Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
807/21.5T8SLV.E1
Relator: SUSANA DA COSTA CABRAL
Descritores: INCÊNDIO
INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS
NEXO DE CAUSALIDADE
PRESUNÇÃO DE CULPA
Data do Acordão: 06/05/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O artigo 509.º do Código Civil estabelece um regime de responsabilidade objetiva distinguindo duas formas de responsabilidade: por danos causados pela condução ou entrega de energia elétrica ou gás e por danos resultantes da instalação em si, mas que exigem um elemento comum: que o lesante tenha a direção efetiva da instalação destinada à condução ou entrega de energia elétrica e a utilize no seu interesse.
II. Não se provando que o incêndio deflagrou na rede pública de distribuição de eletricidade, ou seja, em local sobre o qual o lesante tem a direção efetiva, importa ainda apreciar se a Ré é responsável, nos termos do artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil que estabelece a obrigação de indemnizar de quem causar danos no exercício de uma atividade perigosa, como é a atividade de fornecimento de energia elétrica, presumindo a culpa do lesante.
III. A existência da presunção de culpa não dispensa o lesado de alegar e provar os restantes pressupostos da responsabilidade civil, designadamente do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Sumário: (…)
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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
1. Relatório:
(…) e (…), residentes em (…), intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum contra E-Redes, SA, com sede em Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhes uma indemnização no valor de € 15.254,09, a título de danos sofridos na sequência de um incêndio, iniciado num cabo exterior de fornecimento de energia elétrica ao anexo dos AA.
A Ré contestou, alegando, em síntese, que não se verificavam os pressupostos para a sua responsabilização, por não ser possível estabelecer uma associação causa-efeito entre o normal abastecimento de energia elétrica e os supostos danos verificados nas instalações dos AA, que a terem ocorrido também não tiveram origem em qualquer falha ou manutenção das redes de distribuição de energia elétrica gerida pela Ré, que se encontravam à data do sinistro, de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.
Após a realização da audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos formulados pelos Autores.
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Inconformados com a sentença, interpuseram os Autores o presente recurso, formulando as seguintes Conclusões:
A) Andou mal o Tribunal a quo, na apreciação quanto à formação da sua convicção.
B) Não deveria o Tribunal a quo ter julgado como provado o Pontos 5 in fine dos Factos assentes, ou seja, não deveria ter sido considerado como provado na parte que refere que “ocorreu um incêndio no referido anexo”, quando o mesmo ocorreu no cabo exterior de fornecimento de energia elétrica ao anexo.
C) Deverá ser considerado como provado que: Na noite de 14.08.2018 em hora não apurada, mas seguramente entre as 02:00horas e as 02:48horas, ocorreu um incêndio que se iniciou no cabo exterior de fornecimento de energia elétrica ao referido anexo, que se propagou pelo mesmo, sendo que o mesmo só foi extinto por volta das 04:00 horas.
D) Consequentemente, aquele incêndio propagou-se ainda ao exterior do anexo, tendo ardido alguns componentes do trator que se encontrava estacionado junto ao anexo e cujo arranjo total foi de € 767,58 (setecentos e sessenta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos), entre outros.
E) Deveria o Tribunal a quo ter considerado como provado os Pontos 1 e 5 dos Factos não dados como provados.
F) Deverá, por isso, ser considerado como provado que “O incêndio iniciou-se no cabo exterior de fornecimento de energia elétrica ao anexo” – cfr. depoimento das testemunhas (…) e (…).
G) Deverá ser considerado como provado que “Os Autores pagaram as seguintes facturas relativas ao consumo de energia: dos meses que sucederam o incêndio: Setembro 2018: € 527,44; Outubro 2018: € 300,60; Novembro 2018: € 305,92; Dezembro 2018: € 295,58.
H) O Tribunal a quo não poderia ignorar que, pelo menos, duas testemunhas, (…) e (…), presenciaram o incêndio ainda no seu início e puderam visualizar sem qualquer margem para dúvida, o local onde o mesmo se iniciou, que foi no cabo exterior de fornecimento de energia elétrica ao referido anexo e que se propagou pelo mesmo.
I) As referidas testemunhas, (…) e (…), lograram explicar de forma plausível ao Tribunal as razões que as levaram a concluir nesse sentido e a razão foi porque o visualizaram.
J) A testemunha (…) esclareceu ao minuto 2:46 que “… o incêndio iniciou lá em cima no poste da electricidade, como era verão, estava tudo muito seco e acabou por arder a casa das máquinas…”
K) A testemunha (…) esclareceu ao minuto 6:06 que “…o incêndio iniciou cá em cima (poste) e depois veio a descer …e começou a arder pela parte do telhado…o (fogo) desceu pela copa da árvore até ao telhado da casa das máquinas…”
L) A testemunha (…) esclareceu ao minuto 4:29 que “(quando sai à rua) estava a arder em cima do poste, estava tipo a arder já em baixo, aquilo deflagrou …inclusive saia (fogo) do poste para baixo”.
