Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA ADELAIDE DOMINGOS | ||
Descritores: | UNIÃO DE FACTO DIREITO DE PROPRIEDADE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA | ||
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Data do Acordão: | 09/26/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I. Na união de facto não vigora um regime de bens como sucede no casamento, ou seja, não existe regulação própria sobre quais são os bens que integram a comunhão, sobre a responsabilidade por dívidas, sobre a administração ou disposição de bens e partilha de bens após a cessação da união de facto. II. Encontrando-se registada a favor de um membros da união de facto o direito de propriedade sobre bens imóveis, a contribuição do outro para a aquisição desses bens não ilide aquela presunção registral. III. Não tendo os membros da união de facto regulado antecipadamente as relações patrimoniais e não havendo um património comum ou sequer em compropriedade, a questão deve ser regulada com base nas regras do enriquecimento sem causa desde que se verifiquem os respetivos pressupostos ou requisitos legais. (Sumário elaborado pela relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de ÉVORA I – RELATÓRIO[1] Ação Declarativa de condenação, sob a forma de processo comum. Autor AA Réus BB (1.ª Ré) CC (2.º Réu) DD (3.º Réu) Pedidos a) Ser reconhecido o direito de propriedade do Autor sobre as frações ... e ... e, em consequência, serem os Réus condenados a restituir as mesmas, livres e desocupadas de pessoas e dos bens que lhes pertençam, nos termos do artigo 1311.º do Código Civil (CC); b) Serem os Réus condenados abster-se da prática de qualquer ato que afete o direito de propriedade do Autor sobre as referidas frações ou que afete ou diminua o seu gozo; Cumulativamente, c) Serem os Réus condenados solidariamente a pagar ao Autor uma indemnização, a título de responsabilidade civil extracontratual, no valor de €750,00 mensais, desde a ocupação abusiva e indevida até efetiva entrega daquelas frações, e que ao momento ascende a € 22.500,00, contabilizados de ../../2010 e ../../2021, ou condenando-se os Réus a pagar ao Autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, nos termos do artigo 609.º do CPC, sempre acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor contados desde a citação; Subsidiariamente, caso assim não se entenda e por mero dever de patrocínio, d) Serem os Réus condenados solidariamente a pagar ao Autor uma indemnização, a título de enriquecimento sem causa pelo uso indevido e abusivo da utilidade económica daquelas frações, no valor mensal de € 881,00 desde a ocupação abusiva e indevida até efetiva entrega daquelas frações, e que ao momento ascende a €26.430,00, contabilizados de ../../2010 e ../../2021, ou condenando-se os Réus a pagar ao Autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, nos termos do artigo 609.º do CPC, sempre acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor contados desde a citação. Causa de pedir É dono e legítimo proprietário da fração autónoma designada pela letra “...” (T2 destinada a habitação) e fração ... (cave – garagem/arrecadação), melhor identificadas na p.i. Em meados do ano de 2011, conheceu a Ré, com a qual se envolveu sexualmente e, de modo a proporcionar-lhe o apoio financeiro de que aquela necessitava, propôs que a mesma viesse residir na sua habitação (fração autónoma designada pela letra “...”), juntamente com os filhos desta (2.º e 3.º Réus), o que veio a suceder. A relação terminou em meados de 2019, recusando-se os Réus a desocupar a mencionada fração, bem como a arrecadação/garagem onde têm guardado os seus pertences. Contestação Contestaram os Réus alegando, em suma, que o Autor e a 1.ª Ré viveram em união de facto durante 10 anos (dezembro de 2010 até julho de 2021) e que os bens imóveis identificados na p.i. também foram adquiridos pela Ré, bem como diversos bens móveis e imóveis, com valores provenientes da economia comum do casal. Deduziram, ainda, reconvenção formulando os seguintes pedidos: a)- Seja reconhecida a situação de união de facto entre a autora e o réu entre 27 de dezembro de 2010 e junho de 2021; b)- Seja reconhecido que os imóveis identificados nos artigos 1.º, 6.º e 34.º da p.i. e o equipamento/recheios que os compõem pertencem, em compropriedade e em partes iguais, ao Autor e 1.ª Ré; e, por conseguinte: c)- Seja o Autor condenado a pagar à 1.ª Ré o valor correspondente a metade do valor da avaliação dos referidos imóveis e dos bens que os compõem; d)- Seja o Autor condenado a pagar metade do valor comercial dos veículos identificados no artigo 55.º da reconvenção; e)- Bem como as custas do processo, custas de parte e juros vincendos até efetivo e integral pagamento. Subsidiariamente: Condenação do Autor a restituir à 1.ª Ré tudo quanto se locupletou à custa desta, numa quantia nunca inferior a €141.160,00, a título de enriquecimento sem causa. Réplica O Autor pugnou pela inadmissibilidade da reconvenção. Alegou que, ao contrário do alegado pela 1.ª Ré, os Réus não saíram da habitação do Autor a 14 de dezembro de 2020, mas sim em finais de dezembro de 2021, após citados para a presente ação, sem qualquer aviso, levando consigo os seus bens pessoais e necessários. Quanto aos demais bens pessoais, estes se encontram atualmente guardados no quarto em que o 2.º e 3.º Réus dormiam, tendo o Autor remetido comunicação escrita à 1.ª Ré para os recolher quando assim pretendesse Defendeu, ainda, que não existia um contributo, seja fixo ou variável, para as despesas com os bens adquiridos na pendência da convivência, nem para a alegada economia comum, nunca tendo existido entreajuda ou partilha de recursos entre o Autor e a 1.ª Ré como se de uma “união de facto” se tratasse. Atos processuais subsequentes Foi realizada a audiência prévia, admitida a reconvenção e proferido despacho saneador e despacho a delimitar o objeto do litígio e a identificar os temas da prova. Sentença A causa foi julgada nos seguintes termos: «Atento o exposto, e em consequência, julgando-se a ação improcedente, mas procedente a reconvenção, decide-se: 1. Absolver os Réus de todo o peticionado pelo Autor. 2. Declarar a existência da união de facto entre Autor e 1.ª Ré durante o período de 10 anos e a sua dissolução em ../../2021. 3. Condenar o Autor a restituir à 1.ª Ré as quantias com que indevidamente se locupletou, no montante que se vier a apurar em ulterior incidente de liquidação. 4. Condenar o Autor a restituir à Ré os bens que compõem o recheio dos imóveis, nos termos em que o reconheceu. 5. Condenar o Autor a restituir aos Réus os seus bens pessoais que ainda se encontrem na sua posse.» Recurso Apelou o Autor, pedindo que a sentença seja «anulada ¯ ou, caso assim não se entenda, revogada ¯ e, substituída por outra que: (i) Julgue procedente a Ação interposta pelo Recorrente, com a consequente condenação dos Recorridos; (ii) Julgue parcialmente improcedente a Reconvenção interposta pelos Recorridos» apresentando as seguintes CONCLUSÕES (após aperfeiçoamento): A. O presente Recurso de Apelação é interposto da Sentença, certificada via Citius a 22 de setembro de 2023 (com a refª ...18), a qual (i) julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo os Réus de todo o peticionado pelo Autor; (ii) Declarando a existência de uma união de facto entre o Autor e a 1.ª Ré durante o período de 10 (dez) anos, com a sua dissolução em ../../2021, condenando o Autor a restituir à 1.ª Ré, as quantias com as quais indevidamente se locupletou, em montante que se vier a apurar em ulterior incidente de liquidação; (iii) mais condenando o Autor a restituir à 1.ª Ré os bens que compõem o recheio dos imóveis, nos termos em que o reconheceu e ainda (iv) a restituir os bens pessoais que ainda se encontrem na sua posse (Sentença Recorrida). B. O Recorrente discorda da decisão, por entender que nela existiu um flagrante erro de julgamento e uma errónea interpretação e aplicação do direito nomeadamente da alínea c), d) e e) do artigo 615.º do Código do Processo Civil, bem como das consequências jurídicas decorrentes da mesma. Tendo o Tribunal a quo desconsiderado factos essenciais para o bom julgamento da causa. C. Não pode senão a Sentença Recorrida ser considerada nula, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, no que respeita à improcedência total do pedido do Recorrente, nomeadamente, quanto ao Reconhecimento da sua propriedade nas frações ... e ..., com a consequente restituição das mesmas livres de pessoas e bens. D. De igual modo, a Sentença Recorrida deverá ser considerada nula, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, no que respeita à procedência total do pedido dos Recorridos, sendo substituída por outra que reconheça expressamente a propriedade do Recorrente, condenando os Recorridos a restituírem as frações ... e ..., livre de pessoas e bens, em consequência, reconhecendo a ação do Recorrente parcialmente procedente, e a Reconvenção dos Recorridos, parcialmente improcedente. E. E ainda ser anulada e substituída por outra que reconheça expressamente a propriedade do Recorrente, condenando os Recorridos a restituírem as frações ... e ..., livre de pessoas e bens, e, em consequência, condenar os Recorridos a indemnizar o Recorrente pela utilização e ocupação que têm efetuado das Frações. F. Sendo certo que a Decisão impugnada padece de nulidade por ter condenado em objeto diverso dos pedidos, excedendo o âmbito da pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC, devendo, por isso, ser substituída por outra que condene os Recorridos a restituírem as frações ... e ..., livre de pessoas e bens, e, em consequência, condenar os Recorridos a indemnizar o Recorrente pela utilização e ocupação que têm efetuado das Frações, até efetiva entrega. G. Nos pontos 16), 22), 24) e 30) da Matéria de Facto da Sentença Recorrida, o Tribunal a quo considerou como provado que: “16) Em meados de 2019, o Autor solicitou que os Réus desocupassem as frações identificadas em 1) e 4); 22) A fração identificada em 1), foi ainda sendo mobilada, em economia comum, ainda hoje permanecendo no seu interior a maior parte dos bens adquiridos pelo casal, bem como todos os bens que compõem todos os outros imóveis identificados nos autos. 