Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | TOMÉ DE CARVALHO | ||
| Descritores: | FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS INSTITUIÇÃO BANCÁRIA RESPONSABILIDADE CIVIL EQUIDADE | ||
| Data do Acordão: | 06/06/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | 1 – Não existe um método operativo único a prosseguir em matéria de fundamentação e aquilo que importa é que o processo intelectivo impresso na decisão seja suficiente para cumprir o dever de fundamentação e que através das regras da ciência jurídica, da lógica e da experiência sejam facultados ao destinatário as razões psicológicas da convicção do juízo e da correcção formal da decisão. 2 – Pese embora as especificidades das declarações de parte e as cautelas anteriormente anunciadas, entendemos que as declarações de parte podem estribar a convicção do juiz de forma auto-suficiente, no contexto de apuramento de acontecimentos do foro privado ou pessoal. 3 – No julgamento da matéria de facto, o Tribunal deve procurar tomar em consideração e atender a todas as provas produzidas nos autos, mesmo que elas aproveitem à parte contrária, ou mesmo que respeitem a factos (instrumentais) que, não tendo sido expressamente alegados, resultem da instrução e do julgamento da causa. 4 – As entidades bancárias são organizações necessariamente dotadas de organização empresarial e dos meios necessários para responder em condições apropriadas de qualidade e eficiência. 5 – A entidade bancária tem de adoptar os cuidados a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz, sabendo claramente que a inserção de dados incorrectos na Central de Dados do Banco de Portugal constitui um comportamento ilícito e que o mesmo é susceptível de causar prejuízo às pessoas afectadas com essa conduta, a qual tem subjacente a falta ou a deficiente fiscalização, controlo e monitorização do mútuo concedido. 6 – As angústias e transtornos causados pela indevida inclusão de um nome na base de dados de incumpridores, transmitida e comunicada ao Banco de Portugal atingem o património moral dessa pessoa, devendo merecer a tutela do direito e, pela sua gravidade, ser indemnizados, nos termos previstos pelo artigo 496.º do Código Civil. 7 – A determinação do montante indemnizatório ou compensatório que corresponde a estes danos é calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se não só à extensão e à gravidade dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado, assim como a todas as demais circunstâncias que contribuam para uma solução justa e equilibrada do litígio. 8 – O juízo de equidade que a que lei faz menção determina que o julgador tome em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida e que não se deve afastar dos padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial. (Sumário do Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 172/23.T8CTX.E1 Tribunal Judicial da Comarca ... – ... – J1 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Na presente acção de condenação proposta por AA e BB contra o “Banco 1..., SA”, este apresentou recurso da sentença proferida. * Os Autores pediam que o Réu fosse condenado a pagar a quantia global de € 15.000,00, na proporção de metade para cada um deles, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vincendos desde a data da citação até integral pagamento. * Em benefício da respectiva pretensão, os Autores invocaram que prestaram o seu aval a dois contratos de crédito celebrados junto do Banco Réu por CC e DD, tendo estes subscrito seguros de vida associados a tais contratos. Em dezembro de 2002, o contraente CC faleceu, o óbito foi comunicado ao Banco e foi accionada a apólice junto da companhia de seguros, tendo o Banco 1..., SA informado que os contratos foram liquidados. Adiantam ainda que, cerca de oito anos depois, o Banco Réu enviou uma carta a DD, mãe do Autor AA, informando que, por incumprimento do contrato de crédito e consequente resolução, iria ser executada uma livrança. Apesar das insistências dos Autores, o Banco não resolveu o erro, nem prestou os esclarecimentos solicitados, tendo-se a situação arrastado por mais 9 anos, com participação do incumprimento dos Autores ao Banco de Portugal. Em 2020, o Banco cedeu o suposto crédito à Banco 2..., tendo os Autores sido novamente interpelados para o pagamento de montantes em dívida. Nessa sequência, os Autores, através da mandatária, tentaram obter esclarecimentos junto da sociedade a quem foi cedido o crédito e junto da seguradora e esta, após ter contactado com o Banco 1..., SA, informou que ambos os financiamentos foram liquidados integralmente em Março de 2003. A parte activa invoca que a situação em causa lhes provocou incómodos, transtornos e outros danos, sobretudo pela comunicação do incumprimento ao Banco de Portugal. * Devidamente citado, o Banco Réu apresentou contestação onde afirma que a seguradora A... declinou a responsabilidade pelo pagamento e que, por isso, foi enviada uma carta ao Autor, dando-lhe conhecimento dessa recusa. Mais acrescenta que deu atempada resposta à missiva enviada pelo Autor em 2016, esclarecendo que a dívida continuava a existir e o seguro declinou a sua responsabilidade na indemnização do sinistro. Quanto à declaração emitida a pedido da Seguradora, alega que a sua emissão se deveu a um erro, porquanto, excluída a possibilidade de liquidação pela Seguradora, não existem quaisquer registos de amortização dos empréstimos. Por fim, a instituição bancária defendeu que a alegação pelos Autores de que ficaram impedidos de obter crédito junto dos bancos não traduz qualquer dano, uma vez que não alegou e demonstrou que fez tal pedido e que o mesmo foi recusado. * Findos os articulados, foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, que fixou o objecto do litígio e os temas sujeitos a prova e se pronunciou sobre os requerimentos probatórios apresentados pelas partes. * Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo condenou o Réu “Banco 1..., SA” a pagar aos Autores AA e BB a quantia de € 12.000,00 (doze mil euros), quantia a que acrescem juros vincendos à taxa legal desde a data da prolação desta sentença até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado. * A sociedade recorrente não se conformou com a referida decisão e as suas alegações continham as seguintes conclusões: «1. Não pode o Banco conformar-se com o decidido, no sentido de ser condenado “a)…a pagar aos Autores AA e BB a quantia de € 12.000,00 (doze mil euros), quantia a que acrescem juros vincendos à taxa legal desde a data da prolação desta sentença até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado. b) Condeno Autores e Réu, no pagamento das custas processuais na proporção do respetivo decaimento.” 2. Os Recorridos prestaram o seu aval a dois contratos de crédito concedidos pelo Banco 1..., SA a CC e DD. 3. Tendo os dois mutuários subscrito seguros de vida associados ao crédito. 4. Veio a falecer CC, em dezembro de 2002. 5. E, em consequência, foi acionada a apólice de seguro de vida com vista ao pagamento da respetiva indemnização. 6. Que foi declinada pela A..., conforme documento junto aos autos pelo Recorrente. 7. Documento este que foi desconsiderado pelo Tribunal para efeitos de prova da recusa da liquidação da dívida pela seguradora. 8. Não obstante este ser um dos temas da prova fixados no despacho saneador. 9. Alegaram os Autores danos genéricos como a impossibilidade de acesso ao crédito e a existência de preocupação e grande nervosismo. 10. Tendo depois em declarações de parte, ao arrepio do princípio da preclusão, aperfeiçoado as alegações quanto aos danos, acrescentado que não conseguiram concretizar a compra de carrinhas a e abertura de uma empresa por lhes ter sido recusado crédito. 11. Sem que tenha sido feita prova adicional sobre tais factos. 12. Não pretende o Banco Apelante eximir-se de responsabilidade ou menosprezar os danos que possa ter causado com a emissão de uma declaração que continha informação diversa da realidade factual. 