Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
7646/20.9T8LSB.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: INDEMNIZAÇÃO POR RESPONSABILIDADE CIVIL
EQUIDADE
DÉFICE FUNCIONAL
Data do Acordão: 12/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É adequando o montante indemnizatório de € 22.000,00, calculado com recurso à equidade, atribuído a lesada que contava 84 anos de idade à data do evento danoso quando se apurou que: sofreu lesões que demandaram para a sua cura período superior a um ano; sofreu dores, quer em razão da lesão, quer dos tratamentos a que foi – e se encontra ainda a ser – sujeita, tendo o quantum doloris sido fixado em 4/7; tais dores persistem e acompanham a lesada 24 horas por dia, não lhe permitindo dormir uma noite descansada; ficou portadora de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 7 pontos percentuais, o que a impede de, como até então ocorria, lavar e secar o seu próprio cabelo, entrar e sair sozinha da banheira para fazer a sua higiene diária, lavar e estender roupa, engomar, aspirar, lavar o chão, segurar uma panela ou uma travessa, entre outras tarefas; e razão dos seus padecimentos, antes pessoa alegre, que pautava a sua vida pela vivacidade e boa disposição, apresenta-se triste e consternada devido às dores que sente, desanimada e angustiada, a tudo acrescendo um dano estético de grau 1, numa escala de até 7.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 7646/20.9T8LSB.E1[1]
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo Local Cível de Loulé - Juiz 1


I. Relatório
(…), residente na Rua (…), n.º 22, 5.º Esquerdo, em Lisboa, instaurou contra (…) – Companhia de Seguros, SA, com sede no (…), n.º 30, Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final a condenação da demandada no pagamento do montante de € 38.662,40 (trinta e oito mil, seiscentos e sessenta e dois euros e quarenta cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, bem como os valores a liquidar com o auxílio permanente de terceira pessoa.
Em fundamento alegou, em síntese, que no dia 5 de Setembro de 2017, quando se encontrava hospedada no Hotel (…), sofreu uma queda em virtude de ter tropeçado num ressalto do pavimento, cujo piso se encontrava levantado e com pedras soltas sem que tivesse sido devidamente sinalizado. Em consequência do descrito acidente sofreu os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que discrimina, por cuja reparação é responsável a demandada seguradora, para a qual a entidade exploradora do hotel havia transferido a sua responsabilidade civil.
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Citada, a ré assumiu a responsabilidade pela produção do evento e consequente obrigação de indemnizar, impugnando todavia, por excessivos, os montantes reclamados para ressarcimento dos danos alegadamente sofridos, sendo que se propôs regularizar o sinistro mediante entrega do montante indemnizatório de € 3.770,00.
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Teve lugar audiência prévia e nela foi proferido despacho saneador, tendo sido delimitado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova (cfr. acta do processo físico de fls. 77 a 78 verso).
Realizou-se audiência final, após o que foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 22.000,00 a título de compensação pelos danos de natureza não patrimonial sofridos, acrescida de juros civis à taxa supletiva legal desde a data da prolação da sentença até integral pagamento.