24) A 1.º Ré e os seus filhos saíram do imóvel sem nada (nomeadamente roupa e bens pessoais), tendo ficado tudo no interior do imóvel. 30) O Autor remeteu comunicação escrita à 1.ª Ré para recolher os bens que se encontram na habitação e que são sobretudo roupas de outras estações.” H. Tendo, no ponto x) da Matéria de Facto dado como Não Provada que: “…x) o Autor não possibilita a entrada dos Réus no imóvel para recolha dos bens”. I. Ou seja, por um lado, não só ficou provado ser o Recorrente o proprietário exclusivo de tais bens, como não ficou provado que o mesmo tem impossibilitado os Recorridos de procederem à recolha dos seus bens. J. Concluindo-se que, existe erro no julgamento, porquanto a prova obtida conduziria, no entendimento do Recorrente, à obtenção de uma Decisão diversa, nomeadamente, na condenação dos Recorridos à desocupação das frações e consequente restituição, livre de pessoas e bens, ao Recorrente. K. Pelo que, nos termos do nº 3 do artigo 607.º do CPC, o Tribunal a quo deveria discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. L. Constatando-se, no entanto, que o Tribunal a quo não indicou, interpretou, nem aplicou as normas jurídicas correspondentes, em clara violação daquela norma, nomeadamente, e do artigo 1311.º do CC. M. Pelo que, a Decisão ora em crise, deverá ser substituída por outra em que, reconhecendo-se o Direito de Propriedade do Recorrente, condene os Recorridos na desocupação e restituição plena, livre e desocupada de bens, nos termos daquele preceito legal. N. Nos pontos 10), 11) e 16) da Matéria de Facto da Sentença Recorrida, o Tribunal a quo considerou como provado que: “10) O Autor e a 1.ª Ré viveram em comunhão de cama, mesa e habitação, em condições análogas às dos cônjuges, durante um período superior a dois anos, a partir de dezembro de 2010, tendo a relação terminado no dia ../../2021. 11) Os Réus saíram da residência sita na fração identificada em 1), no dia ../../2021. 16) Em meados de 2019, o Autor solicitou que os Réus desocupassem as frações identificadas em 1) e 4)” O. Resultou da prova documental quer testemunhal amplamente produzida em sede de audiência de julgamento não deveria o Tribunal a quo ter considerado como provado que a União de Facto terminou em ../../2021, porquanto, não só se encontra em contradição com a prova documental produzida pelo Recorrente, nomeadamente, face ao Documento n.º 15 junto com a Petição Inicial (aliás, a Ação intentada pelo Recorrente é anterior a tal data), como é completamente contraditório com o peticionado pelos Recorridos em sede de Contestação com Reconvenção, dado que alegaram que o termo da União de Facto em julho de 2021, o que posteriormente é corroborado pelos Recorridos. P. Pelo que e em face do ora exposto, deve o Tribunal ad quem alterar a Matéria de Facto da Sentença Recorrida no sentido de corrigir as imprecisões constantes do Ponto 10) da Matéria de Facto da Sentença Recorrida, devendo tal ponto ser substituído pelo seguinte facto provado: O Autor e a 1.ª Ré viveram em comunhão de cama, mesa e habitação, em condições análogas às dos cônjuges, durante um período superior a dois anos, a partir de dezembro de 2010, tendo a relação terminado em junho de 2021. Q. No ponto 22) da Matéria de Facto da Sentença Recorrida, o Tribunal a quo considerou como provado que: “22) A fração identificada em 1), foi ainda sendo mobilada, em economia comum, ainda hoje permanecendo no seu interior a maior parte dos bens adquiridos pelo casal, bem como todos os bens que compõem todos os outros imóveis identificados nos autos.” R. Ora, o Tribunal a quo, erradamente, veio dar como provado que na fração ..., de habitação, ainda permanecem diversos bens e outros “que compõem todos os outros imóveis identificados nos autos”. S. Conforme alegado e demonstrado pelo Recorrente, encontram-se alguns bens e mobiliário da propriedade dos Recorridos, tanto na fração ..., de habitação, como na fração ..., de garagem, conforme alegado pelo Recorrente nos artigos 15.º, 16.º, 24.º, 28.º, 29.º, 41.º, 43.º, 45.º, 47.º da Petição Inicial, juntando como prova os Documentos n.º 14 e 15; e ainda conforme alegado nos artigos 40.º, 61.º, 62.º, 68.º e 70 da Réplica, juntando para tanto os Documentos n.º 4, 7, 8 e 10. T. Estando a fração ..., de garagem, a ser ocupada exclusivamente com pertences dos Recorridos, usando os mesmos e fruindo da coisa sem o consentimento deste. Tal como confirmado pela Recorrida e pelo Depoimento de Parte do Recorrido Filho (cfr. 00:49:06 a 00:49:36 do ficheiro de Gravação disponibilizado via Citius “Diligencia_3649-21.4T8FAR_2023-02-03_14-13-03” e 00:15:42 a 00:17:19 do ficheiro de Gravação disponibilizado via Citius “Diligencia_3649-21.4T8FAR_2023-02-03_15-20-45”); U. Assim, e em face do ora exposto, deve o Tribunal ad quem alterar a Matéria de Facto da Sentença Recorrida no sentido de corrigir as imprecisões constantes do Ponto 22) da Matéria de Facto da Sentença Recorrida, devendo tal ponto ser substituído pelo seguinte facto provado: A fração identificada em 1), foi ainda sendo mobiliada, em economia comum, ainda hoje permanecendo no seu interior a maior parte dos bens adquiridos pelo casal para aquela casa, encontrando-se na fração identificada em 4) os demais bens da propriedade dos Réus. V. No ponto 24) da Matéria de Facto da Sentença Recorrida, o Tribunal a quo considerou como provado que: “24) A 1.º Ré e os seus filhos saíram do imóvel sem nada (nomeadamente roupa e bens pessoais), tendo ficado tudo no interior do imóvel.”. W. A Recorrida manteve a sua versão da história, contando que teria saído de casa do Recorrente “só com a roupa no corpo” após ser ameaçada por este de morte e com uma arma, naquele dia ../../2021, conforme, igualmente, o excerto do seu Depoimento de Parte, (cfr. 00:27:14 a 00:27:21 do ficheiro de Gravação disponibilizado via Citius “Diligencia_3649-21.4T8FAR_2023-02-03_14-13-03”); facto que veio a ser contestado pelo Filho da Recorrida no seu depoimento de parte (cfr. 00:18:04 a 00:07:40 do ficheiro de Gravação disponibilizado via Citius “Diligencia_3649-21.4T8FAR_2023-02-03_15-20-45”); X. Nestes termos, não deveria o Tribunal a quo ter considerado como provado o facto constante do Ponto 24) da Matéria de Facto da Sentença Recorrida, mas sim o facto que se enunciará de seguida, devendo o Tribunal ad quem alterar a Matéria de Facto da Sentença Recorrida no sentido de excluir o facto constante do Ponto 24) da Matéria de Facto da Sentença Recorrida dos factos provados e aditar o seguinte facto provado: A 1.ª Ré e os seus filhos saíram do imóvel quando o Autor não se encontrava, tendo levado consigo diversos bens da sua propriedade. Y. No ponto b) e c) da Matéria de Facto na Sentença Recorrida, o Tribunal a quo considerou como não provado que: “b) Para compra da fração autónoma identificada em 4), o Autor entregou €1.000,00 em numerário; c) A negociação e o uso respeitante à fração autónoma identificada em 4) ocorreu em momento anterior ao da formalização do contrato de compra e venda” Z. Conforme Depoimento da Testemunha EE, anterior proprietário da fração ..., de garagem, confirmou-se que a negociação da compra daquele imóvel ocorreu em momento bastante anterior à formalização da compra, (cfr. 00:02:03 a 00:02:46 do ficheiro de Gravação disponibilizado via Citius “Diligencia_3649-21.4T8FAR_2023-03-24_10-59-25”); AA. Em face de todo o exposto, é manifesto que o Tribunal a quo deveria ter considerados como provados os factos supra elencados no início do presente capítulo, devendo o Tribunal ad quem alterar a Matéria de Facto da Sentença Recorrida no sentido de incluir na mesma os seguintes factos como provados: “Para a compra da fração autónoma identificada em 4), o Autor entregou € 1.000,00 em numerário; A negociação e o uso respeitante à fração autónoma identificada em 4) ocorreu em momento anterior ao da formalização do contrato de compra e venda”. E, consequentemente, não poderia o Tribunal a quo condenar o Recorrente a restituir “as quantias com que indevidamente se locupletou” no que respeita à fração ..., tendo sido o único a contribuir para a sua aquisição. BB. No ponto g) da Matéria de Facto na Sentença Recorrida, o Tribunal a quo considerou como não provado que: “os Réus recusam-se a desocupar a habitação do Autor, bem como a arrecadação/garagem onde têm guardado os seus pertences.” CC. No entanto, foi dado como provado que o Recorrente é exclusivo proprietário das Frações, como não impediu, de qualquer forma, os Recorridos de recolherem os seus bens. DD. Tal facto não poderia ser dado como não provado, pelo simples facto da Recorrida considerar que não deveria desocupar as Frações do Recorrente, alegando ser proprietária. EE. Ora, atentas as regras dos artigos 358.º, n.º 1, do Código Civil, 283.º, n.º 1, 284.º, 607.º, n.º 4, 608.º e 609.º, n.º 1, do CPC, é manifesto que o Tribunal a quo deveria ter considerado como provado o facto supra elencado no início do presente capítulo, devendo o Tribunal ad quem alterar a Matéria de Facto da Sentença Recorrida no sentido de incluir na mesma o seguinte facto como provado: “Os Réus recusam-se a desocupar a habitação do Autor, bem como a arrecadação/garagem onde têm guardado os seus pertences”. FF. No ponto i) e k) da Matéria de Facto na Sentença Recorrida, o Tribunal a quo considerou como não provado que: “i) O arrendamento de uma habitação com características semelhantes às da fração ..., sendo esta um apartamento ao nível do ... andar, com 98,0000 m2 de área bruta privativa e uma área bruta dependente de 25,7000m2, na localidade de ..., se estima em pelo menos 600,00 € (seiscentos euros) mensais e k) O arrendamento de uma fração de garagem/arrecadação com as características daquela que detém uma área bruta privativa de 22,0000m2, estima-se em pelo menos 150,00 € (cento e cinquenta euros) por mês” GG. Tendo o Tribunal a quo fundamentado que os factos não provados resultaram da ausência/insuficiência de prova. HH. Ora, os Documentos n.