13. Mas não pode deixar de exigir que o juízo que conduz à fixação da indemnização tenha em consideração que a responsabilidade civil depende da verificação de vários pressupostos de facto que constituem a causa de pedir da respetiva ação. 14. Desde logo, a obrigação de indemnizar só surge se o autor alegar e provar os factos em que se traduzem os pressupostos de que depende a aplicação do artigo 483.º do Código Civil. 15. Concretamente, a obrigação de indemnizar só surge se o autor provar os danos que alegou. 16. E se os tiver alegado no momento próprio. 17. Mais, salvo o devido respeito por opinião diversa, somos em crer que a realização da justiça no caso concreto deve ser conseguida no quadro dos princípios estruturantes do processo civil, como são os princípios do dispositivo, da preclusão, da igualdade das partes e do contraditório, traves mestras do princípio fundamental do processo equitativo. 18. A decisão judicial, enquanto prestação do dever de julgar, deve conter-se dentro do perímetro objetivo e subjetivo da pretensão deduzida pelo Autor, não sendo lícito ao Tribunal desvirtuá-lo ou corrigi-lo. 19. Perímetro que se entende por ultrapassado na decisão recorrida, pois a sua motivação de direito assenta a ilicitude da comunicação da dívida à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal na não comunicação prévia desse facto aos avalistas, facto que não tendo sido alegado pelos Autores em circunstância alguma. 20. Abstendo-se de judiciar sobre a questão que, de acordo com a Petição Inicial, deu fundamento à ação, e que era efetivamente controvertida, que é a de saber se a seguradora tinha ou não tinha liquidado a dívida. 21. A decisão recorrida, no segmento em recurso, violou, pois, as normas contidas nos artigos 342.º, n.º 2, 396.º, 393.º, 496.º, n.º 1 e n.º 4, 494.º, 566.º, n.º 3, todos do Código Civil e nos artigos 5.º e 260.º do Código de Processo Civil. Nestes termos, no provimento integral do interposto recurso, deve a sentença recorrida, no segmento em crise, ser revogada, decretando-se a absolvição do Banco Recorrente ou, se assim não se considerar, reduzindo-se equitativamente a indemnização fixada. Assim se fazendo integral Justiça». * Houve lugar a resposta dos recorridos, que pugnaram pela improcedência do recurso apresentado pela parte activa. * Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir. * II – Objecto do recurso: É entendimento universal que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma). Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de: 1) Erro na fixação dos factos. 2) Erro na apreciação do direito. * III – Dos factos apurados: 3.1 – Factos provados: Com relevância para a boa decisão da causa, consideram-se provados, os seguintes factos: 1. Os Autores em 22/02/2000 e 05/06/2000, respectivamente, prestaram o seu aval a dois contratos de crédito n.ºs 1-...86/830/001 e ...30/...02 celebrados por CC e DD com o Banco Réu, 2. (…) ficando CC e DD obrigados a reembolsar o capital mutuado em 96 prestações, acrescidos de juros e comissões. 3. Os Autores declararam aceitar ser avalistas, ter sido informados do montante em dívida, bem como avalizaram uma livrança em branco, para garantia do pontual e bom cumprimento dos contratos de empréstimos identificados em 1. 4. Associados aos empréstimos identificados em 1 existiam seguros de vida, contratados com a Companhia de Seguros A..., sendo CC e DD as pessoas seguras pelos mesmos. 5. Em Dezembro de 2002, faleceu CC, 6. (…) o que foi comunicado ao Banco Réu, tendo sido accionada a apólice do seguro de vida junto da Companhia de Seguros, 7. (…) na sequência da qual, o Autor e DD foram informados que os contratos de crédito estavam liquidados, não tendo existido qualquer contacto, nos anos que se seguiram, do Banco Réu com DD ou com os Autores. 8. O Banco Réu, com data de 28/03/2003, emitiu comunicação dirigida ao Autor, informando: “Pela presente informamos que a Companhia de Seguros A... declinou o pagamento da indemnização para as operações acima referidas (…)”. 9. À data da morte de CC não existiam quaisquer montantes em incumprimento no âmbito dos contratos referidos em 1. 10. Em 21/03/2011, o Banco Réu enviou carta a DD informando que, por incumprimento do contrato de crédito ...30/...02 e consequente resolução, seria preenchida a livrança e a mesma executada. 11. Na sequência da comunicação referida em 10 o Autor tentou esclarecer a situação junto do Banco Réu e da Seguradora, sem que tenha obtido cabais esclarecimentos. 12. O Banco Réu comunicou a situação de incumprimento ao Banco de Portugal, permanecendo os Autores na lista Central de Responsabilidades de Créditos desde 15/06/2011 até 2019, momento em que o Banco Réu cedeu o crédito à Banco 2.... 13. Após a cedência referida em 12, os Autores foram novamente interpelados para o pagamento dos montantes em dívida, tendo voltado a pedir esclarecimentos ao Banco Réu e à Companhia de Seguros. 14. (…) tendo esta última, no dia 13/03/2020, informado: “decidimos consultar o Banco 1..., SA relativamente a este assunto para melhor responder ao conteúdo da comunicação enviado por V. Exa. o que nos foi transmitido pelo Banco 1..., SA é que ambos os financiamentos foram liquidados integralmente em Março de 2003 pelo que no que respeita às apólices de seguro não existem dividas associadas. (…)”. 15. O Banco Réu emitiu a seguinte declaração a pedido da Companhia de Seguros: “Para os devidos efeitos, declaramos que os empréstimos contratados pelo cliente, Sr. AA, em 02/02/2000 e 05/06/2000, que se identificam, ...02, respectivamente, foram integralmente liquidados em 28/03/2003 com data valor de 10/03/2003, não existindo qualquer divida activa, junto do Banco 1..., SA” 16. Em 28/03/2003 os empréstimos referidos em 1 foram lançados no sistema informático do Banco com o código 20, ou seja, como integralmente liquidados. 17. Em consequência da comunicação do incumprimento ao Banco de Portugal, os Autores não conseguiram obter crédito bancário para a aquisição de uma carrinha com a qual o Autor pretendia abrir um negócio. 18. (…) tiveram transtornos, sentiram-se atingidos no seu bom nome, imagem e reputação, vivendo períodos de grande nervosismo e preocupação. * 3.2 – Factos não provados[1]:Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente: i. A comunicação referida em 8 foi enviada e recebida pelos Autores. * IV – Fundamentação:4.1 – Da alteração da decisão de facto: 4.1.1 – Considerações gerais, exposição das razões da discordância e fundamentação dos factos controvertidos: Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extratada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil. Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de Primeira Instância que deu como provados (e não provados) certo facto pode ser alterado nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados. * Os Autores pretendem que os factos contidos nos pontos 7)[2], 17)[3] e 18)[4] dos factos assentes sejam considerados como não provados. A discordância relativamente ao ponto 7 dos factos provados está estribada no documento 2 junto com a contestação e nas declarações de AA, tanto directamente, como na contradição existente com a prestação probatória de Autora BB. Quanto à obtenção do crédito pelos Autores, o Réu sublinha que «este facto foi apenas parcamente abordado pelo depoimento da testemunha EE (mãe do Autor) quanto ao filho AA e era absolutamente desconhecido da testemunha FF (mãe da Autora BB)». Neste ponto, chama assim à colação as prestações de EE e FF, defendendo complementarmente que as declarações de parte não são auto-suficientes para promover a prova de determinado facto, quando desacompanhadas de outras provas. Mais adianta que relativamente ao facto 18 não consta a correspondente motivação. Pretende ainda que seja aditado um facto que consagre a tese que o empréstimo não foi liquidado pela companhia de seguros A.... * Quanto ao ponto 17 dos factos provados, a decisão de facto está escorada nas declarações do Autor que referiu que teve conhecimento da situação «quando lhe foi negado