Inconformada, apelou a ré e, tendo desenvolvido nas alegações que apresentou os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
“A. Em 5 de Setembro de 2017, a Autora encontrava-se hospedada com o seu marido e a sua filha, no Hotel (…) tendo, cerca das 13:00 horas, quando se dirigia para o restaurante para almoçar tropeçou num ressalto, não sinalizado, em que o pavimento do piso do hotel se encontrava levantado com pedras soltas e caiu para a frente desamparada – artigos 1.º e 2.º da Petição Inicial e artigo 3.º da Contestação – Pontos 1 e 2 dos Factos Provados;
B. Em consequência da queda, a Autora sofreu traumatismo no ombro direito – artigo 3.º da Petição Inicial – Ponto 3 dos Factos Provados;
C. Face ao aumento das dores que sentia e à impossibilidade de mover o braço direito, a Autora deslocou-se ao Hospital da Cruz Vermelha onde lhe realizaram exame ecográfico ao ombro direito, tendo-se verificado a existência de líquido intra-articular a nível da bolsa sub-acrómio-deltoidea, e, tumefacção anormal adjacente à articulação acrómio-clavicular, sugerindo compromisso articular local – artigos 4.º e 5.º da Petição Inicial – Ponto 4 dos Factos Provados;
D. Em 19 de Outubro de 2017, através de uma ressonância magnética ao ombro direito foi verificado que a Autora sofria de “alterações degenerativas na articulação acrómio-clavicular. Extensa bursite subacromio-deltoideia. Ténue edema ósseo no contorno postero externo do úmero; rectificação deste contorno ósseo sugestivo de mecanismo de impactação. Irregularidade labral anterior e inferior, concordante com o referido, o que se valoriza; atendendo ao grupo etário sugere-se integração clínica do defeito labral (não derramamento). Derrame articular subtil. Lâmina líquida a envolver o trajecto na goteira do tendão bicipital que não revela significativas alterações de sinal. Tendões pequeno redondo, subescapolar e infra espinhoso sem alterações. Alterações inflamatórias no tendão supra espinhoso; milimétricas lesões intrafasciais” – artigo 7.º da Petição Inicial – Ponto 5 dos Factos Provados;
E. A Autora nasceu em 10/04/1933 e à data do acidente encontrava-se reformada – Ponto 18 dos Factos Provados;
F. A Autora ao tropeçar, perder o equilíbrio e cair para a frente desamparada, dando uma queda, sofreu um enorme susto e sente desde então, sofre de dores intensas que a impedem de ter uma noite de repouso descansado e que a acompanham permanentemente, 24 horas por dia – artigo 32.º, 33.º e 34.º da Petição Inicial – Ponto 19 dos Factos Provados;
G. A data da consolidação das lesões da Autora é fixável em 05/11/2018 – Ponto 24 dos Factos Provados;
H. O défice funcional permanente da Integridade Físico-Psíquica da Autora é fixável em 7 pontos – Ponto 25 dos Factos Provados;
I. Entre a data do evento e a consolidação das lesões, o quantum doloris da Autora foi de grau 4/7 – Ponto 26 dos Factos Provados;
J. O dano estético da Autora é fixável no grau 1/7 – Ponto 27 dos Factos Provados;
K. Em face dos factos dados como provocados, considera a Ré, ora Recorrente, que o montante indemnizatório de € 22.000,00, fixado a título de danos não patrimoniais, é excessivo, em face das lesões e sequelas dadas como provadas, e bem assim, à luz dos critérios legal e jurisprudencial vigentes;
L. O montante da compensação do dano, não devendo determinar enriquecimentos injustificados, também não deve corresponder a um montante miserável, razão pela qual no seu cálculo o Tribunal, nos termos do disposto no artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil, deve fixar uma indemnização segundo critérios de equidade, tendo em atenção os critérios do artigo 494.º do Código Civil, tomando o julgador em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida – vide Acórdão do STJ de 10 de Fevereiro de 1998, in C.J., STJ, Tomo I, pág. 67;
M. A título de exemplo, quanto a jurisprudência vertida sobre a fixação de indemnização por danos não patrimoniais citamos os Acórdão proferidos no âmbito do Processo n.º 10532/2008-6, que correu termos junto do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Dezembro de 2008, do Processo n.º 455/06.0TCGMR.G1.S1 - 6ª Secção, do Supremo Tribunal de Justiça, do Processo n.º 184/C.P2.SI, correu termos junto da 7ª. Secção, do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Março de 2012 e do Processo n.º 3265/08.6TJVNF.G1.S1 - 6ª Secção, do Supremo Tribunal de Justiça;
N. Na esteira da Jurisprudência que, a título exemplificativo se refere, que leva a Recorrente a crer que o valor fixado na sentença recorrida, a título de danos não patrimoniais à Autora, (…), de Euros 22.000,00 é, salvo o devido respeito, elevado e não respeita os critérios legal e jurisprudencial aplicáveis a casos semelhantes, devendo esse montante ter por base as conclusões do Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil realizado;
O. A Autora padeceu de um défice funcional temporário parcial de 427 dias, tendo sido fixado um Quantum Doloris de grau 4, numa escala de 1 a 7, e um dano estético de grau 1, numa escala de 1 a 7, e determinado que a Autora é portadora de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 Pontos;
P. A Ré, ora recorrente, entende que, na fixação do montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais à Autora, não foram observados e, por conseguinte, foram violados os normativos legais estabelecidos nos artigos 496.º, n.º 3 e 494.º, ambos do Código Civil, devendo a sentença recorrida ser revogada nesta parte, e ser fixada uma indemnização a título de danos não patrimoniais em montante não superior a Euros 15.000,00.
