Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | SÓNIA MOURA | ||
| Descritores: | SUB-ROGAÇÃO MANDATO COM REPRESENTAÇÃO EXECUÇÃO LEGITIMIDADE | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Sumário: | Sumário:
1. O pagamento, pelo Fundo Europeu de Investimento, na qualidade de Garante, de uma parte de um empréstimo contraído ao abrigo de uma linha de crédito especial, determina que o Fundo passe a ser o titular do direito de crédito correspondente, à luz da figura da sub-rogação legal, nos termos do artigo 592.º, n.º 1 do Código Civil. 2. Tendo o Fundo e o Banco Exequente assinado um Protocolo nos termos do qual este foi mandatado por aquele para exercer o seu direito de crédito e recuperar os montantes em dívida advenientes dos contratos celebrados ao abrigo daquela linha de crédito, conferindo-lhe poderes representativos para esse efeito, conclui-se que se está em presença de um contrato de mandato com representação, previsto no artigo 1178.º do Código Civil, pelo que, tudo visto, o Banco Exequente não é parte legítima na execução. (Sumário da responsabilidade do Relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil) | ||
| Decisão Texto Integral: | ***
Apelação n.º 1038/24.8T8BJA-A.E1 (1ª Secção) *** Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1. Fairfruit Industry, Lda., e AA deduziram embargos de executado contra a execução que lhes foi movida pelo Banco Comercial Português, S.A., formulando os seguintes pedidos: “a) Ordenar-se a notificação da Exequente/Embargada para, no prazo de 10 (dez) dias juntar aos autos o original da livrança dada à execução, sob pena da extinção da instância executiva; b) Julgar-se procedente, por provada, a excepção peremptória de preenchimento abusivo da livrança, indeferindo-se o Requerimento Executivo quanto à quantia de € 361.432, 08 (trezentos e sessenta e um mil, quatrocentos e trinta e dois euros e oito cêntimos). c) Julgar-se procedente, por provada, a excepção peremptória de pagamento parcial da dívida de capital no valor de € 2.839,662,00 (dois milhões oitocentos e trinta e nove mil seiscentos e sessenta e dois euros), reduzindo-se a quantia exequenda referente a capital para € 1.160.330,00 (um milhão cento e sessenta mil, trezentos e trinta euros); d) Ordenar-se a notificação da Embargada para vir aos autos indicar e comprovar documentalmente a data do pagamento da quantia referia em c) para correcto cálculo dos juros de mora a partir dessa data; e) No mais, devem os presentes Embargos de Executado ser julgados procedentes, por provados, e, em consequência, reduzir-se a quantia exequenda em conformidade com o supra alegado.” 2. O Embargado contestou, pugnando pela improcedência dos embargos. 3. Foi proferido despacho saneador, onde se conheceu do mérito da causa, julgando-se a oposição totalmente improcedente. 4. Inconformados com a decisão referida, vieram os Embargados interpor recurso de apelação, cujas alegações terminaram com as seguintes conclusões: “I – O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida em 31-01-2025 sob a ref.ª 34994273 que julgou totalmente improcedente a Oposição à Execução deduzida pelos aqui apelantes, designadamente quanto ao pedido de redução da quantia exequenda referente a capital para € 1.160,330,00 (um milhão cento e sessenta mil, trezentos e trinta euros), em virtude do pagamento do valor de € 2.839.662,00 (dois milhões oitocentos e trinta e nove mil, seiscentos e sessenta e dois euros). II – Entendem os apelantes que mal andou o Tribunal a quo ao desconsiderar o pagamento à exequente da quantia de € 2.839.662,00 (dois milhões oitocentos e trinta e nove mil seiscentos e sessenta e dois euros) efetuado pelo garante FEI, em 01-07-2024, não obstante tal pagamento parcelar da dívida ter sido dado como provado. III – Considerando os factos dados como provados, (designadamente o seguinte: Foi convencionada uma garantia do Fundo Europeu de Investimento (FEI) de parte do valor financiado pelo Banco Comercial Português, S.A., tendo a mesma sido acionada em consequência do não pagamento das prestações convencionadas e o Banco