um empréstimo solicitado para abrir um negócio por ter o seu nome registado no Banco de Portugal. Relatou ter-se deslocado ao Banco de Portugal em Lisboa, onde foi informado que a dívida existente era junto do Banco 1..., SA, tendo-se dirigido de seguida ao balcão do Banco 1..., SA, onde lhe foi dito que a questão teria de ser esclarecida pelo departamento central do banco». Esta matéria é ainda referida no depoimento da Autora que confidenciou que «o marido tentou obter financiamento para abrir um negócio, que foi recusado por constar como incumpridor junto do Banco de Portugal, descrevendo a Autora que este se deslocou ao Banco de Portugal para averiguar do que se tratava». Secundariamente, esta matéria consta também do depoimento tomado a DD. A decisão prossegue referindo que «a credibilidade que estes relatos nos mereceram, pela forma séria e espontânea como foram prestados, foi, quanto a nós, reforçada pela prova efetuada pelo Banco Réu, sobretudo pelo depoimento da testemunha GG, sedimentando a convicção do Tribunal». Esta testemunha asseverou que «não existiu, da sua parte, qualquer lapso, porquanto, quando lhe foi pedida informação, consultou o sistema informático do Banco e confirmou que em 28.03.2003 (a mesma data em que foi emitida a comunicação a indicar que o seguro declinou liquidar os montantes dos créditos referida em 8) foi inserido no estado dos empréstimos em causa o código 20 - código que significa que os empréstimos estão liquidados». Prosseguindo, após a análise do sistema de controlo e monitorização do banco, a Meritíssima Juíza de Direito formou convicção quanto ao facto 7, mencionado que, «conjugando toda a prova produzida, consideramos demonstrado que os Autores foram informados que os créditos estavam liquidados». A dissensão relativamente ao facto 18 será tratada de seguida, dado que, na versão da Autora, ao erro acresce uma situação de falta de fundamentação da decisão. * 4.1.2 – Da alegada falta de fundamentação do facto 18: A sociedade recorrente sinaliza que na sentença não consta a motivação da matéria de facto para o ponto 18 dos factos julgados provados. E, por conseguinte, na sua óptica, não é assim possível «ao ora Recorrente conhecer a motivação da prova ou a análise crítica e a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador», «é incontornável que coloca em causa o valor doutrinal da sentença», «prejudicando também o direito de recurso que assiste às partes». Além de não existir um método operativo único a prosseguir em matéria de fundamentação, o processo intelectivo impresso na decisão é suficiente para cumprir o dever de fundamentação e através das regras da ciência jurídica, da lógica e da experiência são facultados ao destinatário as razões psicológicas da convicção do juízo e os julgadores do Tribunal Superior foram convencidos da correcção formal da decisão. As razões do facto 18 estão claramente integradas no texto dos factos provados e, isso, apenas pode ser negado ou por uma deficiente leitura da sentença ou, se assim não for, por evidente má-fé, por se traduzir num aproveitamento inaceitável daquilo que é claro e transparente. Vamos optar pela primeira solução, evitando assim uma condenação como litigante de má-fé, ao ficcionar que claramente houve uma desatenção na interpretação da decisão. Na verdade, quanto a este aspecto está escrito que «o Autor AA afirmou, de forma expressiva e ilustrativa das consequências que de tal comunicação advieram, ter ficado com a vida ao contrário, ter sentido que tinha o nome sujo, vendo-se impedido de avançar com projetos pessoais». Mais se recorre à prestação de FF, mãe da Autora BB, que manteve um registo «isento e sério, sem pretensões de exagerar quaisquer consequências, destacou que a filha andava muito nervosa e aflita e que a vida dos Autores “começou a andar para trás”» Assinalando-se que «os transtornos por não conseguirem recorrer a crédito bancário e demais sentimentos foram igualmente afirmados pela Autora BB». Concluindo, depois que «tais sentimentos e consequências são perfeitamente plausíveis e até naturais ou normais, de acordo com as regras da experiência comum e do normal suceder perante a comunicação de incumprimento à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal quando os Autores estavam convictos que não tinham qualquer dívida ao Banco». Isto é tão claro e linear que só um aproveitamento torpe e inadmissível do processo em que se pretenderia confundir o Tribunal ad quem ou uma desatenção grave permitiria declarar que a justificação do facto 18 não consta a correspondente motivação. A descrição efectuada na decisão recorrida é claramente suficiente para perfectibilizar os comandos legais destinados a salvaguardar a reconstituição do pensamento do julgador. E, por isso, à luz dos contributos doutrinais editados a este respeito [5] [6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13], interligando a resposta do Tribunal e as exigências expressas na lei, não se comungando do entendimento expresso que existem factos infundamentados e que a decisão em causa não se adequa às exigências impostas pelo n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil. Carece, assim, em absoluto de razão a sociedade recorrente. * 4.1.3 – Da rejeição parcial da avaliação da matéria de facto: Diz a exposição de motivos da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho [Novo Código de Processo Civil] que «se cuidou de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Para além de manter os poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar que é insuficiente, obscura ou contraditória –, são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material». Porém, este reforço de poderes e deveres não é unidireccional. Na verdade, a lei ao mesmo tempo impõe novas regras das condições de exercício do direito de recurso. Assim, os recorrentes têm agora o dever de modelar a peça de interposição de recurso com a seguinte estrutura: (i) especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (ii) indicar os concretos meios probatórios constantes do processo que impõem decisão diferente, (iii) adiantar qual deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas e (iv) mencionar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso. A possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância das citadas regras. Em sede de alegações foram cumpridos estes deveres. Porém, nas conclusões da alegação, o recorrente restringiu o objecto inicial do recurso, ao não transportar para as mesmas a sua discordância com a matéria de facto. Efectivamente, na delimitação objectiva do recurso[14] a parte abdica do conhecimento de parte da apreciação do erro de facto, com excepção da matéria relacionada com o ponto 17 dos factos provados (ficando assente que não conseguiram concretizar a compra de carrinhas a e abertura de uma empresa por lhes ter sido recusado crédito). A este propósito, Abrantes Geraldes assinala que a delimitação do objecto do recurso é concretizada através do teor das alegações e mais precisamente das respectivas conclusões, como se infere do n.º 4 do artigo 635.º e do artigo 639.º[15]. Evidencia este autor que o objecto do recurso é integrado pelas respectivas conclusões[16]. Na realidade, a única excepção que a jurisprudência admite é a que está presente em acórdão de uniformização de jurisprudência e realça que, nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações[17]. No presente caso faltam todos os elementos acima referenciados e as conclusões omitem em absoluto todos os elementos estabelecidos no artigo 640.º[18] do Código de Processo Civil, ainda que de forma sintética e conclusiva. Deste modo, com excepção da matéria do artigo 17 dos factos provados, dado que entrelaça igualmente uma questão de direito, a restante matéria impugnada não será conhecida. * 4.1.4 – Dos poderes de cognição do Tribunal e do perímetro objectivo e subjectivo da pretensão deduzida pelos Autores: No actual desenho da legislação processual civil, existem poderes alargados de escrutínio que podem ser perfectibilizados até ao final do julgamento e o julgador tem os poderes de cognição que lhe são confiados pelo artigo 5.