º 9 e 10, que demonstram as pesquisas de mercado efetuadas a imóveis com as mesmas características naquele local. II. Pelo Depoimento de Parte do Recorrido, filho, foi confirmado o valor médio de renda naquela localidade e para uma casa com a mesma tipologia, no valor de 900,00€ (novecentos euros) mensais (cfr. 00:19:50 a 00:20:06 do ficheiro de Gravação disponibilizado via Citius “Diligencia_3649-21.4T8FAR_2023-02-03_15-20-45”); JJ. Em face de todo o exposto, é manifesto que o Tribunal a quo deveria ter considerado como provado os factos supra elencado no início do presente capítulo, devendo o Tribunal ad quem alterar a Matéria de Facto da Sentença Recorrida no sentido de incluir na mesma os seguintes factos como provados: “O arrendamento de uma habitação com características semelhantes às da fração ..., sendo esta um apartamento ao nível do ... andar, com 98,0000 m2 de área bruta privativa e uma área bruta dependente de 25,7000m2, na localidade de ..., se estima em pelo menos 600,00€ (seiscentos euros) mensais; O arrendamento de uma fração de garagem/arrecadação com as características daquela que detém uma área bruta privativa de 22,0000m2, estima-se em pelo menos 150,00 € (cento e cinquenta euros) por mês.”. KK. Devendo, das alegações aludidas supra, e em consequência da inerente condenação dos Recorridos na restituição, livre e devoluta de pessoas e bens, serem igualmente condenados no pagamento mensal correspondente, desde a ocupação indevida até integral e efetiva restituição. LL. É ainda entendimento do Recorrente que da prova produzida resultaram devidamente demonstrados os factos que abaixo se elencam e os quais, pela sua relevância, deverão ser aditados ¯ como factos provados, evidentemente ¯ à Matéria de Facto da Sentença Recorrida. MM. O simples facto de residir na habitação do Recorrente, foi uma vantagem bastante superior à alegada contribuição da Recorrida. NN. A Recorrida, quando conheceu o Recorrente, tinha uma situação financeira bastante deficitária, vivendo de rendimentos sociais, pensão de alimentos dos filhos e abono, encontrando-se desempregada (cfr. 00:01:07 a 00:02:25 do ficheiro de Gravação disponibilizado via Citius “Diligencia_3649-21.4T8FAR_2023-02-03_14-13-03”) OO. E quando questionada a Recorrida relativamente aos valores que o Recorrente normalmente recebia do seu trabalho, a mesma referiu que recebia muito bem, (cfr. 00:21:55 a 00:22:31 do ficheiro de Gravação disponibilizado via Citius “Diligencia_3649-21.4T8FAR_2023-02-03_14-13-03”). PP. Quando questionada pelo Tribunal a quo, pela contribuição de ambos para a vida familiar, a Recorrida referiu, por exemplo, no que respeitava às refeições, que eram ambos a fazê-lo, não se denotando qualquer diferenciação e contribuições diferentes para a vida do lar, (cfr. 00:07:39 a 00:07:40 do ficheiro de Gravação disponibilizado via Citius “Diligencia_3649-21.4T8FAR_2023-02-03_14-13-03”). QQ. Os Recorridos nunca pagaram qualquer valor pela sua vivência naquela casa, tampouco pelo uso da garagem, tendo o Recorrido filho confirmado, aliás, qual o valor médio de uma casa com a mesma tipologia e naquele local, (cfr. 00:19:50 a 00:20:06 do ficheiro de Gravação disponibilizado via Citius “Diligencia_3649-21.4T8FAR_2023-02- 03_15-20-45”); RR. E no que respeitava às despesas, o Recorrido, filho da Recorrida, confirmou em sede de Depoimento de Parte, que tanto poderia pedir dinheiro a um, como ao outro, (cfr.00:05:40 a 00:05:54 do ficheiro de Gravação disponibilizado via Citius “Diligencia_3649-21.4T8FAR_2023-02-03_15-20-45”); SS. Pelo que, neste aspeto, o contributo de cada um deveria ter sido analisado na sua globalidade, pois, se por um lado, a Recorrida “contribuiu” para o pagamento da habitação e da garagem, do mesmo modo, o Recorrente contribuiu para a estabilidade financeira daquela, tendo contribuído com uma habitação com uma “renda” mensal bastante reduzida e que lhe proporcionou, a si e aos filhos, ter uma qualidade diferente de vida. TT. Assim, em face de todo o exposto, deveria o Tribunal a quo ter considerado como provados os factos supra elencados, devendo o Tribunal ad quem alterar a Matéria de Facto da Sentença Recorrida no sentido de incluir na mesma o seguinte facto provado: A 1.ª Ré beneficiou economicamente da fração ... de garagem e da fração ... de habitação, tendo enriquecido à custa do Autor, na mesma medida em que o Autor foi enriquecido pela comparticipação da 1.ª Ré. UU. No presente caso, o enriquecimento do Recorrente foi largamente compensado com a poupança de despesas e da fruição da habitação durante 10 (dez) anos, bem como da garagem, por parte da Recorrida. VV. Pelo que, contrariamente ao considerado pelo Tribunal a quo, mas como resulta exposto do Capítulo supra, relativamente ao facto que deveria ter sido considerado pelo mesmo, das presentes Alegações de Recurso, no presente caso, não se verifica um dos pressupostos essenciais ao Enriquecimento sem Causa: o enriquecimento do Recorrente, à custa do empobrecimento da Recorrida. WW. Nunca o Tribunal a quo poderia ter considerado como verificado um dos pressupostos do instituto de Enriquecimento sem Causa: o enriquecimento de um à custa do outro, o que levaria, sempre, à improcedência do pedido formulado em sede Reconvencional. XX. Em face de todo o exposto, deve o Tribunal ad quem revogar a Sentença Recorrida na parte em que condena o Recorrente a liquidar à Recorrida, as quantias “com as quais indevidamente se locupletou, no montante que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação”, e substituí-la por outra que absolva o Recorrente de todos os pedidos contra si formulados. Resposta ao recurso Os Apelados defenderam a improcedência da apelação e a confirmação da sentença. Admissão do recurso Por despacho proferido em 16-04-2024. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 617.º, n.º 1, do CPC no sentido da não verificação das arguidas nulidades da sentença. II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto: FACTOS PROVADOS «1) Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial ..., através da Ap. ...5 de 29-06-2006, a aquisição a favor do Autor, por compra, da fração autónoma designada pela letra “...”, correspondente ao primeiro andar esquerdo, tipo T-Dois, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Urbanização ..., ..., ..., freguesia ..., ..., descrita sob o número ...69 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...03 da freguesia .... 2) A fração identificada em 1) foi adquirida com recurso a crédito bancário, no montante de €115.000,00, celebrado pelo Autor com a entidade então denominada por “GEconsumer Finance, I.F.I.C, Instituição Financeira de Crédito, S.A.” - atualmente “Sagasta Finance – STC, S.A.. 3) É o Autor quem entrega à entidade mutuante as quantias tendentes ao pagamento do crédito mencionado em 2., no montante mensal de €346,05. 4) Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial ..., através da Ap. ...17 de 20-12-2012, a aquisição a favor do Autor, por compra, da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a cave – garagem/arrecadação n.º ... do Prédio Urbano sito na Rua ..., ..., freguesia ..., município ..., descrita sob o número ...69 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...40 da freguesia .... 5) Resulta da escritura pública outorgada a 20 de dezembro de 2012, intitulada de «Título de Compra e Venda», que o Primeiro outorgante (vendedor) declarou vender ao Segundo outorgante (o aqui Autor), pelo preço de €7.000,00, a fração autónoma identificada em 4). 6) O Autor procedeu a uma transferência bancária cujo movimento ocorreu a 21 de dezembro de 2012, para a conta bancária da titularidade da vendedora da fração identificada em 4), no montante de 6.000,00€. 7) O Autor reside na fração autónoma identificada em 1). 8) Em momento anterior à sua mudança para ..., a 1.ª Ré residia em ... com os seus dois filhos (2.º e 3.º Réus), beneficiando do rendimento social de inserção, pensões de alimentos e abonos. 9) O Autor propôs à Ré que esta fosse viver consigo na fração autónoma identificada em 1), juntamente com os dois filhos desta (ora 2.º e 3.º Réus). 10) O Autor e a 1.ª Ré viveram em comunhão de cama, mesa e habitação, em condições análogas às dos cônjuges, durante um período superior a dois anos, a partir de dezembro de 2010, tendo a relação terminado [Na sequência da reapreciação da decisão de facto, a redação foi alterada para: «O Autor e a 1.ª Ré viveram em comunhão de cama, mesa e habitação, em condições análogas às dos cônjuges, durante um período superior a dois anos, a partir de ../../2010 até ../../2021»] 11) Os Réus saíram da residência sita na fração identificada em 1), no dia ../../2021. 12) Durante a vivência em comum, foram sendo adquiridos diversos bens, quer móveis, quer imóveis, nomeadamente: um veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..-FT-..; um veículo automóvel de marca ..., com matrícula ..-TH-..; e um veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..-NT-... 13) A 1.ª Ré contribuiu para o pagamento do crédito respeitante à aquisição do imóvel mencionado em 1), em montante não apurado. 14) A 1.ª Ré contribuiu para o pagamento do imóvel identificado em 4), em montante não apurado. 15) Em meados de 2019, a 1.