Termina a requerer a revogação da sentença recorrida e sua substituição por decisão que fixe a indemnização devida à autora no montante de € 15.000,00.
Contra alegou a autora/apelada, pugnando pela manutenção do decidido.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, a única questão submetida à apreciação deste Tribunal passa por determinar qual o justo valor da indemnização devida à autora, aqui lesada.
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II. Fundamentação
De Facto
Não tendo sofrido impugnação, nem sendo caso de proceder à sua modificação oficiosa, é a seguinte a factualidade a considerar:
1. Em 5 de Setembro de 2017, a autora encontrava-se hospedada com o seu marido e a sua filha, no Hotel … (artigo 1.º da PI e artigo 3.º da Contestação).
2. Cerca das 13:00 horas, a autora quando se dirigia para o restaurante para almoçar, tropeçou num ressalto, não sinalizado, em que o pavimento do piso do hotel se encontrava levantado com pedras soltas e caiu para a frente desamparada (artigos 2.º da PI e 3.º da Contestação).
3. Em consequência da queda, a autora sofreu traumatismo no ombro direito (artigo 3.º da PI).
4. Face ao aumento das dores que sentia e aÌ impossibilidade de mover o braço direito, a autora deslocou-se ao Hospital da Cruz Vermelha onde lhe realizaram exame ecográfico ao ombro direito, tendo-se verificado a existência de líquido intra-articular a nível da bolsa sub-acroìmio-deltóidea, e tumefacçaÞo anormal adjacente aÌ articulação acroìmio-clavicular, sugerindo compromisso articular local (artigos 4.º e 5.º da PI).
5. Em 19 de Outubro de 2017, através de uma ressonância magnética ao ombro direito, foi verificado que a autora sofria de “alteraçoÞes degenerativas na articulação acromio–clavicular. Extensa bursite subacromio-deltóideia. Ténue edema ósseo no contorno postero externo do uìmero; rectificacaÞo deste contorno oìsseo sugestivo de mecanismo de impactacaÞo. Irregularidade labral anterior e inferior, concordante com o referido, o que se valoriza; atendendo ao grupo etário sugere-se integração clínica do defeito labral (naÞo haì derramamento). Derrame articular subtil. Lâmina liìquida a envolver o trajecto na goteira do tendaÞo bicipital que naÞo revela significativas alteracoÞes de sinal. TendoÞes pequeno redondo, subescapolar e infra espinhoso sem alteracoÞes. AlteracoÞes inflamatoìrias no tendaÞo supra espinhoso; milimeìtricas lesoÞes intrafasciais” (artigo 7.º da PI).
6. Em 6 de Novembro de 2017 a Autora foi submetida a novo exame de Ressonância Magnética, em cujo relatório se lê: “(…) tem feito fisioterapia por síndrome de conflito subacromial. Tem melhorado pouco com os tratamentos. A RMN mostra rutura o supra espinhoso de pequenas dimensões. Beneficia de continuar a fisioterapia além dos agentes físicos fortalecimento da coifa, e principalmente de escapulo torácicos, bem como treino proprioceptivo. Se não houver melhoria poderá ter indicação cirúrgica” (artigo 8.º da PI).
7. Em 4 de Dezembro de 2017 a Autora foi submetida a uma intervenção de infiltração no ombro direito (artigo 9.º da PI).
8. Em 15 de Janeiro de 2018, mantendo-se as queixas e falta de mobilidade, foram-lhe prescritas 15 sessões de fisioterapia (artigo 10.º da PI).
9. O médico assistente manteve as sessões de fisioterapia, dada a situação clínica da autora, a falta de mobilidade do braço e as dores constantes e intensas.
10. Em 6 de Agosto de 2018 foi prescrita nova intervenção de infiltração à autora (artigo 15.º da PI).
11. Em 17 de Agosto de 2018 foi verificado que a autora apresentava “artrose hipertroìfica da articulacaÞo acromioclavicular. Extensa bursite subacromiodeltoideia, com distensão líquida e espessamento da sinovial com múltiplos septos” (artigo 16.º da PI).
12. A Autora continuou os tratamentos de fisioterapia para alívio sintomático da dor, que se manteve (artigo 17.º da PI).
