Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA CRISTINA CERDEIRA | ||
Descritores: | HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO OCULTAÇÃO DE CADÁVER IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DOLO EVENTUAL MEDIDA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 04/16/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO O RECURSO DO ARGUDO. PROVIDO O RECURSO DO MP | ||
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Sumário: | 1. A impugnação da matéria de facto perante o tribunal da Relação pressupõe, que os factos submetidos à apreciação do tribunal superior tenham sido apreciados na 1ª instância e, como tal, tenham sido enumerados na decisão de que se recorre, seja nos factos provados, seja nos não provados. 2. Não constando o alegado pelo recorrente da base factual que foi objecto de decisão pelo Tribunal recorrido, não é possível dele conhecer por via da impugnação da matéria de facto. 3. Entre os factos externos que permitem apurar os elementos cognitivo e volitivo atinentes à intenção homicida avultam a zona corporal atingida, sobretudo quando nela se alojam órgãos essenciais, imprescindíveis à vida humana, o número e a natureza das lesões, o instrumento de agressão e a sua forma de utilização. 4. No caso em apreço, pese embora o facto de se ignorar qual o instrumento de agressão, a localização, extensão e natureza das lesões (que se apurou terem sido provocadas por instrumento ou acção contundente e se encontram descritas no relatório de autópsia médico-legal e no parecer médico-legal), apesar de não serem suficientes para concluir pela intenção de matar, não afastam a previsibilidade pelo arguido da morte ser consequência da sua conduta e uma conformação daquele com esse resultado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO No processo comum colectivo nº. 401/08.6 GACDV do 2º Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo, o Ministério Público acusou: a) M, solteiro, agente da Polícia de Segurança Pública, nascido em 5/07/1981, natural da freguesia de Alcoentre, concelho da Azambuja, filho de..., residente na Rua..., Alcoentre, pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime de homicídio simples p. e p. pelo artº. 131º do Código Penal e, em co-autoria, um crime de profanação de cadáver p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1, al. a) do mesmo diploma legal; b) C, viúva, desempregada, nascida em 25/11/1974, natural da freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, filha de..., residente na Rua..., Alcoentre, pela prática, em co-autoria com o arguido M, de um crime de profanação de cadáver p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1, al. a) do Código Penal. Ambos os arguidos apresentaram contestação escrita, oferecendo o merecimento dos autos. Realizado o julgamento, perante Tribunal Colectivo, por acórdão datado de 11/03/2010: a) o arguido M foi: - absolvido da prática do crime de homicídio simples por que se encontrava acusado; - condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, agravada pelo resultado morte, p. e p. pelos artºs 143°, nº. 1 e 147°, nº. 1 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; - condenado pela prática de um crime de profanação de cadáver p. e p. pelo artº. 254°, nº. 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão; - em cúmulo jurídico, condenado na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; b) a arguida C foi condenada pela prática de um crime de profanação de cadáver p. e p. pelo artº. 254°, nº. 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período. Na sequência de recurso interposto pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão datado de 9/12/2010, anulou o mencionado acórdão e determinou o reenvio do processo para novo julgamento do arguido M., a abranger a totalidade do objecto do processo referente ao crime de homicídio que lhe foi imputado na acusação pública, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma vez que quanto à condenação pelo crime de profanação de cadáver não foi impugnada naquele recurso e os arguidos conformaram-se com a mesma. Em cumprimento do aludido acórdão deste Tribunal da Relação, foi realizado novo julgamento, apenas relativamente ao crime de homicídio imputado ao arguido M, e proferido novo acórdão em 8/03/2012, no qual: 1. O arguido M. foi condenado pela prática de um crime de homicídio simples p. e p. pelo artº. 131º do Código Penal, na pena parcelar de 9 anos e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico com a pena que lhe foi aplicada pelo crime de profanação de cadáver p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1, al. a) do Código Penal, na pena única de 10 anos 3 de prisão; 2. A arguida C. foi condenada pela prática, em co-autoria com o arguido M., de um crime de profanação de cadáver p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1, al. a) do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período. Inconformado com tal decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: «a) O arguido terá sido bem condenado pela prática do crime de homicídio simples, previsto e punido nos termos do art.