Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
11/20.0GAETZ-C.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Data do Acordão: 01/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A aferição sobre a considerável diminuição da ilicitude do facto exigida no artigo 25.º, deverá resultar de uma avaliação global da situação, na qual assumem especial relevo, entre outros, a qualidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização; a dimensão dos lucros obtidos; a afetação ou não de parte desses lucros ao financiamento de consumo pessoal; a duração temporal, a intensidade e a persistência no prosseguimento da atividade; a posição do agente no circuito de distribuição; o número de consumidores contactados; a extensão geográfica da atividade; o modo de execução, de organização e de meios.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Nos autos de inquérito n.º 11/20.0GAETZ, que correm termos nos serviços do Ministério Público da Comarca de Évora – DIAP – Secção de Estremoz, na sequência de 1º interrogatório judicial de arguidos detidos, o Exm.º Sr. Juiz de Instrução Criminal, por despacho de 01/10/2021, determinou que o arguido PB, melhor identificado nos autos, aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de prisão preventiva, nos termos do disposto nos artigos 191º a 195º, 202º, n.º 1, als. a) e c) e 204º, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal.
1.2. Inconformado com tal decisão, o arguido PB dela interpôs recurso, para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada, as conclusões que seguidamente se transcrevem:
«a) Desde logo, não é líquido que existam os “fortes indícios” a que a decisão recorrida faz referência, uma vez que não pode o Tribunal a quo, nesta fase, em que não há sequer ampla garantia de defesa, tendo presente que o Arguido não foi julgado, não foi produzida prova, nem o Arguido a pode contraditar, simplesmente presumir que ao ora Recorrente será aplicada uma pena de prisão efetiva.
b) Sem olvidar às necessidades de prevenção geral presentes na generalidade dos crimes de tráfico de estupefacientes, a cuidada ponderação sobre as necessidades de prevenção geral e especial, que no caso concreto podem ser já indiciariamente efetuadas, podem levar a concluir que menores exigências de prevenção geral positiva, nomeadamente em face da menor gravidade dos factos, e uma prognose positiva sobre a sua adequação à reintegração social do arguido.
c) De facto, o Arguido é uma pessoa socialmente inserida, que explora um negócio próprio e que tem meios de sustento estáveis que lhe possibilitam viver sem recorrer a qualquer prática delituosa, que nunca antes foi condenado por crime desta natureza, revelando os factos indiciados uma situação subsumível ao “pequeno tráfico”, sendo as quantidades de produto estupefacientes apreendidas (e bem assim as que teriam sido transacionadas, referidas nos factos que respaldam “escutas” e vigilâncias) objetivamente diminutas.
d) Tudo, portanto, circunstâncias que a decisão recorrida não pondera e que são desde logo suscetíveis de afastar o recurso à prisão preventiva.
e) De resto, a prisão preventiva deve ser sempre uma ultima rácio, por constituir, materialmente, uma privação de liberdade, constituindo a mais violenta medida de coação que pode ser imposta e com efeitos de antecipação da punição na sua mais gravosa dimensão.
f) Crê-se, por isso, que a aplicação da pena de prisão preventiva ao arguido, sem ponderação de qualquer outra medida – por exemplo a proibição de se ausentar para o estrangeiro; ou, já numa perspetiva mais ríspida, a obrigação de permanência na habitação – não cumpre com os requisitos de proporcionalidade (adequação e suficiência) plasmados no art.º 201º do CPP.
g) O Despacho recorrido é, além do mais, nulo por falta de fundamentação, com concomitante violação da lei, ao assentar quanto à verificação dos requisitos previstos no art.º 204º do CPP, em meras conjeturas, suposições, configurações abstratas e subjetivas.
h) Seguindo a jurisprudência e doutrina uniformes, “O perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo tem de surpreender-se em factos que indiciem a atuação do arguido com o propósito de prejudicar a investigação, não bastando a mera possibilidade de que tal aconteça para que possa afirmar-se a existência daquele perigo.”
i) A tal propósito, o despacho recorrido funda-se numa narrativa totalmente abstrata: «Verifica-se em concreto o perigo de perturbação do decurso do inquérito, e isto porque há um suspeito que ainda não foi detido, tendo[se] (…) colocado em parte incerta na Roménia. Se estes arguidos PB, JA fossem restituídos à liberdade (…) de alguma forma, a prova a recolher poderia ficar comprometida, podendo aquele através da rede de contactos condicionar a prova testemunhal.».
j) Mistura-se a fuga de um “suspeito” com o “condicionamento” da prova testemunhal, num argumento centrado no “tipo”, e não na atuação, concreta, dos arguidos.
k) O pretenso perigo de fuga, também não está consubstanciado numa só palavra que se possa traduzir numa afirmação concreta, afirmando-se apenas, a tal propósito: «Também se verifica o perigo de fuga (…) devido às constantes idas a Espanha para a obtenção de produto estupefaciente. Assim, perante a penalidade que ora se encontram sujeitos não é de excluir a perspetiva da fuga (…). O perigo de fuga verifica-se em concreto e já foi verificado em relação a um dos suspeitos.».
l) É a confusão total entre o perigo de continuação da catividade criminosa e o perigo de fuga, respaldada, também aqui, numa narrativa abstrata que se resume assim: “este pode fugir, porque há um outro que já fugiu”, e não em qualquer atuação que seja imputada ao ora Recorrente.
m) O perigo de continuação da catividade criminosa, que não se confunde, necessariamente, com a consumação de novos catos criminosos; Ao invés, deverá ser aferido a partir de elementos factuais que o revelem ou o indiciem, os quais, de entre os factos constantes do despacho recorrido, simplesmente não existem, nem são elencados como argumentação para sustentar a prisão preventiva.
n) Também que não consta dos autos que o Arguido tenha desencadeado – sequer tentado - qualquer iniciativa que possa ser reconduzida a qualquer cato do arguido com o propósito de prejudicar a investigação, ou sequer suscetível (ainda que sem essa intenção, note-se) de intimidar qualquer pessoa ou convencê-las a remeter-se ao silêncio, ou avisar outro arguido da existência desta “investigação”, assim como jamais esboçou tentativa de fuga.
o) A fundamentação a tal respeito, resume-se à afirmação de que os arguidos «têm em nosso entender capacidade conjuntamente com os restantes revendedores e podem prejudicar a catividade de recolha de prova e a eficácia probatória da prova indiciária já recolhida», sendo então de questionar a razão pela qual os demais arguidos, ou seja, os «restantes revendedores» não ficam presos preventivamente!
p) A resposta, infelizmente, perante esta fundamentação, é fácil de obter: Os arguidos PB e JA foram os únicos que ficaram presos preventivamente e foram os únicos que não prestaram declarações e não confessaram, o que consubstancia, em bom rigor, pura represália e antecipação da punição. Pelo que,
q) Foram violados os princípios da legalidade (arts 29.º, n.º 1, da CRP e 191.º, do CPP), excecionalidade e necessidade (arts 27.º, n, º 3 e 28.º, n.º 2, da CRP e 193.º, do CPP), adequação e proporcionalidade (art. 193.º do CPP), como emanação do princípio da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, bem como, o disposto no art.º 204º do CPP.
Termos em que deverá o presente recurso ser admitido e em consequência ser a decisão recorrida revogada – com estrondo e nota de censura - quanto à aplicação da medida de coação de prisão preventiva,
Assim se fazendo sã e serena JUSTIÇA!»
1.3. O recurso foi regularmente admitido.
1.4. O Ministério Público, na 1ª instância, respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido de dever ser negado provimento ao mesmo, formulando as seguintes conclusões:
«1. O recurso apresentado pelo arguido vem interposto do despacho que determinou a aplicação da prisão preventiva, proferido em 01.10.2021.
2. Analisado o teor do recurso interposto pelo arguido entende-se que são duas as questões a apreciar - 1 – Dos fortes indícios e da qualificação Jurídica dos Factos e 2 - Dos pressupostos para aplicação da prisão preventiva e da nulidade do despacho de aplicação das medidas de coacção por falta de fundamentação.
3. Cumpre desde já referir que não assiste razão ao recorrente, não merecendo qualquer reparo o despacho recorrido.
4. Quanto à primeira questão suscitada, não merece qualquer reparo o despacho recorrido, pois os factos fortemente indiciados, imputados ao arguido, configuram a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
5. Contrariamente ao que pretende fazer crer o recorrente a conduta do arguido não se integra no tráfico de menor gravidade.
6. Tal como resulta à saciedade do despacho recorrido, através da análise exaustiva dos indícios existentes, a qualificação jurídica a realizar, atentos os fortes indícios existentes apenas podia ser crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
7. A decisão recorrida analisa de forma exemplar os fortes indícios existentes, analisa a globalidade dos factos para concluir por tal qualificação jurídica, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 13.03.2019, proferido no âmbito do processo nº 227/17.6PALGS.S1, cujo relator é Maia da Costa.
8. Face ao que antecede, entendemos que, nesta parte não merece qualquer reparo o despacho recorrido.
9. Quanto à segunda questão suscitada, entendemos que também não merece acolhimento o recurso interposto, pois a medida de coacção aplicada é a única que se afigura adequada, necessária e proporcional a acautelar os perigos que no caso concreto se fazem sentir.
10. Entende o recorrente que deveria ter sido aplicada medida de coacção não privativa da liberdade, ou em ultima análise deveria ter sido aplicada a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com sujeitação a vigilância electrónica.
11. Ora, não lhe assiste razão.
12. As medidas de coacção são medidas exclusivamente cautelares, que constrangem a liberdade pessoal do arguido ou a disponibilidade do seu património, tendo em vista assegurar uma dupla finalidade: o decurso regular do processo e a execução das sentenças condenatórias.
13. No caso concreto mostram-se verificados os perigos de continuação da actividade criminosa, o perigo de conservação e aquisição da prova, e o perigo de fuga.
14. E contrariamente ao que pretende fazer crer o recorrente, tais perigos encontram-se devidamente fundamentos, não padecendo o despacho recorrido de qualquer vicio.
15. Pois consta do despacho recorrido o seguinte: “(…) Em termos de perigos, verifica-se um fortíssimo perigo de continuação da actividade criminosa. Estamos a falar de uma rede na qual cada um tem o seu papel, a sua área de actuação, há a feitura, a obtenção e a difusão de produto estupefaciente. Não é uma situação que aconteceu uma vez, não são pessoas inexperientes que obtêm e consomem produto estupefaciente; existem ao invés diversos actos de transacção de produto estupefaciente. É uma rede organizada que se dedica a isto e, pelo menos, desde de 2020, com um período de actividade no tempo longo, sendo certo que o arguido PB e o arguido JA entraram nos primórdios de 2021, ou seja, só mais recentemente. Mas ditam as regras de experiência que todos os outros já estariam envolvidos desde 2020.
