Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ LÚCIO | ||
Descritores: | LEGITIMIDADE PROCESSUAL CONFISSÃO POR FALTA DE CONTESTAÇÃO RESPONSABILIDADE POR DÍVIDAS DA HERANÇA | ||
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Data do Acordão: | 11/15/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
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Sumário: | 1 – A legitimidade do réu para a causa resulta do seu interesse em contradizer, atenta a relação controvertida tal como é apresentada pelo autor na petição inicial. 2 – A confissão dos factos mencionada no art. 484º, n.º 2, do CPC limita-se aos próprios factos, não podendo significar o reconhecimento da dívida alegada, como se se tratasse de uma confissão do pedido. 3 – Estando em causa uma dívida do falecido, e tendo a herança sido aceite, respondem por ela os herdeiros, segundo o regime estabelecido no art. 2071º do Código Civil. Sumário do relator | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório A autora, S..., instaurou a presente acção declarativa, com processo comum ordinário, contra os réus A..., B..., C..., D..., E..., F... e G..., todos devidamente identificados nos autos. Pediu a autora que os réus fossem condenados a pagar-lhe a quantia de 41.407,71 €, acrescida dos juros vencidos desde 8 de Julho de 2004 e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento, por força de uma dívida respeitante à prestação de serviços proporcionados a JC..., obrigação que assumiram pagar e que se mantém por saldar. Alegou para tanto que desde Julho de 2004 até ao falecimento de JC..., que ocorreu a 15 de Janeiro de 2009, prestou a este todos os cuidados a que se havia obrigado quando do seu internamento no lar da instituição, tendo ele e os seus familiares assumido a responsabilidade pelo pagamento do preço desses serviços, o que não foi cumprido, permanecendo por isso em dívida a quantia pedida. Feita a citação pessoal dos réus, na forma legal e sob a cominação correspondente, a acção não se mostra contestada. Na sequência da falta de contestação, foi proferido despacho a declarar confessados os factos articulados pelo autor, e, invocando-se a simplicidade da causa, foi proferida sentença nos termos do disposto no art. 484.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Nessa sentença foi decidido o que se transcreve: “ (…) nos termos do disposto nos arts. 798.º e 799.º e 805.º do Código Civil é de julgar procedente o pedido – com fundamento no facto de os réus se terem obrigado ao pagamento, independentemente da sua qualidade de herdeiros que acabou por ser alegada pela autora. Por isso, condeno os réus a pagar à Autora a quantia de 41.407,71 € (quarenta e um mil quatrocentos e sete euros e setenta e um cêntimos), acrescida dos juros vencidos desde 9 de Julho de 2004, dia seguinte ao vencimento da mensalidade (sobre cada um dos montantes a que se referem fls. 23 e ss.) e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento.” Contra a condenação proferida reagiram os réus A... e B..., por um lado, e C... e D..., por outro, através dos presentes recursos. Vistas as suas alegações, deparamos com as seguintes conclusões dos apelantes C… e D…: Consiste o pedido da Autora que os Réus ora Apelantes fossem condenados a pagar à Autora, em conjunto com os demais Réus, a quantia de € 41.407,71 (quarenta e um mil quatrocentos e sete euros e setenta e um cêntimos), acrescida dos juros vencidos desde 9 de Julho de 2004 e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento. Decidiu o Mmo Juiz a quo declarar procedente o pedido e consequentemente condenar todos os Réus e independentemente da sua qualidade de herdeiros, no pagamento à ora Apelada do montante supra indicado acrescido dos juros. A Ré D... é parte ilegítima na presente acção judicial por não ser herdeira de JC...; A Ré B… é parte ilegítima na presente acção judicial por não ser herdeira de JC...; A Ré F... é parte ilegítima na presente acção judicial por não ser herdeira de JC.... Pelo supra exposto deve a decisão tomada em 1a Instância ser revogada, absolvendo-se todos os RR. da instância por se