Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MOREIRA DAS NEVES | ||
Descritores: | ROUBO ATOS INTIMIDATÓRIOS LIBERDADE DE DETERMINAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 02/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I. Os elementos objetivos do crime de roubo reconduzem-se a uma ação de subtração ou de constrangimento à entrega; de coisa móvel; que tem de ser alheia; e com valor venal; por meio de violência, de ameaça ou colocação da vítima na impossibilidade de resistir. Sendo o tipo subjetivo doloso, consistente na ilegítima intenção de apropriação. II. Trata-se de ilícito em que são ofendidos bens jurídicos patrimoniais (como o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis), bem assim como bens jurídicos pessoais (como a liberdade individual de decisão e de ação e a integridade física (em certos casos a vida). III. Comete o crime de roubo aquele que durante a madrugada invade residência alheia, mediante gritos, ameaças a integridade física e outros atos intimidatórios, que colocaram os residentes da impossibilidade de resistir, e depois, por não haver em casa dinheiro de que pudesse apoderar-se, constrange a vítima, através de expressões destinadas a causar-lhe receio pela sua integridade física ou mesmo pela vida, a dirigir-se consigo ao caixa multibando para ali levantar dinheiro para lhe entregar, desse modo se apoderando de uma certa quantia, bem assim como do telemóvel da vítima. | ||
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Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO 1. No Juízo Central Criminal de Santarém procedeu-se a julgamento em processo comum e tribunal coletivo de AA nascido a …/…/1984, com os demais sinais dos autos; e de BB, nascido a …/…/1993, com os demais sinais dos autos, estando imputado a AA a prática de quatro crimes de roubo (três praticados em autoria e um em coautoria), previstos no artigo 210.º, § 1.º do Código Penal (CP) e dois crime de coação agravada na forma tentada, previstos nos artigos 154.º, § 1.º e 2.º, 155.º, § 1.º, al. a) e 22.º CP; e a BB, a prática de um crime de roubo, em coautoria, previsto no artigo 210.º, § 1.º CP e um crime de coação agravada na forma tentada, previsto nos artigos 154.º, § 1.º e 2.º, 155.º, § 1.º, al. a) e 22.º CP. O assistente CC deduziu contra os arguidos um pedido de indemnização civil, demandando a condenação solidária de ambos no pagamento de uma indemnização de 1 050€; e a AA a condenação no pagamento de 159,09€, acrescidas de juros de mora contados, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento. Realizada a audiência de julgamento, o tribunal coletivo condenou: - o arguido AA como autor de um crime de roubo, previsto no artigo 210.º, § 1.º CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; - e o arguido BB, como autor de um crime de roubo, previsto no artigo 210.º, § 1.º CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; e como autor de um crime de coação agravada na forma tentada, previstos nos artigos 154.º, § 1.º e 2.º, 155.º, § 1.º, al. a) e 22.º CP, na pena de 6 meses de prisão. Operando o cúmulo jurídico das penas correspondentes aos dois crimes em concurso, condenou-o na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão. 2. Inconformado, veio o arguido AA interpor recurso, rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões (transcrição): «a) Foi o Arguido condenado pela prática, em concurso efetivo real, de um crime de roubo, em autoria material e na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. b) Se atentarmos no tipo objetivo do artigo 210.