Em face do período de tempo em que foram investigados os arguidos PB e JA desenvolveram de forma intensa a actividade de tráfico de estupefaciente.
Verifica-se em concreto o perigo de perturbação do decurso do inquérito, e isto porque há um suspeito que ainda não foram detido, tendo o suspeito DD, de facto, se colocado em parte incerta na Roménia.
Se estes arguidos PB, JA fossem restituídos à liberdade e como, possivelmente, aliás, ele – DD – já terá sido alertado para a detenção e para o que se passa nos presentes autos, e, portanto, de alguma forma, a prova a recolher poderia ficar comprometida, podendo aquele através da rede de contactos condicionar a prova testemunhal.
A prova testemunhal, ainda a inquirir, por regra, é frágil e pode ser objecto de pressões pelos arguidos para se eximirem à sua responsabilidade criminal, se estes se puderem movimentar livremente entre fornecedores e consumidores. Numa actividade ilícita fortemente indiciada que envolve sempre terceiros, a quem se vende e a quem se compra, a manutenção dos arguidos, em liberdade, propicia os contactos com as eventuais testemunhas, sobre as quais, sem sombra de dúvida, exercerão pressão destinada a ilibá-los.
Os arguidos PB e JA têm em nosso entender capacidade conjuntamente com os restantes revendedores e podem prejudicar a actividade de recolha de prova e a eficácia probatória da prova indiciária já recolhida, designadamente, os consumidores por si fornecidos e identificados nas intercepções telefónicas.
Neste tipo de criminalidade, as pressões sobre testemunhas consumidoras de produtos estupefacientes para alterarem em julgamento os depoimentos que prestaram nos autos e o condicionamento de testemunhas para não deporem contra si são uma realidade a considerar no exercício da acção penal mesmo numa fase embrionária do processo como é aquela que nos encontramos.
Mesmo com actividades laborais, em relação a todos os arguidos, existe, neste contexto, uma forte propensão para que reiterem na prática criminosa, designadamente, o tráfico de estupefaciente, que permite auferir de forma célere proventos monetários.
Aliás, o estabelecimento PI ocultava a actividade de tráfico de estupefaciente pelos arguidos PB e JA, servindo de ponto de transacção desse produto que aí foi encontrado e nele existiam balanças de precisão.
Também se verifica o perigo de fuga, não tão forte quanto o perigo de continuação da actividade criminosa, devido às constantes idas a Espanha para a obtenção de produto estupefaciente.
Assim, perante a penalidade que ora se encontram sujeitos não é de excluir a perspectiva da fuga, como a de Daniel Gomes, para evitar a responsabilidade jurídico-criminal. O perigo de fuga verifica-se em concreto e já foi verificado em relação a um dos suspeitos.
16. Acresce que, a sujeição do arguido a prisão preventiva é a única medida de coacção que permite acautelar os perigos que no caso concreto se fazem sentir, designadamente o perigo de fuga, o perigo de perturbação do inquérito e o perigo de continuação da actividade criminosa.
17. Pois, na verdade a aplicação de medida de coacção não privativa da liberdade, ou a obrigação da permanência na habitação não se afiguram medidas de coacção adequadas para atenuar as exigências cautelares que no caso concreto se fazem sentir.
18. Tal questão tem sido amplamente debatida na jurisprudência, entendendo-se que a obrigação de permanência na habitação apenas deverá ser aplicada aos arguidos que demonstrem a possibilidade alguma contenção nas suas condutas. Porém será inaplicável quando o crime em causa seja susceptíveis de cometido a partir e/ou no interior da residência, como é o tráfico de estupefacientes.
19. Veja- se o que consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11.06.2019, proferido no âmbito do processo n.º 1534/17.3T9TVD-A.L1-5, cujo relator é José Adriano, “Por outro lado, a mencionada obrigação de permanência na habitação, ainda que com vigilância electrónica, não é, só por si, impeditiva de o referido arguido manter o mesmo negócio ilícito, contactando com os seus clientes a partir da sua residência - seja ela qual for – e ser por eles contactado, fazendo com que estes – sejam os mesmos de antigamente, ou outros diferentes - se desloquem à aludida residência.
Tendo em conta tais pressupostos, não cremos que a aplicação de qualquer outra medida coactiva, não privativa da liberdade, ou mesmo a obrigação de permanência na habitação, com recurso a meios técnicos de controlo, sejam suficientes para afastar o arguido/recorrente da prática de novos factos da natureza dos indiciados, de tráfico de estupefacientes, tornando-se, por isso, necessária a prisão preventiva, sendo a única medida adequada às exigências cautelares que no caso se fazem sentir e proporcional à sanção que previsivelmente lhe poderá ser aplicada, em caso de condenação (…)
20. Face ao que antecede, considera-se que não merece qualquer reparo o despacho recorrido, e que não deve ser dado provimento ao recurso, devendo o arguido aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, entendemos que não deve ser concedido provimento ao recurso, e em consequência deve ser mantido o despacho recorrido devendo o arguido PB continuar sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.
Assim se fazendo JUSTIÇA!»
1.5. Nesta Relação a Exm.ª PGA emitiu parecer, no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente e, consequentemente, confirmando o despacho recorrido.
1.6. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2 do CPP, tendo o arguido/recorrente exercido o direito de resposta, manifestando que o parecer da Exm.ª PGA não se pronuncia, em concreto, sobre as questões suscitadas no recurso e concluindo nos mesmos termos que neste último.
1.7. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Constitui jurisprudência uniforme que os poderes de cognição do tribunal de recurso são delimitados pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso (cfr. artigo 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal), sem prejuízo, da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como sejam as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, n.º 3 e 119º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal).
Assim, no caso em análise, considerando as conclusões extraídas pelo arguido/recorrente, da motivação de recurso apresentada, são as seguintes as questões suscitadas:
- Nulidade o despacho recorrido, por falta de fundamentação;
- Inexistência, em concreto, dos perigos de fuga, de perturbação do inquérito e de continuação da atividade criminosa;
- Violação dos princípios da legalidade, adequação, proporcionalidade, necessidade, excecionalidade da prisão e da presunção da inocência;
- Consequente revogação da medida de coação da prisão preventiva imposta ao arguido/recorrente no despacho recorrido.

2.2. Decisão recorrida
Passamos a transcrever o despacho recorrido:
O teor do despacho recorrido, nos segmentos relevantes para o presente caso - respeitantes ao arguido, ora recorrente e aos coarguidos que com o mesmo se relacionaram, direta ou indiretamente -, é o seguinte:
«(…)
Valida-se a detenção fora de flagrante delito dos arguidos (…), PB (…) , nos termos dos artigos 257.º, n.º 1, als. a) e b), e 254.º, nº 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal e face aos mandados que foram emitidos.
O arguido PB considera-se constituído arguido nos termos conjugados do art.º 58.º, n.º 1, al. b) e c) e 2, do Cód. Processo Penal.
Demonstra-se respeitado o prazo a que alude o artigo 141º, n.º 1 do Código de Processo Penal, sendo este Tribunal o competente.
Inexistem questões prévias ou nulidades de que cumpra apreciar nesta fase.

***
Indiciam-se fortemente os factos seguintes:
1. Desde data não concretamente apurada, mas que se localiza pelo menos desde 11 de Setembro de 2020 que os arguidos A, R, C, T e o individuo DD se dedicam à cedência a terceiros de produto estupefaciente, designadamente haxixe, mediante contrapartida em dinheiro, com o intuito de obter lucros resultantes de tal actividade.
2. Com vista à execução de tal actividade, o arguido A deslocou-se, por diversas vezes, à residência do arguido C e D, sita em Santo Amaro. (1 - cfr. sessão, 2928, 3178).
3. Noutras ocasiões distintas, o arguido A e o arguido R, deslocaram-se à residência de G, em X para adquirem produto estupefaciente, que posteriormente cediam a terceiros.
4. Por sua vez os arguidos PB e JA dedicam-se também à cedência de produto estupefaciente a terceiros, contando com a colaboração do arguido R, centrando a sua actividade em Y.
5. Ademais, até à data em que DD se deslocou para a R, o que sucedeu pelo menos até 10.07.2021, o arguido PB e JA encontravam-se semanalmente, entregando o arguido PB produto estupefaciente a DD, para posterior cedência a terceiros nos moldes descritos em 1.
6. Na execução de tal actividade os arguidos e DD utilizavam os seguintes telemóveis, através dos quais contactavam e eram contactados pelos fornecedores e clientes, com vista a combinar a entrega de produto estupefaciente entre si e a posterior entrega a terceiros: a) Arguido A – 926345989 e respectivo IMEI – alvo 118044040; b) DD – 924020736 e respectivo IMEI – alvo 118658040; c) Arguidos PB e JA – IMEI 35273145337990 – alvo 120982050;
(…)
38. No dia 14.04.2021 o arguido PB marcou um encontro com DD para entrega de produto estupefaciente. (26 - cfr. sessão 6818, apenso I)
39. Após, na mesma data, o arguido PB trocou mensagens com DD em que falaram das características do produto estupefaciente, “Top, top mano (...) Claro isso sempre mano (…) mas tava habituado ao verde (…) vais querer verde para o fim da semana? (…)”. (27 - cfr. sessão 18209, 18213, 18215, apenso II).
40. No dia 28.04.2021 e em diversas ocasiões distintas, o arguido PB marcou encontro com DD para entrega de produto estupefaciente. (28 - cfr. sessão 21859, 25156, 27705, 27724, 27726, 28737, 28828, 28879, 30106, 31117, 31630 e 31675, apenso II)
41. Por sua vez, no dia 24.05.2021 o arguido PB e DD encontraram-se em Monforte, tendo o arguido Paulo Leão procedido à entrega de produto estupefaciente a DD que se destinava à cedência a terceiros.
42. No dia 21.07.2021, cerca das 11h30min o arguido PB, fazendo uso do veiculo automóvel com a matrícula 58-RQ-17 dirigiu-se ao snack bar, “o F,” sito em X, e quando se encontrava nesse local procedeu à entrega de produto estupefaciente a um individuo não identificado, e de seguida abandonou o local.
43. Ora, para a execução do plano acima referido os arguidos PB e J contam com a colaboração do arguido R, e de outros indivíduos, contactando regularmente os mesmos com vista a controlar a cedência de produto estupefaciente a terceiros. (29 - cfr. sessão133, 136, 151, 156, 657, 673, 678, 781, 176, 466, 845, 922, 925 apenso III).