ª Ré já detinha a sua vida equilibrada e com um trabalho estável de onde auferia uma retribuição acima da média nacional. 16) Em meados de 2019, o Autor solicitou que os Réus desocupassem as frações identificadas em 1) e 4). 17) As quantias respeitantes às prestações mensais do financiamento da fração de habitação ..., as despesas e encargos, com o seguro, a luz, água, gás e comunicações, Seguro da habitação, no valor de 168,47 €, Imposto Municipal sobre Imóveis relativamente às Frações identificadas em 1) e em 4), são entregues pelo Autor. 18) As despesas mencionadas em 17), foram suportadas pelo autor e 1.ª Ré 19) Através de escritura pública outorgada a 12 de dezembro de 2018, o Autor e a 1.ª Ré, aí identificada como mulher de AA, na qualidade de segundos outorgantes, declararam comprar e o primeiro outorgante declarou vender, a fração autónoma designada pela ..., correspondente ao apartamento ... e ..., no piso zero, do núcleo cinco, do tipo T-Um, da qual faz parte integrante um arrumo e uma instalação sanitária na cave, do prédio urbano denominado por ..., sito na ..., na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...39 da freguesia ... (...), inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...60 da freguesia .... 20) A prestação mensal correspondente ao crédito bancário contraído para aquisição da fração identificada em 19), encontra-se a ser liquidada pelo fruto da exploração daquele imóvel com a finalidade de Alojamento Local. 21) As despesas inerentes aos imóveis, incluindo todas as manutenções (pinturas, reparações, etc…), que realizaram até à separação, e as diversas benfeitorias que foram efetuadas durante o período em que autor e ré mantiveram a relação, foram pagas com o produto da economia comum. 22) A fração identificada em 1), foi ainda sendo mobilada, em economia comum, ainda hoje permanecendo no seu interior a maior parte dos bens adquiridos pelo casal, [Na sequência da reapreciação da decisão de facto, a redação foi alterada para: «A fração identificada em 1), foi ainda sendo mobiliada, em economia comum, ainda hoje permanecendo no seu interior a maior parte dos bens adquiridos pelo casal para aquela casa, encontrando-se na fração identificada em 4) bens da propriedade dos Réus.»] 23) A Autora apresentou queixa-crime junto da GNR ..., processo que correu termos sob o número 425/21...., a qual culminou com a condenação do Réu pelo crime de violência doméstica perpetrado sobre a 1.ª Ré. 24) A 1.º Ré e os seus filhos saíram do imóvel sem nada (nomeadamente roupa e bens pessoais), tendo ficado tudo no interior do imóvel. [A impugnação da decisão de facto foi julgada improcedente] 25) A 1.ª Ré sente medo e receio pela conduta agressiva demonstrada pelo autor, pelo que, não mais insistiu para recolha das suas coisas e dos seus filhos. 26) A 13 de novembro de 2013, o Autor solicitou um crédito junto da instituição financeira “Credibom”, para aquisição do veículo de marca ...” com a matrícula ..-FT-... 27) O Autor adquiriu o veículo de marca “...” com a matrícula ..-TH-.. para a utilizar na sua atividade profissional, tendo encontrado a mesma num site de venda de veículos Alemão, em 6 de maio de 2017, pelo preço de 7.750,00€. 28) Para o efeito descrito em 27, deslocou-se de avião até à Alemanha para proceder à compra da referida carrinha. 29) A 1.ª Ré faz uso exclusivo do veículo de marca ...” com a matrícula ..-NT-... 30) O Autor remeteu comunicação escrita à 1.ª Ré para recolher os bens que se encontram na habitação e que são sobretudo roupas de outras estações. 31) A 1.ª Ré aufere uma retribuição mensal certa. 32) O 2.º Réu, já trabalha e aufere uma retribuição mensal certa. 33) A fração identificada em 1) já se encontrava equipada com cozinha aquando da sua aquisição. 34) O Autor já tinha adquirido a mobília do seu quarto antes de conhecer a 1.ª Ré.» Aditado em sede de reapreciação da decisão de facto: «35) Os Réus ocupam com pertences seus a fração ....» FACTOS NÃO PROVADOS «a) O Autor adquiriu a fração identificada em 1), através de por Escritura de Compra e Venda, Mútuo e Hipoteca celebrado a ../../2006. b) Para compra da fração autónoma identificada em 4), o Autor entregou €1.000,00 em numerário. [A impugnação da decisão de facto foi julgada improcedente] c) A negociação e o uso respeitante à fração autónoma identificada em 4) ocorreu em momento anterior ao da formalização do contrato de compra e venda. [A impugnação da decisão de facto foi julgada improcedente] d) A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) esteve a avaliar a condição económica da 1.ª Ré para sustentar os seus filhos, aqui 2.º e 3.º Réus. e) O Autor propôs que a Ré fosse residir na fração autónoma identificada em 1), juntamente com os seus dois filhos, ora Réus, de modo a apoiar a Ré, em razão da sua debilidade financeira e da intervenção da CPCJ. f) Durante quase um ano a residir com o Autor, a 1.ª Ré ainda se encontrava desempregada, vivendo exclusivamente dos rendimentos daquele. [Na sequência da reapreciação da decisão de facto, da redação da alínea g) foi eliminado o segmento riscado.] g) Os Réus recusam-se a desocupar a habitação do Autor, h) É o Autor que, para além das prestações mensais do financiamento da fração de habitação ..., paga todas as despesas e encargos, com o seguro, a luz, água, gás e comunicações. i) O arrendamento de uma habitação com características semelhantes às da fração ..., sendo esta um apartamento ao nível do ... andar, com 98,0000 m2 de área bruta privativa e uma área bruta dependente de 25,7000m2, na localidade de ..., se estima em pelo menos 600,00 € (seiscentos euros) mensais. [A impugnação da decisão de facto foi julgada improcedente] j) É exclusivamente o Autor que suporta as despesas relacionadas com a fração ... de garagem/arrecadação, pese embora não detenha acesso ao seu uso e utilização, dado que os Réus continuam a ocupá-la sem qualquer fundamento. k) O arrendamento de uma fração de garagem/arrecadação com as características daquela que detém uma área bruta privativa de 22,0000m2, estima-se em pelo menos 150,00 € (cento e cinquenta euros) por mês. [A impugnação da decisão de facto foi julgada improcedente] l) A 1.ª Ré somente contribuía esporadicamente com o pagamento de algumas despesas da fração ... de habitação, nomeadamente, de água e luz, no que respeitava ao excesso face aos consumos considerados normais, somente porque em alguns meses as contagens eram mais elevadas dado que a mesma realiza serviços de tratamento de roupas e engomadoria dos seus clientes na habitação do Autor. m) Em junho de 2019, o Autor e a 1.ª Ré já não detinham qualquer contacto amoroso ou sexual, tampouco uma relação de amizade, pelo que decidiram que não mais faria sentido continuarem a residir juntos, até porque a 1.ª Ré já detinha a sua vida equilibrada e com um trabalho estável de onde auferia uma retribuição acima da média nacional. n) A 1.ª Ré deixou de efetuar qualquer contributo naqueles meses em que existiam excessos nos consumos e despesas devidos aos trabalhos que a 1.ª Ré realizava na casa do Autor, desde que foi interpelada a desocupar a habitação, em junho de 2019. o) O pagamento do valor da compra da carrinha identificada em 27) foi efetuado por levantamento da conta bancária no Banco Caixa Geral de Depósitos, da única e exclusiva titularidade do Autor, aos 11 de maio de 2017, no valor de 5.000,00 €, tendo o remanescente do preço sido pago em numerário, com o dinheiro que o Autor levou consigo para a Alemanha e que tinha recebido da venda de um terreno que se encontrava na herança dos seus pais. p) O Autor ajudou a 1.ª Ré a adquirir o veículo de marca ...” com a matrícula ..-NT-... q) O Autor pagou o capital inicial no montante de 100.000,00 € (cem mil euros), para aquisição da fração identificada em 19). r) O Autor tem uma filha com 25 anos, que reside atualmente em ... com o seu companheiro e o filho de ambos com cerca de 6 (seis) meses. s) A filha do Autor e o seu companheiro ficaram desempregados no seguimento dos efeitos pandémicos vividos. t) O Autor pretende alojá-los na fração identificada em 1), até que os mesmos consigam refazer a sua vida em Portugal. u) Os Réus não desocupam a habitação, não respeitam regras de convivência social, deixando a casa completamente desarrumada e suja. v) O Autor não pode usufruir plenamente da casa porquanto, mesmo nas divisões comuns se verifica um enorme caos e desarrumação. w) O Autor já nem recebe familiares ou amigos na sua própria habitação, o que lhe tem causado uma enorme angústia e revolta. x) O Autor não possibilita a entrada dos Réus no imóvel para recolha dos bens. y) O veículo de marca ..., com matrícula ..-FT-.. possui um valor de mercado que se estima nunca inferior a € 4.725,00. z) O veículo de marca ..., com matrícula ..-TH-.. possui um valor de mercado que se estima nunca inferior a € 4.750,00. aa) O veículo de marca ..., com matrícula ..-NT-.. possui um valor de mercado que se estima nunca inferior a € 3.925,00. bb) Autor e 1.ª Ré não eram vistos, pelos seus amigos e familiares como se casados fossem. cc) Autor e 1.ª Ré nunca aguardavam para fazer refeições em conjunto, detinham contas separadas e a 1.ª Ré nunca contribuiu para as despesas daquelas frações. dd) Até meados de 2013, a 1.ª Ré mantinha-se desempregada, a viver de abonos e rendimentos mínimos, tendo de sustentar dois filhos. ee) Após ter arranjado emprego, os vencimentos da 1.ª Ré eram penhorados junto da Entidade Patronal pelas dívidas que detinha. ff) Quanto ao imóvel identificado em 6. da Petição Inicial, o Autor liquidou 1.000,00 € (mil euros) em numerário. gg) Aquando da aquisição do veículo ... a 1.ª Ré estava desempregada, sem quaisquer rendimentos. hh) O pagamento do valor da compra do veículo de marca “...” com a matrícula ..