13. Em Fevereiro de 2019 foi submetida a novo protocolo: “Doente com múltiplas alterações inflamatórias do ombro direito pós-traumático. Sugere infusaÞo de O2 O3 e aìcido hialurioìnico em 2 sessões com um mês de intervalo” (artigo 18.º da PI).
14. Após o qual continuou com sessões de fisioterapia, com o objetivo de atenuar a dor (artigo 19.º da PI), que continua a sentir ateì ao atual momento.
15. A Autora foi avaliada pelo médico da ré em 5 de Setembro de 2018 e em 5 de Novembro de 2018, tendo-lhe sido dada indicação de continuação da fisioterapia (artigos 20.º e 21.º da PI).
16. Em 29 de Novembro de 2018 a autora foi informada pela ré do encerramento do seu processo e entrega de indemnização total no valor de € 3.770,00 (artigo 22.º da PI).
17. Em 26 de Fevereiro de 2019, a Autora remeteu nova carta à ré solicitando a liquidação do valor de € 600,94 reportado a valores despendidos com sessões de fisioterapia e despesas de deslocação para proceder a tal (artigo 28.º da PI).
18. A autora nasceu em 10 de Abril de 1933 e à data do acidente encontrava-se reformada (instrução da causa).
19. A Autora ao tropeçar, perder o equilíbrio e cair para a frente desamparada, dando uma queda, sofreu um enorme susto e desde então sofre de dores intensas que a impedem de ter uma noite de repouso descansado e a acompanham permanentemente, 24 horas por dia (artigos 32.º, 33.º e 34.º da PI).
20. A Autora foi submetida a inúmeros exames médicos radiológicos e sujeita a injeções de infiltrações no ombro dorido, tendo feito tratamentos de Fisioterapia desde Outubro de 2017 até 2019, a qual retomou mais recentemente, saindo da sua casa para a Instituição de saúde onde, uma vez chegada, aguarda a sua vez, recebe o tratamento previsto no protocolo e regressa de novo para sua casa, o que naturalmente a deixa cansada (artigos 35.º a 38.º da PI).
21. Encontrando-se desde dia 5 de Setembro de 2017 a sofrer uma limitação funcional e sofrimento físico e psíquico, a autora sempre foi uma pessoa independente, autónoma e alegre, pautando a sua vida por uma vivacidade e boa disposição constante (artigo 41.º da PI).
22. Após o sinistro, a disposição da autora mudou: mostra-se triste, consternada devido às dores que sente e que a limitam, angustiada por ser incapaz de tarefas que sempre executou e agora não consegue – lavar e secar o seu próprio cabelo, entrar e sair sozinha da banheira para fazer a sua higiene diária, lavar roupa e estender roupa, engomar, aspirar, lavar o chão, segurar uma panela ou uma travessa, entre outros (artigo 42.º da PI).
23. A autora manifesta um sentimento de desânimo e angústia, em virtude dos seus padecimentos (artigo 43.º da PI).
24. A data da consolidação das lesões da autora é fixável em 05 de Novembro de 2018 (instrução da causa).
25. O défice funcional permanente da Integridade Físico-Psíquica da autora é fixável em 7 pontos (instrução da causa).
26. Entre a data do evento e a consolidação das lesões, o quantum doloris da autora foi de grau 4/7 (instrução da causa).
27. O dano estético da autora é fixável no grau 1/7 (instrução da causa).
28. À data dos factos descritos nos pontos 1 e 2, havia sido celebrado um contrato de seguro titulado pela apólice n.º (…), pelo qual a ré assumiu a responsabilidade civil de terceiros, por ocorrências no Hotel (…), explorado pela empresa (…), Lda. (artigo 1.º da Contestação).