º 131º, do C. Penal; b) Em face da matéria de facto apurada, tendo agido livre, deliberada e conscientemente terá incorrido no dito crime de homicídio na modalidade de dolo eventual (representou o facto, pelo menos, como consequência possível da sua conduta, conformando-se com a respectiva realização / resultado – art.º 14º, n.º 3, do C. Penal); c) Todavia, a pena encontrada e arbitrada no douto acórdão condenatório de nove (9) anos e seis (6) meses pela prática do referido crime, na pessoa do LF, seu cunhado, ficará bastante aquém do seu ponto óptimo de equilíbrio relativamente aos fins que visa colimar, quer sejam de natureza especial, quer sejam de natureza geral; d) Embora constituindo o dolo eventual o grau inferior / menos grave da modalidade do dolo, não deixará este de poder de dever ser equiparado, em termos de culpabilidade, à verdadeira intenção e ao dolo directo na medida em que, quem actua desta maneira ante o perigo de que se realize o tipo de acção punível, denota uma postura especialmente reprovável frente ao bem jurídico protegido; e) O arguido não confessou nem assumiu os factos nos termos em que os mesmos foram dados como provados pelo tribunal a quo; f) Exercendo o múnus de polícia, tinha o especial e acrescido dever de cidadania de poder e dever conformar a sua conduta com os cânones de vida em sociedade; g) Para além da ausência de antecedentes criminais, não se divisam, verdadeiramente, circunstâncias que atenuem a sua conduta; h) Atendendo ao modo de execução, a ilicitude dos factos é acentuada, sendo esta, no caso concreto, factor de séria preocupação social e causadora de alarme social conexo, ademais no caso de violação do direito à vida. A vítima era seu cunhado; i) Por isso, considerando a personalidade evidenciada por si, relevando toda a matéria de facto dada como provada e levando em atenção todas as circunstâncias agravantes e atenuantes, impor-se-á que a pena de prisão pelo mencionado crime de homicídio seja de doze (12) anos (ou próximo deste quantum) e não, como foi, de nove (9) anos e (6) meses de prisão; j) O que, a verificar-se e a atender-se, levará à aplicação, sucedânea, da pena conjunta / unitária de doze (12) anos e nove (9) meses de prisão, face ao disposto nos artºs 71º, 72º e 77º do C. Penal; k) Se uma pena superior à da culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção redundará num desperdício; l) As penas de prisão que se vêm defendendo revelar-se-ão adequadas, necessárias, fundamentadas e oportunas; m) Terá sido violado o constante dos artºs 71º, 72º e 77º, todos do C. Penal; n) Por via disso, revogando-se e alterando-se, nesse âmbito e contexto, o douto acórdão condenatório, será feita, conseguida e realizada melhor justiça. Porém, Vossas Exas. como sempre, ditarão melhor direito e aplicarão melhor JUSTIÇA». O arguido M. respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, em síntese, invocando o seguinte, na parte que ora interessa: - como questão prévia, o Ministério Público apresentou recurso per saltum dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, e uma vez que o arguido interpôs recurso da decisão proferida quanto à matéria de facto para o Tribunal da Relação de Évora, será este o competente para julgar os diversos recursos apresentados, em face do disposto no artº. 414°, n°. 8 do CPP; - no recurso interposto pelo Ministério Público as alegações apresentadas são muito mais abrangentes que as conclusões formuladas, abordando questões relativas à matéria de facto provada, nomeadamente relativas à prova pericial (37° a 44°), ao valor das declarações do arguido (48° e 49°) e à ausência da prova directa (50° a 59°), que o arguido contradita, ainda que de uma forma muito sumária, e apesar das mesmas não constituírem o thema decidendum do presente recurso; - após fazer a sua apreciação das “alegações do recorrente relativas à decisão sobre a matéria de facto”, sobre a medida concreta da pena aplicada ao arguido (que constitui o objecto do recurso), refere que o Tribunal a quo concluiu que o arguido cometeu o crime de homicídio na modalidade de dolo eventual, o que mereceu veemente censura por parte do arguido, manifestada no recurso por si