º[19] do Código de Processo Civil. Esta questão entrelaça os princípios do dispositivo e da controvérsia precipitados no artigo 5.º do Código de Processo Civil com o alcance do ónus da substanciação e dos poderes investigatórios do Tribunal. Prescreve o n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil que, para além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo Juiz: a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções[20]. Na leitura de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre o princípio do contraditório «é hoje entendido como corolário duma concepção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão»[21]. O princípio da aquisição processual está precipitado no artigo 413.º do Código de Processo Civil, sendo que, por essa via, «o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las». O Tribunal, no julgamento da matéria de facto, deve procurar tomar em consideração e atender a todas as provas produzidas nos autos, mesmo que elas aproveitem à parte contrária, ou mesmo que respeitem a factos (instrumentais) que, não tendo sido expressamente alegados, resultem da instrução e do julgamento da causa[22]. Os factos essenciais devem ser alegados e provados pelas partes, mas o juiz pode atender aos factos notórios (artigo 512.º do Código de Processo Civil) e aos factos instrumentais, não alegados pelas partes, que resultem da instrução e do julgamento[23] [24] [25]. Quanto aos factos instrumentais, o Tribunal pode não só investigá-los, como ordenar quanto a eles as actividades instrutórias que possam ser de iniciativa oficiosa; pelo contrário, quanto aos factos essenciais, o Tribunal não possui poderes inquisitórios, pelo que, relativamente a eles, só pode ordenar as actividades oficiosas de instrução legalmente permitidas[26]. Neste sentido podem ser consultados Isabel Alexandre[27], Lopes do Rego[28], Teixeira de Sousa[29] e Lebre de Freitas[30]. Este autor é partidário da tese que «estes factos (probatórios e acessórios) são factos instrumentais, que como tais não têm de ser alegados pelas partes nem de ser incluídos na base instrutória, podendo surgir no decorrer da instrução da causa. O Juiz tem, portanto, de os considerar, independentemente da alegação das partes». A grande diferença em relação ao anterior Código de Processo Civil é que a consideração dos factos essenciais que sejam complemento ou concretização dos alegados não depende já de requerimento da parte interessada nesse aproveitamento para que ele aconteça, como exigia o n.º 3 do artigo 264.º daquele diploma. Presentemente, o juiz pode considerá-los mesmo oficiosamente, sem requerimento de nenhuma das partes, bastando que os sujeitos processuais tenham tido a possibilidade de se pronunciar sobre tais factos. E isto aconteceu em sede de audiência de julgamento, como resulta do contraditório exercido, o qual se encontra plasmado tanto nas transcrições transportadas para os autos, como na simples audição do suporte magnetofónico. Aliás, em comentário a Acórdão por nós subscrito (proc. n.º 232/10.3T2DLD.E1 do Tribunal da Relação de Évora, relatado em 03/11/2016), Miguel Teixeira de Sousa escreve que «a circunstância de, no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do CPC, ter deixado de se exigir a concordância da parte quanto ao aproveitamento pelo tribunal do facto complementar adquirido durante a instrução da causa não foi acidental, nem é inócua. A solução é orientada pela busca da verdade em processo, entendendo-se que nada pode justificar que a parte possa impedir o tribunal de utilizar na sua actividade decisória um facto de que o tribunal tem conhecimento (…). Uma coisa é a parte ter disponibilidade quanto aos factos que quer alegar; outra bem diferente é a parte ter disponibilidade sobre um facto que o tribunal apurou e poder impedir o tribunal de o considerar na apreciação da acção. O princípio dispositivo só respeita àquele primeiro aspecto, pelo que a consideração pelo tribunal de um facto apurado em juízo, mas não alegado pelas partes, nunca pode ser vista como uma violação daquele princípio»[31]. Os factos essenciais numa acção de responsabilidade civil são constituídos, não apenas pelo evento lesivo, nem só pelos prejuízos, mas antes pelo conjunto dos factos exigidos pela lei para que surja o direito de indemnização e a correlativa obrigação. Analisados o pedido e a causa de pedir e os factos de suporte discutidos a título constitutivo e impeditivo das pretensões em disputa verifica-se claramente que o julgador «a quo» não violou a disciplina contida no artigo 5.º do Código de Processo Civil e que a factualidade apurada está objectivamente circunscrita no desenho jurisdicional apresentado pelas partes. Com efeito, a informação contida no ponto 17 dos factos provados corresponde a um elemento instrumental da causa de pedir, não existindo aqui qualquer violação dos princípios do dispositivo, da preclusão, da igualdade das partes e do contraditório, devendo, por isso, manter-se a referida matéria no rol dos factos provados. Deste modo, a recorrente carece de razão neste segmento. * 4.1.5 – Do conhecimento subsidiário da matéria de facto impugnada: Ainda assim, a fim de prevenir qualquer reacção àquilo que consta do ponto 4.1.3 do presente acórdão, foi ouvida toda a prova e a analisada a documentação presente nos autos e, subsidiariamente, será conhecida a matéria controvertida. O Tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão (n.º 3 do artigo 466.º do Código de Processo Civil). No capítulo das declarações de parte dos legais representantes é de atender à natureza supletiva[32] e as cautelas que doutrinal[33] [34] [35] [36] e jurisprudencialmente[37] são enumeradas a este propósito, face à existência de um interesse próprio, directo e imediato na resolução da causa. Neste enquadramento, somos adeptos da tese que admite a validade da prova por declarações de parte quando a mesma se reporta essencialmente a «acontecimentos do foro privado, íntimo ou pessoal dos litigantes»[38] [39]. Ao reconhecer os problemas associados à fiabilidade deste meio de prova, a nível doutrinal e jurisprudencial foi construída uma linha de actuação que se baseia na ideia que inexistindo outros meios de prova que minimamente corroborem a versão da parte, a mesma não devia ser valorada, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório, evitando que as acções se decidam apenas com base nas declarações das próprias partes[40] [41] [42]. No entanto, pese embora as especificidades das declarações de parte e as cautelas anteriormente anunciadas, entendemos que as declarações de parte podem estribar a convicção do juiz de forma auto-suficiente[43], no contexto atrás referenciado de apuramento de acontecimentos do foro privado ou pessoal, como sucede neste caso. Para além do mais, in casu, tal como consta da fundamentação da decisão de facto, os eventos indicados nos pontos 17 e 18 dos factos provados foram confirmados por terceiros, que, embora se situem no círculo familiar, não se encontram resquícios de proteccionismo ou de falsidade nos respectivos depoimentos. Em adição, no plano das regras da experiência e da normalidade social não existe qualquer motivo para não valorar positivamente estas declarações ao nível dos danos, das sequelas psicológicas e das perturbações sofridas. Elas são normais em qualquer sujeito que seja indevidamente integrado numa lista de incumpridores e que sofra directamente alguma restrição concreta aos seus direitos. Neste domínio, o Tribunal da Relação de Évora tem de valorar positivamente os depoimentos de parte tirados aos Autores e às demais testemunhas que pronunciaram sobre o assunto. Os contributos probatórios convocados na sentença são idóneos, suficientes e hábeis para determinar a prova dos factos apurados, à luz de presunções judiciais e das regras da normalidade social. Pretende a recorrente a eliminação do ponto 7 dos