29. Em 07.02.2020, a autora propôs a presente ação.
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Factos não provados
a) Em consequência da queda, a autora sofreu hematomas em ambas as mãos e joelhos (artigo 3.º da PI).
b)) A Autora despendeu a quantia de € 600,94 com sessões de fisioterapia e despesas de deslocação para proceder a tal (artigo 28.º da PI).
c) A ré não liquidou o valor de € 626,40 referentes a consulta de ortopedia, ressonância magnética, consulta do dano e relatório de avaliação (artigo 29.º da PI).
d) Em consequência do sinistro de que foi vítima, a autora despendeu € 2.436,00 referentes a auxílio de 3.ª pessoa que contratou pelo valor de € 6,00 por hora/ 2 horas por dia, 7 dias por semana (€ 84,00 por mês) – 3 meses 2017; 12 meses 2018; 12 meses 2019; 2 meses 2020 (artigo 30.º da PI).
e) Em sede de Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer, uma vez que a autora se encontra impossibilitada de realizar crochet, a impossibilidade é fixada no grau 1/7 (instrução da causa).
f) A autora faz fisioterapia três vezes por semana ao Hospital para esse efeito.
g) Durante os tratamentos, a autora sente dor de tal forma forte que há dias em que chega a ficar agoniada (artigo 39.º da PI).
h) Face às suas limitações a nível cardíaco, eì o protocolo que ainda tem a capacidade de lhe reduzir a inflamação (artigo 40.º da PI).
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De Direito
Do quantum indemnizatório
É sabido e não se mostra controvertido, que pressuposto da existência de responsabilidade civil como fonte geradora da obrigação de indemnizar é a existência do dano ou prejuízo a ressarcir.
Nas classificações clássicas são consideradas as categorias de dano evento ou dano real, que consiste no “prejuízo que o lesado sofreu em sentido naturalístico (in natura)”[2], e dano consequência, que abriga a categoria dos danos patrimoniais e não patrimoniais, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária, ou seja, “os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral”[3].
No entanto, como se explica no acórdão do STJ de 14 de Setembro de 2023 (processo 2739/19.T8AVR.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt), “Apesar da aparente simplicidade destas classificações legais, a verdade é que é difícil, se não mesmo impossível, identificar todos os danos susceptíveis de resultar da ofensa de direitos de personalidade e distinguir entre os vários tipos, tendo em conta a unidade da pessoa. Tornou-se por isso, habitual reconduzi-los a um conceito tentadoramente englobalizador ou (re)unificador. Alguns autores denominam-no “dano biológico”, “dano da saúde” ou “dano corporal”, outros usam o conceito, assumidamente mais abrangente, de “dano existencial”, importando, em qualquer caso, manifestar a percepção crescente dos “multifacetados níveis de protecção que a personalidade humana reclama”.
Pondo em causa a rigidez da distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais, ela conduz à ampliação do número e do tipo de consequências que o julgador deve ter em consideração no momento de calcular o montante da indemnização e propiciou as condições para o cálculo de uma indemnização mais justa, uma vez que propicia a visão de que o facto lesivo origina um conjunto de consequências que não são absolutamente autónomas ou dissociáveis e em que se incluem as consequências conhecidas como de natureza não patrimonial bem como de natureza patrimonial futura, não se esgotando, contudo, nestas.
Embora tenha tido origem no Direito italiano, esta nova orientação foi bem recebida em Portugal, sendo aplicada, actualmente, por grande parte da jurisprudência, em particular, quando estão em causa danos decorrentes de acidentes de viação. De acordo com esta jurisprudência, na avaliação destes danos, o julgador deve ponderar os factores mais variados, quais sejam as restrições que o lesado tem de suportar na qualidade da sua vida em virtude das lesões biológicas, a criação ou indução de dependências que afectam o exercício da sua liberdade pessoal, os prejuízos nas suas aptidões familiares ou afectivas, as necessidades especiais dos lesados que sejam pessoas débeis, como os idosos ou as crianças, e quaisquer outros que possam assumir relevância consoante as circunstâncias do caso concreto”.
Convergindo na caracterização do dano biológico como a diminuição somático-psíquica do indivíduo, o prejuízo “in natura”, com natural repercussão na vida de quem a sofre, começaram os nossos tribunais por hesitar na sua integração numa ou outra das categorias tradicionais de dano patrimoniais dano não patrimonial[4], não faltando quem o reconheça como categoria autónoma[5].
De todo o modo, e como reconhece a Sr.ª C.ª Graça Trigo[6], estando em causa um dano que decorre da lesão em si mesma, algo paradoxalmente a evolução jurisprudencial foi no sentido de utilizar o conceito de dano biológico para dar resposta àquelas situações em que “a afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral genérica das vítimas é, também ela, suscetível de determinar perdas de rendimentos e, portanto, danos patrimoniais futuros”[7].