-TH-.. foi efetuado por levantamento da conta bancária no Banco Caixa Geral de Depósitos, da única e exclusiva titularidade do Autor, aos 11 de maio de 2017, no valor de 5.000,00 € (cinco mil euros), tendo o remanescente do preço sido pago em numerário, com o dinheiro que o Autor levou consigo para a Alemanha e tinha recebido da venda de um terreno que se encontrava na herança dos seus pais. ii) O Autor ajudou a 1.ª Ré a adquirir o mencionado veículo ...” com a matrícula ..-NT-.., tendo a mesma afirmado que devolveria o valor pago pelo Autor assim que lhe fosse possível, o que nunca fez. jj) Até ../../2022 os Réus tinham total acesso à fração de habitação, podendo recolher os restantes bens que deixaram, tal como têm acesso atual à fração da garagem, cujos bens móveis são da sua exclusiva propriedade, podendo igualmente proceder à sua recolha. kk) A 1.ª Ré residia na habitação do Autor, com os seus dois filhos, aqui também Réus, por mera benevolência, tolerância e ajuda durante um período conturbado económica e familiarmente para a mesma, situação que se manteve por conforto, para ambos.» III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 1. O objeto do recurso O objeto do recurso que é delimitado pelas Conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consubstancia-se nas seguintes questões: - Nulidades da sentença; - Impugnação da decisão de facto; - Da decisão de mérito. 2. Nulidades da sentença O Apelante vem arguir a nulidade da sentença por terem sido violadas as alíneas c), d) e e), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Apreciando. As nulidades da sentença encontram-se taxativamente elencadas nas várias alíneas do n.º 1 do referido artigo 615.º, do CPC e correspondem a vícios formais que afetam a decisão em si mesma, mas não se confundem com erros de julgamento de facto ou de direito, suscetíveis de determinar a alteração total ou parcial da decisão proferida. Assim, e no que ora releva, a sentença é nula quando: «c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.» No que concerne à arguida nulidade prevista na alínea c) supra transcrita, alega o Apelante que a sentença violou este normativo no que concerne à total improcedência dos pedidos de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre as frações ... e ..., com a consequente restituição das mesmas livres de pessoas e bens, porquanto se verifica existir oposição entre a fundamentação e a decisão. Alegando, ademais que tal oposição e contradição torna a sentença ininteligível. Estipula o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, primeira parte, que a decisão é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Já a segunda parte prescreve que a sentença é nula quando for ambígua ou obscura de tal modo que a torne ininteligível. Conforme é comumente aceite, a nulidade prevista na primeira parte da alínea c), verifica-se quando haja uma contradição lógica no processo de decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados devam conduzir logicamente ao resultado oposto ao que veio a ser expresso na decisão.[2] Este vício formal não se reporta a situações em que se parte de pressupostos errados (por exemplo, apreciação e interpretação dos factos ou do direito), caso em que existe um vício de conteúdo (“error in judicando”), mas não nulidade da decisão.[3] Já a ambiguidade ou obscuridade da sentença reporta-se à sua parte decisória e apenas ocorre quando um gera ininteligibilidade, ou seja, quando um declaratário normal, nos termos do artigo 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1 do Código Civil (CC), não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.[4] No caso, e em relação ao segundo segmento do preceito («ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível») a sentença não sofre de tal vício por ser perfeitamente claro e percetível para um declaratário normal qual o sentido da decisão, ou seja, a declaração de improcedência dos pedidos formulados na p.i. sob as alíneas a) e b). Já não assim em relação ao primeiro segmento do referido normativo («os fundamentos estejam em oposição com a decisão«) por se verificar contradição lógica no processo de decisão entre a fundamentação e a decisão proferida. Contradição lógica que decorre do facto de constar na fundamentação: «Do circunstancialismo assente nestes autos decorre que não se pode afirmar que a Autora tenha adquirido a propriedade dos bens móveis e imóveis em dissídio. Na verdade, a união de facto, só por si, não é título ou modo jurídico legalmente reconhecido para a aquisição do direito de propriedade. Quanto aos bens imóveis e móveis sujeitos a registo, na união de facto, cada um deles será daquele que aparecer como seu titular e se o outro contribuiu para a sua aquisição tê-lo-á de provar invocando um crédito face ao outro cônjuge a exercer nos termos gerais do direito das obrigações. Por conseguinte, no caso em apreço, sendo o Autor/reconvindo o titular dos imóveis identificados em 1) e em 4), é ele o seu proprietário. Teria, assim, de improceder o pedido de declaração de que a Autora é legítima proprietária dos imóveis, em regime de compropriedade.» Desta fundamentação teria de resultar em termos de silogismo judiciário que os pedidos da alínea a) e b) da ação teriam de ser julgados procedentes (sendo, aliás, os pedidos típicos formulados em termos de ação de reivindicação como a presente) e, em consequência, julgado improcedente o pedido reconvencional formulado sob a alínea b) na parte em que pede que seja declarada a compropriedade do Autor e da 1.ª Ré em relação às frações ... e .... Todavia, na parte dispositiva da sentença os Réus foram absolvidos dos pedidos formulados nas alíneas a) e b) da p.i. e nada foi dito sobre a pretensão dos Réus formulada na alínea b) da reconvenção. Sendo que a questão da verificação dos requisitos do enriquecimento sem causa por os bens imóveis, segundo a sentença, terem sido adquiridos com «dinheiros comuns» tem apenas repercussões em termos patrimoniais e não sobre a titularidade dos bens, ou seja, o reconhecimento do direito de propriedade sobre tais bens não fica beliscado pelo facto de se verificar que houve empobrecimento do património da 1.ª Ré à custa do enriquecimento do património do Autor por a aquela ter contribuído para o pagamento de tais bens. Nestes termos, é evidente que a sentença é nula por existir insanável contradição lógica entre os fundamentos e a decisão no que toca à improcedência dos pedidos formulados sob as alíneas a) e b) da petição inicial. Como também do supra referido decorre a nulidade da sentença por omissão de pronúncia como previsto na alínea b) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC («o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar»), porquanto a parte dispositiva da sentença é completamente omissa em relação ao pedido formulado na alínea b) do pedido reconvencional, apesar de ter ficado a constar da fundamentação que improcedia o pedido de declaração de que a Autora é legítima proprietária dos imóveis, em regime de compropriedade. Em relação à alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC («o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido»), a nulidade em causa não se verifica em relação à restituição das quantias que, no entender da sentença, terá o Autor de devolver à 1.ª Ré por via do enriquecimento sem causa por tal decorrer logicamente do reconhecimento do direito de propriedade do Autor sobre os imóveis reivindicados e, aparentemente, também sobre o respetivo recheio por ter considerado que, em parte, a 1.ª Ré contribuiu para o seu pagamento (o que fica compreendido, em parte na alínea b) e na alínea c) do pedido reconvencional); mas já é nula em relação ao pedido de restituição de bens que compõem o recheio dos imóveis e dos bens pessoais dos Réus por os mesmos não terem formulado tal pedido nesses termos. Nulidades, que apesar de terem de ser conhecidas e declaradas, não impedem que se conheça do objeto do recurso em substituição do tribunal recorrido (artigo 665.º, n.º 1, do CPC), tanto mais que as questões subjacentes foram submetidas ao princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC), seja na fase dos articulados e julgamento, seja na fase de recurso, como evidencia a resposta às alegações. 3. Impugnação da decisão de facto Compete à Relação no âmbitos dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do CPC, desde que preenchidos os requisitos do artigo 640.º do mesmo Código quando a prova tenha sido gravada, reapreciar a decisão de facto, em ordem a formar uma convicção própria com base na análise global e crítica da prova carreada para os autos, aferindo da correta valoração dos meios de prova produzidos e dos respetivos ónus de prova, tendo em conta a fundamentação da decisão de facto, bem como as razões da discordância invocadas pelas impugnantes. Nada obstando ao conhecimento da impugnação da decisão de facto, passa-se à sua apreciação tendo em conta a finalidade supra referida. Facto provado 10 («O Autor e a 1.ª Ré viveram em comunhão de cama, mesa e habitação, em condições análogas às dos cônjuges, durante um período superior a dois anos, a partir de dezembro de 2010, tendo a relação terminado no dia ../../2021.») O Apelante pretende que a redação deste ponto de facto seja alterada para: «O Autor e a 1.ª Ré viveram em comunhão de cama, mesa e habitação, em condições análogas às dos cônjuges, durante um período superior a dois anos, a partir de dezembro de 2010, tendo a relação terminado em junho de 2021.» Para o efeito invoca a contradição que resulta da comparação com o ponto 16 dos factos provados onde consta que em meados de 2019 o Autor pediu aos Réus que desocupassem as frações, o que sai coadjuvado pelo teor do documento 15 da p.i. (carta da ../../2021 dirigida à Ré onde se refere a necessidade do Autor e 1.ª Ré conversarem sobre a desocupação de um imóvel (que não é identificado); o alegado pelos Réus no artigo 7.