verificar a ilegitimidade processual passiva das RR. D..., B..., F..., aliás, pressuposto processual de conhecimento oficioso. As dívidas reclamadas pela ora A. são apenas da responsabilidade dos herdeiros de JC... e não dos seus cônjuges, pelo que D..., B... e F... são partes ilegítimas na presente acção judicial. As dívidas do de cujus JC... são apenas da responsabilidade dos RR. A..., C..., E... e G.... A ilegitimidade processual das RR. D..., B... e F..., configura uma excepção dilatória, deveria ter obstado a que o Mmo Juiz a quo tivesse conhecido do mérito da causa, tendo dado, assim, lugar à absolvição de todos os RR. da instância (cfr. art. 494°, alínea c), art. 493°, n.º 2 e art. 288°, n.º 1, alínea d), todos do CPC). Por seu lado, os réus apelantes A… e B… apresentam as conclusões seguintes: “1 - Os RR ora Apelantes não se conformam com a sentença que os condenou a pagar à Apelada, em conjunto com os demais RR, a quantia de 41407,71 € (quarenta e um mil, quatrocentos e sete euros e setenta e um cêntimos), acrescida dos juros vencidos desde 9 de Julho de 2004 e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento, bem como no pagamento das custas processuais. 2 - No entendimento dos ora Apelantes a sentença faz uma errada apreciação da prova que sustenta a decisão do Tribunal a quo, enfermando ainda de vícios que implicam a sua nulidade. 3 - A sentença ora em recurso enferma de nulidade, nos seguintes termos: a) Por condenar em objecto diverso do pedido - alínea e) do n.º 1 do art. 668º do CPC: b) Por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - alínea b) do n° 1 do art. 668 do CPC. 4 - A A alega ter celebrado contrato com o falecido JC... e familiares seus, os quais não identifica, contrato do qual decorre a obrigação de pagar a dívida peticionada. 5 - Mais alega que, face ao incumprimento e ao óbito do utente JC..., é a herança responsável pelo pagamento das dívidas do falecido, demandando judicialmente os RR, na sua qualidade de herdeiros. 6 - O Tribunal, dando como provados os factos alegados na petição inicial, por confissão decorrente da falta de contestação, condena os RR no pagamento da quantia peticionada com fundamento no facto de os réus se terem obrigado ao pagamento, independentemente da sua qualidade de herdeiros, ao abrigo dos dispositivos legais estatuídos nos artigos 798°. 799°. e 805° do CC. 7 - Tal decisão não se encontra fundamentada, como obriga nomeadamente o artigo 659° do CPC, sendo ainda manifesta a contradição entre o pedido formulado e a condenação efectuada na sentença recorrida. 8 - Tal contradição não é suprida pela confissão operada nos autos, a qual se restringe aos factos alegados pela A., que não exijam prova documental, como é o caso do contrato que dá origem à dívida bem como da interpelação dos RR, de fundamental importância nomeadamente para efeitos de inicio de mora do devedor. 9 - E não se estende à interpretação jurídica dos factos, a qual deve resultar do exame crítico das provas que cumpre ao Tribunal conhecer. 10 - A Douta Sentença julgou procedente o pedido fundamentando a sua decisão nos artigos 798°, 799° e 805° todos do CC, os quais estatuem as regras aplicáveis à falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor, 11 - Não existe assim qualquer margem para dúvidas de que o Tribunal a quo teve em atenção, na fundamentação da prova, a celebração de um contrato, a que alude o artigo 3° da pi. o qual se encontra junto aos autos. 12 – Contudo, o contrato em causa encontra-se somente subscrito por SC... e G…, na qualidade de “responsáveis pelo utente", não se encontrando assinado pelo falecido JC... nem pelos RR ora apelantes, facto que o tribunal não pode ignorar face à sua presença nos autos. 13 - Pelo que, sendo este facto por demais evidente, mal andou o Tribunal a quo ao julgar provado na sentença ora em recurso que "todos os réus se obrigaram ao pagamento... “ 14 - De igual modo, não poderia deixar o Mmo. Juiz a quo deixar de ter em conta que a não vinculação do falecido JC...ao contrato em apreço, não produz qualquer efeito para o mesmo e, como tal, não pode produzir qualquer efeito na esfera jurídica dos ora apelantes, na qualidade de seus herdeiros. 