factos provados. A recorrente defende que a responsabilidade pelo pagamento da apólice de seguro de vida foi declinada pela A... e que esse documento foi desconsiderado pelo Tribunal para efeitos de prova da recusa da liquidação da dívida pela seguradora, não obstante este ser um dos temas da prova fixados no despacho saneador. Porém, tal não corresponde à realidade processual. Essa matéria foi decidida em sentido contrário àquele que a sociedade Ré pretendia, tal como consta das respostas aos pontos 14, 15 e 16, onde está claramente evidenciado que ambos os financiamentos foram liquidados integralmente em 28/03/2003, que não existiam dividas associadas e que, nessa data, os empréstimos foram lançados no sistema informático do Banco como integralmente liquidados. Aliás, se assim não fosse, o banco apelante não diria – como disse no ponto 12 das respectivas conclusões – que não pretende eximir-se de responsabilidade ou menosprezar os danos que possa ter causado com a emissão de uma declaração que continha informação diversa da realidade factual. E não existe aqui qualquer erro de facto, como não também ocorre qualquer problema com a solução adoptada na resposta aos factos não provados. Aquilo que importa é que a quantia em causa foi liquidada e não o teor de um meio de prova que foi descredibilizado e que se encontra em sentido oposto ao da factualidade apurada. Da análise de toda a prova não se encontra qualquer erro na consagração desse facto e a justificação apresentada pelo Tribunal a quo é integralmente acolhida pelo Tribunal da Relação de Évora. O aqui relator vem pugnando que a alocução fundamento para impor decisão diversa, nos termos proclamados pelo n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória antes exige que o juízo efectuado pela Primeira Instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova[44]. E esse lapso não existe, face à dinâmica da prova e ao confronto valorativo entre as diversas fontes probatórias não permite alterar as respostas em causa. Em suma, a associação entre a prova gravada e os restantes meios de prova convocados na decisão permite concluir que a matéria de facto corresponde assim à verdade processualmente adquirida. Não existe qualquer outro argumento recursivo nem se está perante uma situação que determine a actuação oficiosa do Tribunal ad quem no sentido da modificação de qualquer facto. E, nesta ordem de ideias, sopesados todos os argumentos esgrimidos pela recorrente, da interpretação da audição de todo o suporte magnetofónico gravado e das demais provas presentes nos autos, a Meritíssima Juíza de Direito estava legitimada a decidir nos termos em que o fez e é com esse acervo factual que será realizada a operação de subsunção jurídica. * 4.3 – Do erro de direito: 4.3.1 – Da responsabilidade civil: No n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, estabelece-se que «a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação». Tal categoria de direitos enquadra-se no âmbito dos denominados direitos absolutos, caracterizados pelo seu efeito erga omnes, de oponibilidade a todos os sujeitos. Nas palavras de Heinrich Hörster, «absoluto não significa “ilimitado”, ou “isento de vinculações e deveres”, ou “incontrolado”, mas implica a exclusão de todos os outros acompanhada pela obrigação de não violar o respectivo direito subjectivo. Aos direitos absolutos corresponde assim uma obrigação passiva universal»[45]. A violação destes direitos é susceptível de fazer accionar o instituto da responsabilidade civil e são vários os pressupostos da responsabilidade civil por actos ilícitos, como se extrai do n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil: a) o facto do agente ("um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma da conduta humana"[46] – que se pode traduzir numa acção ou omissão); b) a ilicitude (ou antijuridicidade) que pode revestir a modalidade de violação de direito alheio (direito subjectivo) e a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios; c) o nexo de imputação do facto ao lesante ou culpa do agente, em sentido amplo, o que significa que a sua conduta merece a reprovação ou censura do direito e que pode revestir a forma de dolo ou negligência; d) o dano ou prejuízo; e) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima. * Com referência aos artigos 70.º[47] e 484.º[48] do Código Civil, na situação em discussão estão presentes todos os pressupostos acima elencados e existe um quadro de responsabilidade civil associado à comunicação incorrecta à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal. À luz do disposto nos artigos 73.º[49] e 74.º[50] do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (Decreto-lei n.º 298/92, de 31/12), a comunicação incorrecta constitui uma violação grave dos deveres de diligência. A sociedade Ré, enquanto entidade participante, está sujeita à supervisão do Banco de Portugal e sobre ela incide a obrigação legal de comunicar ao Banco de Portugal de forma verdadeira, integra e responsável os elementos de informação respeitantes a responsabilidades efectivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito concedido em Portugal, nos termos do DL n.º 204/2008. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14/10, a Central de Responsabilidades de Crédito assegurada pelo Banco de Portugal, nos termos da sua Lei Orgânica, aprovada pela Lei n.º 5/98, de 31/01, tem por objecto: a) Centralizar as responsabilidades efetivas ou potenciais de crédito concedido por entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal ou por quaisquer outras entidades que, sob qualquer forma, concedam crédito ou realizem operações análogas; b) Divulgar a informação centralizada às entidades participantes; c) Reunir informação necessária à avaliação dos riscos envolvidos na aceitação de empréstimos bancários como garantia no âmbito de operações de política monetária e de crédito intradiário. Este mecanismo visa permitir a avaliação dos riscos envolvidos na aceitação de empréstimos bancários como garantia das operações e o registo centralizado dessas garantias destina-se a centralizar e difundir a informação recebida das entidades participantes sobre o endividamento dos seus clientes decorrente de operações de crédito. Ocorre responsabilidade pela informação divulgada “das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou rectificação, por sua iniciativa ou a solicitação dos seus clientes, sempre que ocorram erros ou omissões” (n.º 4 do artigo 2.º). A sociedade Ré tinha, pois, obrigação de comunicar ao Banco de Portugal a informação correcta e verdadeira sobre as responsabilidades decorrentes de obrigações de crédito, mas violou essa vinculação. E, na realidade, embora não assuma inteiramente as repercussões do seu comportamento, a recorrente reconhece o seu desempenho indevido, ao assumir que emitiu uma declaração que continha informação diversa da realidade factual. Na sequência da morte de um dos mutuários, foram accionados os seguros de vida associados aos empréstimos em causa, tendo, nessa sequência, os Autores, bem como DD, sido informados de que os contratos se encontravam liquidados. Nos anos que se seguiram, o Banco não entrou em contacto com os Autores ou com a mutuária sobreviva, nada lhes tendo exigido durante esse período. Em 2011, em oposição às anteriores informações prestadas por escrito, o Banco Réu dirigiu uma comunicação a DD a informar que o crédito n.