º da contestação onde alegaram que a relação perdurou até julho de 2021, e, ainda, as declarações da 1.ª Ré e depoimento de parte do 3.º Réu (filho da Ré). Analisada a questão suscitada o que se nos afigura dizer é que no ponto 10 dos factos provados interpretou-se o fim da relação entre Autor e 1.ª Ré como correspondendo à data em que esta e os filhos saíram de casa (../../2021), data que o Apelante não questiona e que ficou a constar do ponto 11 dos factos provados. Porém, a permanência dos Réus na habitação não significa que se mantenha a união de facto até essa data, pois para a mesma se verificar é necessário que haja comunhão de cama, mesa e habitação, e em sede de declarações de parte a 1.ª Ré confirma que a «separação» ocorreu em junho de 2021, o que também se infere da data em que o Autor lhe endereçou a carta de ../../2021. Nestes termos, procede a impugnação em relação ao ponto 10 dos factos provados, cuja redação passa a ser a seguinte: «O Autor e a 1.ª Ré viveram em comunhão de cama, mesa e habitação, em condições análogas às dos cônjuges, durante um período superior a dois anos, a partir de ../../2010 até ../../2021.» Facto provado 22 («A fração identificada em 1), foi ainda sendo mobilada, em economia comum, ainda hoje permanecendo no seu interior a maior parte dos bens adquiridos pelo casal, bem como todos os bens que compõem todos os outros imóveis identificados nos autos.»). Pretende o Apelante que seja alterada a redação deste ponto de facto para: «A fração identificada em 1), foi ainda sendo mobiliada, em economia comum, ainda hoje permanecendo no seu interior a maior parte dos bens adquiridos pelo casal para aquela casa, encontrando-se na fração identificada em 4) os demais bens da propriedade dos Réus.» Alega o Apelante que esta alteração se impõe em face das declarações da Recorrida e do seu filho e dos documentos14 e 15 da p.i. e docs. 4, 7, 8 e 10 juntos com a Réplica. A fundamentação da decisão de facto em relação a este ponto foi conjunta com outros. De útil em relação ao concreto ponto impugnado apenas se retira que remeteu genericamente para as declarações e depoimentos de parte dos Réus. Ora, na apreciação da impugnação verifica-se que o doc. 14 da p.i. e os docs. 4 a 7 e 10 da Réplica não comprovam de quem são os bens ali retratados; do doc. 15 (carta já supra mencionada) apenas se retira que foi endereçado à 1.ª Ré um convite para as partes chegarem a um acordo; do doc. 8 da Réplica (mensagens) apenas resulta que há roupas e outros pertences da Ré na habitação. Por sua vez, das declarações da 1.ª Ré decorre que esta ali guarda vários objetos seus (materiais de limpeza e objetos e bens que já eram da mesma antes da convivência em comum com o Autor) e das declarações do 2.º Réu também decorre que ali guarda pertences seus (mota, peças de mota e de carros, ferramentas, livros escolares, guitarras, etc.). Por outro lado, não decorre desta prova que o Autor guarde na fração ... objetos de sua propriedade ou objetos que pertençam em comum ao Autor e à 1.ª Ré. As declarações prestadas não nos suscitam qualquer dúvida quanto à sua retidão, pelo que se justifica clarificar a parte final do ponto de facto 22 no sentido dos bens que se encontram na garagem serem bens propriedade dos Réus. Nestes termos, procede a impugnação alterando-se a redação do ponto 22 dos factos provados que passa a ter a seguinte redação: «A fração identificada em 1), foi ainda sendo mobiliada, em economia comum, ainda hoje permanecendo no seu interior a maior parte dos bens adquiridos pelo casal para aquela casa, encontrando-se na fração identificada em 4) bens da propriedade dos Réus.» Facto provado 24 («A 1.º Ré e os seus filhos saíram do imóvel sem nada (nomeadamente roupa e bens pessoais), tendo ficado tudo no interior do imóvel.)». Pretende o Recorrente que este facto seja dada como não provado e que seja aditado o seguinte facto: «A 1.ª Ré e os seus filhos saíram do imóvel quando o Autor não se encontrava, tendo levado consigo diversos bens da sua propriedade.» Para esse efeito invoca as declarações dos Réus acentuando sobretudo que o 2.º e 3.º Réus não se lembravam se o Autor estava em casa quando dela saíram em ../../2021. Auditados os meios de prova indicados pelo impugnante, a impugnação não procede. Desde logo, porque a questão não é saber se o Autor estava ou não em casa quando os Réus saíram, mas sim o que levaram com eles. E quanto a esse facto, as declarações da 1.ª Ré são categóricas e não se encontram contraditadas por qualquer outro meio de prova. Nestes termos, improcede a impugnação, mantendo-se o facto provado 24. Alíneas b) e c) dos factos não provados («b) Para compra da fração autónoma identificada em 4), o Autor entregou €1.000,00 em numerário; c) A negociação e o uso respeitante à fração autónoma identificada em 4) ocorreu em momento anterior ao da formalização do contrato de compra e venda.»). Pretende o Apelante que esta factualidade seja dada como provada com base na confissão da Recorrida em sede de depoimento de parte e no testemunho do anterior proprietário da garagem, testemunha EE. Na fundamentação da decisão de facto consta que a matéria dada como não provada resulta da ausência/insuficiência de prova. Auditados os meios de prova mencionados pelo impugnante, a impugnação improcede. Desde logo, porque não se verificou qualquer confissão da 1.ª Ré quanto a esta matéria (não ficou a constar de assentada, nem o impugnante, no momento apropriado, reclamou da falta de consignação de qualquer declaração confessória); por outro lado, não há prova documental da entrega do valor referido na alínea b) e em relação ao momento da negociação, o testemunho do anterior proprietário foi vago e impreciso quanto ao ano da negociação que levou à formalização da escritura de compra e venda. Nestes termos, improcede a impugnação em relação às alínea a) e b) dos factos não provados. Alínea g) dos factos não provados («Os Réus recusam-se a desocupar a habitação do Autor, bem como a arrecadação/garagem onde têm guardado os seus pertences.»). Pretende o impugnante pretende que esta matéria seja dada como provada, invocando o teor do doc. 15 da p.i., doc. 8 da Réplica e o teor da contestação onde é alegado que não desocupam a habitação porque a 1.ª Ré tem direito de propriedade sobre o mesmo. Ora, na análise da impugnação, confirma-se que o doc. 15 da p.i. (a carta já supra referida) nada prova de concreto sobre esta matéria e do doc. 8 da contestação (as referidas mensagens) apenas mencionam que há objetos pessoais da Ré e outros pertences na habitação. Por outro lado, a alegação jurídica dos Réus em sede de contestação-reconvenção não tem valor probatório. Ora, sendo assim, o que se verifica é os Réus, entretanto, já saíram da habitação (facto provado 11) pelo que não se pode dar como provado que se recusam a desocupar a habitação do Autor e, por outro lado, também já foi dado como provado que continuam a usar a garagem onde mantêm bens próprios, como acima se deixou explicitado com a alteração da redação do ponto 22 dos factos provados, pelo que, em concordância com essa alteração, decide-se julgar parcialmente procedente a impugnação nos seguintes termos: A redação da alínea g) dos factos não provados passa a ser a seguinte: «Os Réus recusam-se a desocupar a habitação do Autor». E adita-se aos factos provados o n.º 35 com a seguinte redação: «Os Réus ocupam com pertences seus a fração ....» Alíneas i) e k) dos factos provados («i) O arrendamento de uma habitação com características semelhantes às da fração ..., sendo esta um apartamento ao nível do ... andar, com 98,0000 m2 de área bruta privativa e uma área bruta dependente de 25,7000m2, na localidade de ..., se estima em pelo menos 600,00 € (seiscentos euros) mensais e k) O arrendamento de uma fração de garagem/arrecadação com as características daquela que detém uma área bruta privativa de 22,0000m2, estima-se em pelo menos 150,00 € (cento e cinquenta euros) por mês”.» Pretende o impugnante que esta matéria seja dada como provada com base nos docs. 9 e 10 da p.i. e depoimento de parte do 2.º Recorrido. Porém, sem qualquer razão. Efetivamente, os meios de prova indicados são insuficientes para dar tal factualidade como provada. Os documentos não se reportam a uma avaliação do valor locatício das frações em causa, mas apenas a uma consulta ao mercado de arrendamento de imóveis para a mesma tipologia (sabendo-se que não é apenas a tipologia que determina o valor locatício) sendo que as declarações de parte invocadas se baseiam nessa consulta e no valor da renda da sua atual habitação, desconhecendo-se quais as suas caraterísticas. Nestes termos, improcede a impugnação em relação a estas alíneas dos factos não provados. Aditamento de factualidade à decisão de facto Pretende o impugnante que se adite aos factos provados o seguinte: «A 1.ª Ré beneficiou economicamente da fração ... de garagem e da fração ... de habitação, tendo enriquecido à custa do Autor, na mesma medida em que o Autor foi enriquecido pela comparticipação da 1.ª Ré.» A impugnação improcede, porquanto o que se pretende aditar é matéria de direito e não de facto. 4. Da decisão de mérito Vejamos, então, a questão de direito em substituição do tribunal a quo atenta a nulidade da sentença, levando ainda em atenção as alterações introduzidas na decisão de facto. Começando por juridicamente analisar os pedidos formulados pelo Autor que traduzem a instauração de uma ação de reivindicação em relação às frações ... (Habitação”) e “A” (garagem/arrecadação) e que melhor se encontram descritas nos pontos 1 e 4 dos factos provados. Referindo-se que nada é pedido em relação à fração ... identificada no ponto 19 dos factos provados. O artigo 1316.º do CC estabelece os modos de aquisição do direito de propriedade, preceituando: «O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei». Por sua vez, o artigo 1311.