interposto; - o Tribunal limitou-se a apurar o dolo com base exclusivamente nas lesões sofridas pelo falecido, tendo a decisão recorrida partido do pressuposto errado - porque não provado e contrariado pelos demais elementos de prova, nomeadamente pericial - que o arguido atingiu o ofendido na cabeça, através de pancadas, tanto mais que, como resulta do relatório pericial, a acção contundente que causou as lesões é compatível com a queda ou impacto contra objecto de grande superfície; - ainda que o Tribunal ad quem venha a decidir que o arguido praticou o crime de homicídio na modalidade de dolo eventual, tal não justifica o agravamento da pena aplicada ao arguido; - é totalmente errado e inconcebível equiparar o dolo eventual à intenção e ao dolo directo, tanto mais que tais modalidades apontam só por si para uma intensidade do dolo diversa, sendo esta um dos critérios fundamentais na apreciação na medida da pena (artº. 71 º, nº. 2, alínea b) do Código Penal). - um homicídio com dolo eventual, necessariamente, por efeito da aplicação dos critérios de determinação da pena, será punido com uma pena mais próxima da pena mínima, tanto mais que, como tem sido realçado pela jurisprudência, "é mister ponderar que o dolo eventual é a mais benigna, em termos de censurabilidade, das formas de imputação dolosa". - o arguido contribuiu claramente para o esclarecimento da verdade, relatando de forma clara e plausível os factos e a forma como os mesmos ocorreram, apresentando uma explicação para o seu comportamento - a sua irmã estava a ser agredida pelo marido, o que já era frequente; - a versão do arguido não é desmentida por qualquer outro elemento de prova, sendo na realidade corroborada pelos mesmos, pelo que deveria o Tribunal a quo ter concluído como fez na primeira decisão; - o Ministério Público nas alegações de recurso, seguindo a esteira da actuação do Tribunal a quo, a qual foi devidamente impugnada, baseia-se em meras suposições e conjecturas, que não têm qualquer suporte na matéria de facto dada como assente, nem em qualquer meio de prova produzido em audiência; - o Tribunal a quo ao não dar credibilidade à versão apresentada pelo arguido - apesar da mesma relatar a verdade dos factos e encontrar-se corroborada pela demais prova existente e produzida nos autos - não conseguiu apurar a forma como os mesmos ocorreram; - as alegações de que a vítima nada suspeitava, que se encontrava completamente indefesa e que o arguido terá actuado de surpresa não passam de meras suposições e conjecturas, as quais, porque não provadas, não permitem fundamentar um qualquer juízo de culpabilidade do arguido; - do facto de o arguido não ter ficado com qualquer lesão ou de o saco com o frango se encontrar no chão não resulta demonstrada a actuação que é imputada ao arguido; - o Tribunal a quo e o Ministério Público não atribuíram, injustificadamente, credibilidade à versão do arguido, apesar da mesma se encontrar devidamente corroborada pelos demais elementos de prova existentes nos autos, pretendendo retirar da dita ausência de confissão por parte do arguido e não esclarecimento de uma "suposta" verdade consequências agravantes ao nível da determinação da medida da pena; - nada se apurou de relevante, em termos de personalidade do arguido, por forma a poder pensar-se que estamos perante um indivíduo com inclinação para o crime, em particular o crime violento; - não se compreende como poderá surgir o facto de o arguido ser polícia - no caso em concreto e em face das circunstâncias concretas - como uma circunstância agravante, bem como não se pode alegar que ao arguido, em face do clima de conflito existente entre ele e a vítima, era exigível uma maior reflexão e ponderação da sua actuação; - o arguido não actuou com qualquer plano predeterminado de agredir a vítima - ao contrário do que pretende o Ministério Público fazer crer ao longo das suas alegações, referindo um alegado factor surpresa - mas sim com o intuito de defender a sua irmã, tendo o desenrolar das agressões ultrapassado a sua intenção, o que, sempre, são circunstâncias exógenas; - o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais, não demonstra possuir um padrão consistente de uso da agressão no seu estilo de vida, devendo ser atribuído grande relevo ao bom comportamento anterior e posterior ao crime, bem como ao facto de se encontrar socialmente inserido; - as necessidades de prevenção geral não podem ser consideradas apenas considerando o bem jurídico violado no crime de homicídio, uma vez que a ponderação relativa ao bem jurídico violado já foi efectuada pelo legislador aquando da determinação da moldura abstrata da pena; - sem nada conceder quanto ao recurso interposto pelo arguido, a medida da pena que deverá ser julgada adequada, necessária, fundamentada, oportuna e conforme a personalidade do arguido e a gravidade dos factos cometidos é aquela que se aproxime do seu limite mínimo. Conclui pela improcedência do recurso. Inconformado com o acórdão, o arguido M. dele interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: 1. «O Arguido, após a repetição da audiência de discussão e julgamento, foi condenado pela prática de um crime de homicídio simples, previsto e punido pelo artigo 131º do Código Penal, na pena de nove (9) anos e seis (6) meses de prisão. 