Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
14/18.4T8PTG-C.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: DILIGÊNCIAS DE PROVA
AUSÊNCIA
COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 09/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A falta de comunicação prevista no n.º 6 do artigo 151.º do C.P.C., nomeadamente do juiz aos advogados convocados para a diligência, dentro dos 30 minutos subsequentes à hora designada para o seu início, implica a dispensa automática dos (restantes) intervenientes processuais, atento o disposto no n.º 7 do referido preceito legal, ficando prejudicada, por isso, a eventual condenação daqueles em multa pela sua falta, nos termos do artigo 35.º, n.º 4, do RGPTC.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 14/18.4T8PTG-C.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

No incidente de incumprimento das responsabilidades parentais em que é requerente (…) e requerido (…), foi designada pela M.ma Juiz “a quo” uma conferência de pais para o dia 28/4/2021, pelas 15,30 horas.
Dado que tal diligência apenas se iniciou 56 minutos após a hora marcada, as partes e respectivos mandatários – que se encontravam presentes à hora para a qual tinham sido convocados – ausentaram-se do tribunal ao fim de 45 minutos após a hora designada para a dita conferência, apresentando para o efeito requerimento nos autos a justificar tal ausência.
Constatada que foi a ausência das partes e seus ilustres mandatários, veio a ser proferida pela Julgadora a quo a seguinte decisão:
- Os Senhores Mandatários decidiram ausentar-se do tribunal alegando que havia um atraso de 45 minutos no inicio da diligência, sem que tenha sido justificada tal situação, o que não corresponde à verdade, de acordo com a informação prestada pelas Sras. Oficiais de Justiça, (…) e (…), que os informaram que o tribunal se encontrava impedido em diligências relativas a processos agendados previamente a este, as quais se prolongaram mais do que o esperado, quer devido a constrangimentos no acesso à plataforma Webex, quer pela necessidade de prolongar a conferência de modo a ser alcançado acordo entre as partes, e como tal não se aplica a dispensa constante no artigo 151.º, n.ºs 6 e 7, do NCPC, uma vez que foi comunicado e justificado o atraso ao início pontual da diligência.
Assim sendo, uma vez que as partes foram notificadas para comparecer em tribunal sob pena das sanções legalmente aplicadas, tendo as mesmas se ausentado injustificadamente deste tribunal, no seguimento da douta promoção do Ministério Público que antecede, vão as mesmas condenadas em 2 UC's cada uma, ao abrigo do disposto no artigo 35.º, n.º 4, do RGPTC, caso não justifiquem a falta no prazo de 5 dias (cfr. artigo 603.º, n.º 2, do NCPC, ex vi artigo 33.º do RGPTC).

Inconformados com tal decisão dela apelaram a requerente e o requerido para este Tribunal Superior, sendo que este último aderiu, na íntegra, às alegações e conclusões formuladas pela requerente.
Assim, pela requerente foram apresentadas as suas alegações de recurso, tendo terminado as mesmas com as seguintes conclusões:
1. O agendamento de diligências deve levar em devida consideração o imperativo legal do seu início pontual;
2. Tal cuidado integra o especial dever de urbanidade, por que se devem pautar as relações entre advogados e magistrados e o dever de assegurar condições adequadas para o cabal desempenho do mandato (artigos 9.º do CPC e 72.º do EOA);
3. A marcação de 10 diligências para a parte da tarde do dia 28/04/2021 no Juízo Local Cível de Portalegre-Juiz 1, com a primeira diligência marcada para as 14:30h e a última para as 16:30h num espaço temporal de 120 minutos permite prever, com razoável segurança, que não será possível o seu início pontual;
4. O atraso no início das diligências resultante da marcação de 10 diligências para um período temporal de 120 minutos, e do tempo que cada uma exige para se realizar, não pode ser considerado como justificado obstáculo ao início pontual das diligências;
5. Na verdade, embora seja um obstáculo, não é justificado, nem justificável;
6. Tal conclusão é reforçada pelo facto da primeira diligência marcada para esse dia ter sido iniciada com um atraso de cerca de 30 minutos;
7. A Secretaria informou as partes, apenas em termos genéricos, que as diligências se encontravam atrasadas por estarem a decorrer outras diligências, muito embora não tenham informado a Recorrente de quais os justificados obstáculos para tal;
8. Pelo que não pode ser considerada eficaz para os efeitos previstos no artigo 151.º, n.ºs 6 e 7, do CPC;
9. A não comunicação pelo Juiz, ao advogado, dos justificados obstáculos ao início pontual das diligências nos trinta minutos seguintes à hora designada, implica a dispensa automática do mesmo;
10. bem como implica a dispensa automática, pelo menos, dos intervenientes por ele representados;
11. Assim, a decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente o disposto no artigo 151.º, n.ºs 6 e 7, do CPC;
12. Ainda que assim não se entenda, o que se admite por cautela de patrocínio, a dispensa automática do advogado com fundamento no artigo 151.º do CPC deve ser equiparada, nas suas consequências, e no que no caso releva, ao que se encontra disposto para a figura do justo impedimento;
13. Em consequência, ainda que as partes estejam presentes, não deve a diligência ter lugar sem a presença do advogado, conforme tudo resulta do disposto nos artigos 140.º, n.º 1 e 603.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis por força do disposto no artigo 33.º, n.º 1, do RGPTC;
14. A solução legal vertida na conclusão anterior é aplicável mesmo nos processos em que não seja obrigatória a constituição de advogado, como é o caso dos presentes autos, por força do disposto nos artigos 20.º, n.º 2 e 208.º da CRP e, bem assim, no artigo 12.º, n.º 1, da LOSJ;
15. Termos em que, e nos do douto suprimento de VV. Exªs, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser dada sem efeito a decisão que condenou a Recorrente no pagamento de multa. Porque assim se mostra ser de Direito e de Justiça.