º do CC prescreve: «1- O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence; 2- Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.» Na presente ação, o Autor invoca factos suscetíveis de conduzir à aquisição do direito de propriedade sobre os prédios em causa por via derivada – compra e venda . Provou-se nos autos, que a aquisição do prédio identificado no ponto 1 e no ponto 4 dos factos provados – as referidas frações ... e ... –, foi inscrita na Conservatória do Registo Predial, a favor do Autor, por compra e venda, respetivamente, pela Ap. ...5 de 29-06-2006 e Ap. ...17 de 20-12-2012. Assim sendo, o Autor beneficia da presunção legal, que deriva do registo, conforme determina o artigo 7.º do Código de Registo Predial. Efetivamente, segundo este normativo: “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. Ora, beneficiando o Autor da presunção da existência do direito de propriedade sobre os referidos imóveis fica, nos termos do disposto pelo artigo 350.º, n.ºs 1 e 2, do CC, dispensado de provar o facto a que aquela presunção conduz, ou seja, à existência do direito. Impunha-se, assim, aos Réus o ónus de ilidir a sobredita presunção legal, mediante prova do contrário. Os Réus tendo em vista esse desiderato apresentaram contestação-reconvenção, pedindo que se declare que tais imóveis (e ainda a fração ...) são compropriedade dos Réus, em parte iguais com o Autor, com base no pedido de declaração da situação de união de facto entre o Autor e a 1.ª Ré. O que significa, desde já, que tal pedido no que concerne ao 2.º e 3.º Réu sempre teria de ser julgado improcedente porquanto a alegada união de facto apenas se reporta ao Autor e à Ré. Sendo que em relação à fração ... também o pedido improcede em relação ao 2.º e 3.º Réus, porquanto a aquisição do direito de propriedade encontra-se registada apenas em relação ao Autor e Ré, gozando, assim, da presunção registral prevista no artigo 7.º do Código de Registo Predial, que também não se encontra ilidida (cfr. ponto 19 dos factos provados). No que concerne à verificação dos requisitos da união de facto, dispõe o artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 7/2001, de 11-05 (Adota medidas de proteção das uniões de facto), na redação dada pela Lei n.º 23/2010, de 30-08: «2 - A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.» Como é consensual na doutrina e na jurisprudência, viver em «condições análogas às dos cônjuges» significa viver em comunhão de mesa, leito (relacionamento sexual) e habitação, evidenciando-se a coabitação como o principal efeito pessoal da união de facto, não podendo uma existir sem a outra.[5] Resulta dos provados nos pontos 9, 10, 12, 13, 14, 18, 21, 22 e 29, que o Autor e a Ré mantiveram durante muito mais de 2 anos, comunhão de leito, mesa e habitação de molde a poder dizer-se que viveram em condições análogas à dos cônjuges. Por outro lado, não ficou provado (ou sequer invocado) qualquer impedimento dos previstos no artigo 2.º da Lei n.º 7/2001, de 11-05 que impeçam a atribuição de direitos ou benefícios fundados na união de facto. O que significa que deve ser julgado o pedido formulado na alínea a) do pedido reconvencional levando-se em conta a alteração introduzida na redação do ponto 10 dos factos provados. Resta, então, apurar, se por via do reconhecimento da união de facto, ficou ilidida a presunção registral em relação à inscrição do direito de propriedade do Autor sobre as frações ... e .... O que significa que é necessário atender aos efeitos patrimoniais da união de facto. O artigo 3.º da Lei n.º 7/2001, regula os efeitos da união de facto. Porém, basta a simples leitura deste normativo para se constatar que os efeitos previstos na lei não contemplam os efeitos patrimoniais da união de facto. Assim, e ao contrário do casamento, na união de facto não vigora um regime de bens, ou seja, não existe regulação própria sobre quais são os bens que integram a comunhão, sobre responsabilidade por dívidas, sobre a administração ou disposição de bens e partilha de bens após a cessação da união de facto, nem sequer se podendo dizer que esteja consagrado um dever de assistência e cooperação como vigora no casamento (cfr. artigos 1678.º a 1679.º o CC). Como refere IGOR ALMEIDA, «No que toca ao dever de assistência e de cooperação, a lei, efetivamente, é omissa quanto a saber-se se o dever de assistência na sua outra subcategoria de contribuição para os encargos da vida familiar assume alguma relevância na constância da união de facto. Porém tende-se a considerar a existência de um recíproco dever entre os membros da união de facto em contribuírem para os encargos da vida familiar, sem qualquer carácter sancionatório ou cominatório».[6] A este propósito e de forma elucidativa, lê-se no Acórdão da Relação de Évora de 02-05-2019: «Apesar da comprovada comunhão de vida, a verdade é que a lei não reconhece a produção de quaisquer efeitos patrimoniais decorrentes dessa comunhão, ao contrário da união conjugal, em que os cônjuges casados no regime da comunhão de adquiridos participam por metade no ativo e no passivo, sendo nula qualquer convenção em contrário (art.º 1730.º/1 do C. Civil), e se o regime for o da comunhão geral é ainda maior o âmbito dos bens que integram a comunhão (art.º 1732.º.º), sendo incomunicáveis apenas os bens referidos expressamente no art.º 1733.º. Como se refere no Ac. do STJ de 24/10/2017, proc. n.º 3712/15.0T8GDM.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt “ (…) quer as relações pessoais quer as relações patrimoniais na união de facto não estão sujeitas ao regime específico que o casamento prevê quanto a esta matéria («(…) Não assumindo compromissos, os membros da união de facto não estão vinculados por qualquer dos deveres pessoais que o artigo 1672º C. Civ. impõe aos cônjuges. (…)», e não «…têm aplicação as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento independentes do regime de bens, o chamado “regime primário” (arts 1678º-1697º C. Civ)(…)», Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito Da Família, 2ª edição, vol I, 100 e 102. Quer os efeitos pessoais, quer os efeitos patrimoniais da união de facto são diversos dos que provêm do casamento, ficando estes (os patrimoniais) sujeitos ao regime geral, sem prejuízo, contudo, do que as partes possam convencionar entre si sobre os aspetos patrimoniais da sua relação (v.g, aquisição de bens em conjunto, abertura conjunta de contas bancárias e sua movimentação)”.»[7] E se é verdade que a experiência evidencia que a comunhão de vida gerada pela união de facto implica, em regra, uma contribuição de ambos os membros, também é certo que raramente os membros convencionam previamente como regular os aspetos patrimoniais dessa relação, suscitando-se a questão apenas quando cessa a união de facto. A doutrina e jurisprudência têm ensaiado formas de resolver juridicamente a questão da propriedade dos bens adquiridos quando tenha havido contribuição de ambos os membros, nomeadamente com os seus rendimentos do trabalho, para as despesas do lar e aquisição de bens móveis ou imóveis. As soluções passam, em regra, pela exclusão da aplicação do regime previsto no artigo 1730.º, n.º 1, do CC para os cônjuges, assim como a presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 1736.º do CC relativa à compropriedade dos bens, já que inexiste património comum na união de facto[8], mas também pelo afastamento das regras ou princípios do regime das sociedades de facto (irregulares) e da compropriedade. Entendendo, ao invés, que se os membros não tiverem regulado antecipadamente as relações patrimoniais (v.g., inventariando os bens que levam para a união, fixando regras sobre a propriedade dos bens móveis ou dos valores depositados em contas bancárias, regulando a contribuição de cada um para as despesas do lar, o pagamento das dívidas, a divisão dos bens que sejam adquiridos no decurso da união de facto, etc., naquilo que vulgarmente se designou apelidar de «contratos coabitação», contanto que não colidam com normas de ordem pública e bons costumes), que deve a questão ser regulada com base nas regras do enriquecimento sem causa desde que se verifiquem os respetivos pressupostos ou requisitos legais.[9] Assim: «Provando-se ter havido comparticipação de ambos os companheiros na aquisição de determinado bem, aquele cujo nome não consta no título como proprietário pode reaver a parte por si “investida” na medida do enriquecimento sem causa do outro, o que se encontra legalmente coberto pelo princípio estabelecido no n.º2 do art.º 473.º do Código Civil (…)».[10] Todavia, «(…) é proprietário quem efetivamente constar no título de aquisição do bem, não funcionado uma presunção de compropriedade semelhante à que vigora no casamento para o regime de separação de bens (artigo 1736.º, n.º 2, do C. Civ).»[11] Significa, assim, que perante a dissolução da união de facto, e nada tendo os seus membros convencionado sobre a matéria, dada a inexistência de bens em compropriedade, o membro que tenha contribuído para a aquisição de bens, ou que tenha suportada os custos da aquisição ao longo do tempo com o pagamento da respetiva dívida, pode reaver a sua comparticipação financeira através do pedido de restituição da parcela investida na exata medida do enriquecimento sem causa do outro membro. Decorre do exposto que a invocação, com êxito, da situação de união de facto não determina a ilisão da presunção registral em relação à inscrição do direito de propriedade do Autor sobre as frações ... e ..., improcedendo o pedido de declaração da compropriedade, assistindo à 1.