Admitindo a dupla relevância deste dano – o que não significa que seja indevidamente duplicado o montante indemnizatório destinado a repará-lo – entendeu o STJ (acórdão de 21/3/2013, no processo n.º 565/10.9TBPVL.S1, acessível em www.dgsi.pt) que “I. O dano biológico, dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (danos-consequência) designadamente aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho. II. Constitui dano patrimonial a perda de capacidade de trabalho permanente geral de 15 pontos que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão a justificar, nos termos do artigo 564.º, n.º 2, do CC, indemnização correspondente ao acrescido custo do trabalho que o lesado doravante tem de suportar para desempenhar as suas funções laborais. III. Este dano é distinto do dano não patrimonial (artigo 496.º do CC) que se reconduz à dor, ao desgosto, ao sofrimento de uma pessoa que se sente diminuída fisicamente para toda a vida.
Posteriormente, o mesmo STJ (acórdão de 29 de Outubro de 2019, no processo n.º 613/11.6TBPDL.L1.S2I) veio esclarecer que “O chamado dano biológico ou corporal, enquanto lesão da saúde e de integridade psicossomática da pessoa imputável ao facto gerador de responsabilidade civil delitual, traduzida em incapacidade funcional limitativa e restritiva das suas qualidades físicas e intelectuais, não constitui uma espécie de danos que se configure como um tertium genus na dicotomia danos patrimoniais vs danos não patrimoniais; antes permite delimitar e avaliar os efeitos dessa lesão – em função da sua natureza, conteúdo e consequências, tendo em conta os componentes de dano real – enquanto dano patrimonial (por terem por objecto um interesse privado susceptível de avaliação pecuniária) ou enquanto dano moral ou não patrimonial (por incidirem sobre bem ou interesse insusceptível, em rigor, dessa avaliação pecuniária)[8].
Seja como for, independentemente da sua caracterização como dano evento, com potencial para desencadear danos (consequentes) de natureza patrimonial e não patrimonial, ou dano autónomo, a avaliar nessa dupla vertente, a indemnização continua a ser calculada nos termos tradicionais.
De volta ao caso dos autos, considerou-se na sentença apelada, dada a ausência de prova de que a autora tenha efectuado os gastos cujo reembolso reclamava e constatada a sua situação de reformada à data do evento danoso, que estava em causa a reparação do dano biológico, a integrar na categoria dos danos não patrimoniais, tendo sido fixado com recurso à equidade o montante indemnizatório de € 22.000,00, que a apelante, como vimos, reputa de excessivo, contrapondo ser justo o de € 15.000,00.
Não questionando a apelante a natureza ou a gravidade dos danos sofridos pela autora, requisito essencial à tutela dos danos ditos não patrimoniais (cfr. artigo 496.º, no seu n.º 1), mas apenas o montante arbitrado, importa ter presente que a indemnização atribuída pelo dano não patrimonial não tem, já se sabe, a virtualidade de colocar o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, conforme prescreve o artigo 562.º, destinando-se antes a compensá-lo pela ofensa sofrida através da atribuição de uma indemnização pecuniária que, por indicação da lei, é determinada por apelo à equidade (cfr. n.º 4 do artigo 496.º).
Ainda por expressa remissão da lei, os critérios a atender na determinação do dano de cálculo são o grau de culpa do lesante – ter actuado com dolo ou negligência – situação económica de lesante e lesado, que pode reconduzir-se a uma ideia de proporcionalidade, e outras circunstâncias do caso, aqui podendo ser ponderada a natureza do bem jurídico violado, género e idade da vítima e natureza da lesão (cfr. artigo 494.º). De todo o modo, e em qualquer caso, “a ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial e, correspondentemente, do valor da sua reparação, deve ocorrer sob o signo do princípio regulativo da proporcionalidade – de harmonia com o qual a danos mais graves deve corresponder uma indemnização mais generosa – e numa perspectiva de uniformidade: a indemnização deve ser fixada tendo em conta os parâmetros jurisprudenciais geralmente adoptados para casos análogos (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil)[9].
Atendendo aos assinalados parâmetros, dá-nos conta o acervo factual apurado de uma autêntica “via crucis” percorrida pela autora, que sofreu lesões que demandaram para a sua cura período superior a um ano (cfr. pontos 1 e 24), tendo sofrido dores, quer em razão da lesão sofrida, quer dos tratamentos a que foi – e se encontra ainda a ser – sujeita, tendo o quantum doloris sido fixado em 4/7. Tais dores persistem e acompanham a Autora 24 horas por dia, não lhe permitindo dormir uma noite descansada, conforme se encontra igualmente assente.