recebido a quantia de € 2.839.662,00 em 01/07/2024; - facto 6) da Fundamentação de facto), o Tribunal a quo deveria ter decidido que a exequente não poderia executar os ora apelantes em relação ao valor de € 2.839.662,00 (dois milhões oitocentos e trinta e nove mil seiscentos e sessenta e dois euros) que recebeu do FEI, na qualidade de garante, declarando extinta a execução quanto a esse valor. IV - A execução que constitui o processo principal deu entrada em Juízo no dia 02-07-2024, sendo que, nessa data, a exequente já havia recebido do garante FEI e por conta da dívida titulada na livrança dada à execução a quantia de € 2.839.662,00 (dois milhões oitocentos e trinta e nove mil seiscentos e sessenta e dois euros). V - Relativamente a esse valor ressarcido pelo garante FEI, em data anterior à propositura da ação executiva, a exequente não detém qualquer crédito sobre os aqui apelantes, uma vez que a titularidade do lado ativo desse crédito passou a pertencer ao FEI, por via da sub-rogação legal prevista no artigo 592º do Código Civil (CC). VI – O credor dessa quantia de € 2.839.662,00 (dois milhões oitocentos e trinta e nove mil seiscentos e sessenta e dois euros) é, pois, o FEI e não a exequente, sendo de todo irrelevante que a exequente e o FEI tenham celebrado um protocolo mandando a primeira para exercer os direitos de crédito do FEI e recuperar os montantes em dívida advenientes dos contratos celebrados ao abrigo daquela linha de crédito. VII - Isto porque vigora na ação executiva o princípio geral da legitimidade formal, postulado no artigo 53º, nº 1 CPC que prevê que “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor” (sublinhado nosso). VIII - Na ação executiva a legitimidade, tanto ativa como passiva, tem representação formal no título e afere-se, por isso, em função dele, ou seja, por comparação entre as partes e o título, sendo em função da literalidade do título que se apura quem tem interesse direto ativo ou passivo para a execução (critério formal), diversamente do que sucede na ação declarativa. IX – Figurando a exequente como credora na livrança dada à execução e tendo já recebido do garante FEI parte do crédito, deixando, assim, de ser credora desse montante, não lhe é lícito usar a execução para se ressarcir de um crédito que já não detém, nem para agir no interesse desse terceiro, que do título executivo dado à execução (livrança) não consta como credor! X - A exequente não tem, pois, legitimidade para intentar ação executiva contra os aqui recorrentes no interesse de um terceiro, concretamente do FEI, que, na qualidade de garante do crédito lhe pagou parte desse crédito. XI - Este entendimento é seguido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 20-06-2024, relatado por Ana Vieira, consultável em www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve: “A exequente não tem legitimidade para intentar ação executiva contra os executados, tendo subjacente livrança, no interesse de um terceiro, que na qualidade de garante do crédito pagou parte ou a totalidade desse crédito à exequente, atenta a mudança subjectiva da titularidade desse crédito faze à sub-rogação.” XII - Não obstante o valor inscrito na livrança dada à execução ser de € 4.361.432,08 (quatro milhões trezentos e sessenta e um mil, quatrocentos e trinta e dois euros e oito cêntimos), a execução deverá prosseguir apenas para cobrança do valor remanescente, deduzindo-se aquele valor já recebido pela exequente. XIII - Verifica-se, assim, uma situação de ilegitimidade ativa quanto ao montante de € 2.839.662,00 (dois milhões oitocentos e trinta e nove mil seiscentos e sessenta e dois euros), pago pelo garante à exequente, que o Tribunal a quo deveria ter julgado como verificada, e, consequentemente, declarar extinta a execução quanto a esse valor. XIV - A decisão recorrida violou, assim, entre outros, o artigo 53º do CPC” 5. Foram apresentadas contra-alegações, onde o Embargado pugnou pela improcedência do recurso. 