15 - Ou seja, o Tribunal não atentou no facto de os RR ora apelantes, na qualidade de herdeiros do falecido JC..., qualidade alegada pela A. para fundamentar o seu pedido de condenação e provada documentalmente através da escritura de habilitação de herdeiros por si junta aos autos, só serem responsáveis pelas dívidas do falecido, responsabilidade essa restrita às forças da herança. 16 - Ora, não se encontrando o contrato assinado pelo falecido, nem sendo alegado e muito menos provado a celebração de qualquer outro contrato por parte deste, susceptível de o responsabilizar pela divida peticionada, não se encontra provada a existência de qualquer dívida por parte do falecido e, consequentemente, a responsabilidade da sua herança e dos seus herdeiros, pela mesma dívida. 17 - Ao não entender deste modo, a douta decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, nomeadamente do regime legal estatuído nos arts. 354° alínea c) e 2068° do Código Civil. 18 - A todo o acima exposto acresce ainda que os RR ora apelantes são casados no regime da comunhão de bens adquiridos, tal como decorre da prova documental junta aos autos (escritura de habilitação de herdeiros) e foi alegado pela própria A. 19 - Por tal facto, resulta claramente, que só o R A... é herdeiro do falecido, constituindo os bens que lhe advierem da herança do falecido, bens próprios deste e não da Ré mulher, nos termos estatuídos pelo artigo 1722° do CC. 20 - Pelo que pelos motivos supra elencados a Ré mulher não é responsável pela dívida, sendo manifesta a sua ilegitimidade substancial. 21 - Ao decidir de forma diversa, a Douta Sentença violou o correcto entendimento de todos os supra referidos preceitos legais, devendo ser revogada, com todas as consequências legais. Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso revogando-se a sentença por assim ser de inteira justiça.” A autora, recorrida, apresentou contra-alegações, respondendo a ambos os recursos, para defender a manutenção do julgado, por a seu ver não existirem as nulidades, nem se verificarem as excepções, invocadas pelos recorrentes, e a decisão estar conforme aos factos e ao Direito. Pelo Juiz recorrido foi proferido despacho no sentido da não existência das nulidades alegadas. * 2 – Os FactosNa sentença impugnada foi dada como provada a seguinte matéria de facto, com base na confissão dos réus (por ausência de contestação) e nos documentos juntos aos autos: “A Autora é uma Instituição Particular de Solidariedade Social. No exercício da sua acção presta diversos serviços à comunidade onde se encontra inserida, incluindo-se entre estes a valência de Lar Residência. A Autora a pedido de JC... e de familiares seus, assumiu prestar-lhe os serviços inerentes ao seu internamento no Lar Residência, sito em …, Portimão, pertencente a A, tendo ficado internado em quarto triplo, comprometendo-se a pagar os respectivos encargos, tendo para o efeito sido celebrado um contrato no dia 22 de Junho de 2004. Assim sendo, em decorrência do contrato celebrado a Autora prestou a JC os serviços a que contratualmente se encontrava obrigada, o que ocorreu no período de tempo compreendido entre 22 de Junho de 2004 e 15 de Janeiro de 2009, data do decesso de JC… . A acima referenciada prestação de serviços não mereceu quaisquer reparos por banda do utente ou dos seus familiares. Em função do que ficara contratado incorreram estes na obrigação de pagar os serviços e encargos decorrentes do internamento de JC... . Nem o utente nem os seus familiares, pagaram pontualmente as obrigações emergentes do contrato celebrado. Na verdade, desde Julho de 2004, até ao decesso de JC..., que ocorreu a 15 de Janeiro de 2009, encontram-se por pagar inúmeras prestações, que seguidamente se enunciam: No ano de 2004, encontra-se por pagar o montante de 5.017,3 € Ano de 2005, encontra-se por pagar o montante de 4.899,39 € Ano de 2006, encontra-se por pagar o montante de 9.852 € Ano de 2007, encontra-se por pagar o montante de 10.152 € Ano de 2008, encontra-se por pagar o montante de 10.452 € Ano de 2009, encontra-se por pagar o montante de 1.035 € No decurso do contrato em referência, face aos sucessivos incumprimentos, no que tange ao pagamento das mensalidades, o que provocava o avolumar da dívida, a A. interpelou por diversas vezes familiares do utente para que a dívida fosse regularizada. Os Réus assumiram tal qualidade de forma expressa ao habilitarem-se como únicos herdeiros do de cujus, não havendo quem os prefira ou quem com eles concorra na mencionada sucessão.” * 3 – O Direito* É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso – artigos 684.