44. No dia 27.07.2021 e em diversas ocasiões distintas, o arguido PB contactou o arguido R perguntando-lhe pelo dinheiro do negócio da cedência de produto estupefaciente a terceiros. (30 - cfr. sessão 66, 79, 99, 101, 105, 113, 167, 169, 193, 245, 303, apenso III).
45. O arguido PB também entrega produto estupefaciente directamente a indivíduos não identificados, o que sucedeu em diversas ocasiões distintas, combinando os encontros através de contacto telefónico. (31 - cfr. sessão 569, 595, 596, 613, 438, 831, 833, 842, 844, 936 apenso III).
46. No dia 28.07.2021, cerca das 13h38min o arguido PB, fazendo uso do veiculo automóvel com a matrícula … dirigiu-se à Avenida Calouste Gulbenkian, em Y, tendo procedido à entrega de produto estupefaciente a um individuo não identificado. (32 - cfr. fls. 1009 a 1012).
47. No dia 30.07.2021 o arguido J contactou um individuo identificado como Águia perguntando-lhe “já tens isso”, referindo-se ao dinheiro que o mesmo tinha que entregar pela aquisição de produto estupefaciente. (33 - cfr. sessão 265, apenso III).
48. Na mesma data o arguido PB contactou o individuo identificado como Águia dizendo-lhe que a sua mãe tinha que receber o dinheiro em 15 minutos. (34 - cfr. sessão 280, apenso III).
49. No dia 06.08.2021, cerca das 11h59min, o arguido PB e o arguido J, fazendo uso do veiculo automóvel com a matricula … deslocaram-se ao cruzamento de Sa/P onde contactaram com individuo não identificado, com vista à cedência de produto estupefaciente.
50. Após os arguidos dirigiram-se a Elvas, e cerca das 12h27min dirigiu-se um individuo não identificado ao aludido veiculo automóvel com vista a adquirir produto estupefaciente.
51. No dia 06.08.2021, o arguido PB contactou um individuo identificado como Chico e falaram sobre a aquisição de produto estupefaciente, referindo que, “não há policias”. (35 - cfr. sessão 628, apenso III).
52. No dia 09.08.2021, cerca das 17h28min o arguido PB, fazendo uso do veiculo automóvel com a matrícula … dirigiu-se a Espanha para adquirir produto estupefaciente. (36 - cfr. fls. 1192 a 1195).
53. Na mesma data, cerca das 18h26min o arguido Paulo Leão dirigiu-se à Rua do Emigrante, em frente à barbearia LL onde se encontrava o arguido J à sua espera e seguiram para a residência de ambos.
54. Mais tarde, cerca das 20h21 os arguidos, PB e J dirigiram-se ao Zuga e cerca das 20h47min chegou ao referido local um individuo não identificado que se dirigiu à janela do pendura, ocorrendo entre eles a troca de produto.
55. No dia 10.08.2021 os arguidos PB e J, fazendo uso do veiculo automóvel com a matricula … dirigem-se à Rua … onde contactaram o arguido R que colabora com os arguidos na cedência de produto estupefaciente a terceiros, e trocaram entre eles produto estupefaciente ou dinheiro. (37 - cfr. fls. 1196 a 1199).
56. No dia 11.08.2021, cerca das 19h45min o arguido PB, fazendo uso do veiculo automóvel com a matrícula …. dirigiu-se à Rua …. onde se encontrava JE, conhecido por Indiano que estava à sua espera. (38 - cfr. fls. 1200 a 1203).
57. Nesse momento JE aproximou-se da janela do lado do condutor e recebeu um objecto de pequenas dimensões.
58. No dia 12.08.2021, cerca das 11h23min o arguido PB encontrava-se no interior do veiculo automóvel com a matricula 58-RQ-17, na Rua Amadeu da Silva, em Campo Maior e nesse momento compareceu no local a viatura automóvel com a matricula 13-AE-73, onde circulava um individuo não identificado.
59. O referido individuo dirigiu-se ao veiculo automóvel conduzido pelo arguido PB e trocaram entre eles um objecto de pequenas dimensões.
60. No dia 31.08.2021 o arguido PB combinou entregar produto estupefaciente a um individuo de nome T, tendo este individuo pedido “um saquinho de 100 euros”. (39 - cfr. sessão 939, apenso III).
61. No dia 03.09.2021 o arguido PB contactou um individuo não identificado, utilizador do número de telemóvel 926104538, referindo que, “se quiseres a ti, desenrasco-te dez graminhas boas, andar cortar o cabelo às três, fumas aqui um cafezinho com o primo, ou em vez do coiso, queres uma latinha? Referindo o arguido PB que a “tinta tá muito agressiva, não me largam com a puta da tinta, é da Barbot (…) ligam-me de madrugada, filhos de uma grande puta, levam os outros a ligar-me durante a noite inteira.” (40 - cfr. sessão 1072, apenso III).
62. No dia 05.09.2021 o arguido PB contactou o individuo identificado por ZZ e perguntou-lhe “se quer 100 paus,” (41 - cfr. sessão 1115, 1116, apenso III).
63. No dia 07.09.2021 o arguido PB contactou o individuo identificado por J, conhecido por Indiano, perguntando-lhe “se não queria ir cortar,” referindo-se a produto estupefaciente. (42 - cfr. sessão 1164, apenso III).
64. No dia 08.09.2021 o arguido PB contactou o individuo identificado por J, conhecido por Indiano e perguntou-lhe “se os amigos betos não queriam “uma tintazinha,” referindo-se a produto estupefaciente. (43 - cfr. sessão 1142, apenso III).
65. No dia 08.09.2021 o arguido PB contactou um individuo não identificado, utilizador do número de telefone 969333581 perguntando se não precisam de “uma tintazinha”, referindo-se a produto estupefaciente, tendo acrescentado que, “tens vinte minutos, que eu vou lá andar a vendê-la (…) e tenho um gravão (…) anuncia aí a esses que a comam,”. (44 - cfr. sessão 1145, apenso III).
(…)
67. No dia 29.09.2021, na execução do mandado de busca domiciliária à residência do arguido PB, sita na Rua ….., em Y, foram localizados e apreendidos os seguintes objectos: (fls. 1439 e 1440) Uma placa de haxixe com o peso total de 87,8 gramas, dentro de uma gaveta do móvel da cozinha; Dois panfletos de cocaína com o peso total de 1,6 gramas, dentro de uma gaveta do móvel da cozinha; Um telemóvel de marca Sunstech, melhor id. no auto de apreensão de fls. 1439, dentro de uma gaveta do móvel da cozinha; Uma faca contendo vestígios de haxixe, em cima da bancada da cozinha; Um telemóvel de marca Huawei, melhor descrito no auto de apreensão, em cima do móvel da televisão; Um suporte de cartão SIM de marca MEO, melhor identificado no auto de apreensão; Um LSD de marca Sony, melhor identificado no auto de apreensão, de fls. 1440; Um LSD de marca Samsung, melhor identificado no auto de apreensão de fls. 1440;
68. No decurso da busca acima realizada foram apreendidos os seguintes bens ao arguido PB, cfr. auto de apreensão de fls. 1438, 1 (um) telemóvel marca Samsung de cor preta, melhor id. no auto de apreensão; 1 certificado de matricula com o n.º ….; Veículo automóvel de marca Mercedes, com a matricula … e respectiva chave.
69. No dia 29.09.2021, na execução do mandado de busca domiciliária ao estabelecimento comercial PI explorado pelo arguido JA foram apreendidos os seguintes bens: fls. 1481 Polén de haxixe, com o peso total de 2,9 gramas, que se encontrava na gaveta do balcão; Um panfleto de produto estupefaciente, contendo cocaína, com o peso total de 1,3 gramas, localizado na gaveta do balcão; Um computador portátil de marca HP, melhor descrito no auto de apreensão de fls. 1481; Uma balança de precisão de marca pocket sale, no interior do armário; Uma balança de precisão de marca Inebrya, localizada no interior do armário;
70. No dia 29.09.2021, o arguido JA tinha na sua posse: Um telemóvel de marca iphone Apple, modelo 12, de cor preta; Um maço de tabaco marca Chesterfield, contendo no seu interior um cigarro tipo charro; Um panfleto de cocaína com o peso total de 1,1 gramas; Um panfleto de heroína com o peso total de 0,2 gramas;
71. No dia 29.09.2021, na execução do mandado de busca domiciliária à residência do arguido R, sita na Rua …., foram localizados e apreendidos os seguintes objectos: (fls. 1508) Uma faca de cozinha com vestígios de haxixe; Dezoito pacotes zip de plástico; Um pedaço de polén de haxixe com o peso de 0,3 gramas; Um telemóvel de marca Altice, melhor identificado no auto de apreensão; Uma balança de precisão digital, modelo 500;
(…)
75. Os arguidos destinavam os objectos que tinham na sua posse a serem usados na actividade de cedência a terceiros de estupefaciente e o dinheiro era produto dessa actividade.
76. Os arguidos conheciam as características estupefacientes dos produtos que adquiriram e detiveram para venda, venderam ou entregaram, a qualquer titulo e de qualquer forma, a terceiros, bem como daqueles que foram encontrados na sua posse nas datas e locais descritos acima e que destinavam a ceder a terceiros, a troco de dinheiro e com intenção de obter lucro.
77. Os arguidos conheciam os efeitos nefastos na saúde humana dos produtos estupefacientes por si detidos e/ou cedidos a terceiros.
78. Cada um dos arguidos quis agir como agiu, bem sabendo que é proibido guardar, adquirir, transportar, vender, ceder ou entregar a terceiros, como fizeram, ou por qualquer modo deter como detinham nas circunstâncias acima referidas e para o efeito a que os destinavam, os produtos estupefacientes da natureza e com as características dos supra descritos, e não obstante, não se eximiram de actuar do modo descrito e obter vantagens económicas, como obtiveram, que sabiam não lhes serem devidas, o que quiseram e conseguiram.
79. Em todas as circunstâncias acima descritas, agiu cada um dos arguidos de forma livre, voluntárias e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
80. Os arguidos têm os antecedentes criminais (ou ausência deles) constantes dos certificados de registo criminal atualizados vertidos nos presentes autos e aos mesmos respeitantes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Salientamos a que são relevantes para a decisão a proferir.
(…)
O arguido PB tem averbada uma condenação por crime de introdução em lugar vedado ao público por acórdão transitado em julgado em … na pena de 40 dias de multa a taxa diária de €3,00, declarada extinta; uma condenação por sentença transitada em julgado em … por um crime de consumo de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 40.º n.º2 do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de multa de 40 dias a taxa diária de €5,00, sem declaração de extinção, uma condenação por sentença transitada em julgado em … por um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena de multa de 120 dias a taxa diária de €5,00, sem declaração de extinção; outra condenação por sentença transitada em julgado em … por um crime de consumo de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 40.º n.º2 do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de multa de 45 dias a taxa diária de €6,00.
