dos artigos 644.º e ss. do CPC.
Por despacho de 22-04-2025, foi indeferida a pretensão deduzida em 18-01-2025, decidindo-se o seguinte:
Em face do exposto, indefere-se a pretensão das requerentes por manifesta falta de cabimento legal.
Custas do incidente anómalo pelas requerentes, que se fixam em 2 UC’s – artigos 531.º do CPC e 10.º do RCP.

Inconformadas, (…) e (…) interpuseram recurso do despacho de 22-04-2025, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«A. «Em 07-04-2022 vieram (…) e (…), alegar que os imóveis objeto de apreensão eram propriedade da Insolvente e das Requerentes porquanto à data da apresentação à insolvência o pai das Requerentes já se encontrava morto; os documentos citados pelo credor são – para efeitos de disposição – nulos por falta de forma e, em consequência irrelevantes para afetar o direito das Requerentes aos imóveis de sua propriedade, registado na Conservatória e oponível erga omnes, termos em que requerem ao Tribunal que altere o ordenado em relação às Requerentes – Intervenientes acidentais no processo – e não partes no processo de insolvência, respeitando o seu direito de propriedade e mantendo a afetação à insolvência conforme bem concretizado pelo AI». (…).«Para sustentar a sua pretensão de alteração do despacho proferida alegam as intervenientes incidentais que o pai não podia ter sido notificado da apreensão dos imóveis para a massa por já estar falecido aquando da apresentação à insolvência, e nisso têm razão, havendo lapso manifesto do Tribunal nessa consideração».
B. Apesar de se ter reconhecido manifesto lapso nesta consideração (que é todo o despacho) o Tribunal mantém o despacho em vigor nos seguintes termos: «Primeiramente, cumpre consignar, como ponto de partida, que não tendo havido recurso sobre o despacho de 17-03-2022, nem sido invocada qualquer nulidade do mesmo, salvo melhor entendimento, o mesmo transitou em julgado, estando o poder jurisdicional do Tribunal esgotado quanto à subsunção jurídica dos factos aí considerados – artigo 613.º/1, do CPC. Portanto, a apreciação do requerimento das intervenientes apenas poderia implicar alguma alteração do despacho de 17-03-2022 na medida em que carreasse factualidade nova para os autos».
C. Mais refere o Tribunal no despacho de 23.06.2023:
«A este propósito transcreve-se o seguinte trecho do despacho em causa «Por fim, os artigos 2097.º e ss. do CC deixam claro que a herança a que os herdeiros têm direito não corresponde apenas ao ativo, mas também ao passivo da mesma. Estar o Sr. AI a efetuar a divisão do ativo, entregando o produto da venda de bens às herdeiras, de acordo com uma forma à partilha dada pelo mesmo, sem cuidar de liquidar primeiramente os encargos dos artigos 2068.º e ss. do CC, constitui uma subversão das normas de direito sucessório cujo cumprimento, seguramente, não incumbe a este juízo de comércio fiscalizar. Desta forma, o credor hipotecário viu-se prejudicado pois apesar de lhe ter sido reconhecido um crédito garantido sobre 2 verbas apreendidas para a massa insolvente, apenas será satisfeito numa proporção definida pelo Sr. AI., e as herdeiras estão beneficiadas pois receberam um ativo hereditário em dinheiro sem que, primeiramente, tivesse sido liquidado o passivo da herança».
Ora, este texto – em itálico e negrito – não consta do teor do texto do despacho de 17.03.2022! É inexistente e em consequência nulo e de nenhum efeito – alínea d) n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Se retirarmos a parte do texto do despacho de 17.03.2022 que foi aceite pelo Tribunal como correspondendo a um manifesto lapso o conteúdo do mesmo, reformado, é o seguinte:
«Em face do exposto, determina-se a devolução à massa insolvente do valor indevidamente recebido pelas herdeiras e a retificação da prestação de contas tendo em consideração a oposição do credor (…) Activity Company.
Notifique
D. O aditamento de todo o texto citado como 2ª parte do despacho que, reafirma-se, não consta do despacho de 17.03.2022 contraria frontalmente o disposto no artigo 159.º do CIRE e transforma a insolvência numa forma de aquisição de propriedade não tipificada na lei e é consequentemente também nula.