º, n.º 3, 685.º-A e 660.º, n.º 2, in fine, todos do Código de Processo Civil. Importa portanto apreciar os recursos de apelação intentados, tendo presentes as conclusões acima expostas. Em face dessas conclusões, constata-se que os recorrentes C… e D… levantam tão só o que consideram ser uma questão de legitimidade processual, e os recorrentes A… e B… invocam em primeiro lugar nulidades da sentença, depois contestam a prova da própria obrigação que constitui causa de pedir, e finalmente discordam da determinação dos sujeitos passivos dessa obrigação. Vejamos então as razões dos recorrentes, atrás mencionadas. * A) A ilegitimidade das rés mulheresComo se referiu, o recurso intentado pelos réus C... e D... limita-se a levantar uma questão, de natureza jurídica, que surge por eles configurada como sendo uma ilegitimidade processual. Dizem estes recorrentes que “as dívidas reclamadas pela ora A. são apenas da responsabilidade dos herdeiros de JC... e não dos seus cônjuges, pelo que D..., B... e F... são partes ilegítimas na presente acção judicial”. E concluem que “a ilegitimidade processual das RR. D..., B... e F..., configura uma excepção dilatória, deveria ter obstado a que o Mmo Juiz a quo tivesse conhecido do mérito da causa, tendo dado, assim, lugar à absolvição de todos os RR. da instância (cfr. art. 494°, alínea c), art. 493°, n.º 2 e art. 288°, n.º 1, alínea d), todos do CPC).” Como se pode verificar, a argumentação apresentada traduz um velho equívoco, por demais conhecido e analisado. Segundo os recorrentes, as três rés nada devem daquilo que lhes é pedido na acção, a dívida é de outros, pelo que são parte ilegítima na lide. Porém, a legitimidade de que tratam as normas citadas pelos recorrentes é de natureza processual, e não substantiva; afere-se pela posição das rés em face do pedido deduzido, e não pelo mérito deste. Estabelece o art. 26º do CPC que “o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”. Ora, vista a petição inicial, constata-se que a autora pede a condenação das rés, juntamente com outros, no pagamento das dívidas alegadas, sustentando estarem elas próprias obrigadas a esse pagamento. A relação material controvertida, tal como é configurada pela autora na petição inicial, situa as ditas rés como sujeitos passivos da obrigação que constitui causa de pedir. Tanto basta, atento o disposto no art. 26º, n.º 1, segunda parte, e n.º 3, do CPC, para considerar estabelecida a sua legitimidade para a causa. É manifesto o interesse das referidas rés, assim colocadas precisamente na mesma posição dos restantes demandados no litígio que é presente ao tribunal, em contradizer o que vem alegado pela autora. A proceder o pedido deduzido as rés ficariam condenadas no pagamento da dívida de que trata o processo; o prejuízo que da procedência da acção resultaria para as mesmas é óbvio e indiscutível. Improcede por isso a invocada excepção dilatória (que aliás, a proceder conforme pretendem os recorrentes, não teria o efeito de justificar a absolvição de todos os réus da instância, como vem pedido, uma vez que o pressuposto processual em referência só faltaria em relação às três identificadas rés – só podendo por isso conduzir à absolvição da instância delas próprias e não de outrem). Em suma, e quanto ao recurso em apreço: não havendo mais nada a considerar, no que se refere a outros pedidos ou outros fundamentos para o que foi apresentado, julga-se improcedente a excepção invocada pelos réus C… e D… . * B) As nulidades invocadas pelos recorrentes A… e B… No segundo recurso a apreciar, começam os recorrentes A… e B… por invocar a existência de nulidades da sentença impugnada, dizendo concretamente que esta é nula por “condenar em objecto diverso do pedido - alínea e) do n.