Por sentença cumulatória transitada em julgado em …, foi PB condenado em 170 dias de multa à taxa diária de €6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados durante 4 meses; penas declaradas extintas.
Foi ainda condenado por sentença com o trânsito em julgado em 05/06/2017 por um crime de ofensas à integridade física na pena de multa de 140 dias à taxa diária de €6,00, declarada extinta.
(…)
*****
Factualidade referente à condição socioeconómica dos arguidos:
(…)
86. O arguido PB e JA têm o 6.º e 7.º de escolaridade, respectivamente, e vivem em união de facto em casa arrendada pelo valor de €360,00 e exploram há dois anos barbearia PI retirando cerca de €2000,00.
87. O arguido R tem escolaridade correspondente ao 9.º ano, uma filha com … anos de idade com a qual não reside; declarou trabalhar na colheita da azeitona auferindo cerca de €40/dia, e a sua companheira trabalhar no …, auferindo cerca de €700,00; declarou que desde os 17 anos é consumidor de haxixe e 20 anos em diante passou a ser consumidor de cocaína.
*****
Factos não indiciados, por falta de elementos de prova:
- ser produto estupefaciente;
- modelo 240.
*****
DA MOTIVAÇÃO:
A convicção do tribunal relativamente à factualidade resulta, designadamente, dos seguintes elementos probatórios:
- Auto de notícia de fls. 4 a 7;
- Teste rápido, de fls. 8, 1451, 1473, 1474, 14787, 1488, 1514, 1537, 1563, 1594
- Auto de apreensão de fls. 9 e 10;
- Pesquisa nas bases de dados dos serviços de identificação civil de fls. 12, 838 a 847;
- Extracto de remunerações, de fls. 55 a 57;
- Relatórios de vigilância de fls. 86 a 89, 91 a 97, 126 a 129, 130 a 136, 154 a 165, 192 a 194, 232 a 237, 257 a 263, 344 a 348, 594 a 599, 601 a 603, 951 a 953, 1009 a 1012, 1179 a 1182, 1185 a 1191, 1192 a 1195, 1196 a 1199, 1200 a 1203, 1205 a 1209;
- Autos de apreensão, de fls. 1438, 1471, 1581;
- Auto de busca e apreensão de fls. 139 a 1440, 1449, 1481, 1482, 1508, 1509, 1533 a 1534, 1559 a 1560, 1582, 1583, 1584, 1614;
- Relatório fotográfico, de fls. 1441 a 1448, 1483 a 1486, 1510 a 1513, 1535, 1536, 1561 a 1568, 1586 a 1593, 1616 a 1619;
- Exame de fls. 178;
- Auto de exame directo e avaliação, de fls. 1453, 1455, 1457, 1459, 1489 a 1492, 1515 a 1518, 1539, 1542, 1564 a 1565, 1595 a 1600, 1620, 1622 a 1631.
- Certificados de registo criminal juntos aos autos;
- Apensos de transcrições – I, II, III;
- Auto de inquirição de aa, fls. 589;
- Declarações prestadas pelos arguidos.
As buscas e as apreensões constam de fls. 1438, 1471, 1581, 1439 a 1440, 1449, 1481 a 1482, 1508 a 1509, 1533 a 1534, 1559 a 1560, 1582 a 1583, 1584 e 1614 dos presentes autos, elementos que foram comunicadas aos arguidos, e que sustentam toda a factualidade atinente à detenção de objectos com relevo para os autos.
O recurso a dispositivos telefónicos resulta dos apensos de transcrições em conjugação com os despachos proferidos nos autos até à presente data.
Além do mais, na decisão referente ao estatuto coactivo dos arguidos foram tomados em consideração o teor do CRCs e no que tange às condições pessoais de cada dos arguidos o tribunal considerou de suficiente credibilidade as declarações prestadas.
A opção de indicar em nota de rodapé parte dos meios de prova a que o tribunal atendeu para formar a sua convicção, mormente indicação das sessões decorrentes das interceções telefónicas, já constava do requerimento do Ministério Público e foi mantida para efeito de inteligibilidade, sendo tais referências parte integrante da apreciação global dos elementos de prova, sem prejuízo da motivação que de seguida se irá exarar relativamente a cada um dos arguidos.
Questionados sobre os factos constantes do requerimento e advertidos do seu direito de não prestar declarações, o tribunal considerou as declarações prestadas pelos arguidos A, RR, C e R, sendo que os restantes arguidos fizeram uso da prerrogativa que a lei lhe confere e entenderam não prestar declarações.
(…)
No que concerne a PB e JA, após o apuramento de que o primeiro fornecia produto estupefaciente a DD que posteriormente cedia a C e a T, verificou-se a sua intervenção directa em transacções e comportamentos típicos daqueles cedem produto estupefaciente. No caso particular foram detectadas deslocações a B…. Os relatórios de vigilância demonstram a actividade assumida pelo arguido PB e JA, nomeadamente, os de fls. 951 a 953,1009 a 1012, 1192 a 1195, 1196 a 1199, 1200 a 1203, 1205 a 1209. Com efeito, o tribunal logra em criar a convicção relativa à factualidade descrita em 42, 49, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58 e 59. No período das intercepções telefónicas demonstra-se evidentemente que o arguido PB centra a sua actividade no tráfico de produto estupefaciente de modo organizado recrutando indivíduos como o R para se deslocarem a Espanha com intuito de se abastecerem de produto estupefaciente e por sua vez o transportarem para Portugal, mais concretamente para Y, assim como para cederem produto estupefaciente a terceiros. Disso dão conta as sessões 133, 136, 151, 156, 66, 79, 99, 101, 105, 113, 167, 169, 193, 245, 265, 280, 303, 939, 1072, 1115, 1116, 1164 do Apenso III, ressaltando o projecto criminoso comum quando R afirma o seguinte: «Fodasse vocês também não podem ser assim, ontem vim fiz sessenta paus, o depois em toda a tarde fiz noventa» e responde PB: «R tu é que não podes ser assim, tu é que não podes ser assim, tanta pressa tanta pressa, fizeste nos tirar os tomates da cama…». Provam-se os factos descritos em 43, 44, 45, 47, 48, 60, 61, 62, 63, 64 e 65.
O arguido R confirma a deslocação por conta e no interesse de PB para a obtenção de produto estupefaciente, mais concretamente haxixe, entre 20 a 50 gramas com o recurso a táxi. Demonstra-se fortemente que os arguidos PB e JA contactam vários indivíduos para que os mesmos lhes paguem o dinheiro da venda de produto estupefaciente, tendo R tem acesso a consumidores, alguns ainda por identificar, que lhe compram produto estupefaciente quase diariamente e por esse motivo o mesmo têm sempre dinheiro para entregar ao PB e JA.
No que concerne às declarações prestadas, os arguidos A, RR, C, R vieram, em sede de primeiro interrogatório, a prestar declarações, de alguma forma, o A e R tentaram limitar a sua responsabilidade à circunstância do consumo e C e R admite os factos imputados e confirmam a intervenção directa no projecto criminoso de DD e PB e JA, respectivamente. Os presentes autos e, aliás, isso vem referido, tiveram início na detenção de produto estupefaciente ao arguido A. Foram, na sequência das buscas, apreendidos diversos objectos relacionados e conotados com o tráfico de produtos estupefacientes, nomeadamente, balanças de precisão e facas contendo vestígios de produtos estupefacientes e produto estupefaciente.
Identificaram-se, efectivamente, três dos fornecedores de produto estupefaciente (DD, T e A), que por sua vez eram fornecidos pelos arguidos PB e, respectivo companheiro, JA; sendo que o suspeito DD ainda não foi detido.
O material para transacionar de forma lucrativa o produto estupefaciente, a balança, estavam na residência e no estabelecimento de PB e JA, R, A e T.
No caso de A, inicialmente, fornecia-se em X, depois passou a ser fornecido por um dos traficantes que ainda não se encontra detido.
Desde o mês de Março p.p., após ter adquirido produto estupefaciente em Elvas, segundo parece de baixa qualidade, em 18 e 24 de Março de 2021, A e R confirma tal detenção ao falar sobre a fraca qualidade do produto e o preço. Mais tarde, segundo se crê, até por motivos de detenção do fornecedor de X, A contactos com DD e C por forma a providenciar a aquisição de produto estupefaciente.
Assim se vê: a integração da rede existente com vista a troca e comercialização de produto estupefaciente.
A responsabilidade do DD que também ainda não está detido era o fornecimento de produto estupefaciente que proviria de PB e JA, em face dos contactos telefónicos estabelecidos e que levaram a que fosse autorizadas as intercepções quanto a estes arguidos.
Portanto, desde de Setembro de 2020, e de forma mais acentuada desde Fevereiro de 2021 até à presente data, foram apurados factos que levam a consolidar fortemente as suspeitas de que os arguidos detém e comercializam produto estupefaciente.
Não há dúvidas que todos eles traficam produto estupefaciente. Porém, apura-se dos factos fortemente indiciados, designadamente dos pontos 4 e 5, que o coarguido PB e JA fazem uma grande pressão para a cedência onerosa de produtos estupefacientes e utilizam táxi para deslocar o arguido R …. a fim de obter o produto estupefaciente, ou seja, apresentam maior de organização e sofisticação para dissimular a actividade criminosa. Repare-se que JA um estabelecimento onde se encontrava produto estupefaciente e onde, por vezes, era pedido a terceiros consumidores que aí se deslocassem para consumar a transacção. Nesta actividade, o arguido R tinha um papel importante e aderiu, participava, fazia, sabia da actividade dos arguidos PB e JA. Veja-se que das diligências realizadas nos autos foi possível apurar que R é distribuidor de produto estupefaciente, trabalhando directamente para PB, que o contacta frequentemente para saber o montante que o mesmo vai vendendo por dia, controlando assim o negócio de cedência de estupefacientes a terceiros.
Ao invés, os arguidos R, T e C apresentam intervenções mais rudimentares e isoladas nos factos investigados, sem grande organização e ligação a PB e JA.
(…)
Acresce que ponderada toda a prova relativa aos arguidos que não prestaram declarações, a prova mantém validade e fundamenta toda a factualidade imputada e dada como fortemente indiciada.
Por fim, a prova dos factos do elemento subjectivo resultou da apreciação, ao abrigo das regras de experiência comum, da conduta objectiva imputada e dos elementos probatórios supra indicados, permitindo inferir os elementos referentes ao conhecimento e vontade de praticar o ilícito e ilicitude e consciência destas inerentes (ou implícitas nas palavras de Tereza Beleza In Direito Penal, 2.º Volume.) às condutas dos arguidos.