M) Não se poderá aceitar que o Tribunal a quo conclua que “…nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou o início do foco do incêndio. Ademais, tais testemunhas apesar de concluírem que o incêndio se iniciou no cimo do poste não lograram explicar de forma plausível ao Tribunal as razões que as levaram a concluir nesse sentido.”
N) As testemunhas (…) e (…) explicaram claramente e sem qualquer margem para dúvida que, quando chegaram à rua, era o poste que estava a arder e que só depois é que o fogo desceu pelo mesmo e incendiou a casa das máquinas e se propagou também pelo seu exterior.
O) Não se afigura que as testemunhas (…) e (…) tivessem que explicar de qualquer outro modo porque razão chegaram a essa conclusão, quando esclareceram ter presenciado a propagação do incêndio desde a parte superior do poste até à inferior.
P) O incêndio iniciou-se no cabo exterior de fornecimento de energia elétrica ao anexo.
Q) Tal incêndio deflagrou e ocorreu por via da condução e entrega de energia por parte da ora Apelada, bem como a partir do seu próprio equipamento, pelo que sempre se dirá que existe claramente responsabilidade objectiva da Apelada.
R) A distribuição de electricidade é uma actividade perigosa e, por isso, a lei impõe a quem beneficia dessa mesma actividade, que suporte objectivamente os respectivos riscos, reparando os danos ou prejuízos causados em consequência do exercício dessa actividade – que no caso vertente é a Apelada.
S)Mostra-se violado o n.º 2 do artigo 493.º do C.C. uma presunção de culpa por parte de quem exerce tal actividade perigosa, presunção essa que a Apelada não logrou ilidir, como se lhe impunha.
T) Mostra-se violado o n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.
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A Ré/Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O objeto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir:
i. Se procede a impugnação/alteração da matéria de facto;
ii. Se estão reunidos os pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo da Ré, pelos prejuízos sofridos pelos AA, pela condução ou entrega da eletricidade ou resultantes da instalação de energia elétrica.
iii. Em caso afirmativo, determinar os danos a indemnizar e respetivos montantes.
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2. Fundamentação
2.1. O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
1) O prédio rústico sito em (…), da atual União de freguesias de (…) e (…), concelho de Silves, constituído por horta intensiva e construção rural, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), da secção (…), encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º (…) a favor dos Autores.
2) Os AA. receberam o supracitado prédio rústico por doação do pai do A. marido, em meados de 2010.
3) No prédio referido 1) existe uma construção rural, nomeadamente um pequeno anexo onde se encontra instalado um contador elétrico, que fornece energia a uma bomba que serve de rega à horta, assim como variados utensílios agrícolas.
4) Em 4 de Abril de 2014, (…) celebrou com a EDP Comercial, contrato de fornecimento de energia elétrica para o aludido anexo, que corresponde ao local de consumo n.º (…) com a referência do Código do Ponto de Entrega PT (…).
5) Na noite de 14.08.2018 em hora não apurada, mas seguramente entre as 02:00horas e as 02:48horas ocorreu um incêndio no referido anexo, sendo que o mesmo só foi extinto por volta das 04:00 horas.
6) O incêndio provocou a destruição do referido anexo, do seu conteúdo e ainda do trator agrícola que se situava no exterior ao anexo.
7) Logo após o incêndio, os AA. através da sua filha (…), envidaram esforços necessários por via telefónica junto da Ré, para que fosse restabelecida o fornecimento da energia elétrica.
8) (…) o que veio a acontecer no dia 17 de Agosto após conversa telefónica e email trocado com (…) sub-director da área de rede e clientes da Ré, tendo para o efeito a Ré ligado o fornecimento diretamente ao poste exterior, colocando ainda cablagem nova.
9) Os Autores procederam à colocação de um novo quadro elétrico tendo suportado os custos para tal.
10) No dia 30 de Novembro de 2018, a R. deslocou-se ao local e repôs a ligação do quadro elétrico diretamente ao poste no exterior.
11) No dia 07 de Março de 2019, a filha dos Autores, (…) enviou para a Ré email com o seguinte teor: “O meu nome é (…), filha do proprietário da casa que sofreu um incêndio a 14 de agosto de 2018 devido a um curto circuito no contador provocado pelo cabo que liga o poste da EDP ao mesmo. Os Bombeiros Voluntários de (…) ocorreram ao local juntamente com a G.N.R. de (…) e tomaram conta da ocorrência. Acontece que só no dia 17 de agosto foi reposta a energia com ligação direta à EDP, no entanto continuaram a chegar faturas entre setembro e dezembro desse ano com os seguintes valores:- setembro (€ 527,44), - outubro (€ 300,60), - novembro (€ 305,92) - dezembro (€ 295,58).
Dirigi-me no dia 19 de novembro de 2018 à loja da EDP em Albufeira a expor a situação que lhe relato visto a situação se manter até essa data. Posteriormente contactaram-me telefonicamente a referir que esses valores eram calculados por estimativa em relação ao ano anterior, situação que considero incorreta, dado que possuímos árvores de fruto que carecem de rega e as condições climatéricas não podem ser comparadas ao ano anterior (ex: num mês de um ano pode chover e no mesmo mês do ano seguinte não chover). Só no dia 30 de novembro de 2018 é que a equipa da EDP se dirigiu ao local para repor corretamente a ligação eléctrica.