ª Ré o direito de ver restituído ao seu património a quota-parte do valor com que contribuí para a aquisição das frações ... e ... e demais despesas conexionadas com a titularidade das mesmas na esfera jurídica do Autor, como sejam os pagamentos de prestações referentes à aquisição, IMI, seguros de habitação e despesas de conservação e manutenção (cfr. pontos 12, 13, 14, 17, 18 e 21 dos factos), durante a duração da união de facto, ou seja, entre ../../2010 e ../../2021, o que determina a procedência parcial do pedido reconvencional formulado sob a alínea b). Já em relação à titularidade da fração ... a questão coloca-se de outro modo, porquanto existe presunção de cotitularidade a favor do Autor e da 1.ª Ré dada a aquisição por compra e venda assim ter sido levada ao registo. Por conseguinte, em relação a esta fração ... há que reconhecer que a mesma pertença do Autor e à 1.ª Ré nada havendo a compensar entre eles em termos pecuniários. Em relação aos bens móveis que compõem o recheio das frações ... e ..., contrariamente ao imóveis, não se encontram sujeitos a registo, pelo que não funciona em relação aos mesmos a presunção de titularidade. O que significa que não havendo bens comuns em compropriedade, a 1.ª Ré tem direito a reaver o valor que despendeu com a aquisição de tais bens móveis, a fim do património o Autor não beneficiar de um enriquecimento injustificado à custa do empobrecimento do património da 1.ª Ré. Quanto ao recheio da fração ... tendo-se provado que apenas lá se encontram bens próprios dos Réus não existe qualquer compensação a decretar em relação a tais bens por pertencerem em exclusivo aos Réus, colocando-se a questão apenas em termos de restituição da fração e da sua utilização ao Autor. Nesses termos, cabe julgar procedente o pedido reconvencional formulado sob a alínea b) em relação aos bens móveis que compõem o recheio da fração ... e da fração ... condenando o Autor a restituir o valor da comparticipação da 1.ª Ré gasto com a sua aquisição, com ressalva dos bens que constam dos pontos 33 e 34 dos factos provados em relação à fração ... por já existirem à data do início da união de facto. Já não assim em relação à fração ... por se ter provado que os bens que ali se encontram são pertença apenas dos Réus e estes continuam a dispor do uso dessa fração, pelo que apenas se determinará que os Réus procedam à restituição da fração ao Autor livre de pessoas e bens. No tocante aos veículos (alínea d) do pedido reconvencional) decorre dos pontos 12, 26, 27 a 29 dos factos provados que foram adquiridos durante a união de facto, fazendo a 1.ª Ré uso exclusivo de um deles. Porém, não ficou provado em nome de quem se encontra registada a aquisição dos veículos, sendo que também aqui prevalece a presunção decorrente do artigo 7.º do Código de Registo Predial, aplicável ex vi dos artigos 1.º e 29.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12-02. Por conseguinte, não se encontram provados elementos essenciais para se poder condenar o Autor a restituir à 1.ª Ré os valores da contribuição da mesma para aquisição de tais bens por se desconhecer se a titularidade dos mesmos pertence ao Autor ou à mesma. Nestes termos, improcede o pedido reconvencional formulado sob a alínea d). Cabe, agora, analisar os pedidos formulados sob as alíneas c) e d) da petição inicial. O pedido da alínea c) foi cumulado com os pedidos das alíneas a) e b), ou seja, também pretende o Autor que os Réus sejam solidariamente condenados a pagar-lhe uma indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual pela ocupação abusiva das frações ... e ... no valor que peticiona ou no valor que viesse a ser liquidado em execução de sentença. O pedido não procede por não se verificarem os pressupostos do artigo 483.º do CC, considerando que a causa da utilização das frações não corresponde a qualquer facto ilícito, tendo antes como causa a união de facto que o Autor e 1.ª Ré mantiveram, integrando os restantes Réus, como filhos da Ré, o seu agregado familiar. Sendo que os Réus já saíram da habitação e continuam a usar a garagem no pressuposto de terem tal direito, questão que apenas com o presente acórdão é decidida. Em relação ao pedido subsidiário formulado na alínea d) da petição inicial, verifica-se que o Autor peticiona que lhe seja paga uma indemnização «a título de enriquecimento sem causa pelo uso indevido e abusivo da utilidade económica daquelas frações» num determinado valor mensal ou no que vier a ser liquidado em execução de sentença. Ora, como se disse há uma causa para a utilização das frações, donde a natureza subsidiária do enriquecimento sem causa previsto no artigo 473.º do CC afasta o alegado direito de indemnização. Finalmente, cabe referir a propósito da invocação da compensação do enriquecimento do Autor com o enriquecimento da 1.ª Ré por esta ter usufruído de uma habitação e de uma garagem durante 10 anos, que o Recorrente olvida que está em causa uma economia comum durante a união de facto o que implica que os contributos de cada membro seja avaliado globalmente no conjunto das relações mantidas entre eles. Por conseguinte, o valor da utilização da habitação e da garagem não pode ser destacado e individualizado dessa análise global. Diferente é a situação quando está em causa a titularidade de determinado bem que fica na titularidade de apenas um dos membros quando o outro também contribui para a sua aquisição. São esses valores que não havendo uma contrapartida em termos de titularidade do bem, enriquecem o património daquele que fica com o direito de propriedade, devendo o outro ser ressarcido da quota-parte da sua contribuição nos termos que decorrem do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473.º do CC). Em face do exposto, procede parcialmente a apelação. 5. Dado o recíproco decaimento, as custas ficam a cargo do Apelante e Apelados (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP, fixando-se provisoriamente o decaimento em 30% para o Autor e 70% para os Réus. IV- DECISÃO Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente, e consequentemente: 1. Declaram a sentença nula; 2. Em substituição do tribunal recorrido, em relação à ação decidem o seguinte: 2.1. Julgam procedente os pedidos formulados pelo Autor sob as alíneas a) e b) condenando os Réus a reconhecerem que o Autor é o legítimo proprietário das frações ... e ... identificadas nos pontos 1 e 4 dos factos provados e, consequentemente, condenam os Réus a absterem-se da prática de qualquer ato que afete o direito de propriedade do Autor sobre as referidas frações ou que afete ou diminua o seu gozo; 2.2. Condenam os Réus a restituir ao Autor a fração ... livre e desocupada de pessoas e dos bens que lhes pertençam e que se encontram no seu interior, absolvendo-os desse pedido em relação à fração ... por, no entretanto, já a mesma ter sido restituída ao Autor; 2.3. No mais, julgam improcedente a ação, absolvendo os Réus do pedido; 3. Em relação ao pedido reconvencional julgam-no parcialmente procedente, nos seguintes termos: 3.1. Julgam parcialmente procedente a alínea a) do pedido reconvencional e, consequentemente, declaram que Autor e 1.ª Ré viverem em união de facto entre dezembro de 2010 e junho de 2021; 3.2. Julgam parcialmente procedente o pedido da alínea b) do pedido reconvencional em relação à titularidade da fração ... identificada no ponto 19 dos factos provados, declarando e reconhecendo, e desse modo condenando as partes, que a mesma se encontra inscrita a favor do Autor e da 1.ª Ré; 3.3. Julgam parcialmente procedente o pedido da alínea c) do pedido reconvencional condenando o Autor a restituir à 1.ª Ré o valor correspondente ao valor da sua contribuição para o pagamento da aquisição, prestações do financiamento, seguro de habitação, IMI e despesas de conservação e manutenção das frações ... e ... durante o período da união de facto (dezembro de 2010 a junho de 2021), mais juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até efetivo pagamento, tudo a apurar em sede de incidente de liquidação de sentença; 3.4. Julgam parcialmente procedente os pedidos formulados sob as alíneas b) e c) do pedido reconvencional em relação aos bens que compõem o recheio das frações ... e ..., condenando o Autor a restituir à 1.ª Ré o valor correspondente ao da sua contribuição para a aquisição do referido recheio (com exceção do que ficou provado nos pontos 33 e 34 os factos provados), durante o período da união de facto (dezembro de 2010 a junho de 2021), mais juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até efetivo pagamento, tudo a apurar em sede de incidente de liquidação de sentença; 3.5. Absolvem o Autor do pedido em relação ao demais peticionado em sede reconvencional. 3.6. Custas nos termos sobreditos. Évora, 26-09-2024 Maria Adelaide Domingos (Relatora) Manuel Bargado (1.º Adjunto) Maria João Sousa e Faro (2.ª Adjunta) __________________________________________________ [1] Mencionando-se apenas o processado estritamente necessário para apreciação do objeto do recurso. [2] Cfr., entre outos, Ac. STJ, de 09-03-2023, proc. nº 345/12.9TCLRS-A.L1.S1, em www.dgsi.pt [3] Cfr., entre outros, Ac. STJ, de 03-03-2021, proc. n.º 3157/17.8T(VFX.L1.S1, em www.dgsi.pt [4] Idem, p. 735 (2). [5] Na jurisprudência, cfr., entre outros, Ac. STJ, de 12-01-2022, proc. n.º 18596/18.9T8PRT.P1.P1, em www.dgsi.pt e resenha de jurisprudência aí referida. [6] IGOR ALMEIDA, in A União de Facto no Direito de Proteção Social, p. 68, em https://run.unl.pt. [7] Ac. RE, de 02-05-2019, proc. n.º 94/14.1T8VRS.E1, em www.dgsi.pt [8] FRANÇA PITÃO, Uniões de Facto e Economia Comum, Almedina, 2002, pp.171-172 [9] Cfr. Ac., RC, de 23-02-2011, proc. 656/05.8TBPCV.C1, em www.dgsi.pt, onde a questão se encontra analisada de forma alargada. [10] FRANÇA PITÃO, ob. cit., p. 179 [11] TIAGO NUNO PIMENTEL CAVALEIRO, A união de facto no ordenamento jurídico português : análise de alguns aspectos de índole patrimonial, Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na área de especialização em Ciências Jurídico-Forenses, 24-03-2015, em https://hdl.handle.net/10316/28646 |