2. Entende o Recorrente que o Tribunal a quo julgou incorretamente os pontos 10) e 13) da matéria de facto dada como provada e os pontos de a) a q) da matéria de facto julgada não provada, porquanto a prova produzida impõe decisão diversa da recorrida. 3. A realização de novo julgamento visava apurar concretamente os factos ocorridos e que determinaram a morte de LF, o que o Tribunal a quo não logrou conseguir, constando do ponto 10) dos factos provados que o Arguido atingiu o Ofendido na cabeça com “instrumento ou ação concretamente não apurados”. 4. A única versão dos factos ocorridos existente no processo é a trazida pelos arguidos, à qual, na primeira decisão proferida, após análise dos depoimentos dos arguidos quanto à sua imparcialidade e espontaneidade e no confronto dos mesmos com a demais prova existente, foi atribuída credibilidade, tendo sido assim possível determinar concretamente os factos. 5. Repetido o julgamento, o Tribunal a quo não atribuiu credibilidade às declarações do Arguido, decorrendo do teor da decisão recorrida a excessiva preocupação em demonstrar que tal versão dos factos não correspondia à verdade, ao invés de se tentar apurar a verdade material, em cumprimento dos princípios constitucionais da busca da verdade material e da realização da justiça. 6. O Tribunal a quo alega a existência de inúmeras dificuldades no apuramento de toda a factualidade, identificando-as claramente: a inexistência de testemunhas oculares e o facto de a explicação do arguido, em si mesma, se mostrar plausível e ser corroborada pela demais prova existente no processo. 7. Para descredibilizar a versão do Arguido – verosímil e corroborada pela demais prova - o Tribunal utilizou argumentos incoerentes, demasiado repescados e afastados da experiência comum, seguindo um raciocínio confuso e desarmónico, violando todos os princípios fundamentais que devem pautar a apreciação da prova. 8. A versão do arguido é, como melhor se demonstrará, digna de credibilidade, como julgou o Tribunal na decisão do primeiro julgamento, e impõe que se julgue como não provados os factos constantes nos pontos 10) e 13) e como provados os factos constantes nos pontos a) a q). 9. As fotografias existentes nos autos, ao contrário do que consta da decisão recorrida, conciliam-se com a versão dos factos apresentada pelo Arguido, sustentando documentalmente as requeridas alterações à matéria de facto. 10. A inspecção ao local permitiu proceder à correcta localização da ocorrência dos factos, tendo o Arguido esclarecido o Tribunal do exacto local e da forma como os mesmos sucederam. 11. O Tribunal fez uma leitura arbitrária das conclusões dos relatórios periciais, bem como uma apreciação incorreta e parcial dos diversos depoimentos relacionados com tais perícias prestados quer por peritos, quer por inspectores da policia judiciária, não retirando as devidas consequências da existência de múltiplas considerações divergentes, dando como assentes conclusões baseadas em meras teorias, que, no caso concreto, foram claramente contrariadas pelos depoimentos de peritos e inspectores. 12. Da decisão recorrida, na parte respeitante à fundamentação da matéria de facto, consta que “foi o arguido M quem matou o LF”, percebendo-se claramente a intenção do Tribunal a quo de condenar o Arguido pelo crime de homicídio, apesar de não conseguir determinar os factos, o que viola os mais elementares princípios de direito penal e viola o próprio principio constitucional da inocência, demonstrando que o Tribunal não efectuou a análise das provas de forma imparcial e equidistante, mas com o claro objectivo de fundamentar aquela sua decisão. 13. Das conclusões do relatório da autópsia consta que as lesões foram provocadas por acção contundente ou utilização de instrumento de natureza contundente, esclarecendo o relatório pericial junto aos autos subscrito pelo perito médico-legal, Dr. R, que o tipo de lesão apresentada e descrita é devida a acção contundente ou instrumento contundente com plano ou superfície ampla, sendo compatível com queda ou impacto contra objecto de grande superfície e que o padrão morfológico das lesões traumáticas cranianas, nomeadamente a ausência de afundamento da calote craniana, isto é, o aspeto de lesão do tipo difusa (não-modelar), corrobora a afirmação anterior. 14. Ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, certo é que o resultado da prova pericial corrobora integralmente a versão apresentada pelo arguido, pelo que deverá ser-lhe atribuída a devida credibilidade, determinando-se que as lesões causadas resultaram de um empurrão perpetrado pelo mesmo, que, por sua vez, originou a queda de LF. 15. O Tribunal a quo, não podendo ponderar a intenção do Arguido em face da factualidade apurada, fê-lo em face das lesões causadas ao ofendido, considerando que a gravidade das lesões revelam que arguido pelo menos representou a morte como um resultado, agindo e conformando-se com tal resultado, o que constituiu um crasso erro de julgamento na apreciação da matéria de facto. 16. A mera localização e extensão das lesões e o tipo de instrumento utilizado não são suficientes para determinar a existência ou inexistência de intenção de matar (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28/03/2007), sendo necessário apurar o circunstancialismo de ordem pessoal e local que rodeou a prática dos factos. 17. Acresce que se a linha de raciocínio do Tribunal a quo estivesse correcta nunca se verificaria a prática de um crime de ofensa á integridade física agravado pelo resultado, no caso de a morte ter resultado de graves lesões cerebrais, o que é contrariado por inúmeras decisões judiciais. 18. O Tribunal a quo apesar de não ter determinado a acção contundente refere a existência de pancadas, com o objetivo de demonstrar uma intencionalidade do Arguido distinta daquela que efectivamente se apurou em audiência, constituindo um erro na apreciação da prova a determinação do facto constante do ponto 10), devendo o mesmo ser julgado não provado. 19. O Tribunal a quo analisou exaustivamente as declarações dos Arguidos à procura de contradições e incongruências, apesar de admitir que a versão dos mesmos se apresenta como plausível e corroborada pela demais prova. 20. Os argumentos alvitrados pelo Tribunal para descredibilizar a versão apresentada pela Arguida (abandono do local, paragem no caminho de terra, não percepção dos factos) não são corroborados pela experiência comum e ignoram totalmente a demais prova existente nos autos que está em consonância com tais declarações, como é o caso do depoimento da testemunha LR, médica de família, cujo excerto se encontra transcrito e aqui se dá por reproduzido. 21. Quanto às declarações do Arguido admite o Tribunal que “as regras da experiência, por si só, não eliminam a possibilidade (a plausibilidade ou verosimilhança) da versão apresentada pelo arguido”, no entanto erra ao não atribuir qualquer credibilidade ao seu depoimento, o qual impõe que se julguem como provados os factos constantes das alíneas a) a q), as quais refletem exactamente a sua versão dos factos. 22. Para descredibilizar a versão apresentada pelo Arguido o Tribunal pegou em ínfimos pormenores, para os quais é possível encontrar, apelando à experiência comum, uma multiplicidade de justificações, bem como em face de factos secundários e acessórios, descontextualizou-os, atribuindo-lhes uma importância suprema que os mesmos não têm e ainda ignorou completamente outros factos que resultam claramente demonstrados em face da análise dos elementos probatórios existentes no processo, fazendo claramente uma errada apreciação da prova. 23. Não existe qualquer incoerência entre a intenção alegada pelo Arguido (defender a irmã e ir-se embora) e o local onde o Arguido confessa que ocorreu a morte do LF (no lado oposto à residência da mãe dos arguidos), uma vez que as agressões ocorreram na frente da casa, local que dava acesso à estrada principal. 24. Os argumentos do Tribunal relativos aos indícios resultantes da existência do saco com o frango e uma camisola no chão e da inexistência de danos no hall de entrada, não passam de meras conjeturas e contrariam outros factos que resultam esses sim cabalmente demonstrados: o ofendido encontrava-se alcoolizado (0,66g/l) e a maioria das agressões ocorreram no espaço exterior da casa. 25. Quanto às características dos vestígios de sangue do ofendido que indiciavam a inexistência de luta, a conclusão do Tribunal a quo contraria claramente a prova produzida em audiência, reflectindo uma teoria, que, em conformidade com os depoimentos dos peritos e inspectores da polícia judiciária produzidos em audiência, cujos excertos se encontram transcritos e aqui se dão por reproduzidos, não tem correspondência no caso em apreço – pelo que a correcta análise da prova documental (Fotografias), pericial e testemunhal impõem decisão diversa. 