º ...86/...30/...02 fora resolvido por incumprimento e seria preenchida a livrança para execução. Após tal comunicação, o Autor e a mutuária DD tentaram esclarecer a situação junto do Banco Réu e da Companhia de Seguros, sem que tivessem obtido qualquer exacto esclarecimento. Perscrutada a matéria de facto, verifica-se ainda que o Banco Réu comunicou a situação de incumprimento ao Banco de Portugal, permanecendo os Autores na lista Central de Responsabilidades de Créditos desde 15/06/2011 até 2019, momento em que o Banco Réu cedeu o crédito à Banco 2.... Após essa cedência, os Autores foram novamente interpelados para o pagamento dos montantes em dívida e voltaram a pedir esclarecimentos ao Banco Réu e à Companhia de Seguros. E, então, após a realização de várias diligências, é foram informados que a situação estava regularizada. O crédito foi indevidamente considerado como estando em situação de incumprimento, quando, na verdade, ambos os financiamentos foram liquidados integralmente em 28/03/2003, com data valor de 10/03/2003, não existindo qualquer divida activa junto do “Banco 1..., SA”, sendo que no sistema informático os empréstimos foram dados como integralmente liquidados, naquele primeiro momento. Partilha-se assim da perplexidade do ..., quando esta instância refere que «a ausência de qualquer diligência ou contacto durante mais de 8 anos e a informação em sistema que o contrato se encontrava efetivamente liquidado (consultável pelos funcionários do Banco, tal como o foi pela testemunha que emitiu a declaração a afirmar a inexistência da dívida em 2020), não poderia o Banco ter comunicado um alegado incumprimento sem que averiguasse e esclarecesse cabalmente a situação junto dos Autores e de DD, permitindo-lhes, se fosse caso disso, a oportunidade de em consciência cumprirem as obrigações decorrentes dos empréstimos ou entrarem em incumprimento». Tal como proclama a sentença recorrida, «a comunicação do incumprimento, efetuada no contexto descrito, só pode ser considerada violadora das mais elementares regras de cuidado, boa fé e diligência que devem pautar a atuação do banco». Fazendo ainda apelo ao acto recorrido «estas informações contraditórias, que eram da responsabilidade do Banco, a inércia em clarificar e corrigir a situação, permitindo, se fosse o caso, a continuação do pagamento das prestações inerentes aos empréstimos em causa (que até ao momento da morte de CC sempre foram cumpridas, não havendo quaisquer valores em dívida à data do seu falecimento), sem a criação de uma situação de incumprimento e sem que se desse o agravar da dívida, são claramente demonstrativos de uma atuação descuidada e negligente da parte do Banco». Esta violação grave dos deveres de diligência impostos ao Banco Réu constitui um cenário de culpa, que é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (n.º 2 do artigo 487.º[51] do Código Civil). Devido a falta de monitorização da instituição financeira, entre 15/06/2011 e até 2019, os Autores ficaram indevidamente inscritos na lista Central de Responsabilidades de Créditos por exclusiva culpa de deficiente organização interna da sociedade Ré, em violação das mais elementares regras de compliance a que encontram sujeitas as entidades bancárias. A lápis grosso, o compliance bancário trata especificamente de garantir que as práticas comerciais e a preservação da integridade de uma instituição bancária estejam de acordo com diversas legislações específicas desse tipo de empresa e, bem assim, na edição de regras no domínio avaliação da conformidade da actividade e de definição de boas práticas dos funcionários do banco na defesa dos princípios, políticas e directrizes de actuação exigidas a uma instituição de crédito. E na presente situação, a instituição bancária teria de adoptar os cuidados a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz, por saber claramente que a inserção de dados incorrectos na Central de Dados do Banco de Portugal constitui um comportamento ilícito e que o mesmo é susceptível de causar prejuízo às pessoas afectadas com essa conduta, a qual tem subjacente a falta ou a deficiente fiscalização, controlo e monitorização do crédito concedido a terceiro. O banco em causa opera no exigente mercado financeiro e é uma instituição necessariamente dotada de organização empresarial e dos meios necessários para responder em condições apropriadas de qualidade e eficiência, a quem cabe um dever de diligência e de cuidado que foi omitido. Neste espectro lógico-jurídico, não sobejam dúvidas que «tal conduta coloca em causa o bom nome e imagem dos Autores, assomando-se tal facto como ilícito por violação do direito à honra e consideração». Ao actuar da forma supra descrita, a título negligente, o Réu violou as normas cíveis relativas à protecção do direito de personalidade, mostrando-se preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil por acto ilícito. * 4.3.2– Do montante indemnizatório: É incontroverso que a acção da Justiça visa essencialmente a pacificação social e a intervenção dos Tribunais assume uma natureza pedagógica e esta actividade tem como objectivo principal a solução dos conflitos de interesse de forma adequada, funcionando como um filtro da litigiosidade e assegurando o acesso à ordem jurídica de forma justa. A exemplo da sentença recorrida, o Tribunal da Relação de Évora também entende que existe um dano não patrimonial que deve ser ressarcido e, neste campo, são ressarcíeis «os danos que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito», proporcionando-se à vítima uma satisfação ou compensação económica (cfr. n.º 1 do artigo 496.º[52] do Código Civil). A determinação do montante indemnizatório ou compensatório que corresponde a estes danos é calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se não só à extensão e à gravidade dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado, assim como a todas as demais circunstâncias que contribuam para uma solução justa e equilibrada do litígio. Almeida Costa entende «que os danos não patrimoniais, embora insusceptíveis de uma verdadeira e própria reparação ou indemnização, porque inavaliáveis pecuniariamente, podem ser, em todo o caso, de algum modo compensados. E mais vale proporcionar à vítima essa satisfação do que deixá-la sem qualquer amparo»[53] [54] [55] [56]. Conforme faz notar Pessoa Jorge, «na generosa formulação do artigo 496.º do Código Civil, que confia ao legislador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, no que fundamentalmente releva, não o rigor algébrico de quem faz a adição de custas, despesas, ou de ganhos (como acontece no cálculo da maior parte dos danos de natureza patrimonial), mas, antes, o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar ao lesado e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ele se viu afectado»[57]. A jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça aponta igualmente para que o montante da indemnização seja proporcionado à gravidade do dano, objetivamente apreciado, e não à luz de critérios subjectivos, em função da tutela do direito, tomando-se em consideração, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático e da criteriosa ponderação das realidades da vida. * Como dita a melhor jurisprudência «as angústias e transtornos causados pela indevida inclusão de um nome na base de dados de incumpridores, transmitida e comunicada ao Banco de Portugal, atingem o património moral dessa pessoa, devendo merecer a tutela do direito e, pela sua gravidade, ser indemnizados, nos termos previstos pelo artigo 496.