6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – Questões a Decidir O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil). Consequentemente, cumpre apreciar se deve ser revogada a sentença recorrida e declarada extinta a execução relativamente à parte da quantia exequenda que foi paga pelo FEI ao Banco Exequente. III – Fundamentação 1. O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: “1) A Exequente apresentou intentou a execução apresentando como título executivo livrança subscrita pela sociedade Fairfruit Industry Lda., anteriormente denominada de Assunto Silvestre Lda., e avalizada por AA, no valor de € 4.361.432,08, emitida em 10.11.2021 e vencida em 03.06.2024; 2) A livrança foi entregue em branco à Exequente para garantia do cumprimento das obrigações assumidas pela Fairfruit Industry Lda. num contrato de mútuo no montante de quatro milhões de euros; 3) As partes convencionaram que a data de vencimento da livrança seria fixada pela exequente quando, em caso de incumprimento pela sociedade executada das obrigações assumidas, aquela a decidisse preencher; 4) Mais convencionaram que a livrança seria preenchida pelo valor correspondente à totalidade dos créditos e encargos emergentes do contrato, incluindo o capital em dívida, juros remuneratórios e moratórios, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem; 5) Face ao incumprimento das obrigações assumidas por parte da sociedade mutuária, a livrança foi preenchida pela totalidade da dívida capital, juros, comissões e demais encargos; 6) Foi convencionada uma garantia do Fundo Europeu de Investimento (FEI) de parte do valor financiado pelo Banco Comercial Português, S.A., tendo a mesma sido acionada em consequência do não pagamento das prestações convencionadas e o Banco recebido a quantia de € 2.839.662,00 em 01/07/2024; 7) O Banco Comercial Português, S.A e o FEI – Fundo Europeu de Investimento celebraram um protocolo que mandatou o primeiro para exercer os direitos de crédito do FEI e recuperar dos montantes em dívida advenientes dos contratos celebrados ao abrigo daquela linha de crédito.” 2. O objeto do presente recurso reside em saber se deve a execução prosseguir para cobrança de uma parte da quantia exequenda, a saber, o valor de € 2.839.662,00, recebido pelo Exequente Banco no âmbito de uma garantia prestada pelo FEI. Os Executados deduziram embargos, designadamente, com esse fundamento, invocando a exceção perentória do pagamento parcial da quantia exequenda e peticionando, em conformidade, a redução da quantia exequenda, referente a capital, para € 1.160.330,00. O Exequente pugnou pela improcedência dos embargos quanto a esta questão, alegando que foi mandatado pelo FEI para recuperar o crédito e recebeu poderes representativos para esse efeito: “14. Contudo, o Banco Comercial Português, S.A e o FEI – Fundo Europeu de Investimento celebraram um protocolo que mandatou o Banco Embargado para exercer os direitos de crédito do FEI e recuperar dos montantes em dívida advenientes dos contratos celebrados ao abrigo daquela linha de crédito (Cfr. Clausulas 11.6 a 11.11 do Doc nº 3) 15. Estamos, neste caso, no âmbito de um contrato de mandato, já que o mesmo importa a prática de atos jurídicos por conta da outra parte (art.º s 1154.º, 1155.º e 1157.º, todos do Código Civil), em que a Clausula 11ª do Protocolo é o instrumento legal através do qual o FEI conferiu ao Embargado os poderes representativos para o cumprimento do respetivo contrato (art.º 262.º, n.º 1, do C.C.). 16. Donde, encontra-se o Banco Embargado devidamente mandatado para cobrar dos Embargantes os montantes devidos ao FEI, não estando impedido de executar a totalidade do crédito.” O Tribunal a quo julgou os embargos improcedentes, referindo, a este propósito, o seguinte: “Para terminar, diga-se que o invocado pagamento parcelar da dívida não encontra respaldo nos factos provados. Pelo contrário, em face dos factos 6 e 7 é manifesto que não assiste razão aos embargantes.” No recurso em apreço, pugnam os Executados pela revogação da sentença quanto a esta questão, advogando que o Exequente é parte ilegítima no que concerne ao pedido de cobrança da quantia que lhe foi paga pelo FEI, apontando, em suporte da sua pretensão, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.06.2024 (Ana Vieira) (Processo n.