26. Quanto às lesões apresentadas pelo ofendido que constam do relatório da autópsia, as mesmas são compatíveis com a versão dos factos apresentada pelo Arguido, o que resulta claramente de elemento de prova totalmente desconsiderado pelo Tribunal – relatório médico-legal subscrito pelo Dr. R, devidamente corroborado pelos esclarecimentos prestados em sede de audiência e julgamento. 27. Por último, o Tribunal invoca a inexistência de lesões do Arguido, o que, como o douto Tribunal da Relação de Évora, já decidiu nos presentes autos não contraria a versão dos factos apresentada pelo Arguido. 28. O Tribunal errou ao dar a mínima credibilidade à Testemunha FL, a qual prestou falsas declarações, tendo sido confrontado com as suas declarações anteriores, e ao pretender retirar do seu depoimento o mote para mais uma conjectura – a tentativa de lavagem das manchas de sangue – o que foi contrariado pelos inspectores da polícia judiciária cujos excertos dos depoimentos se encontram transcritos e aqui se dão por reproduzidos. 29. O Tribunal a quo reconheceu expressamente a existência de dúvidas, afirmando existirem “várias zonas de sombra e de dúvida”, mas ultrapassou tal dúvida em prejuízo do Arguido, violando o princípio de prova in dubio pro reo, pelo que errou o Tribunal ao dar como provados os factos constantes dos pontos 10) e 13). 30. Não existe qualquer fundamento sério, sólido e sustentado na demais prova existente e juridicamente admissível que permita afastar a credibilidade do depoimento do Arguido, o qual é corroborado pela demais prova, pelo que deverão ser julgados como provados os factos constantes das alíneas a) a q). 31. Em face de todos os elementos probatórios existentes nos autos e com vista à decisão definitiva, deverá ser aditado um novo facto: “ao empurrar o ofendido e ao causar-lhe a queda o Arguido podia e devia ter previsto a possibilidade do mesmo vir a sofrer lesões que lhe viessem a provocar a morte, resultado que não antecipou e com o qual não se conformou”. 32. Resulta da alteração da matéria de facto o não preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do crime de homicídio, devendo o Arguido ser absolvido do mesmo, e o preenchimento, isso sim, dos elementos do crime de ofensas à integridade física agravadas pelo resultado, p.p. pelo artigos 143º, n.º 1 e 147º, n.º 1 do Código Penal. 33. A medida da pena aplicar ao Arguido, em cumprimento do disposto no artigo 71º, n.º 1 e 2 do Código Penal, deverá corresponder à primeira decisão condenatória (2 anos de prisão, suspensa na sua execução). 34. O Tribunal a quo ao decidir nos termos constantes da decisão recorrida violou, por errada interpretação, o princípio da livre apreciação da prova (art. 127º, do CPP), o princípio do in dubio por reo, corolário do princípio da inocência, consagrado no artigo 32º da CRP, bem como os artigos 14º, 131º, 143º, n.º 1 e 147º, n.º 1 todos do Código Penal. NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a fundamentação de facto no que respeita aos factos assentes e não assentes, ser alterada nos segmentos e no sentido que se coadune com a pretensão exposta, nomeadamente aditando-se um novo facto, com a consequente absolvição do Arguido do crime de homicídio, p.p. pelo artigo 131º do Código Penal e condenando-se o arguido pela prática do crime de ofensas à integridade física agravado pelo resultado, p.p. pelos artigos 143º e 147º ambos do Código Penal, em pena de prisão não superior a 2 anos, suspensa na sua execução, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!» O Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, respondeu, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: 1. «Impugnando-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente está adstrito ao ónus de impugnação especificada; 2. É o que, para tanto, prescreve o artigo 412.º, nºs 3, als. a), b) e c) e n.º 4, do C.P. Penal; 3. O arguido/recorrente, tendo todos os elementos necessários, cumpriu o ónus de impugnação a que estava adstrito; 4. Verificam-se os requisitos típicos, quer objectivos, quer subjectivos, do crime de homicídio simples pelo qual o recorrente foi condenado; 5. O facto que o, ora, recorrente pretende ver acrescentado, relativo ao dolo de homicídio, em boa verdade não será novo, porquanto consta, enunciado pela positiva, na acusação pública; 6. O tribunal a quo deu como provado o dolo de homicídio no ponto 13 da matéria de facto dado como provada, quando inferiu, em face da gravidade e extensão das lesões perpetradas pelo arguido, que este tinha que ter previsto que da sua conduta resultariam as lesões descritas no ponto 10 da matéria de facto dada como provada e a morte de LF, o que resulta, aliás, da aplicação in casu das regras da experiência comum e do critério do homem médio, quando colocado na mesma situação. 