Os danos causados foram na ordem dos € 3.824,55, consoante as faturas que enviamos em anexo assim como enviamos também algumas fotografias demonstrativas do sucedido. Acrescento ainda que a G.N.R também registou o incidente. Apesar da fatura se encontrar ainda em nome de (…), por motivo de óbito o mesmo é representado pelo seu filho (…), conforme se comprova no documento das Finanças que segue em anexo. Pretendemos ser ressarcidos pelos danos causados. Quando é que o iremos ser? Esta situação causou um prejuízo enorme ... Quem se responsabiliza por esta situação? Agradeço, uma resposta com a maior brevidade possível. Segue também em anexo a última fatura da EDP que contém os nossos dados que pensamos serem necessários.
12) E no mesmo dia 7 de Março de 2019, os AA. receberam email da parte da Ré nomeadamente do sr. (…), sub-director da área de rede e clientes com o seguinte teor: "Boa noite, acusamos a recepção da sua comunicação que mereceu a nossa melhor atenção. Vamos analisar o assunto em apreço e oportunamente entraremos em contacto".
13) No dia 28 de Março de 2019, veio a R. a responder ao email do dia 7 de Março, nos seguintes termos “Recebemos o seu contacto de 7 de Março o de 2019, em que nos solicita acerca da interrupção de fornecimento de energia eléctrica. Ao abrigo do novo Regulamento Geral de Protecção de Dados, precisamos que nos remeta uma procuração do titular dos dados. Em virtude da recente entrada em vigor do novo Regulamento Geral de Proteção de Dados RGPD, a EDP Distribuição apenas tem legitimidade para disponibilizar a informação que nos solicita aos titulares do respetivo contrato ou a pessoa devidamente mandata para o efeito (através de procuração). Para que seja possível prestar aquelas informações, é imprescindível que este pedido venha acompanhado de procuração passada pelos contraentes a favor do representante.
14) Os AA apresentaram reclamação junto da ERSE no dia 31 de Agosto de 2020.
15) Neste sentido, a ERSE encaminhou a reclamação para a EDP Comercial.
16) E por missiva datada de 01.09.2010, veio a EDP Comercial, sugerir que a reclamação dos AA, fosse dirigida à ora Ré.
17) O anexo ardeu por completo tendo ficado visivelmente danificado, nomeadamente:
- O teto e paredes do anexo ficaram com manchas pretas.
- O reboco interior do anexo caiu.
- O referido incêndio destruiu lâmpadas, arrancadores e tomadas, interiores e exteriores.
- Destruiu por completo todo o contador elétrico.
- Destruiu totalmente o quadro elétrico.
- Destruiu todo o sistema e cablagem da eletricidade interior do anexo.
- Destruiu instrumentos de trabalho do A. marido.
- Danificou ainda o trator que se encontrava no exterior.
18) O quadro elétrico ardeu por completo assim como toda a instalação elétrica que teve de ser completamente resposta, e cujo valor ascendeu a € 2.756,97 (dois mil e setecentos e cinquenta e seis euros e noventa e sete cêntimos).
19) O incêndio propagou-se ao exterior do anexo, tendo ardido alguns componentes do trator que se encontrava estacionado junto ao anexo e cujo arranjo total foi de € 767,58 (setecentos e sessenta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos).
20) Os custos suportados pelos AA. com o arranjo do anexo ascenderam a € 300,00 (trezentos euros).
21) No momento do incêndio os AA. viveram momentos de angústia, sofrimento e medo.
22) Os Autores temeram que a sua residência fosse também consumida pelo incêndio.
23) O Autor marido na tentativa de travar a combustão total do trator ainda sofreu queimaduras nas mãos, para o que teve que fazer tratamento e sofreu de dores.
24) Em 2015, o posto de transformação e a rede de baixa tensão que alimenta o local de consumo em causa foram verificados.
25) Em Setembro de 2017 foi realizada uma vistoria à instalação por parte de um técnico ao serviço da Ré, tendo verificado que o equipamento de contagem se encontrava em perfeitas condições de funcionamento, sem qualquer anomalia.
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2.2. O Tribunal deu como não provados os seguintes factos:
a) O incêndio iniciou-se no cabo exterior de fornecimento de energia elétrica ao anexo.
b) Os Autores são pessoas modestas, possuem parcos rendimentos, e vivem dos poucos recursos proporcionados pela agricultura.
c) O incêndio provocou rachadelas no pátio em frente à fachada da residência dos Autores
d) Os bombeiros utilizaram no combate ao incêndio um pó químico apropriado ao tipo de incêndios suprarreferido que necessitou de ser retirado posteriormente.