º do Código Civil»[58]. O juízo de equidade a que lei faz menção determina que o julgador tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida»[59]. A equidade na visão de Menezes Cordeiro visa ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas[60]. E está limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal[61]. O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade. Estamos num domínio em que claramente não nos devemos afastar dos padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, «procurando – até por uma questão de justiça relativa – uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º[62] do Código Civil, por forma a evitar exacerbações subjectivas»[63]. Neste campo, a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza objectiva são as linhas motrizes de actuação da equidade e a jurisprudência nacional tem ressarcido este tipo de lesado com valores variáveis entre € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) e € 12.000,00 (doze mil euros)[64]. Neste enquadramento factual são assim de relevar que a comunicação à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal se manteve durante cerca de 9 anos e que os Autores não conseguiram obter crédito bancário para abrir um negócio, sentindo-se atingidos no seu bom nome, imagem e reputação, passaram dias nervosos e preocupados. Ademais é de sublinhar que a comunicação em causa foi dirigida ao Banco de Portugal quando no sistema informático já os empréstimos tinham sido lançados como liquidados e que o “Banco 1..., SA” nunca forneceu informações cabais, exactas e verdadeiras às interpelações feitas pelos Autores relativamente a este assunto quando o poderia e deveria ter feito, o que agrava a culpa do Réu. A decisão recorrida arbitrou uma indemnização de € 6.000,00, a cada um dos Autores, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos. E, em conformidade com princípios de razoabilidade e justiça do caso concreto, tendo presente os factos apurados, cuja transcrição integral aqui se dispensa, o bom senso, a gravidade do caso e as demais circunstâncias anteriormente referidas determinam que os danos morais sofridos pelos Autores sejam dignos de protecção legal nos rigorosos termos constantes da sentença recorrida, julgando-se absolutamente justa a indemnização arbitrada. Nestes termos, julga-se improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida. * V – Sumário: (…) * VI – Decisão: Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida. Custas a cargo da apelante, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil. Notifique. * Processei e revi. * Évora, 06/06/2024 José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho Maria Eduarda Branquinho Mário João Canelas Brás __________________________________________________ [1] Ficou consignado na sentença que: «o demais alegado pelas partes nos articulados contém matéria de direito, conclusiva ou matéria de facto instrumental ou sem relevo para a decisão da causa, razão pela qual não consta a mesma da presente decisão». [2] (7) … na sequência da qual, foi o Autor e DD foram informados que os contratos de crédito estavam liquidados, não tendo existido qualquer contacto, nos anos que se seguiram, do Banco Réu com DD ou com os Autores. [3] (17) Em consequência da comunicação do incumprimento ao Banco de Portugal, os Autores não conseguiram obter crédito bancário para a aquisição de uma carrinha com a qual o Autor pretendia abrir um negócio, [4] (18) … tiveram transtornos, sentiram-se atingidos no seu bom nome, imagem e reputação, vivendo períodos de grande nervosismo e preocupação. [5] Alexandre Pessoa Vaz, Direito Processual Civil, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 211-241. [6] Gonçalves Salvador, Motivação, Boletim do Ministério da Justiça n.º 121, págs. 85-117. [7] Oliveira Martins, Justiça Portuguesa, n.º 29, pág. 49. [8] Gonçalves Pereira, Poderes do juiz em matéria de facto, Justiça Portuguesa, n.º 32, pág. 81. [9] Miguel Corte-Real, O dever da fundamentação da decisão judicial dada sobre a matéria de facto, Vida Judiciária, n.º 24, págs. 22-24. [10] Michele Taruffo, Note sulla garanzia constituzionale della motivazione, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, n.º 55, págs. 29-38. [11] Cláudia Sofia Alves Trindade, A prova de estados subjectivos no processo civil: presunções judiciais e regras de experiência, Almedina, Coimbra, 206, págs. 317-325. [12] Marta João Dias, A fundamentação do juízo probatório – Breves considerações, Julgar n.º 13, Janeiro de 2011. [13] José Manuel Tomé de Carvalho, Breves palavras sobre a fundamentação da matéria de facto no âmbito da decisão final penal no ordenamento jurídico português, Julgar 21, Setembro-Dezembro 2013, remetendo aqui para as demais referências bibliográficas ali contidas sobre este assunto. [14] Artigo 635.º (Delimitação subjetiva e objetiva do recurso): 1 - Sendo vários os vencedores, todos eles devem ser notificados do despacho que admite o recurso; mas é lícito ao recorrente, salvo no caso de litisconsórcio necessário, excluir do recurso, no requerimento de interposição, algum ou alguns dos vencedores. 2 - Se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, é igualmente lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas, uma vez que especifique no requerimento a decisão de que recorre. 3 - Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente. 4 - Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso. 5 - Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo. [15] Artigo 639.º (Ónus de alegar e formular conclusões): 1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada. 3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada. 4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias. 5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei. [16] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 3.ª edição, almedina, Coimbra, 2023, pág. 822. [17] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, de 14 de novembro, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14. [18] Artigo 640.º (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto): 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º. [19] Artigo 5.º (Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal): 1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. 2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. 3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. [20] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/09/2014, in www.dgsi.pt. [21] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 7. [22] Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 162. [23] Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, págs. 150-152. [24] Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 200. [25] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil (Princípios Fundamentais, Fase Inicial do Processo Declarativo), Almedina, Coimbra, 1988, págs. 53-54. [26] Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1ª edição, Lex, Lisboa, 1996, pág. 72. [27] Isabel Alexandre, A Fase de Instrução no Processo Declarativo Comum, Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, Lisboa 1997, pág. 280, que salienta que os factos que se pretendem provar podem ser factos instrumentais ou factos essenciais complementares ou concretizadores e, como tal, não terem sido alegados pelas partes nos articulados, atendendo a que o artigo 264.º, n.º 1 (a que corresponde actualmente o artigo 5.º do Código de Processo Civil), apenas estabelece um ónus de alegação dos factos que integram a causa de pedir e daqueles em que se baseiam as excepções. [28] Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, pág. 201, advoga que «factos instrumentais definem-se, por contraposição aos factos essenciais, como sendo aqueles que nada têm a ver com substanciação da acção e da defesa e, por isso mesmo, não carecem de ser incluídos na base instrutória, podendo ser livremente investigados pelo juiz no âmbito dos seus poderes inquisitórios de descoberta da verdade material», enquanto que «factos essenciais, por sua vez, são aqueles de que depende a procedência da pretensão formulada pelo autor e da excepção ou da reconvenção deduzidas pelo réu». [29] Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, pág. 52, que ensina que ensina que se tratam de factos que indiciam os factos essenciais. Por outras palavras, são factos secundários, não essenciais, mas que permitem aferir a ocorrência e a consistência dos factos principais. [30] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra 2014, págs. 15 e 16. [31] Publicado no sítio do Instituto Português de Processo Civil. [32] Paulo Pimenta, Processo Civil, Declarativo, Almedina, 2014, pág. 357. [33] Para José Lebre de Freitas, A acção declarativa comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 278, «a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime as partes tiverem sido efectivamente ouvidas». [34] Elisabeth Fernandez, «Nemo Debet Essse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)coerência do Sistema Processual a este propósito», Julgar Especial, Prova difícil, 2014, pág. 27, pugna que, até à entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela lei n.