Pelo Ministério Público forma apresentadas contra-alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que os recorrentes rematam a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável aos recorrentes (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3] [4].
Por isso, todas as questões que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação dos recorrentes, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela requerente – às quais o requerido aderiu integralmente – que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se não existia fundamento para a prolação da decisão que condenou, cada uma das partes, na multa de 2 UC´s, por se terem ausentado do tribunal quando já tinham decorrido cerca de 45 minutos após a hora inicial marcada para a diligência, sendo certo que não estavam verificados os pressupostos previstos no artigo 151.º, n.º 6, do C.P.C. e, por isso, deverá ser revogada tal decisão, com as devidas consequências legais.

Apreciando, de imediato, a questão supra referida importa referir a tal propósito que, relativamente a tal matéria, haverá que trazer à colação o disposto no artigo 151.º do C.P.C., o qual, com a epígrafe “Marcação e início pontual das diligências”, estatui o seguinte, nos seus nºs 6 e 7:
6 - Se ocorrerem justificados obstáculos ao início pontual das diligências, deve o juiz comunicá-los aos advogados e a secretaria às partes e demais intervenientes processuais, dentro dos trinta minutos subsequentes à hora designada para o seu início.
7 - A falta da comunicação referida no número anterior implica a dispensa automática dos intervenientes processuais.
Do acima exposto, resulta claro que esta disposição legal tem como fundamento o reconhecimento de que as diligências devem ser agendadas e realizadas por forma a que seja pontualmente respeitada a hora prevista para o seu início.
A este propósito afirmam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Pires de Sousa que a falta de comunicação prevista no nº6 implica a dispensa automática dos intervenientes processuais (…), ficando prejudicada a eventual aplicação de multa pela sua falta – cfr. C.P.C. Anotado, Vol. I, 2ª ed., pág.195.
Ora, “in casu”, como se constata do teor da própria decisão recorrida, a Julgadora “a quo” não comunicou directamente aos ilustres mandatários das partes, quais foram as razões e os justificados obstáculos que teriam impedido o início pontual da conferência de pais designada para aquele dia 28/4/2021, pelas 15,30 horas, sendo certo que tal ónus, indubitavelmente, só a ela incumbia, por força do que, expressamente, se mostra estipulado no n.º 6 do citado artigo 151.º.
Por outro lado, relativamente à informação prestada pelas funcionárias judiciais, (…) e (…), apenas resultou apurado nos autos (sendo aceite pacificamente pelas partes), que aquelas, face ao elevado número de diligências marcadas para aquela tarde, informaram, efectivamente, em termos gerais, todas as pessoas que estavam notificadas para as diligências, e que se encontravam á espera, de que tais diligências estavam atrasadas relativamente á hora para a qual tinham sido marcadas, onde se incluíam, indubitavelmente quer a requerente, quer o requerido (muito embora não se saiba se o referido aviso ocorreu dentro dos 30 minutos a que alude o n.º 6 do mencionado artigo 151.º, sendo certo que a decisão recorrida também não o refere, de forma expressa, o que, obviamente, devia ter sido explicitado…).
Por outro lado, não podemos olvidar que, nos tempos de pandemia em que, presentemente, nos encontramos a viver, maiores razões existem para que o tempo previsto entre o início de cada diligência seja mais dilatado, por forma a evitar aglomerações de pessoas nas instalações, ou à porta do tribunal, por não ser possível entrar nas mesmas instalações e, além disso, entre a realização das diligências torna-se imprescindível e obrigatória a higienização e limpeza da respectiva sala onde as mesmas decorrem, por funcionária afecta a tal serviço – cfr. o disposto na Orientação 014/2020, datada de 21.03.2020 da DGS, naquilo que diz respeito à "Limpeza e desinfecção de superfícies em estabelecimentos de atendimento ao público ou similiares".