º 1 do art. 668º do CPC” e também por “não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - alínea b) do n° 1 do art. 668 do CPC”. Examinando estas questões, pode dizer-se com segurança, face ao conteúdo da sentença e das normas pertinentes, que não se verificam as faladas nulidades. Com efeito, a parte dispositiva da sentença condenou os réus a pagar à autora a quantia de 41.407,71 €, acrescida dos juros vencidos desde 8 de Julho de 2004 e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento; e era esse precisamente o pedido formulado pela autora, sem que a condenação proferida se afastasse dele nem sequer nas palavras. Não se compreende como pode a sentença ter infringido a norma indicada pelos recorrentes, que efectivamente proíbe o julgador de condenar em mais do que é pedido ou em coisa diferente do que vem pedido, quando a condenação se limita aos termos exactos do pedido em causa. Não existe no caso, manifestamente, violação alguma do disposto na al. e) do n.º 1 do art. 668º do CPC. A nulidade em análise tem que aferir-se pelo decidido, e não pelos fundamentos. Fazemos esta observação porque se nos afigura que os recorrentes estariam neste ponto a tentar atacar o fundamento utilizado na sentença para basear a decisão, que veio a ser “o facto de os réus se terem obrigado ao pagamento, independentemente da sua qualidade de herdeiros que acabou por ser alegada pela autora” (asserção com que eles discordam). Porém, mesmo que fosse possível enquadrar na nulidade em apreço a situação de uma condenação com fundamento diferente do alegado pelo autor a verdade é que tal não se verificaria no caso presente, visto que o fundamento a que aderiu a sentença recorrida é um dos que constam da petição inicial – a autora diz que demanda os réus por eles se terem obrigado ao pagamento que peticiona, e diz também que eles estão obrigados a isso pela sua qualidade de herdeiros de JC…. O julgador entendeu ser bastante o primeiro fundamento, e assim deixou escrito que condena os réus “independentemente da sua qualidade de herdeiros que acabou por ser alegada pela autora”. Não se detecta aqui qualquer nulidade, pelo que se desatende a arguição dos recorrentes. Em relação à outra nulidade, consistente em “não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - alínea b) do n° 1 do art. 668 do CPC”, concluiremos da mesma forma. Com efeito, a sentença pode ter decidido mal, como sustentam os recorrentes, mas contém os fundamentos de facto e de direito em que se baseou. Está nela exposta a factualidade que considerou provada, os fundamentos dessa decisão de facto, com referência aos meios de prova considerados, e também são indicados os fundamentos de Direito, com indicação das normas aplicadas, que determinaram a decisão tomada. A decisão, como defendem os recorrentes, poderá ser errónea; a fundamentação pode ser deficiente; mas nem o erro de julgamento nem a fundamentação deficiente ou insuficiente podem confundir-se com a ausência de fundamentação que integra a nulidade falada pelos recorrentes. Em conclusão, improcede de igual modo a arguição de nulidade agora em apreço. C) A factualidade apurada e a respectiva prova Prosseguindo o seu recurso, os apelantes A... e B... insurgem-se contra a sentença impugnada por esta ter dado como assente a obrigação alegada pela autora, visto que essa posição implicou a consideração como válido do contrato invocado, sendo certo que o documento junto não se encontra assinado pelo falecido JC… nem por nenhum dos réus, e de igual forma não existe prova documental de que estes tenham sido interpelados para pagar. A este respeito, cumpre observar que o contrato de prestação de serviços em discussão não é daqueles que exijam documento escrito, nem para a sua existência nem para a sua prova; pode ser celebrado consensualmente, sem que isso colida com a sua validade, e os factos respectivos podem ser provados por qualquer meio admissível, v. g. por confissão (cfr. art. 219º, a contrario, e art. 352º, ambos do Código Civil). De igual modo a interpelação para pagar não carece de assumir forma escrita. Ora nos autos aconteceu que todos os réus foram citados pessoalmente, e nenhum contestou; consequentemente, face ao disposto no art. 484º, n.