º do Código Penal constata-se que à ação típica, que pode consistir numa subtração ou no constrangimento à entrega, terão de corresponder 3 requisitos, a saber: -existência de violência; - ameaça com perigo eminente para a vida ou integridade física; e - que a vitima seja colocada na situação de não resistência. c) No que tange à violência, a que releva para o ilícito criminal referido é a propriamente dita, enquanto violência que utiliza força física e direta, isto é, apenas releva a praticamente sobre a vítima. d) Já a ameaça não poderá afastar-se daquele que relevará para o ilícito criminal constante do art. 153. CP. Sendo que deverá tratar-se de uma ameaça real e eminente, de um mal imediato e não futuro e terá de ser suficiente para provocar à vítima a incapacidade de resistir, não se tratando, por isso de meras afirmações como sejam “levas”, não te safas”, “não sabes com quem te metes”, que, por muito sugestivas que sejam, não são, na verdade suficientes a provocar medo numa pessoa normal. e) No que se refere à impossibilidade de resistir, o que está em causa é a privação da capacidade de movimentos da vítima. f) Foi dado como provado que “no dia 15 de junho de 2018, pelas 4 horas, AA dirigiu-se a Rua …, n.º…, …, por saber que ali residia CC, e começou a dar pancadas na porta, insistentemente, chamando pelo segundo. “, aqui no máximo dir-se-ia que poderia haver violência sobre bens, mas no crime de rouba apenas a aplicada sobre a vítima é de valorar. g) Mais adiante, nos factos provados diz-se “CC chegou a casa e AA exigiu que o mesmo lhe entregasse todo o dinheiro que tivesse, dizendo-lhe de forma séria e autoritária que “senão não te safas”.” E, “porque CC não tinha consigo nenhum dinheiro, AA obrigou-o a dirigir-se ao multibanco mais próximo, acompanhando-o à força”. Temos que o Tribunal “a quo” não deu aqui como provado (e nem o podia fazer) que o Arguido tenha usado força ou violência, nomeadamente, qual força e tipo de força, limitando-se a usar expressões conclusivas, como “à força” que sendo admitidas na fundamentação de facto, são manifestamente insuficientes na descrição dos factos provados. Por outo lado, também não se sabe e o Tribunal “a quo” também não explicita o que quereria dizer “senão não te safas”. Com o devido respeito, é uma expressão vazia se não for concretamente esclarecido o que pretendia, alegadamente, o Arguido transmitir ao Queixoso com tal afirmação. E o mesmo vale para a expressão “não tinha hipótese”, que o Tribunal “a quo” dá como provada. h) E continua o douto Acórdão ora posto em crise, a dar como provado que “perante o comportamento e a presença agressiva, intimidatória de AA, CC, bastante assustado, não se conseguiu escapulir e dirigiu-se a uma caixa ATM do Banco … ali próxima, onde levantou e lhe entregou de imediato uma nota de €10,00 (dez euros) do BCE, que configurava todo o dinheiro que tinha disponível na sua conta bancária naquele momento.” Contudo, não resulta da matéria de facto provada qual o concreto comportamento e agressividade do Arguido. Aliás, o Tribunal “a quo” refere-se a “presença agressiva”, que com o devido respeito não se percebe o que seja, como também não se percebe como se refere que o Queixoso não havia conseguido fugir quando em nada se refere, e não foi dado como provado, que o Arguido tenha, sequer tentado imobilizar o Queixoso, restringindo os seus movimentos. i) Mais uma vez e quando se refere que “chegados à residência de CC, sita na citada Rua …, n.º …, …, AA começou a abrir e remexer nas gavetas daquela, a deitar os pertences deste para o chão com violência, a abrir e a fechar gavetas com bastante força, enquanto exigia ao mesmo num tom cada vez mais elevado, agressivo e autoritário, a entrega de joias, dinheiro, ouro e computadores portáteis, ao que CC lhe respondeu não ter nenhuns desses bens.”; e “ AA dirigiu-se à cómoda da entrada da referida residência e retirou, levando consigo e fazendo seu, o telemóvel de CC que ali estava pousado, da marca …, modelo …, no valor de €129,99, com os IMEI … e …. “; o que está em causa é a violência sobre bens e não sobre o queixoso, que continuava livre na sua pessoa. Pelo que, os bens retirados não o foram “à força” e da mão do Queixoso, mas antes subtraídos do móvel, sem que o Arguido tenha usado qualquer força ou violência sobre a pessoa do queixoso. j) Os factos praticados pelo arguido não integram o crime de roubo pelo qual foi acusado, mas, no máximo, antes um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º do CP. k) Sendo que, o crime de furto simples depende de queixa (artigo 203.º, n.