e) Os Autores pagaram as seguintes faturas relativas ao consumo de energia: dos meses que sucederam o incêndio:
- Setembro 2018: € 527,44
- Outubro 2018: € 300,60
- Novembro 2018: € 305,92
- Dezembro 2018: € 295,58
f) O A. marido deixou de poder exercer a sua atividade como agricultor durante vários meses, em particular por não poder lavrar os terrenos, por não se poder transportar ou transportar ferramentas ou fruta, por via de ter ficado sem inúmeras alfaias agrícolas que arderam, assim como pela destruição parcial do trator.
g) Os Autores temeram pela perda da sua fonte de rendimento e subsistência.
h) A ausência de respostas por parte da Ré implicou para os Autores uma enorme perturbação e sofrimento psicológico.
i) Apesar dos constantes apelos dos Autores, apesar de bastante instada para tal, a Ré, reiteradamente manteve a recusa em indemnizar os danos, fundamentando-se em argumentos dilatórios, contraditórios e pouco conclusivos.
j) O que provocou nos Autores sentimentos de impotência, de desespero, de humilhação e de vergonha, por não compreenderem a atitude reiterada da Ré.
k) Situação esta que lhes provocou e provoca elevado desconforto, e pela qual ficaram com a sua autoestima completamente desacreditada.
l) Os Autores tiveram muitas noites sem conseguir dormir e ainda hoje têm de recorrer a medicação específica para conseguirem.
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2.3. Do mérito do recurso:
2.3.1. Da impugnação da matéria de facto:
Pretende a recorrente a alteração da decisão relativa à matéria de facto fixada na sentença.
Nos termos do artigo 640.º do CPC, que estabelece os requisitos que o recorrente tem que cumprir para que o Tribunal de Recurso reaprecie a decisão quanto à matéria de facto, sob pena de rejeição, “por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina – 7ª edição, pág. 198)”, deve o recorrente:
a) Especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Indicar os meios probatórios que imponham decisão diversa e, no caso de prova gravada, a indicação exata das passagens da gravação relevantes.
c) Deixar expressa a decisão que deve ser proferida.
Analisado o teor do recurso, no que se refere à mencionada alínea a), verificamos, que os recorrentes especificam os seguintes concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados:
· Ponto 5 in fine dos factos dados como provados;
· Ponto a) e e) dos factos não provados;
No que se refere à alínea b), os recorrentes indicaram os depoimentos das testemunhas (…) e (…), especificando em concreto as passagens da gravação que consideram relevantes.
Finalmente quanto à alínea c), os Recorrentes deixaram expresso que:
· o ponto 5 dos factos assentes deveria ter a seguinte redação: “na noite de 14-08-2018, em hora não apurada mas seguramente entre as 2 horas e as 02:48 horas, ocorreu um incêndio que se iniciou no cabo exterior do fornecimento de energia elétrica ao referido anexo, que se propagou pelo mesmo sendo que o mesmo só foi extinto por volta das 4:00 horas.
· Os pontos 1 e 5 dos factos dados como não provados deveriam ser dados como provados;
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Cumpridos que estão os requisitos para impugnar a decisão de facto, importa, então, apreciar o recurso, nesta parte, o que se fará, de imediato:
O ponto 5 dos factos provados está diretamente relacionado com o facto a) dado como não provado. Com efeito, foi dado como assente no ponto 5 dos factos provados que:
“Na noite de 14.08.2018 em hora não apurada, mas seguramente entre as 02:00horas e as 02:48horas ocorreu um incêndio no referido anexo, sendo que o mesmo só foi extinto por volta das 04:00 horas” (sublinhado nosso) e foi dado como não provado, na alínea a) dos factos não provado, que: “O incêndio iniciou-se no cabo exterior de fornecimento de energia elétrica ao anexo.”
Os recorrentes pretendem que o facto dado como não provado passe a provado de modo a que o facto 5 tenha, antes a seguinte redação:
Na noite de 14.08.2018 em hora não apurada, mas seguramente entre as 02:00horas e as 02:48horas ocorreu um incêndio que se iniciou no cabo exterior do fornecimento de energia elétrica ao referido anexo, que se propagou no referido anexo, sendo que o mesmo só foi extinto por volta das 04:00 horas.”
Do exposto resulta que a questão que se coloca é a de saber se o incêndio, ocorrido no anexo, se iniciou no cabo exterior de energia elétrica (como defendem os AA/Recorrentes), cabo este que constituindo uma ligação à rede de energia elétrica pertence à Ré, que o deve manter e conservar.
Os recorrentes fundamentam a sua pretensão de alteração da decisão, nos depoimentos das testemunhas (…) e (…), por não concordarem especificamente com o seguinte trecho da motivação:
“não obstante as testemunhas arroladas pelos Autores terem referido que o incêndio se iniciou no cimo do poste de electricidade, a verdade é que nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou o início do foco do incêndio.
Ademais, tais testemunhas apesar de concluírem que o incêndio se iniciou no cimo do poste não lograram explicar de forma plausível ao Tribunal as razões que as levaram a concluir nesse sentido”.
Entendem os recorrentes que as referidas testemunhas explicaram claramente que o incêndio se iniciou na parte superior do poste de eletricidade e por ali abaixo se propagou até incendiar o que se encontrava na sua parte inferior, ou seja, a casa das máquinas e demais equipamentos.