Ora, face ao estipulado nos n.ºs 6 e 7 do citado artigo 151.º, entendemos que a dispensa automática dos intervenientes processuais se basta com a falta de comunicação dos justificados obstáculos ao início pontual da diligência aos respectivos mandatários por parte da Julgadora “a quo”.
Por isso, ainda que as funcionárias judiciais acima identificadas tivessem comunicado tal atraso às próprias partes, e o hajam feito dentro dos 30 minutos subsequentes à hora designada para o início da conferência de pais, tal não impediria que as partes se considerassem automaticamente dispensadas verificando-se, como se verificou, a falta de tal comunicação pela M.ma Juiz “a quo” aos ilustres mandatários da requerente e do requerido.
Acresce que também a letra da lei impõe tal interpretação do n.º 7 do citado artigo 151.º, pois esta norma não distingue as situações em que a comunicação seja feita pela secretaria (através de funcionários judiciais) às partes e o juiz não a faça aos advogados nem, tão pouco, distingue quem fica ou não dispensado.
Na verdade, aí é afirmado, tão somente, que a falta de comunicação, sem distinguir qual comunicação, implica a dispensa automática dos intervenientes – sem distinguir quais – pelo que não poderá deixar de se concluir que os intervenientes representados pelo advogado dispensado ficarão, também, e pelo menos eles, dispensados de estar presentes, sendo certo que é consabido que, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir.
Como supra foi afirmado, e em jeito de conclusão, dir-se-á que o artigo 151.º, n.º 6, do C.P.C. determina que os advogados, mandatários das partes, fiquem automaticamente dispensados de comparecer na diligência para as quais tenham sido convocados, caso não seja dado cumprimento ao que nesta disposição se estatui, ou seja, que o juiz não lhes comunique os justificados obstáculos ao início pontual da diligência, dentro dos 30 minutos subsequentes à hora designada para tal início, o que, indubitavelmente, veio a ocorrer no caso em apreço (cfr. decisão recorrida, omissa nesta parte).
Ora, verificada esta situação, as partes deverão considerar-se igualmente dispensadas, ainda que às mesmas tenha sido feita, eventualmente, pela secretaria (através dos respectivos funcionários), a comunicação prevista em tal disposição legal, apesar de se desconhecer se a dita comunicação ocorreu no referido prazo de 30 minutos (cfr. decisão recorrida, omissa nesta última parte).
Deste modo, forçoso é concluir que a Julgadora “a quo” não pode considerar que as partes – requerente e requerido – estão a incumprir o seu dever de presença na diligência e, por via disso, não poderá aplicar aos mesmos qualquer sanção, nomeadamente, qualquer multa ao abrigo do disposto no artigo 35.º, n.º 4, do RGPTC, pois tal penalização violaria o estipulado nos artigos 151.º, n.º 7, do C.P.C. e 20.º, n.º 2 e 208.º da Constituição da República.
Nestes termos, atentas as razões e fundamentos supra elencados, resulta claro que a decisão recorrida, não se poderá manter, de todo, e, em consequência, revoga-se a mesma, para os devidos e legais efeitos, ficando, assim, sem efeito a condenação de cada uma das partes – requerente e requerido – na multa de 2 UC`s.
***
Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)
***
Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedentes os recursos de apelação interpostos, quer pela requerente, quer pelo requerido e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, nos exactos e precisos termos acima explanados.
Sem custas.
Évora, 09 de Setembro de 2021
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás

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[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, n.ºs 32/33, pág. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, pág. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, pág. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, pág. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3.º, p. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3.º, 1972, pp. 286 e 299).