º 10399/23.5T8PRT-A.P1, in http://www.dgsi.pt/), onde se decidiu que “A exequente não tem legitimidade para intentar ação executiva contra os executados, tendo subjacente livrança, no interesse de um terceiro, que na qualidade de garante do crédito pagou parte ou a totalidade desse crédito á exequente, atenta a mudança subjectiva da titularidade desse crédito face á sub-rogação.” Nas contra-alegações, o Exequente pugnou pela improcedência do recurso, com fundamento, nomeadamente, em que “Ao contrário do caso em análise no Acordão da Relação do Porto citado pelos Recorrentes, em que o acordo de preenchimento em causa abrangia “todas e quaisquer garantias que sejam ou venham a ser devidas ao Banco”, levando o Tribunal da Relação do Porto a concluir que “o acordo não permite ao exequente cobrar os valores devidos a terceiro porque se indicam deverem ser incluídas as quantias devidas ao Banco,” a autorização de preenchimento do contrato que constitui a relação subjacente nestes autos prevê “a totalidade dos créditos emergentes do presente contrato”, sem qualquer limitação.” 3. O título executivo Nos termos do artigo 10.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”. Assim, conforme preceituado no artigo 53.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.” Nos presentes autos o título executivo é uma livrança (artigo 703.º, alínea c) do Código de Processo Civil), emitida a favor do Banco Exequente, no contexto do incumprimento de um contrato de mútuo bancário (factos provados 1. e 2.). 4. A sub-rogação e o mandato Na situação vertente, as partes celebraram entre si um contrato de mútuo e, tendo o devedor entrado em incumprimento, a livrança entregue em branco ao Exequente para garantia deste contrato foi preenchida com o valor em dívida, tendo sido nela fixado o dia 03.06.2024 como a data de vencimento (factos provados 1., 2. e 5.). Posteriormente, em 01.07.2024, o FEI procedeu ao pagamento de parte da quantia exequenda, ao abrigo da garantia prestada ao contrato de mútuo (facto provado 6.), tendo a presente execução dado entrada em juízo em 02.07.2024. Sustenta, então, o Banco que no âmbito do Protocolo que celebrou com o FEI foi mandatado para exercer os direitos de crédito deste e recuperar os montantes em dívida advenientes dos contratos celebrados ao abrigo daquela linha de crédito, e recebeu poderes representativos para esse efeito, o que suporta nas seguintes cláusulas do Protocolo, invocadas na contestação aos embargos e nas contra-alegações: “11.1 Sem prejuízo do disposto nas Cláusulas 11.2 e 11.3, o Garante terá direito a receber uma percentagem de cada Recuperação (se houver) igual à Taxa de Garantia e até à data em que o Intermediário, agindo de boa-fé e de forma comercialmente razoável, determinar, de acordo com as suas Políticas de Crédito e Cobrança, que o período de recuperação para a Transação de Beneficiário Final relevante será terminado. (…) 11.6 O Intermediário compromete-se a tomar, a qualquer momento relevante, as medidas adequadas (incluindo a execução de qualquer Garantia) para maximizar as Recuperações de acordo com as Políticas de Crédito e Cobrança. 11.7 O Garante designa o Intermediário, que aceita, em nome do Garante, exercer os direitos do Garante para a recuperação dos montantes pagos pelo Garante na sequência de um Pedido de Pagamento (seja por sub-rogação ou de outra forma), incluindo, sem limitação: (a) a ser indemnizado por um Beneficiário Final ou por qualquer outra parte; (b) reclamar qualquer contribuição de qualquer outro garante de quaisquer obrigações do Beneficiário Final; e (c) de obter benefício direto ou indireto (no todo ou em parte e seja por sub-rogação ou não) de quaisquer direitos ao abrigo das Transações de Beneficiário Final ou de qualquer outra garantia ou Garantia tomada em conformidade com, ou em conexão com as Transações de Beneficiário Final.” Da leitura do clausulado ora transcrito extrai-se que o Garante FEI designou o Banco Credor para exercer os seus direitos e cobrar ao Devedor os montantes entregues em satisfação da dívida. Esta factualidade convoca a figura da sub-rogação. A sub-rogação pode operar do lado ativo ou passivo da relação jurídica e possuir fonte convencional ou legal. A sub-rogação do credor constitui uma modalidade de transmissão de créditos, através da qual se opera a substituição do primitivo credor por um terceiro, que assume a titularidade do direito de crédito que pertencia ao credor primitivo. A sub-rogação voluntária pelo credor mostra-se prevista no artigo 589.