Ensinava CAVALEIRO de FERREIRA In Curso de Processo Penal, II, 1981, pág. 292., “existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são suscetíveis de prova indireta como são todos os elementos de estrutura psicológica”. De acordo com o acórdão da Relação de Coimbra de 16-11-2005, “não obstante o dolo pertencer ao íntimo de cada um, ser um ato interior, revestindo natureza subjetiva, o facto de o arguido exercer o direito ao silêncio não impede que a existência daquele seja captada através de dados objetivos, através das regras da experiência comum”.
Em face dos elementos o tribunal como fortemente indiciada os factos atinentes ao elemento subjectivo.
****
Os factos indiciam fortemente a prática pelos arguidos em co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, entre os arguidos (…) PB, JA e R.
Em face dos elementos de prova juntos aos autos, importa esclarecer que entendemos que estamos na presença de fortes indícios da prática criminal, porquanto os arguidos, à excepção de C, foram encontrados com produto estupefaciente, vestígios de produtos estupefacientes e objectos amplamente utilizados em produto estupefaciente, corroborando as intercepções telefónicas transcritas. Mesmo no que se refere a R, a análise perfunctória das escutas telefónicas envolve-o com a actividade de PB e JA, servindo para efectuar o transporte, a guarda e a cedência de produto estupefaciente a terceiros consumidores e dos respectivos proventos a PB e JA. A avaliação dos factos apurados relativamente aos arguidos denota não uma menor ilicitude muito menos consideravelmente diminuída, pelo que preenche sempre os pressupostos do art.º 21.º do Decreto-lei n.º 15/93, e não o tipo privilegiado do art.º 25º do mencionado diploma.
Importa aqui salientar o Acórdão da Tribunal da Relação de Évora, de 28-06-2011, disponível em www.dgsi.pt: “III – A circunstância de, num momento isolado (uma operação policial), o arguido não ter em seu poder uma quantidade mais significativa de produto estupefaciente não pode basear só por si a qualificação jurídica dos factos cometidos, que terão que ser vistos e avaliados na sua globalidade. IV – É da experiência comum que raramente os vendedores de estupefacientes transportam com eles mais do que a quantidade estritamente necessária – por cautela facilmente compreensível.”.
Assim, a quantificação do produto estupefaciente transacionado e apreendido não integra o tipo previsto no art.º 25.º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Em termos de perigos, verifica-se um fortíssimo perigo de continuação da actividade criminosa. Estamos a falar de uma rede na qual cada um tem o seu papel, a sua área de actuação, há a feitura, a obtenção e a difusão de produto estupefaciente. Não é uma situação que aconteceu uma vez, não são pessoas inexperientes que obtêm e consomem produto estupefaciente; existem ao invés diversos actos de transacção de produto estupefaciente. É uma rede organizada que se dedica a isto e, pelo menos, desde de 2020, com um período de actividade no tempo longo, sendo certo que o arguido PB e JA entraram nos primórdios de 2021, ou seja, só mais recentemente. Mas ditam as regras de experiência que todos os outros já estariam envolvidos desde 2020.
Em face do período de tempo em que foram investigados os arguidos PB e JA desenvolveram de forma intensa a actividade de tráfico de estupefaciente.
Verifica-se em concreto o perigo de perturbação do decurso do inquérito, e isto porque há um suspeito que ainda não foram detido, tendo o suspeito DD, de facto, se colocado em parte incerta na Roménia.
Se estes arguidos PB, JA fossem restituídos à liberdade e como, possivelmente, aliás, ele – DD – já terá sido alertado para a detenção e para o que se passa nos presentes autos, e, portanto, de alguma forma, a prova a recolher poderia ficar comprometida, podendo aquele através da rede de contactos condicionar a prova testemunhal.
A prova testemunhal, ainda a inquirir, por regra, é frágil e pode ser objecto de pressões pelos arguidos para se eximirem à sua responsabilidade criminal, se estes se puderem movimentar livremente entre fornecedores e consumidores. Numa actividade ilícita fortemente indiciada que envolve sempre terceiros, a quem se vende e a quem se compra, a manutenção dos arguidos, em liberdade, propicia os contactos com as eventuais testemunhas, sobre as quais, sem sombra de dúvida, exercerão pressão destinada a ilibá-los.
Os arguidos Pb e JÁ têm em nosso entender capacidade conjuntamente com os restantes revendedores e podem prejudicar a actividade de recolha de prova e a eficácia probatória da prova indiciária já recolhida, designadamente, os consumidores por si fornecidos e identificados nas intercepções telefónicas.
Neste tipo de criminalidade, as pressões sobre testemunhas consumidoras de produtos estupefacientes para alterarem em julgamento os depoimentos que prestaram nos autos e o condicionamento de testemunhas para não deporem contra si são uma realidade a considerar no exercício da acção penal mesmo numa fase embrionária do processo como é aquela que nos encontramos.
Mesmo com actividades laborais, em relação a todos os arguidos, existe, neste contexto, uma forte propensão para que reiterem na prática criminosa, designadamente, o tráfico de estupefaciente, que permite auferir de forma célere proventos monetários.
Aliás, o estabelecimento PI ocultava a actividade de tráfico de estupefaciente pelos arguidos PB e JA, servindo de ponto de transacção desse produto que aí foi encontrado e nele existiam balanças de precisão.
Também se verifica o perigo de fuga, não tão forte quanto o perigo de continuação da actividade criminosa, devido às constantes idas a Espanha para a obtenção de produto estupefaciente.
Assim, perante a penalidade que ora se encontram sujeitos não é de excluir a perspectiva da fuga, como a de DD, para evitar a responsabilidade jurídico-criminal. O perigo de fuga verifica-se em concreto e já foi verificado em relação a um dos suspeitos.
Não obstante alguns dos arguidos serem primários, sem antecedentes criminais averbados nos respectivos certificados criminais, e outros apresentam condenações pelos crimes da mesma natureza àquele a que se reportam os presentes autos, numa perspectiva indiciária, fazendo um juízo de prognose, por um lado, há prova abundante; existe a apreensão de objetos utilizados para traficar produto estupefaciente e diverso produto estupefaciente; temos as vigilâncias e as intercepções telefónicas que serão imutáveis e com base na qual os arguidos PB e JA serão condenados numa pena de prisão efectiva.
Diferentemente no que sucede em relação aos arguidos A, R, C e T: os mesmos têm uma intervenção mais acessória e residual no projecto criminoso.
Por sua vez, o R prestou declarações sobre os factos e colaborou com a justiça, e com a prisão preventiva dos arguidos PB e JA o perigo de continuação da actividade criminosa e perturbação do inquérito atenua-se de forma relevante, não sendo, por adequado, sujeitá-lo as medidas de coacção privativas da liberdade.
Ante o exposto, a única medida de coação proporcional à gravidade do crime cometido pelos arguidos Pb e JA, por um lado, e adequada e necessária a afastar os perigos que se enunciaram, é, efectivamente, a medida de coacção de prisão preventiva dos arguidos PB e JA, sendo qualquer outra medida insuficiente para o fazer.
(…)
Decisão:
Assim, ao abrigo do disposto nos artigos 191.º a 194.º, 195.º, 198.º, n.º 1 e 2, 200.º, n.º1, al. c) d), 202.° n.º 1, alínea a) e c), 204.º, alíneas a), b) e c) todos do Código de Processo Penal, determino que:
a) Os arguidos PB e JA aguardem os ulteriores trâmites processuais em prisão preventiva.
(…).»

2.3. Conhecimento do recurso
Pugna o recorrente, pela revogação da medida de coação de prisão preventiva que lhe foi aplicada, no despacho recorrido.
Em ordem a fundamentar a sua pretensão, sustenta o recorrente:
- Não se verificarem, em concreto, os perigos de fuga, de continuação da atividade criminosa e de perturbação do inquérito, para a aquisição e conservação da prova, enfermando o despacho recorrido de nulidade, por falta de fundamentação, ao julgar verificados esses perigos;
- A aplicação da prisão preventiva não obedeceu à excecionalidade dessa medida de coação, tendo sido violados, os princípios da legalidade (artigos 29º da CRP e 191º do CPP), excecionalidade e necessidade (artigos 27º, n.º 3 e 28º, n.º 2, da CRP e 193º do CPP), adequação e proporcionalidade, como emanação do principio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32º, n.º 2 da CRP.
O Ministério Público pugna pela manutenção da prisão preventiva aplicada ao ora recorrente, sufragando a fundamentação aduzida na decisão recorrida.
Vejamos:
2.3.1. O recorrente começa por alegar que «não é liquido que existam os “fortes indícios” a que a decisão recorrida faz referência, uma vez que não pode o Tribunal a quo, nesta fase, em que não há sequer ampla garantia de defesa, tendo presente que o Arguido não foi julgado, não foi produzida prova, nem o Arguido a pode contraditar, simplesmente presumir que ao ora Recorrente será aplicada uma pena de prisão efetiva».
E manifesta ainda o recorrente que «os factos indiciados são subsumíveis ao “pequeno tráfico”, sendo as quantidades de produto estupefaciente apreendidas (e bem assim as que teriam sido transacionadas referidas nos factos que respaldam as “escutas e vigilâncias) objetivamente diminutas.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de não assistir razão ao recorrente, quanto a este concreto fundamento do recurso, defendendo existirem, tal como se conclui no despacho recorrido, fortes indícios da prática pelo arguido, ora recorrente, do crime de tráfico que lhe é imputado.
Apreciando:
Como é sabido, para ser decretada a prisão preventiva, a lei exige a verificação de um requisito específico qual seja, a existência de “fortes indícios” da prática, pelo arguido, de crime enquadrável numa das alíneas do n.º 1 do artigo 202.º do CPP, designadamente, de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos - al. a) - e de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta A definição de criminalidade violenta consta da al. j) no artigo 1º do CPP, como «as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos.» - al. b) -.
Quanto ao conceito de “fortes indícios”, escreve o Cons. Maia Costa In Código de Processo Penal Comentado, Cons. António Henriques da Silva Gaspar e outros, 2016, 2ª Edição Revista, Almedina, pág. 817.: «“Fortes indícios” é um conceito equivalente ao de “indícios suficientes” (art. 283º, nº 2); são aqueles indícios que seriam idóneos para sustentar uma acusação formal contra o arguido, caso o inquérito estivesse findo, ou seja, indícios de que resulte a possibilidade de ao arguido vir a ser aplicada em julgamento uma pena (...)».
No mesmo sentido, cf., entre outros, Acórdão deste TRE de 24/05/2018 Proferido no proc. n.º 1/17.0GCEVR-C.E1, acessível in www.dgsi.pt: «Deve considerar-se existirem “fortes indícios” da verificação do crime por parte de um arguido se puder concluir-se, com segurança, pela probabilidade elevada de a tal arguido, por força deles, vir a ser aplicada uma pena de prisão por esse mesmo tipo legal de crime.»