º 3 do CP), o queixoso declarou em audiência de julgamento e cuja declaração se encontra registada no registo áudio, pretender desistir da queixa, se pudesse. l) Estando em causa um crime semipúblico, a verdade é de- de facto – pode. Sendo de valorar a desistência de queixa, a qual o arguido, uma vez mais, declara aceitar. Estamos, assim, perante causa de extinção do procedimento criminal, cfr. Artigos 113.º, n.º 1 e 116.º, n.º 2 do CP. m) A douta decisão é recorrível nos termos do preceituado no art. 399.º do C.P.P.; o Recorrente tem legitimidade (cfr. art. 401.º, n.º1, al. b) do C.P.P.); e tem interesse em agir (cfr. art. 410.º, n.º2 do C.P.P.); estando em prazo (art. 411.º do C.P.P.). Nestes termos e nos melhores de Direito aplicável, e com o sempre mui douto suprimento de V.Exas- Venerandos desembargadores – acolhidas que sejam as razões expostas, deverá a douta sentença ora posta em crise ser revogada e julgada válida e relevante a desistência de queixa, sendo declarado extinto o procedimento criminal contra o Arguido, com o se fará a desejada JUSTIÇA!» 3. O recurso foi recebido, ao qual respondeu o Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª instância, sustentando a manutenção da sentença recorrida, nos seguintes termos: «1. A motivação do arguido, além de improcedente, é marcadamente tendenciosa, na medida em que para afirmar a ausência de verificação de factos subsumíveis à fattispecie do artigo 210.º do CPenal, trunca a fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido, ou seja, seleciona, descontextualizando-os, trechos dos factos provados que, a seu ver, não revestem intensidade suficiente para consubstanciar a violência, a ameaça grave ou a colocação na impossibilidade de resistir, olvidando outros e, sobretudo, a imagem global do facto, claramente típica de um crime de roubo. 2. No fundo, sem o assumir claramente, o arguido assaca ao acórdão recorrido o vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do CPPenal: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. 3. Contudo, a insuficiência da matéria de facto para a decisão só se pode afirmar quando os factos provados não permitem as ilações do tribunal a quo, ou seja, quando a premissa menor do silogismo judiciário, relativa ao facto, não permite a conclusão que o julgador retirou da sua subsunção à matéria de direito aplicável. 4. Da leitura da matéria de facto dada como assente resulta claro ser esta perfeitamente suficiente para imputar o crime de roubo a AA. 5. Ao acompanhar, à força, CC à caixa ATM, ao não o largar e ao forçá-lo a entrar na residência, o arguido usou de violência própria e direta. 6. Ao exigir ao CC que lhe entregasse todo o dinheiro que tivesse, “senão não se safava”, bem como ao anunciar-lhe que se quisesse “chegar inteiro a casa tinha de lhe dar todo o dinheiro que tivesse” e que “não tinha nada a perder porque estava em liberdade condicional”, AA ameaçou-o com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, viciando a sua liberdade de determinação. 7. Ao impedir CC de se escapulir no caminho até à caixa ATM do Banco …, onde levantou e entregou de imediato ao arguido uma nota de € 10, ao impor-lhe a sua presença na respetiva residência, de onde viria a retirar o telemóvel deste, impedindo-o de se deslocar livremente, não o largando, ao que este se viu obrigado a assentir por estar com bastante medo, AA colocou-o na impossibilidade de resistir. 8. O arguido foi corretamente condenado pela prática de um crime de roubo. 9. O acórdão recorrido não violou quaisquer normas, nem está ferido de qualquer nulidade. Termos em que, rejeitando liminarmente o recurso, por manifesta improcedência, ou negando-lhe provimento, farão Vossas Excelências, como sempre, JUSTIÇA.» 4. Neste Tribunal Superior o Ministério Público pronunciou-se secundando integralmente as alegações já feitas junto do tribunal de 1.ª instância. 5. No exercício do contraditório o assistente veio reiterar a posição já assumida na resposta dada ao recurso. Foi efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumprindo agora, em conferência, apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO A. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – artigos 403.º, § 1.º, 410.º, § 2.º e 412.º, § 1.º CPP. Suscita-se apenas a questão da qualificação jurídica dos factos provados relativos à atuação do recorrente, entendendo este serem os mesmos apenas integradores de um crime de furto (artigo 203.º, § 1.º CP) – e não de um crime de roubo (artigo 210.º, § 1.º CP), como considerou o tribunal coletivo. B. A decisão recorrida O tribunal a quo julgou provados os seguintes factos (aqui não incluindo – por desnecessários ao objeto do recurso – os respeitantes às condições pessoais dos arguidos): «1) No dia 15 de Junho de 2018, pelas 4 horas, AA dirigiu-se a Rua …, n.º …, …, por saber que ali residia CC, e começou a dar pancadas na porta, insistentemente, chamando pelo segundo. 2) De seguida, DD, que também ali vivia, abriu a porta a AA. 3) Volvidos uns instantes, CC chegou a casa e AA exigiu que o mesmo lhe entregasse todo o dinheiro que tivesse, dizendo-lhe de forma séria e autoritária que “senão não te safas”. 4) Porque CC não tinha consigo nenhum dinheiro, AA obrigou-o a dirigir-se ao multibanco mais próximo, acompanhando-o à força. 5) Nisto, enquanto se dirigiam à caixa multibanco, AA disse a CC, várias vezes, num tom sério e intimidatório que “se queria chegar inteiro a casa tinha de lhe dar todo o dinheiro que tivesse” e “não tinha nada a perder porque estava em liberdade condicional.” 6) Mais disse AA a CC que não adiantava apresentar queixa porque estava sozinho e “não tinha hipótese”. 7) Perante o comportamento e a presença agressiva, persistente e intimidatória de AA, CC, bastante assustado, não se conseguiu escapulir e dirigiu-se a uma caixa ATM do Banco … ali próxima, onde levantou e lhe entregou de imediato uma nota de €10,00 (dez euros) do BCE, que configurava todo o dinheiro que tinha disponível na sua conta bancária naquele momento. 8) Inconformado e insatisfeito com esse montante pecuniário, AA continuou a impor a sua presença a CC, impedindo-o de se deslocar livremente, não o largando e forçando a sua entrada na residência do mesmo, ao que este se viu obrigado a assentir por estar com bastante medo. 9) Chegados à residência de CC, sita na citada Rua …, n.º …, …, AA começou a abrir e remexer nas gavetas daquela, a deitar os pertences deste para o chão com violência, a abrir e a fechar gavetas com bastante força, enquanto exigia ao mesmo num tom cada vez mais elevado, agressivo e autoritário, a entrega de jóias, dinheiro, ouro e computadores portáteis, ao que CC lhe respondeu não ter nenhuns desses bens. 10) Nisto, AA dirigiu-se à cómoda da entrada da referida residência e retirou, levando consigo e fazendo seu, o telemóvel de CC que ali estava pousado, da marca …, modelo …, no valor de €129,99, com os IMEI … e …. 11) Logo após, AA dirigiu-se a CC e disse-lhe num tom sério, agressivo e intimidatório, que não o deveria denunciar às autoridades porque estava sozinho e não se ia safar. 12) De seguida, AA ausentou-se daquele local, levando consigo o descrito telemóvel e aquela quantia monetária, que integrou no seu património, fazendo-os coisa sua, o que concretizou contra a vontade e consentimento do seu legítimo dono e proprietário. 13) Atuou AA com o propósito alcançado de se apropriar dos bens de CC, assustando-o com uma postura agressiva e intimidatória, a fim de lograr concretizar os seus intentos, o que fez não obstante bem saber que agia contra a sua vontade e consentimento. 14) Até à presente data, o descrito telemóvel e a referida quantia monetárias não foram recuperados nem restituídos a CC. 15)Em data concreta não apurada, mas situada entre o dia 5 e o dia 6 de Novembro de 2018, pelas 19 horas, junto ao café …, no centro da cidade de …, BB, com a alcunha “…”, aproximou-se de CC e chamou-o para um beco ali existente. 