Após audição do depoimento das referidas testemunhas entendemos que não assiste razão ao recorrente, concordando-se totalmente com a decisão e motivação da decisão de facto: “nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou o início do foco do incêndio”. Com efeito, a testemunha (…), filha dos AA, disse que “O meu pai acordou (…) e viu um clarão na rua e depois entretanto foi à rua para ver o que se passava e viu que tinha iniciado um incêndio lá em cima no poste da eletricidade, entretanto chamou-me a pedir ajuda, a pedir auxílio. Eu levantei-me logo e a minha mãe também (…) isto era Verão, 14 de agosto, estava tudo seco, o incêndio iniciou lá em cima no poste de eletricidade, mas como é Verão e estava tudo muito seco, num instante se propagou e acabou por arder a casa das máquinas. Começou inicialmente lá em cima, entretanto veio para o telhado da casa das máquinas, ardeu a casa das máquinas todas (…) começa a arder lá em cima, (…) o incêndio iniciou cá em cima e depois veio a descer porque era verão estava tudo seco, a copa da árvore estava toda seca e entretanto começou a arder para a parte do telhado. (…) São frações de segundo porque o fogo propaga-se”.
Deste depoimento resulta que a testemunha não disse que tenha visto apenas fogo no cimo do poste e depois a descer para o anexo, o que a testemunha disse foi que “o pai é que viu o início do incêndio”, limitando-se depois a testemunha a relatar o que considerou que aconteceu, sem que tenha assistido ao deflagrar do incêndio, ainda que persistentemente tenha referido que o fogo iniciou-se no cimo do poste e desceu até ao anexo.
A segunda testemunha referida, o vizinho, (…), embora quando perguntado expressamente sobre o que é que tinha visto para chegar à conclusão que expressou “do meu ponto de vista o incêndio começou por cima, no posto elétrico e depois desceu” tenha dito, ainda que com hesitação, que “inicialmente vi fogo no posto e depois a seguir vi fogo no chão”, o facto é que quando relatou inicialmente a situação disse que estava a dormir, que o Autor foi bater à porta de sua casa e que quando abriu a porta viu logo o incêndio. Explicou que o incêndio estava alto, no posto, e que estava a arder em cima e em baixo e já “estava tudo tomado”, dando a entender que quando chegou já o anexo estava a arder. Por outro lado, do depoimento da testemunha (…) resulta que chegou à rua primeiro do que esta testemunha e também já viu tudo a arder. Por conseguinte, bem andou a sentença em concluir que “nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou o início do foco do incêndio”. Acresce que, conforme resulta da motivação, a resposta aos factos em causa não se fundou apenas do depoimento destas testemunhas mas da conjugação de toda a demais prova produzida, designadamente do depoimento “da testemunha (…), que à data dos factos (…) que se deslocou ao local na manhã após o deflagrar do incêndio para desligar a baixada que alimentava o cliente, referiu que o cabo da baixada junto à parede da casa estava ardido (cerca de um metro) e que desse ponto até ao poste o dito cabo estava em bom estado, o que o leva a concluir que o incêndio começou de dentro para fora, alastrando ao cabo.” E da testemunha (…), Engenheiro da EDP, que explicou com razão de ciência, que o ramal ficou queimado por causa do incêndio que veio do anexo e não o contrário.
Em suma, não assiste razão aos Recorrentes quando referem que, em razão destes depoimentos, a resposta aos factos mencionados devia ser diferente, porque estes depoimentos em si não são determinantes e conforme resulta da sentença, que se encontra devidamente fundamentada, de forma clara e coerente e reflete o resultado da conjugação dos vários elementos de prova produzidos, “os depoimentos das testemunhas arroladas pelos Autores não foram suficientes para criar no tribunal, com a certeza, exigida, a convicção de que o ponto de ignição do incêndio (…) foi o cabo exterior de fornecimento elétrica ao anexo, daí que se se tenha dado tal facto como não provado”.
Pelo exposto, mantem-se, nesta parte, a matéria de facto, nos exatos termos constantes da sentença.
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Os recorrentes insurgem-se, também, por se ter dado como não provado o facto e), ou seja, que os AA pagaram as faturas mencionadas.
O Tribunal considerou este facto – o facto referido em e) - como não provado com fundamento em não constarem dos autos documentos que permitam concluir nesse sentido e nenhuma testemunha ter feito referência a essa matéria.
Os recorrentes defendem que tal ponto deve ser dado como provado “com base em toda a documentação junta aos autos pelos ora recorrentes e que provam exatamente tais pagamentos.”, porém, não especificam qualquer documento.
Ora, analisada a documentação junta, designadamente os 30 documentos juntos à petição inicial, não se afigura que os mesmos comprovem qualquer pagamento. Com efeito, não foi junto designadamente qualquer recibo de pagamento. Aliás, apenas foi junto um aviso de pagamento emitido pela EDP, mas que se refere ao mês de agosto de 2018.