º 41/2013, de 26/06, as razões determinantes da rejeição deste meio de prova assentavam no «receio de perjúrio; as partes têm um interesse no resultado da acção e podem ser tentadas a dar um testemunho desonesto e finalmente mesmo que as mesmas não sejam desonestas, estudos psicológicos demonstram que as pessoas têm uma maior tendência a recordar factos favoráveis do que factos desfavoráveis pelo que o depoimento delas como testemunhas nos processos em que são partes não é, por essa razão de índole psicológica, fidedigno». [35] As Malquistas declarações de parte – “Não acredito na parte porque é parte”, em Colóquio organizado no Supremo Tribunal de Justiça, estudo disponível na página web do STJ e ainda em www.trp.pt/.../as%20malquistas%20declaraes%20de%20parte_juizdireito%20luis%20f... A sobredita visão pessimista sobre a fiabilidade do meio de prova é rebatida por Luís Filipe Sousa que defende que «(ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas de hierarquizá-los diversamente». [36] Carolina Henriques Martins, Declarações de Parte, pág. 56, estudo editado na internet em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28630 /.../Declaracoes%20de%20parte.pdf, nesta discórdia valorativa sobre a fiabilidade do meio de prova, diz que aquilo que é relevante é que o juiz análise «o discurso da mesma tendo sempre presente a máxima da experiência que dita a escassa fiabilidade do mesmo quanto às afirmações que a esta são favoráveis». [37] De acordo com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/04/2014, in www.dgsi.pt. este inovador meio de prova, dirige-se primordialmente, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma percepção directa privilegiada em que são reduzidas as possibilidades de produção de prova (documental, testemunhal ou pericial), em virtude de terem ocorridas na presença das partes. [38] Remédio Marques, «A aquisição e a Valoração Probatória dos Factos (Des)Favoráveis ao Depoente ou à Parte», Julgar, Jan-Abril, 2012, n.º 16, pág. 168. [39] Ou, seguindo a formulação de Elisabeth Fernandez, «Nemo Debet Essse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)coerência do Sistema Processual a este propósito», Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, pág. 37, o recurso a meio de prova é admissível quando se destina a apurar «factos de natureza estritamente doméstica e pessoal que habitualmente não são percepcionados por terceiros de forma directa» [40] Remédio Marques, A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou a parte chamada a prestar informações ou esclarecimentos, Caderno II – O novo Processo Civil – Contributos da Doutrina no decurso do processo legislativo designadamente á luz do Ante-projecto e da Proposta de Lei n.º 133/XII, Centro de Estudos Judiciários, pág. 92. [41] Idêntico posicionamento prático é defendido pelos juízes de Direito Paula Faria e Ana Luísa Loureiro, em Primeiras Notas ao Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, 2ª edição, pág. 395. [42] Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 15/09/2014 e 20/11/2014, in www.dgsi.pt. [43] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/04/2017, in www.dgsi.pt, que sublinha que: «I- No que tange à função e valoração das declarações de parte existem três teses essenciais: (i) tese do carácter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos; (ii) tese do princípio de prova e (iii) tese da auto-suficiência das declarações de parte. II – Para a primeira tese, as declarações de parte têm uma função eminentemente integrativa e subsidiária dos demais meios de prova, tendo particular relevo em situações em que apenas as partes protagonizaram e tiveram conhecimento dos factos em discussão. III – A tese do princípio de prova defende que as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova. IV – Para a terceira tese, pese embora as especificidades das declarações de parte, as mesmas podem estribar a convicção do juiz de forma auto-suficiente. V – É infundada e incorrecta a postura que degrada – prematuramente – o valor probatório das declarações de parte só pelo facto de haver interesse da parte na sorte do litígio. O julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte e, só depois, a pessoa da parte porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório. VI – É expectável que as declarações de parte primem pela coerência e pela presença de detalhes oportunistas a seu favor (autojustificação) pelo que tais características devem ser secundarizadas. VII – Na valoração das declarações de partes, assumem especial acutilância os seguintes parâmetros: contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais; existência de corroborações periféricas; produção inestruturada; descrição de cadeias de interacções; reprodução de conversações; existência de correcções espontâneas; segurança/assertividade e fundamentação; vividez e espontaneidade das declarações; reacção da parte perante perguntas inesperadas; autenticidade. [44] Por todos podem ser consultados os acórdãos de 30/01/2020, 13/02/2020, 04/06/2020, 08/10/2020, 03/12/2020, 13/05/2021, 30/06/2021, 28/10/2021 e 11/01/2024, entre muitos outros disponíveis na plataforma www.dgsi.pt. [45] A Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, 2000, pág. 46. [46] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4ª edição, vol. I, pág. 447. [47] Artigo 70.º (Tutela geral da personalidade): 1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. 2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida. [48] Artigo 484.º (Ofensa do crédito ou do bom nome) Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados. [49] Artigo 73.º (Competência técnica): As instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência. [50] Artigo 74.º (Outros deveres de conduta): Os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados. [51] Artigo 487.º (Culpa) 1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa. 2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso. [52] Artigo 496.º (Danos não patrimoniais) 1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes. 4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores. [53] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª edição, Coimbra, pág. 502. [54] Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, pág. 374 e seguintes. [55] Pinto Monteiro, Sobre a reparação de danos morais, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, ano 1, n.º 1, Coimbra, 1992, pág. 17 e seguintes. [56] Vaz Serra, Reparação do dano não patrimonial, Boletim do Ministério da Justiça n.º 83, pág. 69. [57] Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, pág. 376. [58] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/05/2011, disponível em www.dgsi.pt: [59] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, Almedina, Coimbra, pág. 605, nota 4. [60] Menezes Cordeiro, “O Direito”, n.º 122.º, pág. 272. [61] Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, Coimbra, 1987, págs. 107/110. [62] Artigo 8.º (Obrigação de julgar e dever de obediência à lei): 1. O tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio. 2. O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo. 3. Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito. [63] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/11/2014, que pode ser igualmente lido na plataforma www.dgsi.pt. [64] Podem ser consultados os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/05/2011, processo n.º 3003/04.2TVLSB.L1.S2 (€ 7.500,00), do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25/10/2018, processo n.º 900/17.9T8GMR.G1 (€ 12.000,00), do Tribunal da Relação do Porto, de 28/04/2015, processo n.º 5472/12.8TBMTS.P1 (€ 6.000,00), de 24/03/2022, processo n.º 2708/20.5T8GDM.P1 (€ 10.000,00), do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/09/2017, processo n.º 15249/15.3T8LSB.L1-2 (€ 5.000,00) e de 10/10/2019, processo n.º 1594/17.7T8VCT.L1-2 (€ 2.500,00), todos disponíveis em www.dgsi.pt. |