16)Por ter julgado que seria algum seu amigo que tinha pedido a esse indivíduo para o chamar, CC seguiu no encalço de BB para esse beco. 17) Ato contínuo e sem que nada o fizesse prever, BB exigiu a CC num tom elevado, agressivo e autoritário que lhe entregasse todo o dinheiro que tinha nos bolos, enquanto de forma inopinada e abrupta lhe remexia nos bolsos da roupa que o mesmo trajava nesse dia, retirando-lhe do interior do bolso das calças uma quantia monetária situada entre €50,00 (cinquenta euros) a €60,00 (sessenta euros), em notas e moedas do BCE, pertencentes a CC. 18) Logo de seguida, BB obrigou CC a dirigir-se à caixa ATM mais próxima, para levantar e lhe entregar dinheiro, o que fez, acompanhando-o contra a sua vontade, apenas libertando o mesmo depois de conferir, no respetivo talão do multibanco, que este não tinha nenhum dinheiro disponível na conta para lhe entregar. 19) De seguida, BB colocou-se em fuga levando consigo a descrita quantia monetária, que integrou no seu património, fazendo-o coisa sua, o que concretizou contra a vontade e consentimento do seu legítimo dono e proprietário, CC. 20) Em data concreta não apurada, mas situada entre o mês de Janeiro e o mês de Fevereiro de 2019, BB abordou CC na via pública, junto da Junta de Freguesia de …, por saber ser aqui que o mesmo trabalha, e disse-lhe num tom sério e ameaçador: “Venho aqui para retirares a queixa! Qualquer dia apanho-te porque há mais marés que marinheiros!”, querendo com tal significar que no futuro iria atentar contra a integridade física de CC. 21) As mencionadas expressões foram proferidas por BB de forma séria, convincente e categórica, com o intuito de causar medo e inquietação no espírito de CC, como causou; bem como de prejudicar a sua liberdade de determinação, de modo a forçá-lo à realização de ato contrário à sua vontade, designadamente à desistência da queixa apresentada, desiderato que não alcançou apenas porque o ofendido não anuiu às suas demandas. 22) Face à descrita conduta encetada por BB e por acreditar que o mesmo seria capaz de executar os males anunciados, sentiu-se CC assustado e nervoso, tendo receado a sua concretização e temido pela sua vida e integridade física. 23) AA e BB atuaram, em todas as descritas circunstâncias, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas pela lei penal em vigor.» C. Apreciando. C.1 Da qualificação jurídica dos factos Refere o recorrente que os factos julgados provados no acórdão recorrido, por si praticados não, integram o crime de roubo pelo qual foi acusado, mas, no máximo, antes um crime de furto simples, porquanto a sua atuação nunca foi violenta, nem ameaçadora nem colocou a vítima na impossibilidade de resistir! Na sua resposta o Ministério Público, com referência expressa aos factos provados, refere que o arguido só logrou subtrair dinheiro e um telemóvel a CC por ter utilizado violência sobre ele, bem assim como ameaçando-o com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, assim o pondo na impossibilidade de resistir. Pois bem. Vejamos se, então, se o recorrente tem razão. Comecemos por caraterizar sinteticamente o crime de roubo, previsto no artigo 210.º CP. Os seus elementos objetivos reconduzem-se a uma ação de subtração ou de constrangimento à entrega; de coisa móvel; que tem de ser alheia; e com valor venal; por meio de violência, de ameaça ou colocação da vítima na impossibilidade de resistir. O tipo subjetivo é doloso, consistindo na ilegítima intenção de apropriação. Trata-se de ilícito em que são ofendidos bens jurídicos patrimoniais (como o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis), bem assim como bens jurídicos pessoais (como a liberdade individual de decisão e de ação e a integridade física (em certos casos a vida). O acervo factológico provado evidencia, sem margem para quaisquer dúvidas, a ação determinada do arguido, destinada a gerar o constrangimento (afeção relevante da liberdade) do ofendido, justamente para o sujeitar (o impedir de reagir) (1), como veio a suceder, tornando possível a subtração dos bens ilicitamente apropriados. Fazendo o excurso pela factualidade provada evidencia-se com exuberância e inteira clareza a intimidação exercida pelo arguido sobre o ofendido, com ameaças expressas e veladas. Anota-se que as expressões que se seguem entre aspas são retiradas do acervo dos factos provados constantes do acórdão recorrido. Tudo