Acresce que a autora ficou ainda portadora de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 7 pontos percentuais, dano biológico que a impede de, como até então ocorria, lavar e secar o seu próprio cabelo, entrar e sair sozinha da banheira para fazer a sua higiene diária, lavar roupa e estender roupa, engomar, aspirar, lavar o chão, segurar uma panela ou uma travessa, entre outros, assim tendo perdido em larga medida a sua autonomia, o que consubstancia uma perda considerável, incontestavelmente valiosa ainda quando se considere a idade da autora, que contava 84 anos à data da lesão.
Mais se apurou que em razão dos seus padecimentos a autora manifesta sentimentos de desânimo e angústia, a tudo acrescendo o dano estético apurado, ainda que de reduzida expressão (1/7).
Da ponderação da factualidade descrita resulta, a nosso ver, a adequação do montante indemnizatório arbitrado, não distante das indemnizações fixadas pelo STJ nos acórdãos proferidos em 19 de Outubro de 2020, no processo n.º 117/17.3T8MAC.G1.S1, confirmatório da indemnização global de € 47.000,00 atribuída a lesada com 62 anos de idade à data do acidente, perspectivando a passagem à reforma, “e que ficou a padecer de lesão psico-física, com défice funcional fixado em 9,71 pontos e comprovada repercussão nas diferentes dimensões da sua vida”, ainda que se tenha atribuído expressão económica ao trabalho das “lides domésticas”, assim considerado dano patrimonial, e de 13 de Outubro de 2016, no processo 171/14.9TVPRT.P1.S1, aqui também com autonomização dos montantes destinados a compensar o dano resultante do défice funcional e os danos de natureza não patrimoniais “puros”, destacando-se os seguintes pontos do sumário: III. Tendo ficado provado que: (i) a autora tinha, à data do acidente, 78 anos de idade; (ii) em virtude das lesões decorrentes daquele, designadamente joelho doloroso, dores inespecíficas e ligeira edema ao nível do calo da tíbia, ficou impossibilitada de fazer, diariamente, marcha – o que habitualmente fazia; e (iii) ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, é de concluir que, podendo tais factos ter repercussão nas atividades da vida diária da autora, o dano biológico sofrido merece a tutela do direito, devendo, assim, ser ressarcido. IV - Considerando os factos elencados no ponto antecedente, bem como que indemnização, a título de dano biológico, deve ser calculada de acordo com a equidade nos termos do n.º 3 do artigo 566.º do CC, é justo e correto o montante de € 15.000,00 fixado pela 1.ª instância (por contraposição ao de € 8.000,00 fixado pela Relação). V - Os danos morais são prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária por atingirem bens que não integram o património do lesado (designadamente a vida, a saúde, a liberdade e a beleza), pelo que a obrigação de os ressarcir tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória. VI - Resultando da matéria fáctica provada que: (i) a autora tinha, à data do acidente, 78 anos de idade; (ii) como consequência do acidente sofreu fratura dos ossos da perna direita; (iii) esteve internada e foi submetida a uma intervenção cirúrgica; (iv) sofreu fratura fechada da diáfise da tíbia e do perónio à direita e várias escoriações pelo corpo; (v) foi submetida a encavilhamento ETN (Vareta Expert Nail), com fixação próxima da vareta tibial e distal com dois parafusos em cada; (vi) esteve acamada e em repouso na sua residência durante, pelo menos, um mês, tendo carecido da ajuda de terceiro para os cuidados de higiene; (vii) foi submetida a múltiplos e dolorosos tratamentos de fisioterapia, durante cerca de quatro meses, para fortalecimento muscular, aplicação de calor húmido, mobilização articular passiva, massagem de membro, treino de equilíbrio e marcha, tendo tido consultas de fisiatria, ortopedia e realizado exames complementares de diagnóstico; (viii) andou com gesso na perna durante, pelo menos, um mês e deslocou-se com o auxílio de canadianas; (ix) ficou com diversas cicatrizes, tendo sofrido dano estético permanente, fixado em grau 1 numa escala de 7 graus, de gravidade crescente; e (x) em resultado do acidente, do susto e das lesões sofridas, teve dores e acentuado abalo psíquico, ficando impossibilitada de fazer, diariamente, marcha (o que habitualmente fazia), de acordo com a equidade, é mais correto, a título de indemnização pelos danos morais, o montante de € 25.000,00 fixado pela 1.ª instância do que o de € 15.000,00 fixado pela Relação (artigos 494.º e 496.º do CC).