Por conseguinte, bem andou o Tribunal de primeira instância em considerar tal facto como não provado, motivo pelo qual improcede também o pedido de alteração deste facto.
Fixada a matéria de facto, que se mantém inalterada, importa apreciar o direito.
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2.3.2. Dos pressupostos da obrigação de indemnizar:
Os AA pretendem com a presente ação responsabilizar a Ré/Apelada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreram e que foram provocados por um incêndio que, de acordo com os AA, “deflagrou e ocorreu por via da condução e entrega de energia por parte da ora Apelada, bem como a partir do seu próprio equipamento.”
Na petição inicial, os AA fundaram este pedido de indemnização na responsabilidade pelo risco, subsumindo o caso no artigo 509.º do Código Civil que prevê a responsabilidade por danos causados por instalações de energia elétrica e, na sentença recorrida, a análise jurídica do caso foi efetuada à luz desta norma. Foi, então, decidido que “não tendo os Autores logrado provar, conforme lhes competia, por força do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, que o incêndio tenha tido origem no cabo exterior de fornecimento da energia elétrica, isto é, a jusante do ponto onde se pode considerar que a energia é entregue pela Ré ao consumidor final”, não se encontravam preenchidos os pressupostos da responsabilidade objetiva vertida no artigo 509.º do Código Civil, cujo critério legal é o de responsabilizar quem, ainda que sujeito a inspeção, seja titular do poder de disposição no que tange a dada instalação e, em consequência, foi a Ré absolvida dos pedidos.
Agora, os AA/Recorrentes, no recurso, propugnam não apenas que existe responsabilidade objetiva da apelada (nos termos do citado artigo 509.º do Código Civil), mas também responsabilidade subjetiva, pois defendem que a sentença ao julgar improcedente a ação violou o disposto nos artigos 342.º, n.º 1 e 493.º, n.º 2, do CC (artigo este que prevê a obrigação de reparar de quem, no exercício de uma atividade perigosa, causar danos e que estabelece uma presunção de culpa).
De facto, a atividade de fornecimento de energia elétrica é inequivocamente perigosa, pelo que abstratamente a situação tanto pode ser subsumida no artigo 509.º como no artigo 493.º, n.º 2, do CC. Porém, enquanto o primeiro dos preceitos prescinde totalmente do pressuposto da culpa do lesante, seja a mesma provada ou presumida, o segundo pressupõe essa culpa, ainda que a mesma se presuma legalmente, o que significa que o lesante pode ilidir a presunção de culpa, deixando de existir a obrigação de indemnizar.
Por outro lado, a responsabilidade prevista no artigo 509.º pressupõe que o lesante tenha “a direção efetiva da instalação destinada à condução ou entrega da energia elétrica e utilize essa instalação no seu próprio interesse”, o que não ocorre na situação prevista no artigo 493.º do Código Civil.
Por conseguinte, nos casos de danos causados por fornecimento de energia elétrica, a aplicação do artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil é subsidiária da do artigo 509.º, sendo apenas relevante quando os danos excedam os limites da responsabilidade, estabelecidos no artigo 510.º do mesmo diploma (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-04-2017, processo n.º 1347/15.T8GRD.C1) ou para situações em que o lesante não tem a direção efetiva de instalações destinada à condução ou entrega da energia elétrica ou não a utiliza no seu interesse.
Voltando ao caso concreto, importa, então, analisar os factos à luz do regime previsto no artigo 509.º, e subsidiariamente, à luz do regime previsto no artigo 493.º, n.º 2, do CC, a fim de aferir se, ao abrigo de algum dos referidos regimes, é a Ré responsável civilmente perante os AA.
A obrigação de indemnizar prevista no artigo 509.º que tem como epígrafe – Danos causados por instalações de energia elétrica ou gás - pressupõe que os Autores aleguem e demonstrem: o facto, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O facto, para efeitos do disposto no artigo 509.º, n.º 1, do CC, tem de corresponder à condução ou entrega de eletricidade ou gás pela Ré ou à manutenção de uma instalação de energia elétrica ou gás pela Ré; em qualquer dos casos, importa que a Ré tenha a direção efetiva da instalação destinada à condução ou entrega da energia elétrica.
Resulta dos factos provados que:
- Em 4 de abril de 2014, (…) celebrou com a EDP Comercial, contrato de fornecimento de energia elétrica para o anexo dos AA onde se encontra instalado um contador elétrico que fornece energia a uma bomba que serve de rega à horta;
- Esta instalação é abastecida de energia elétrica pelo Posto de Transformação PTD SLV 33 e por uma rede de baixa tensão, que são propriedade da Ré (Facto 24 dos factos provados; artigos 10º e 16º da contestação).
Destes factos resulta que a Ré conduz e entrega, ou seja, fornece eletricidade ao Anexo dos AA e mantém instalações de energia elétrica (posto de transformação, rede elétrica e contador elétrico) que utiliza no seu interesse e sobre as quais tem a direção efetiva (a Ré reconheceu logo na contestação é a própria que fiscaliza todos os equipamentos que integram a estrutura de distribuição da rede pública).