começa com o arguido a dirigir-se à casa do ofendido às 4 horas da manhã. Ali chegado a dar insistentes «pancadas na porta enquanto chamava por ele. Logo que a porta foi aberta, por pessoa que vive com o ofendido, o arguido logo foi entrando! De tal modo que meros instantes depois, surgindo o ofendido, ele já se encontra dentro de casa, começando a «exigir» (ao ofendido) que entregasse o dinheiro todo que tivesse, acompanhando tal exigência com a invetiva: «senão não te safas» - para que não houvesse dúvidas quanto ao seu propósito. Esta expressão encerra em si um cariz inarredavelmente intimidatório (destinada, portanto, a causar medo, receio, pavor – i. e. a fazer com que alguém tema o que se segue) tornando claro o que ainda pudesse não estar. Como o ofendido não teria dinheiro em casa o arguido «obrigou-o» a dirigir-se ao caixa Multibanco (MB), ali o acompanhando «à força». E no caminho, por diversas vezes, utilizando um «tom sério» ia-lhe dizendo que «se queria chegar inteiro a casa tinha de lhe dar todo o dinheiro que tivesse», pois que ele (arguido) «não tinha nada a perder porque estava em liberdade condicional». E que também não adiantaria apresentar queixa, porque estava sozinho e «não tinha hipótese»! Não «conseguindo escapulir» (i. e. não conseguindo fugir do arguido) o ofendido lá foi até ao caixa MB. Insatisfeito por o ofendido só ter conseguido levantar 10€, o arguido «continuou a impor a sua presença a CC, impedindo-o de se deslocar livremente, não o largando e forçando a sua entrada na residência do mesmo». Novamente dentro da casa do ofendido, prosseguindo o seu desígnio o arguido começou «a abrir e remexer nas gavetas daquela, a deitar os pertences deste para o chão com violência, a abrir e a fechar gavetas com bastante força, enquanto exigia ao mesmo num tom cada vez mais elevado, agressivo e autoritário, a entrega de joias, dinheiro, ouro e computadores portáteis, ao que CC lhe respondeu não ter nenhuns desses bens.» Até que a dado momento encontrou o telemóvel do ofendido e logo nele pegou e dele se apropriou, levando-o consigo contra a vontade do seu dono. Antes de sair da casa o arguido ainda se dirigiu ao ofendido dizendo-lhe, no mesmo modo indubitavelmente agressivo e intimidatório, que não o deveria denunciar às autoridades porque estava sozinho e que não se iria safar. O propósito do arguido foi claramente o de através da intimidação do ofendido (assaz notória), lograr o constrangimento do mesmo e desse modo tornar possível a apropriação ilegítima dos bens de valor que lhe fosse possível subtrair-lhe. Conforme já decidiu este Tribunal da Relação de Évora (2): «comete o crime de roubo o agente que, através de atos concludentes consubstanciados na exigência da entrega de bens realizada através de uma abordagem verbalmente agressiva – comportamento enquadrado num contexto global de vários atos sequenciais intimidatórios anteriormente praticados – manifestou à vítima a intenção de a ameaçar que se revelou idónea e adequada a intimidá-la, a constrangê-la e a viciar a sua liberdade de determinação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 210.º do CP.» É este o entendimento que integralmente mantemos, razão pela qual nenhum reparo nos merece a decisão recorrida, não sendo o recurso merecedor de provimento. III – DISPOSITIVO Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter integralmente o acórdão recorrido. b) Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s. Évora, 7 de fevereiro de 2023 J. F. Moreira das Neves (relator) Maria Clara Figueiredo Fernanda Palma
----------------------------------------------------------------------------------- 1 Cf. Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, tomo II, 2.ª ed., 2022, pp. 200, Gestlegal, pp. 199 ss.; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2007, Universidade Católica Editora, p. 578.; M. Miguez Garcia, O Direito penal Passo a Passo, vol. II, 2011, Almedina, pp. 170 ss. 2 Acórdão de 16dez2021, do qual foi relatora a Ex.ma. desembargadora que neste figura como 1.ª adjunta, lavrado no processo n.º 189/20.2PAPTM.S1.E1 . |