º do Código Civil, daí decorrendo que são seus requisitos a manifestação expressa da vontade de sub-rogar e a limitação temporal para a manifestação dessa vontade até ao momento em que o pagamento do crédito é devido (Paulo Olavo Cunha, Comentário ao Código Civil: direito das obrigações, das obrigações em geral, coord. de José Brandão Proença, Lisboa, 2018, p. 626). A sub-rogação de fonte legal está consagrada no artigo 592.º do Código Civil, nos seguintes termos: “1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito. 2. Ao cumprimento é equiparada a dação em cumprimento, a consignação em depósito, a compensação ou outra causa de satisfação do crédito compatível com a sub-rogação.” Assim, no caso em apreço, o Garante FEI é um terceiro que cumpre parcialmente a obrigação dos Devedores Executados, em conformidade com um acordo celebrado com o Banco Exequente para assegurar essas situações, o que preenche os requisitos da sub-rogação legal plasmados na 1ª parte do n.º 1 do artigo 592.º do Código Civil, passando o Garante a ser o titular do crédito correspondente. Ou seja, constata-se que, ao contrário do que alegou o Banco Exequente no requerimento executivo, este não é o titular da parte do crédito que lhe foi satisfeita pelo FEI, facto que, aliás, se verificava já nessa data. A questão que se coloca a seguir é a de saber como qualificar juridicamente a denominada designação do Credor para exercer os direitos do Garante sobre o Devedor, efetuada no Protocolo. Na matéria de facto provada afirmou-se o “mandato” conferido ao Exequente pelo Garante (facto provado 7.), com base no que se mostra alegado na contestação (o artigo 14. acima transcrito), expressão que encontra correspondência no contrato assim denominado no artigo 1157.º do Código Civil, onde se estabelece que o mandato é o “contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra”, conforme alegado no artigo 15. da contestação. Por outro lado, o mandato pode ser conferido com ou sem poderes de representação, sendo que no primeiro caso os efeitos dos atos praticados pelo mandatário repercutem-se diretamente na esfera jurídica do mandante, pois o mandatário atua em nome deste, como resulta do disposto no artigo 1178.º do Código Civil: “1. Se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também aplicável ao mandato o disposto nos artigos 258.º e seguintes. 2. O mandatário a quem hajam sido conferidos poderes de representação tem o dever de agir não só por conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada.” A este respeito sublinha-se que “O 1178.º/2 é explícito no sentido de determinar o dever de o mandatário com poderes de representação agir em nome e por conta do mandante e não apenas por conta deste. Trata-se de evitar que o mandante transforme o mandato com representação num mandato sem representação. Isto, dado este ser dotado de um regime diverso do primeiro. Admite-se, porém, estipulação em sentido contrário.” (Código Civil Comentado, vol. III – Dos Contratos em Especial, coord. António Menezes Cordeiro, Coimbra, 2024, p. 739). Trata-se de uma figura que tem sido qualificada como negócio misto de mandato e de procuração ou como “um tipo autónomo e próprio, tradutor de um mandato especial” (idem, p. 738). No caso do mandato sem representação, atendendo a que o mandatário, apesar de atuar no interesse e por conta do mandante, o faz em nome próprio, compete-lhe transferir depois para o mandante os efeitos dos atos por si praticados. É o que decorre da conjugação dos artigos 1180.º e artigo 1181.º, n.