E. O Acórdão da Relação de Coimbra n.º 1507/11.0TBPBL-A.C1 analisa questão idêntica e com lições para o presente processo que o Tribunal de 1ª instância expressamente negou mesmo depois de aceitar o manifesto lapso».
F. Com esta atitude o Tribunal a quo viola o direito das Requerentes / Recorrentes à Justiça com violação do disposto no artigo 20.º da CRP.
G. Termos em que se requer que se Julgue o despacho de 17.03.2022 como um «manifesto lapso», conforme assumido pelo Tribunal recorrido, sujeito a correção e recurso a todo o tempo ao abrigo do disposto nos artigos 613.º, 614.º e 615.º do CPC.
H. Mais deverá ser declarada a violação do acesso à Justiça com base em fundamentação errónea e não subsistente com violação do artigo 20.º da CRP.
I. A declaração da invalidade do despacho de 17.03.2022 deverá implicar a anulação de todos os despachos subsequentes com perda de todo e qualquer efeito jurídico.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações das recorrentes e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- efeito pretendido com a apelação;
- alteração que as apelantes pretendem obter na decisão recorrida.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Tramitação processual
Constam do relatório supra os elementos com interesse para a apreciação da questão suscitada.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Encontra-se impugnado na apelação o despacho de 22-04-2025, que indeferiu a pretensão deduzida pelas apelantes em 18-01-2025 e as condenou nas custas do incidente.
Está em causa o indeferimento da requerida remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Évora, peticionada pelas apelantes para apreciação da apelação anteriormente interposta do despacho de 07-06-2022, sustentando que o acórdão proferido por esta Relação em 30-03-2023 não apreciou o objeto desse recurso, o qual deverá ser apreciado face ao despacho entretanto proferido pela 1.ª instância em 23-06-2023.
É sabido que as conclusões das alegações delimitam o âmbito do objeto do recurso, conforme resulta do disposto no artigo 635.º, n.º 4, do CPC, ao estatuir o seguinte: Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso.
As questões a decidir serão, além das de conhecimento oficioso, apenas as que constarem das conclusões, cabendo ao recorrente o ónus de as formular e de nelas incluir as questões que pretende ver reapreciadas.
Analisando as conclusões das alegações apresentadas pelas apelantes, delas não decorre a enunciação de qualquer questão relativa à decisão impugnada no presente recurso, antes se reportando unicamente ao despacho proferido em 23-06-2023, não impugnado na presente apelação.
Não peticionaram as apelantes qualquer concreta alteração da decisão recorrida, não especificando o efeito pretendido com a apelação, no que se reporta a tal decisão.
Decorre claramente das conclusões G) a I) que a pretensão deduzida no presente recurso se reporta à alteração do despacho de 23-06-2023, não sendo peticionada qualquer modificação do despacho de 22-04-2025, ora recorrido, nem invocados fundamentos para o efeito.
Dispõe o artigo 639.º, n.º 1, do CPC, que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, esclarecendo o n.º 2 do preceito as indicações que deverão constar das conclusões, nos casos em que o recurso versa sobre matéria de direito.
Explicam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, págs. 767-768) que “conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo”, acrescentando que deve ser incluído, na parte final, o resultado procurado.
No caso presente, em que as apelantes não peticionam qualquer concreta alteração do despacho recorrido, não há questões a apreciar, cumprindo julgar improcedente a apelação.

As custas recaem sobre as recorrentes (artigo 527.º, n.º 1, do CPC).

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelas recorrentes.
Notifique.
Évora, 10-07-2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (1ª Adjunta)
Vítor Sequinho dos Santos (2º Adjunto)