º 1, do CPC, e tal como constava da advertência feita aos réus quando da citação, foram considerados confessados todos os factos articulados pela autora. Contra o despacho que assim decidiu não houve, aliás, qualquer reacção por parte dos réus, que desse modo o aceitaram. E saliente-se de novo, a reforçar, que não estamos perante factos para os quais a lei exija documento rescrito, caso em que não operaria o aludido efeito probatório da confissão (cfr. art. 485º, al. d), do CPC). Ou seja, o tribunal julgou acertadamente ao julgar confessados e provados os factos integrantes do acordo celebrado entre a autora e o falecido JC... e cuidadores deste, não por força do documento particular apresentado mas por força da confissão sobre a factualidade alegada, que o integra. E contra esse julgamento não procede a argumentação dos recorrentes, que se traduz, efectivamente, numa impugnação da matéria de facto que não assume expressamente esse nome. O mesmo se diga quanto à interpelação para pagamento, que estava alegada e assim ficou provada face à ausência de contestação. Em resumo, e para concluir, improcede também nesta parte o recurso em análise, permanecendo por isso inalterada a matéria de facto declarada assente na primeira instância. * D) A condenação das rés mulheres Neste passo, resta agora indagar se, mantendo-se inalterada a factualidade a considerar, permanecem também as conclusões jurídicas que determinaram a procedência do pedido deduzido pela autora em relação a todos os demandados. Quanto a esta questão, como se verifica do que ficou exposto, vêm os recorrentes alegar a ausência de fundamento legal para a condenação de quem não seja herdeiro de JC..., dado que a dívida em questão apenas onera a herança deste, nos termos do art. 2068º do Código Civil, e consequentemente só pode ser exigida dos herdeiros em conformidade com o art. 2071º do mesmo diploma. Efectivamente, como se verifica pela certidão de habilitação de herdeiros junta aos autos, os herdeiros de JC... são apenas seu irmão A... e seus sobrinhos C..., E... e G..., todos réus na presente acção. As rés B…, D... e F... só figuram na citada certidão de habilitação de herdeiros por serem casadas com os herdeiros A…, C… e E… . Acresce que, se atentarmos na factualidade descrita na petição inicial, somos forçados a concluir que essas rés também só foram demandadas como tal por se encontrarem identificadas na habilitação notarial em referência. Com efeito, no artigo 3º a autora alega que prestou os serviços que originaram a dívida “a pedido de JC... e familiares seus”, que não identifica; no artigo 5º a autora diz que essa prestação de serviços “não mereceu quaisquer reparos por banda do utente dos seus familiares”, novamente sem os identificar; no artigo 6º conclui que “incorreram estes na obrigação de pagar os serviços”, de novo sem nomear quem são os obrigados a que se refere; e prossegue, nos artigos 8º e 9º, relatando que “nem o utente nem os seus familiares” efectuaram os pagamentos decorrentes do contrato, ainda e sempre sem nos dar a saber quem são esses familiares. Alude ainda a autora a que “interpelou por diversas vezes familiares do utente”, e até fez reuniões com eles, para tentar o pagamento, mas continua sem identificar tais familiares. O pensamento da autora surge mais claro no artigo 18º da petição, quando declara que “o herdeiro sucede nos débitos do de cujus, tal como estes existiam na esfera jurídica deste”, e conclui nos artigos seguintes que nessa qualidade os réus “atenta a sua qualidade de herdeiros de JC..., qualidade que assumiram de forma expressa ao habilitarem-se como únicos herdeiros do de cujus”, são chamados à presente acção. Ou seja, a autora entende que os réus (todos os que indica como tal) são