º 1 do Código Civil, dizendo-se no primeiro que “O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destes”, e no segundo que “O mandatário é obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato.” Como refere Pessoa Jorge (O Mandato sem Representação, reimp., Coimbra, 2001, pp. 191 e 194), “No fundo, o alcance da actuação em nome próprio é o de fazer projectar sobre a esfera jurídica do agente, além dos efeitos característicos da situação de parte, os de natureza pessoal: é ele quem tem legitimidade para exigir e receber o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, é contra ele que a outra parte se deve dirigir, não só para reclamar os seus créditos, como para fazer valer quaisquer acções pessoais derivadas do contrato, nomeadamente as respeitantes à sua validade e eficácia. (…) o facto de a interposta pessoa actuar por conta do verdadeiro interessado, tem o significado de exprimir que os efeitos do acto se destinam àquele. E, justamente por isso, ela está obrigada a transferir-lhos ou, pelo menos, a investi-lo nos resultados económicos que esses efeitos visam ou traduzem.” Por isso, “o mandato sem representação configura-se como uma interposição de pessoas. Ainda que o objetivo da operação seja a transferência do direito da esfera do terceiro para a do mandante, isso não sucede de modo automático: passa, antes, pela esfera jurídica do mandatário” (Código Civil Comentando, ob. cit., p. 741). Ora, como se expôs acima, na contestação aos embargos e nas contra-alegações o Exequente qualifica expressamente a sua posição relativamente ao FEI como a de um mandatário com poderes representativos, afirmando que “a Clausula 11ª do Protocolo é o instrumento legal através do qual o FEI conferiu ao Embargado os poderes representativos para o cumprimento do respetivo contrato”, o que se mostra conforme com o teor da cláusula 11.7 do Protocolo, de onde consta que “O Garante designa o Intermediário, que aceita, em nome do Garante, exercer os direitos do Garante para a recuperação dos montantes pagos pelo Garante”. Aqui chegados, vemos que o problema se coloca, efetivamente, no domínio da legitimidade, como esgrimiram os Executados no recurso e se entendeu no acima citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.06.2024. Com efeito, consta daquele aresto que o Banco Exequente foi mandatado para, “em nome e por conta” do FEI, proceder à cobrança dos montantes que lhe eram devidos. O Banco Exequente não é, pois, parte legítima para cobrar o valor pago pelo FEI, porquanto o titular deste crédito é o FEI e não o Banco Exequente, atenta a sub-rogação legal, e porque foi acordado um mandato com representação entre o FEI e o Banco Exequente para este proceder à cobrança desse crédito, pelo quem devia figurar na presente ação como parte era o FEI e não o Banco Exequente. A conclusão ora alcançada não é postergada pela circunstância de ter sido estabelecido no contrato de mútuo que assistia ao Banco o direito a preencher a livrança pelo valor correspondente à totalidade dos créditos e encargos emergentes do contrato, na medida em que quanto ao crédito emergente do contrato e que foi pago pelo FEI o direito do Banco foi satisfeito, passando, desde então, tal crédito a encontrar-se na esfera jurídica de um terceiro, e, no mais, não assiste legitimidade ao Banco para cobrar esse valor, como se explicou já. Conclui-se, deste modo, que o recurso deve ser julgado procedente e, consequentemente, deve ser declarada extinta a execução quanto à quantia de € 2.839.662,00, que foi paga pelo FEI ao Banco Exequente, por ilegitimidade do Banco Exequente. 5. As custas do recurso são suportadas pelo Banco Exequente, que nele decaiu (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). IV - Dispositivo Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, pelo que declaram extinta a execução quanto à quantia de € 2.839.662,00 que foi paga pelo FEI ao Banco Exequente, por ilegitimidade do Banco Exequente. Custas pelo Recorrido. Notifique e registe. Sónia Moura (Relatora) Manuel Bargado (1º Adjunto) Susana Ferrão da Costa Cabral (2ª Adjunta) |