Decorre do exposto não se ver fundamento para alterar o montante indemnizatório fixado, que se mostra adequado e proporcionado face à lesão sofrida pela autora e danos que daí resultaram, obedecendo ao actual padrão jurisprudencial.
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Sumário: (…)

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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante, que decaiu (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
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Évora, 07 de Dezembro de 2023
Maria Domingas Simões
Mário Canelas Brás
Tomé de Carvalho

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[1] Exm.ºs Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos:
1.ª Adj. Sr. Juiz Desembargador Mário Canelas Brás;
2.º Adj. Sr. Juiz Desembargador José Manuel Tomé de Carvalho.
[2] Prof. Almeida e Costa, “Direito das Obrigações”, 9.ª Ed., págs. 542-543.
[3] Idem.
[4] Afirmando a sua natureza patrimonial, o ac. STJ de 29/4/2010, processo 344/04.2 GTSTR.S1 sintetizou: “O dano biológico traduz-se numa diminuição somático-psíquica clara, com natural repercussão no padrão de vida do indivíduo, cuja afectação física, desde logo, determina uma imediata e quase sempre irreversível perda de faculdades físicas e bem-estar psicológico, progressivamente notados, de resto, em tese geral, com repercussão necessária desfavorável na sua qualidade de vida, assim se analisando, mais apropriadamente, dada aquela determinante afectação da actividade vital, em “dano patrimonial”.
[5] Cfr. ac. STJ de 20/5/2010, processo n.º 103/2002.L1.S1 – no qual se considerou que “O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial”. No mesmo sentido, o ac. também do STJ de 20/1/2011, processo n.º 520/04.8 GAVNF.P2.S1.
Negando relevância à conceptualização desta categoria que, no entendimento expresso, não veio “tirar nem pôr ao que, em termos práticos, já vinha sendo decidido pelos Tribunais, quanto a indemnização pelos danos patrimoniais de carácter pessoal ou compensação pelos danos não patrimoniais”, ainda o STJ, em acórdão de 6/12/2011, processo n.º 52/06.0 TBVNC.G1.S1.
Em sentido diverso, reconhecendo méritos à conceptualização deste dano, o exaustivo acórdão do TRC de 21/3/2013, processo n.º 793/07.4TBAND.C1, todos em www.dgsi.pt.
[6] “O conceito de Dano Biológico como Concretização Jurisprudencial do Princípio da Reparação Integral dos Danos – Breve Contributo”, em Julgar n.º 46, págs. 257 e seguintes.
[7] Afirma a autora no texto acima citado, a págs. 260, “Verifica-se, contudo, ser a respeito da ponderação dos efeitos negativo de ordem patrimonial resultantes da afectação da capacidade laboral genérica dos lesados, e se vem consolidando no Supremo Tribunal o recurso ao conceito de dano biológico”.
[8] Em sentido idêntico, defendendo que que a violação do direito à saúde e à integridade pessoal (artigos 70.º e 25.º, n.º 1, da CRP) constitui um dano-evento, e não um dano consequencial patrimonial ou não patrimonial, mas reconhecendo à consideração do dano biológico o mérito de ter ampliado a percepção das componentes do dano real, ainda a Sr.ª C.ª Maria da Graça Trigo, “Responsabilidade Civil, temas especiais”, págs. 79 a 87.
Criticando os fundamentos dogmáticos das decisões judiciais e assinalando a desnecessidade do recurso à categoria do dano biológico v. Prof. Mafalda Barbosa, in “Novas categorias de danos a partir da lesão da integridade física: a busca da originalidade espúria ou um novo sentido do justo?”, in Revista de Direito da Responsabilidade, acessível em https://revistadireitoresponsabilidade.pt/2019/novas-categorias-de-danos-a-partir-da-lesao-da-integridade-fisica-a-busca-de-originalidade-espuria.
[9] Do aresto do TRC de 21/3/2013, no processo n.º 793/07.4TBAND.C1.