Quanto aos danos, os AA lograram demonstrar os factos referidos em 17 a 23, ou seja, prejuízos provocados pelo incêndio que ocorreu na madrugada do dia 14 de agosto de 2018.
Por último, a obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 509.º, n.º 1, do Código Civil, pressupõe a prova do nexo de causalidade entre o facto e as lesões sofridas, ou seja, que os danos demonstrados tenham sido produzidos pelos factos mencionados – o fornecimento de eletricidade ou as instalações da Ré – os quais devem ser uma causa provável / adequada a provocar o incêndio que deu origem aos prejuízos. Conforme preceitua o artigo 563.º do Código Civil só existe obrigação de indemnizar relativamente aos danos que provavelmente não seriam sofridos se não fosse a ocorrência do facto lesivo.
Explicam elucidativamente P. de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado”, Coimbra Editora, Lda., em anotação ao artigo 563.º: “A fórmula usada no artigo 563.º deve, assim, interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito, para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz, adequada desse efeito”.
Olhando aos factos dados como provados, e com interesse para apurar do nexo de causalidade, provou-se que:
- No dia 14 de agosto de 2018, entre as 2 e as 2:48 horas ocorreu um incêndio num anexo agrícola propriedade dos AA onde se encontrava instalado um contador elétrico que fornecia energia a uma bomba que serve de rega à horta, assim como variados utensílios agrícolas;
- O incêndio provocou a destruição do referido anexo, do seu conteúdo e ainda do trator agrícola que se situava no exterior do anexo;
- O anexo ardeu por completo tendo ficado visivelmente danificado, nomeadamente:
- O teto e paredes do anexo ficaram com manchas pretas.
- O reboco interior do anexo caiu.
- O referido incêndio destruiu lâmpadas, arrancadores e tomadas, interiores e exteriores.
- Destrui por completo todo o contador elétrico.
- Destrui totalmente o quadro elétrico.
- Destruiu todo o sistema e cablagem da eletricidade interior do anexo.
- Destruiu instrumentos de trabalho do A. marido.
- Danificou ainda o trator que se encontrava no exterior.
- O quadro elétrico (local de admissão da energia elétrica) ardeu por completo assim como toda a instalação elétrica que teve de ser completamente resposta.
- A Ré verificou, no ano de 2015, o posto de transformação e a rede de baixa tensão que alimentavam o anexo agrícola e, em 2017, o contador elétrico que se encontrava no interior do anexo.
Por outro lado, não se provou, como invocado pelos AA que o incêndio tinha tido origem “no cabo exterior de fornecimento de energia elétrica”.
Em face destes factos, concluiu a sentença, com o que se concorda (exceto na parte que refere que o contador é pertence aos AA, pois que embora o mesmo fisicamente esteja na propriedade dos AA, ou seja, no anexo é pertença da Ré, conforme aliás esta reconhece nos artigos 10 a 22 da contestação):
“Para se aplicar a responsabilidade objetiva prevista na referida norma, os danos terão de ser devidos aos efeitos da eletricidade ou do gás, derivados de uma instalação para condução ou entrega da eletricidade ou do gás. (…) No caso em apreço, os Autores não lograram provar os factos que alegaram como constitutivos da responsabilidade da Ré – nomeadamente, que o incêndio tenha tido origem “no cabo exterior de fornecimento de energia eléctrica”, tendo-se provado apenas que o incêndio destruiu todo o contador elétrico, o quadro elétrico e todo o sistema e cablagem da eletricidade interior do anexo, ou seja, já na instalação individual dos Autores.
Com efeito, o contador e quadro eléctrico, bem como todo o sistema e cablagem da eletricidade existente no interior do anexo pertence à instalação dos Autores, sobre quem impendia a respetiva manutenção e vigilância.
Ora, no que se refere à responsabilidade objetiva vertida no artigo 509.º do Código Civil, o critério legal é o de responsabilizar quem, ainda que sujeito a inspeção, seja titular do poder de disposição no que tange a dada instalação.
Assim sendo, e não tendo os Autores logrado provar, conforme lhes competia, por força do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, que o incêndio tenha tido origem no cabo exterior de fornecimento energia elétrica, isto é, a jusante do ponto onde se pode com considerar que a energia é entregue pela Ré ao consumidor final, impõe-se a absolvição da Ré dos pedidos formulados”.
Assim, os AA não provaram que o incêndio tenha tido origem ou resulte das instalações elétrica da Ré (seja do posto de transformação (PT), da rede de baixa tensão, onde se inclui o cabo exterior, ou do contador elétrico que pertence à Ré – cfr. facto 25), ou seja, que o fogo se tenha iniciado nas instalações da Ré de que esta tem a direção efectiva. E, por conseguinte, não lograram os AA demonstrar o requisito do nexo do nexo de causalidade entre os factos e os danos, ao abrigo do artigo 509.º do Código Civil.
Faltando um dos requisitos da obrigação de indemnizar, exclui-se a responsabilidade da Ré.