responsáveis pelo pagamento dos débitos do falecido por serem os seus herdeiros, terem aceitado a herança tal como consta da certidão de habilitação que junta, e estarem de posse dela (artigos 19º, 20º e 21º). Perante este conteúdo da petição inicial, tem que concluir-se que na realidade as três rés mulheres foram demandadas por figurarem na escritura de habilitação de herdeiros, sem que a autora atentasse em que elas não são herdeiras, mas simplesmente cônjuges de herdeiros. E constata-se que a fonte da responsabilidade invocada pela autora tem a ver apenas com essa qualidade de herdeiro, e não outra qualquer (segundo a autora, os réus assumiram essa responsabilidade; mas assumiram enquanto herdeiros). Desta forma, impõe-se reconhecer a ausência de responsabilidade das três rés em questão na dívida alegada pela autora. Elas não são herdeiras de JC..., como equivocadamente se lhes refere a petição inicial, e outra fonte para as obrigar não se encontra na factualidade a considerar. Elas não são, aliás, familiares do falecido JC... (são casadas com familiares) pelo que nem sequer é possível incluí-las nas pessoas referenciadas por esse termo na exposição factual da autora. Os afins não integram os familiares. Vem a propósito observar que o art. 484º, n.º 2, do CPC, implica que se julguem provados os factos articulados pelo autor, mas não as obrigações que hão-de resultar, ou não, desses mesmos factos; esta última é questão a julgar, mediante a aplicação do Direito aos factos, não sendo obviamente abrangida pelo efeito confessório da falta de contestação. Por outras palavras: a circunstância de as rés não terem oportunamente contestado a obrigação que a autora lhes imputa não implica a confissão desta, se ela não decorrer dos factos efectivamente confessados. E nesta ordem de ideias verifica-se que nada na factualidade disponível nos permite caminhar para a responsabilização das referidas rés, como o fez a sentença recorrida. Nenhum facto concreto permite concluir que existe responsabilidade contratual “nos termos do disposto nos arts. 798.º e 799.º e 805.º do Código Civil”, por “os réus se terem obrigado ao pagamento, independentemente da sua qualidade de herdeiros”. A única via para a responsabilização dos réus nos termos peticionados é a que se encontra nos artigos 2068º e 2071º do Código Civil: pelo pagamento das dívidas do falecido responde a sua herança, estando esta já dividida respondem os herdeiros, com as limitações estabelecidas na segunda das normas referidas. Assim sendo, conclui-se que decidiu bem a sentença recorrida ao condenar os réus que efectivamente são herdeiros mas não pode subsistir na parte em que condenou de igual forma as rés, que não o são. Verifica-se que uma das rés nessas condições não é recorrente, pelo que poderia pensar-se na existência de caso julgado em relação a ela; contudo, não acontece assim pois os réus foram condenados como devedores solidários e a questão supra referida diz respeito por igual às três rés, as duas recorrentes e àquela que não recorreu, pelo que os efeitos do decidido quanto a essa questão aproveitam a qualquer delas (cfr. art. 683º, n.º 2, al. c), do CPC). Deve, portanto, ser revogada nessa parte a condenação proferida, em relação às três rés, pelo que assim se decide. * 4 – Decisão* Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em revogar parcialmente a sentença impugnada, pelo que confirmam a condenação proferida na primeira instância em relação aos réus A..., C..., E... e G..., enquanto herdeiros de JC..., e declaram sem efeito a condenação das rés B..., D... e F.... Custas dos recursos pelos apelantes e pela apelada, na proporção de 1/2 para cada lado, dado o vencimento parcial verificado (cfr. art. 446º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Custas da primeira instância a cargo dos réus condenados, na proporção de 2/3, e da autora, na proporção de 1/3, pela mesma razão do decaimento e vencimento parcial. (Sempre sem prejuízo do apoio judiciário oportunamente concedido). Notifique. * Évora, 15 de Novembro de 2012* (José Lúcio) (Francisco Xavier) (Elisabete Valente) |