Ora, tendo em conta os elementos de prova recolhidos nos autos e que são indicados no despacho recorrido, conjugados e interrelacionados, designadamente, o teor dos autos de transcrição das conversações e SMS intercetadas, em que o ora recorrente é um dos interlocutores, o teor dos autos de vigilância, elaborados pelo OPC e as imagens recolhidas e as declarações do coarguido R, levam a concluir ser manifesta a existência de fortes indícios da prática pelo arguido/recorrente dos factos, cuja prática lhe é imputada, no despacho recorrido.
As provas já recolhidas e que vêm referidas no despacho recorrido, na sua globalidade e conjugadas entre si e, na ausência de qualquer explicação que tivesse sido apresentada, pelo arguido, ora recorrente – que no legitimo exercício do direito ao silêncio, em sede de 1º interrogatório judicial, optou por não prestar declarações quanto aos factos –, para que as conversas telefónicas que manteve com terceiros e que foram intercetadas e para os comportamentos assumidos que foram percecionados por elementos do OPC, que efetuaram ações de seguimento e de vigilância ao arguido, permitem, na fase processual em que autos se encontram, corroborar o juízo de indiciação formulado pelo Mmº. Juiz a quo, no despacho recorrido.
Quanto à qualificação jurídica dos factos indiciados, ainda que o recorrente não preconize de forma expressa entendimento no sentido da subsunção ao crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º, al. a), com referência ao artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, fá-lo implicitamente, ao sustentar estar-se perante “pequeno tráfico”.
O Senhor JIC a quo concluiu que os factos que se mostram indiciados no que ao ora recorrente se refere, integram a prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, fundamentando tal entendimento nos termos que supra se deixaram transcritos e que aqui se dão por reproduzidos.
E, desde já se diga, que a subsunção jurídica dos factos que resultam indiciados, ao crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1 do DL 15/93, de 22 de janeiro (com referência às Tabelas I-C e I-B anexas ao mesmo diploma legal), nesta fase do inquérito, merece-nos concordância, pelas razões que se passam a explicitar.
Decorre do disposto no artigo 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que comete o crime de tráfico de estupefacientes, punível com pena de prisão de 4 a 12 anos: Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver - fora dos casos previstos no artigo 40º do citado Decreto-Lei nº 15/93 -, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III - anexas ao Decreto-Lei em referência.
E estatui o artigo 25º al. a) do enunciado Decreto-Lei: «Se, nos casos previstos nos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade daquelas plantas, substâncias ou preparações», a pena é de prisão de um a cinco anos se se tratar de preparações compreendidas nas tabelas I a III.
É entendimento pacífico que o normativo do artigo 21º define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefaciente, pelo qual se punem diversas atividades ilícitas, cada uma delas dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objetivo do crime; e no artigo 25º é definido um tipo privilegiado em relação ao tipo fundamental do artigo 21º.
O acento tónico do privilegiamento é explicitamente colocado na sensível diminuição do grau de ilicitude do facto, ou seja, no menor desvalor da ação, na sua menor gravidade, portanto, revelada pela valoração em conjunto dos diversos fatores, alguns deles enumerados na norma, a título exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da ação, qualidade e quantidade das plantas, substâncias e preparados).
Como vem sendo salientado pela jurisprudência o artigo 25º, al. a) constitui uma «válvula de segurança do sistema», destinada a evitar que tenham idêntico tratamento os casos de tráfico menor e os de tráfico importante e significativo e que sejam aplicadas penas desproporcionadas em situações de menor gravidade objetiva Cf., entre outros, Ac. do STJ de 06/04/2016, proferido no proc. 73/13.6PEVIS.S1 e acessível em www.dgsi.pt.
Para se aquilatar do preenchimento do tipo legal do artigo 25º, haverá que proceder a uma “valorização global do facto”, não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada uma das circunstâncias a que alude aquele artigo (quais sejam: os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, e a qualidade ou a quantidade do produto em causa), podendo juntar-lhes outras, «permitindo, desse modo, ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição, em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, fica aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do artº. 21º e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma do artº. 25º» Cf. Ac. do STJ de 02/03/2011, proferido no processo n.º 58/09.7GBBGC.S1, disponível em www.dgsi.pt. .
O Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo que, no domínio do tráfico de menor gravidade, não releva apenas, e nem sequer preponderantemente, a quantidade de droga transacionada, tudo dependendo da apreciação e consideração conjunta das circunstâncias, fatores ou parâmetros mencionados no artigo 25º.
A aferição sobre a considerável diminuição da ilicitude do facto exigida pela norma em causa deve, pois, resultar de um juízo sobre uma avaliação global da situação, na qual assumem especial relevo, entre outros aspetos, a qualidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização; a dimensão dos lucros obtidos; a afetação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas; a duração temporal, a intensidade e a persistência no prosseguimento da atividade desenvolvida; a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes; o número de consumidores contactados; a extensão geográfica da atividade do agente; o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização ou meios mais sofisticados, nomeadamente recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente.
Como se refere no Ac. do STJ de 13/03/2019 Proferido no proc. 227/17.6PALGS.S1, acessível em www.dgsi.pt.
, «É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, de menor gravidade, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no art. 21º do DL nº 15/93.
Tendo presentes estas considerações, no caso vertente, e em face dos indícios recolhidos, ainda que não sejam pequenas as quantidades de produtos estupefacientes, cannabis e cocaína, apreendidas no âmbito da busca realizada à residência e ao estabelecimento comercial de barbearia, explorado pelo arguido e pelo seu companheiro, estando fortemente indiciado que a par dessa atividade, o arguido, ora recorrente, em colaboração com o seu companheiro, coarguido nos autos, desenvolviam também, desde data não apurada, mas, pelo menos, desde abril até 29 de setembro do 2021 – data da sua detenção no âmbito dos presentes autos –, a atividade de compra e venda de produtos estupefacientes, fazendo-o diretamente e também por intermédio de terceiros, um deles o arguido R, sendo os seus clientes não apenas os consumidores finais mas também outros indivíduos revendedores daquelas substâncias, entre os quais o suspeito DD, sendo o arguido/recorrente quem coordenava o negócio, prestando-lhe o arguido R e outros indivíduos que colaboravam na atividade desenvolvida e ainda não identificados, contas das vendas efetuadas e entregando-lhe o dinheiro resultante dessas vendas, deslocando-se, por vezes, o arguido R a …., a mando do ora recorrente, para adquirir os produtos estupefacientes para posterior venda a terceiros, efetuando também o recorrente deslocações a …. para o mesmo fim, assumindo o recorrente um papel muito interventivo, contatando clientes, propondo-lhes a venda de estupefacientes e avisando-os de que tinha produtos disponíveis para o efeito, não se mostra possível, neste quadro, concluir por uma acentuada diminuição do grau de ilicitude do facto, nos termos sobreditos, em termos de indiciada conduta do arguido, ora recorrente, integrar o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
Entendemos, assim, que bem andou o Sr. Juiz a quo ao subsumir os factos indiciados ao crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

2.3.2. Da falta de fundamentação do despacho recorrido
Alega o recorrente que o despacho recorrido é nulo, por falta de fundamentação, ao considerar verificados os perigos de perturbação do inquérito, de fuga e de continuação da atividade criminosa, previstos no artigo 204º alíneas a), b) e c), do CPP, baseando-se o Sr. Juiz a quo, em meras conjunturas, suposições, configurações abstratas e subjetivas, para sustentar a verificação desses perigos.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de não assistir razão ao recorrente, entendendo que o despacho recorrido se mostra suficientemente fundamentado.
Apreciando:
O dever de fundamentação das decisões dos tribunais encontra-se constitucionalmente consagrado no artigo 205º, n.º 1, da CRP, que estatui: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei
O artigo 97º, n.º 5 do CPP estabelece o dever genérico de fundamentação dos atos decisórios, dispondo que: «Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os normativos de facto e de direito da decisão
O objetivo do dever de fundamentação dos atos decisórios é, nas palavras do Prof. Germano Marques da Silva In Curso de Processo Penal, III Volume, 3ª edição, Verbo, pág. 289. permitir «a sindicância da legalidade do ato, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando por isso como meio de autodisciplina».
Especificamente em relação ao despacho que aplicar qualquer medida de coação, à exceção do termo de identidade e de residência, o dever de fundamentação está expressamente previsto no artigo 194º, n.º 6, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, que preceitua a fundamentação de tal despacho «contém, sob pena de nulidade:
a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;
b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
c) A qualificação jurídica dos factos imputados;
d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º».
Conforme vem sendo entendimento da jurisprudência maioritária dos nossos Tribunais Superiores e que se perfilha, a omissão ou insuficiência de fundamentação, no despacho que aplica a medida de coação, quanto à referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida (artigo 194º, n.º 6, al. d), do CPP), constitui nulidade, dependente de arguição pelo interessado. E sendo a medida de coação aplicada em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido, tal nulidade deve ser arguida/suscitada, antes que o ato esteja terminado (cf. artigos 194º, n.º 6 e 120º, n.º 3, al. a), do CPP), sob pena de ficar sanada Cfr., entre outros, Ac. da RP de 31/10/2018, proc. 328/16.8GAVLG-A.P1, acessível in www.dgsi.pt..
Baixando ao caso concreto, lido o despacho recorrido, que supra se transcreveu, importando, e com referência ao no segmento que agora está em causa, entendemos que observa o dever de fundamentação expresso na al. d) do n.º 6 do artigo 194º do CPP, sendo nele explicitadas as razões pelas quais o Sr. Juiz a quo considera verificarem-se, em concreto, os perigos de perturbação do inquérito, de continuação da atividade criminosa e de fuga.
Mas, ainda que, por hipótese, assim, não se entendesse, conforme se deixou referido supra, a eventual nulidade decorrente da insuficiência de fundamentação teria de ser arguida pelo ora recorrente, antes de ter terminado o ato em que foi proferido o despacho recorrido, tratando-se do 1º interrogatório de arguido detido, a que o ora recorrente assistiu (cfr. 120º, n.º 3, al. a), do CPP) e não tendo sido arguida, como não foi, essa eventual nulidade sempre estaria sanada.
Termos em que, improcede a arguição da falta de fundamentação do despacho recorrido.
Questão diferente e que também é suscitada pelo recorrente é a de saber se os perigos enunciados no despacho recorrido, se verificam, ou não, em concreto.