Neste sentido, decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Porto de 02-07-2013, no processo n.º 32/12.6TBMDB.P1 que: “Não se provando que o incêndio tenha ocorrido na rede pública de distribuição de eletricidade, ou seja, no sistema de condução e entrega até à origem, mas tão só que a parte ardida se situa após o ponto de entrega – cabo de fornecimento de energia elétrica situado entre o contador e o quadro elétrico existente no interior da habitação dos autores – excluída fica a responsabilidade da Ré”.
Mas, conforme resulta do supra exposto os Recorrentes pretendem a responsabilização da Ré ao abrigo do disposto no artigo 493.º, n.º 2, do CPC, que estabelece uma presunção de culpa de quem exerce uma atividade perigosa como é a atividade de fornecimento de energia elétrica, determinado a obrigação de reparação dos danos causados de quem exerce essa atividade, “exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-05-2020 (proferido no processo n.º 966/18.4T8VFR.P1): “O que determina a aplicação da presunção de culpa prevista no artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil é que sobre o agente que explore uma atividade perigosa se presume que atuou, pelo menos, em termos de negligência – que corresponde grosso modo à omissão de um dever de cuidado.
Neste caso inverte-se o ónus da prova e é o agente que tem que demonstrar que tomou todos os cuidados necessários a obstar à ocorrência do facto.
Deste modo, mesmo havendo presunção de culpa, é o lesado que tem que demonstrar a verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto, a sua ilicitude, o dano, o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
No sentido de que a presunção de culpa prevista no artigo 493.º, n.º 2, do CC não dispensa o lesado de provar o nexo causal entre o facto e o dano, decidiram os Acórdãos (todos publicados in www.dgsi.pt) do STJ de 30 de novembro de 2004, proferido no processo n.º 04A3925: “Culpa e nexo de causalidade não se confundem nem a existência de um significa ou pressupõe a do outro” e de 13/04/2023, proferido no processo n.º 23707/19.4T8LSB.L1.S1 (I - O artigo 493.º, n.º 1, do Código Civil, consagra uma presunção de culpa quanto aos danos causados por coisas, móveis ou imóveis, que recai sobre quem tem o dever de vigiar o seu estado, de forma que não causem danos a terceiros;
II - No entanto, é ao autor que cabe provar a ocorrência do dano e o nexo causal entre o mesmo e a coisa sujeita a vigilância;
III – Assim, e pese embora a presunção de culpa do n.º 1 do artigo 493.º, se a autora não logrou provar que os danos na sua fracção tiveram origem, foram causados, pelas obras realizadas na fracção da ré, a acção de indemnização está votada ao insucesso.”
E ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2019, proferido mo Processo n.º 814/18.5T8GMR.G1:
“I - O artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil estabelece uma presunção de culpa sobre quem exerce uma atividade perigosa (por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados), com a inerente inversão do ónus da prova, de acordo com o estatuído no artigo 344.º do CC, pois que ao lesante se passa a exigir a demonstração de que adotou todos os cuidados (regras técnicas e deveres ditados pelas regras da experiência comum) que as concretas circunstâncias exigiam para evitar o dano.
II - Essa presunção só funciona após a prova de que o evento se ficou a dever a razões relacionadas com a atividade perigosa.
III - Esse ónus de prova (do facto que serve de base à presunção de culpa) cabe ao lesado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil)”.
Vejamos, então, se os AA lograram demonstrar para efeitos desta norma: o facto, o dano e o nexo de causalidade.
Neste caso, o facto corresponde ao exercício de uma atividade perigosa. Conforme se explica no Acórdão do STJ de 27-02-2024 (Processo n.º 7997/20.2T8SNT.L1.S2) “a condução de eletricidade é uma atividade perigosa, para o efeito do artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, já que se trata de uma atividade, que, pela sua natureza e pelos seus meios, criam para terceiros um estado de perigo, tornando mais provável a ocorrência de danos.”
Ora, no caso concreto, como já se referiu, por força do contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado, a Ré conduz eletricidade até ao anexo dos AA e os RR sofreram danos em virtude de um incêndio ocorrido no anexo. Porém, não ficou demonstrado que esse incêndio tivesse ocorrido em virtude do fornecimento de energia elétrica, por parte da Ré. Na verdade, nada se provou quanto ao eclodir do incêndio nem quanto ao foco onde deflagrou o incêndio. E, ao contrário do alegado pelo recorrente, a presunção de culpa estabelecida no artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil não dispensa prova do nexo de causalidade entre o facto e os danos.
Por conseguinte, não tendo os AA alegado e demonstrado o referido nexo, importa concluir não estarem reunidos os pressupostos da obrigação de indemnização e assim sendo fica prejudicada a apreciação do quantum indemnizatório.
A sentença recorrida merece total confirmação, improcedendo a apelação.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu integral decaimento (artigo 527.º do CPC).
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3. Decisão
Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, confirmando a sentença recorrida.
Custas do Recurso de apelação a cargo dos recorrentes.
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Évora, 5 de junho de 2025
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
Ana Pessoa (1.ª Adjunta)
Francisco Xavier (2.º Adjunto)