2.3.3. Da (in)verificação, em concreto, dos perigos de fuga, de perturbação do inquérito e de continuação da atividade criminosa
Defende o recorrente não existirem elementos factuais que permitam fundamentar, a existência, em concreto, no que ao próprio se refere, de qualquer dos perigos que foram julgados verificados no despacho recorrido.
Vejamos:
Quanto ao perigo de fuga, previsto na al. a) do artigo 204º do CPP, o Sr. Juiz a quo, ainda que considerasse não ser este perigo tão forte, como os da perturbação do inquérito e da continuação da atividade criminosa, fundamentou a sua verificação, em concreto, nos seguintes termos:
«Também se verifica o perigo de fuga, não tão forte quanto o perigo de continuação da actividade criminosa, devido às constantes idas a Espanha para a obtenção de produto estupefaciente.
Assim, perante a penalidade que ora se encontram sujeitos não é de excluir a perspectiva da fuga, como a de Daniel Gomes, para evitar a responsabilidade jurídico-criminal. O perigo de fuga verifica-se em concreto e já foi verificado em relação a um dos suspeitos.»
Salvo o devido respeito, não se acompanha o entendimento do Mm.º Juiz a quo ao concluir pela existência, em concreto, do perigo de fuga, no que ao arguido/recorrente respeita, pelas razões que se passam a enunciar:
Conforme vem sendo reiteradamente enfatizado pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, a afirmação da verificação do perigo de fuga não pode basear-se num juízo abstrato, mas antes, há-se ser conclusão, a extrair de factos concretos, evidenciados no processo.
O perigo de fuga verifica-se sempre que existam factos ou circunstâncias, donde resulte que em face da personalidade do arguido e circunstância dos factos seja formulado um juízo de prognose que aponta como forte a probabilidade de o arguido de eximir à ação da justiça.
Trata-se de uma conduta que tem de ser expectável com certa intensidade e tal perigo existe quando se verifica a demonstração lógica e racional, segundo as máximas da experiência no caso concreto, tendo por base elementos objetivos onde se possa inferir que o arguido em liberdade se poria em fuga.
A propósito das circunstâncias a ponderar para que se considere verificado o perigo de fuga, permitimo-nos citar o que se escreve no Acórdão da RP de 09/10/2013 Proferido no proc. 1250/13.5JAPRT-A.P1, acessível in www.dgsi.pt., «Este pressuposto tem por base o risco do arguido se subtrair ao exercício da acção penal, mediante a existência de certas circunstâncias, que, de modo consistente, possam favorecer a fuga ou potenciar a mesma.
Existirá esse perigo, sempre que subsistam elementos objectivos, donde se possa aferir que o arguido em liberdade se ausentará para parte incerta, no país ou no estrangeiro, com o propósito de se eximir à acção penal.
Para o efeito não é necessário que esse temor seja particularmente intenso, bastando apenas que subsista uma razoável probabilidade de que essa fuga venha a ocorrer, cfr. Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 213.
Não existe, é certo, qualquer presunção, de perigo de fuga e, designadamente por alguém ser indiciado por um crime de tráfico de estupefacientes e, por via disso, poder vir a ser condenado em pena de prisão.
Não foge quem quer; não foge, necessariamente, quem pode, como da mesma forma, não foge, automaticamente, quem tem problemas com a justiça.
Necessário será, ainda (…) que o agente tenha meios económicos superiores ao cidadão comum ou, ainda, que tenha a possibilidade de se instalar num qualquer outro ponto do país ou no estrangeiro e, aí, prosseguir a sua vida, quer na vertente, pessoal, quer profissional.
Donde, a afirmação do perigo de fuga há-de estar, relacionada, ainda, para além, naturalmente da gravidade dos factos e correspondente moldura penal abstracta, com a real situação pessoal, familiar, social e económica do arguido e com factos que indiciem – não necessariamente, uma preparação, até pelo efeito surpresa, que naturalmente, preside à detenção – a existência de condições objectivas, bem como uma maior predisposição subjectiva, para a concretização de tal intento.»
Aplicando os considerandos expendidos ao caso dos autos, entendemos que, pese embora se mostre indiciado que o arguido recorrente efetuava deslocações a Espanha, para adquirir estupefacientes, para posterior venda, em Portugal e apesar de não poder deixar de estar ciente da gravidade dos factos por que se mostra indiciado e da moldura penal abstrata que lhe corresponde (que é de 4 a 12 anos de prisão), não se pode perder de vista que o arguido/recorrente tem a sua vida, familiar, profissional e social, organizada em território nacional, não se colhem nos autos quaisquer elementos factuais, nem os princípios da normalidade, no presente caso, permitem levar a perspetivar que o arguido se virá a ausentar para parte incerta, furtando-se, à ação da justiça.
Neste contexto, concluímos não se verificar, em concreto, o perigo de fuga.
Diversamente, no que diz respeito aos perigos de perturbação do inquérito e de continuação da atividade criminosa entendemos que nenhum reparo há a fazer à decisão do Sr. Juiz a quo ao julgar verificados tais perigos.
Com efeito:
No tocante ao perigo de perturbação do decurso inquérito, na vertente da aquisição e conservação da prova, aduziu o Sr. Juiz a quo para fundamentar a sua verificação que «(…) há um suspeito que ainda não foi detido, tendo o suspeito Daniel Gomes, de facto, se colocado em parte incerta na Roménia.
Se estes arguidos PB, JA fossem restituídos à liberdade e como, possivelmente, aliás, ele – DD – já terá sido alertado para a detenção e para o que se passa nos presentes autos, e, portanto, de alguma forma, a prova a recolher poderia ficar comprometida, podendo aquele através da rede de contactos condicionar a prova testemunhal.
A prova testemunhal, ainda a inquirir, por regra, é frágil e pode ser objecto de pressões pelos arguidos para se eximirem à sua responsabilidade criminal, se estes se puderem movimentar livremente entre fornecedores e consumidores. Numa actividade ilícita fortemente indiciada que envolve sempre terceiros, a quem se vende e a quem se compra, a manutenção dos arguidos, em liberdade, propicia os contactos com as eventuais testemunhas, sobre as quais, sem sombra de dúvida, exercerão pressão destinada a ilibá-los.
Os arguidos PB e JA têm em nosso entender capacidade conjuntamente com os restantes revendedores e podem prejudicar a actividade de recolha de prova e a eficácia probatória da prova indiciária já recolhida, designadamente, os consumidores por si fornecidos e identificados nas intercepções telefónicas.
Neste tipo de criminalidade, as pressões sobre testemunhas consumidoras de produtos estupefacientes para alterarem em julgamento os depoimentos que prestaram nos autos e o condicionamento de testemunhas para não deporem contra si são uma realidade a considerar no exercício da acção penal mesmo numa fase embrionária do processo como é aquela que nos encontramos.»
Vale aqui o que já se referiu acerca do perigo de fuga, tem que se aferir, em concreto a existência de perigo de perturbação do inquérito, o qual se pode consubstanciar na destruição ou falsificação de prova, intimidação de testemunhas, conluio com os demais arguidos para apresentarem uma versão dos factos, etc. Este perigo deverá, assim, também ser avaliado em concreto, analisando-se a capacidade efetiva do arguido para impedir ou perturbar a investigação e especialmente a recolha de prova ou a sua conservação ou genuinidade.
Como se refere no Ac. da RE de 07/05/2019 Proferido no Proc. 3/19.1T9CCH-A.E1, acessível em www.dgsi.pt.:
I - O perigo de perturbação do inquérito concretiza-se na verificação de factos que nos permitam indiciar que os arguidos têm capacidade e podem prejudicar, a atividade de recolha da prova e a eficácia probatória da prova indiciária já adquirida. A proteção da prova é dirigida não só à prova já recolhida nos autos, mas também à prova a recolher.
II - Com efeito, visa-se não só salvaguardar o material probatório já recolhido nos autos, de forma a evitar que possa ser inquinado pelo arguido, mas também aquele que se espera vir a adquirir, através da realização de diligências futuras e em curso, de forma a evitar que o arguido possa frustrar os resultados visados com essa obtenção.»
Ora, sendo uma realidade por todos conhecida que, neste tipo de criminalidade, é muito frequente a existência de pressões por parte de quem, como o arguido/recorrente, se encontra indiciado pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, sobre coarguidos que prestaram declarações no sentido de os incriminar e sobre as testemunhas, consumidores desses produtos e seus clientes, de forma a virem a alterar, em julgamento, as declarações ou depoimentos já prestados nos autos, e, bem assim como sobre as testemunhas ainda não inquiridas ou suspeitos ainda não interrogados, de forma a que não venham a incriminá-los, no caso concreto, tendo o arguido, ora recorrente, no legitimo exercício do direito ao silêncio optado por não prestar declarações sobre os factos, em face dos contornos da atividade de tráfico desenvolvida pelo recorrente, que se mostra fortemente indiciada, existindo um suspeito de envolvimento nessa atividade, que se ausentou para parte incerta, desconhecendo-se o seu paradeiro e estando ainda por identificar alguns dos indivíduos, com quem o ora recorrente manteve contatos, no desenvolvimento dessa atividade, sendo uns seus clientes e outros que lhe prestavam colaboração, é de concluir, neste quadro, como bem se decidiu no despacho recorrido, que existe o sério perigo de o arguido/recorrente vir a contatar essas pessoas, influenciando o sentido das suas declarações ou depoimentos, com o objetivo de ver afastada ou atenuada a sua responsabilização criminal, sendo clarividente, em nosso entender, que arguido/recorrente tem capacidade para poder prejudicar a atividade de recolha de prova e a eficácia probatória da prova indiciária já recolhida, pela forma descrita, designadamente, contatando com os outros indivíduos que consigo colaboravam, na atividade desenvolvida e os consumidores e revendedores a quem vendeu produtos estupefacientes e que surgem como interlocutores nas interceções telefónicas.
Relativamente ao perigo de continuação criminosa, é inequívoca a sua verificação, sufragando-se inteiramente a fundamentação expendida na decisão recorrida e que aqui se transcreve:
«Mesmo com actividades laborais, em relação a todos os arguidos, existe, neste contexto, uma forte propensão para que reiterem na prática criminosa, designadamente, o tráfico de estupefaciente, que permite auferir de forma célere proventos monetários.
Aliás, o estabelecimento PI ocultava a actividade de tráfico de estupefaciente pelos arguidos PB e JA, servindo de ponto de transacção desse produto que aí foi encontrado e nele existiam balanças de precisão.
Tendo em consideração a factualidade dada como fortemente indiciada, atento o circunstancialismo em que os factos foram praticados, o carácter reiterado da sua conduta, a motivação dos arguidos, a sua situação pessoal e profissional (…), entendemos que existe um sério perigo de continuação da actividade criminosa, por parte dos referidos arguidos.»
Na verdade, ainda que o arguido, ora recorrente, desenvolvesse atividade profissional, explorando um estabelecimento de barbearia, mostrando-se indiciado, designadamente, pelos produtos estupefacientes e objetos que aí foram encontrados e apreendidos, no âmbito da busca efetuada, a forma reiterada como vinha desenvolvendo a atividade de tráfico fortemente indiciada e o modo como o fazia, recorrendo à colaboração de terceiros, tendo como finalidade a obtenção de lucro, quando, de acordo com a versão que apresentou nas declarações que prestou, em 1º interrogatório judicial, sobre as suas condições pessoais, retirava, juntamente com o seu companheiro, coarguido nos autos, rendimentos da exploração da barbearia, de cerca de €2.000,00 mensais, não se abstendo, ainda, assim, de se dedicar ao tráfico de estupefacientes, como meio para aumentar os seus proventos económicos, existindo, nesse contexto, uma forte solicitação para que o arguido reitere a atividade de tráfico, que permite auferir rendimentos de forma rápida e com a obtenção de lucro fácil.
Verifica-se, por isso, em nosso entender e tal como se considerou no despacho sob recurso, os perigos de perturbação do inquérito – para a aquisição e conservação da prova – e de continuação da atividade criminosa.

2.3.4. Da violação dos princípios da legalidade, adequação, proporcionalidade, excecionalidade e necessidade da prisão preventiva
Sustenta o arguido/recorrente que a medida de coação de prisão preventiva se mostra excessiva, desadequada e desproporcional, não tendo sequer sido ponderada, no despacho recorrido, a aplicação de qualquer outra medida, por exemplo a de proibição de se ausentar para o estrangeiro ou, numa perspetiva mais ríspida a de obrigação de permanência na habitação.
Vejamos:
É consabido que a razão de ser da medida de coação reside em razões/motivos de natureza cautelar.
Assim e, de acordo com o principio da legalidade, a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, pelas medidas de coação previstas na lei, em função de exigências processuais de natureza cautelar (cfr. artigo 191º do CPP e artigos 27º e 28º da Constituição da República Portuguesa).
Sendo esta a ratio de qualquer uma das medidas de coação taxativamente previstas nos artigos 197º a 202º do C. P. Penal, temos que a sua aplicação há de ocorrer no âmbito da natureza de cada uma delas, isto é, quando se verifiquem os pressupostos gerais enunciados no artigo 204º do CPP, cumulativamente com os requisitos específicos estabelecidos naquelas normas (artigos 197º a 202º) para as medidas de coação nelas previstas, exigindo-se sempre, em obediência aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, consagrados no artigo 193º, n.º 1, do CPP, que a(s) medida(s) de coação a aplicar, em concreto, se revele(m):
- necessária(s), no sentido de que o fim visado pela(s) medida(s) de coação decretada(s) não poderá ser alcançado por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido;
- adequada(s) a realizar as exigências cautelares do caso - como refere o Prof. Germano Marques da Silva In Curso de processo Penal, II, Editorial Verbo, 1993, pág. 217. «uma medida de coação é adequada se com a sua aplicação se realiza ou facilita a realização do fim pretendido e não o é se o dificulta ou não tem absolutamente nenhuma eficácia para realização das exigências cautelares» que o caso requer» -; e
- proporcional(proporcionais) à gravidade do crime e às sanções que, previsivelmente, venham a ser aplicadas ao arguido.
A par destes princípios surge, também, o princípio da subsidiariedade, de acordo com o qual as medidas de coação da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas em última ratio, isto é, quando as demais medidas de coação menos gravosas forem insuficientes para satisfazer as exigências cautelares que o caso requer (artigo 193º, n.º 2, do CPP) e, devendo ser dada sempre preferência à obrigação de permanência na habitação, em detrimento da prisão preventiva, sempre que ela se revele suficiência para satisfazer aquelas exigências (artigo 193º, n.º 3, do CPP ).
A propósito do principio da inocência, com consagração no artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e que é convocado pelo recorrente, importa que se tenha presente que se é hoje pacificamente aceite que a presunção de inocência é um direito que acompanha o arguido em todas as fases do processo, até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, impondo-se que o tratamento dado ao arguido, ao longo de todo o processo, e até esse momento, respeite essa presunção Cf., entre outros, Ac. do STJ 11/09/2008, proc. 08B1747, acessível em www.dgs.pt.; e na doutrina, Alexandra Vilela, in Considerações Acerca da Presunção de Inocência em Direito Processual Penal, Reimpressão, 2005, Coimbra Editora, pág. 97 e seguintes; Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada. Vol. I, 4ª edição revista, Reimpressão, 2014, Coimbra Editora, pág. 518; também é consensual o entendimento de que a presunção da inocência não colide com a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, desde que, se mostrem verificados os requisitos legais para a sua aplicação, previstos no artigo 204º e que sejam respeitados os princípios gerais da necessidade, adequação, proporcionalidade, e da subsidiariedade ou excecionalidade da prisão preventiva, consagrados nos artigos 18º, 27º e 28º nº 2 da CRP Cf. Ac. da RL de 17/06/2020, proc. 130/18.2SWLB-A.L1-3, acessível em www.dgsi.pt. e Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, 2ª edição, volume II, pág. 250..
Tendo presentes as considerações que se deixam expendidas e revertendo ao caso dos autos, entendemos que a aplicação ao arguido, ora recorrente, da medida de coação da prisão preventiva, obedeceu a todos os pressupostos legais e que supra se deixaram enunciados.
E, ainda que se reconheça que, neste concreto segmento, a fundamentação do despacho recorrido é muito concisa, consideramos que é suficiente, para se conseguir apreender as razões pelas quais o Sr. JIC a quo concluir ser a medida de coação de prisão preventiva «a única (…) proporcional à gravidade do crime cometido pelos arguidos PB e JA, por um lado, e adequada e necessária a afastar os perigos que se enunciaram (…), sendo qualquer outra medida insuficiente para o fazer.»
E, em nosso entender, não merece censura, o assim decidido pelo Sr. Juiz a quo.
Na verdade, atentos os contornos da atividade de tráfico de estupefacientes que resulta fortemente indiciada que vinha a ser desenvolvida pelo arguido/recorrente, juntamente com o seu companheiro, ao longo de um período de tempo de, pelo menos, seis meses - de abril a 29 de setembro de 2021 -, contando com a colaboração de terceiros, sendo um deles o coarguido R e outro o suspeito DD, que se ausentou para parte incerta, apesar de o arguido e o companheiro terem atividade profissional, de onde retirariam proventos, que na versão do recorrente, ascenderiam a cerca de €2.000,00 mensais, recorrendo à atividade de tráfico, como forma de aumentar os proventos económicos auferidos, não existem razões para acreditar que a aplicação ao arguido/recorrente de medida coativa não privativa da liberdade, ou mesmo, da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, prevista no artigo 201º do CPP, fosse suficiente para prevenir os perigos que, em concreto se verificam.
Nem mesmo a aplicação da medida coativa de OPHVE seria suficiente para prevenir os enunciados. perigos de perturbação do inquérito e de continuação da atividade criminosa. Com efeito, estando, nessa situação, facilitados os contatos, pelas mais diversas formas (v.g. através e telefone, pela internet e mesmo pessoalmente), do arguido/recorrente com outras pessoas, testemunhas e coarguidos nos autos, o perigo de perturbação do inquérito, para a aquisição e conservação da prova, nos termos sobreditos, não seria acautelado; e também não o seria o perigo de continuação da atividade criminosa, já que a medida de OPHVE não impediria o arguido/recorrente de continuar a desenvolver a atividade de tráfico, até concretizada por intermédio de terceiros.
Acresce que, ainda, que haja monotorização das eventuais saídas/ausências da residência, não é possível, por esse meio, controlar eficazmente o que o(a) arguido(a) sujeito(a) a tal medida coativa faz, podendo mesmo aproveitar essas ocasiões para se encontrar com outros indivíduos, continuando a desenvolver a atividade criminosa, no caso o tráfico de estupefacientes.
E relativamente à alegada excessividade e desproporcionalidade da medida de coação da prisão preventiva, tendo em conta a sanção que previsivelmente virá a ser aplicada ao arguido, ora recorrente, dir-se-á que a circunstância de não registar antecedentes criminais pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, respeitando os antecedentes que regista a outro tipo de crimes, sendo duas dessas condenações pela prática de crimes de consumo de estupefacientes e de poder estar profissional e socialmente inserido, não leva a poder considerar que, inelutavelmente, a pena de prisão que, previsivelmente, lhe possa ser aplicada, será suspensa na respetiva execução. É que atenta a moldura penal abstrata aplicável ao crime de tráfico de estupefacientes por cuja prática o arguido se mostra fortemente indiciado, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-C e I-B anexas ao mesmo diploma legal, moldura essa cujo limite mínimo é de 4 anos de prisão e o limite máximo de 12 anos de prisão, tudo dependerá das circunstâncias que se venham a apurar, em julgamento, e que terão de ser ponderadas na determinação da medida concreta da eventual pena a aplicar ao arguido, em caso de condenação.
Nesta conformidade, tendo em conta a gravidade do crime por que o arguido/recorrente se mostra indiciado e a sanção que previsivelmente lhe virá a ser aplicada, existindo, perante o quadro indiciário com que neste momento nos confrontamos, uma séria probabilidade de vir a ser condenado em prisão efetiva, e considerando as concretas exigências cautelares que se fazem sentir no caso, sem deixar de se ter em conta o caracter excecional e subsidiário da prisão preventiva, entendemos que só esta medida de coação se revela adequada a assegurar eficazmente as referidas exigências cautelares, prevenindo os perigos de perturbação do inquérito, na vertente da aquisição e conservação da prova e de continuação da atividade criminosa que se verificam, no que ao arguido/recorrente respeita, pelo que, bem andou o Exm. Sr. Juiz de Instrução Criminal, ao decidir pela aplicação da medida coativa de prisão preventiva, nos termos do disposto nos artigos 193º, n.ºs 1 e 2, 202º n.º 1 a) e 204º, alíneas b) e c), todos do CPP.
Concluímos, assim, que a aplicação ao arguido, ora recorrente, da medida de coação da prisão preventiva, no despacho recorrido, não violou qualquer da norma legal ou qualquer preceito ou princípio constitucional, designadamente, os que são enunciados na motivação do recurso.
É, pois, de concluir que a prisão preventiva aplicada ao arguido/recorrente deve manter-se, improcedendo, consequentemente, o recurso.

3. DECISÃO
Pelo exposto e em conformidade, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido PB e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s (cfr. art. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, art. 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).

Notifique.

Évora, 25 de janeiro de 2022
Fátima Bernardes (relatora)
Fernando Pina