7. O tribunal recorrido fez boa apreciação dos factos e da prova, pelo que a decisão, qua tale, do tribunal a quo deverá ser mantida, sem prejuízo do motivado e concluído no recurso, oportunamente, interposto pelo Ministério Público; 8. Não terá sido violado qualquer inciso, nos termos em que o recurso é motivado, desenvolvido e sequenciado pelo recorrente; 9. Não terá ocorrido o vício do erro notório na apreciação da prova ou qualquer outro; 10. A pena arbitrada estará no seu ponto óptimo de equilíbrio, caso se venha a decidir pelo quantum defendido e propugnado no recurso, cingido ao reexame da matéria de direito, oportunamente, interposto pelo signatário; 11. Nesta sequência, negando-se provimento ao recurso, será feita JUSTIÇA. Porém, Vossas Excelências, como sempre, farão melhor justiça e aplicarão melhor direito». Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 3235 e 3236. Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Srª. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e de ser confirmada integralmente a decisão recorrida. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº. 2 do CPP, a defesa do arguido M usou do direito de resposta. Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO De acordo com o disposto no artº. 412º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº. 7/95 de 19 de Outubro de 1995[[1]], o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº. 2 do artº. 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº. 1 do artº. 379º do mesmo diploma legal[[2]]. Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pelo arguido M, delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita a apreciação das seguintes questões: - impugnação da matéria de facto; - subsunção dos factos ao direito. O objecto do recurso interposto pelo Ministério Público, delimitado pelo teor das suas conclusões, reconduz-se ao conhecimento da adequação das penas impostas ao arguido M - pena parcelar pelo crime de homicídio e pena única resultante do cúmulo jurídico com o crime de profanação de cadáver. No acórdão recorrido foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]: «I. 1) O arguido MF (doravante, por facilidade de exposição, designado apenas por M.) é filho de ...; 2) A arguida CF (doravante, por facilidade de exposição, designada apenas por C) é filha de ... 3) A arguida C contraiu matrimónio católico com LMF (doravante, por facilidade de exposição, designado apenas por LF) no dia 17 de março de 1996, na freguesia de Alcoentre, concelho da Azambuja; 4) Por desentendimentos entre o casal que afetavam os outros membros da família da arguida C e, nomeadamente, causavam conflitos entre o arguido M e o LF, a arguida C e o LF deixaram de residir na mesma habitação e partilhar as mesmas cama e mesa em março de 2007; 5) Nessa data, a arguida C saiu de casa com M, filha da arguida, nascida a 21 de junho de 1998, e passou a viver com esta em casa da sua mãe, MG, sita na Rua..., Alcoentre, a qual dista cerca de 30 m daquela onde vivera até então e onde continuou a viver o marido LF; 6) Em finais de agosto de 2008, LF mudou a fechadura da porta da habitação; 7) A partir de então a arguida C passou a depender da vontade do marido para ter acesso a roupas e outros objetos que ali permaneceram; II A 8) No dia 17 de novembro de 2008, cerca das 20.00 horas, o arguido, que então trabalhava na Esquadra da Polícia de Segurança Pública da..., deslocou-se a Alfornelos a casa da mãe, jantou em família e, após, saiu em direção à casa da então namorada; 9) Nessa noite, estando o arguido em casa da namorada, contacta telefonicamente com a sua mãe e, após, despede-se da namorada e desloca-se em direção à residência do ofendido, sita na Rua ..., Alcoentre, na mesma rua onde se situa a residência da casa da mãe dos arguidos, a cerca de 30 m desta; 10) Chegado junto ao LF, por instrumento ou ação contundente concretamente não apurados, o arguido atingiu-o na cabeça causando-lhe lesões traumáticas craneo-encefálicas graves que provocaram hematoma sub-dural sobre o hemisfério cerebral esquerdo e que foram causa direta e adequada da morte de LF; 11) Por ter sido atingido pelo arguido M, o LF sangrou, ficando vestígios do seu sangue na parede do corredor do hall da habitação; B 12) O arguido M, ao agir do modo descrito, atuou livre, voluntaria e conscientemente; 13) Ao agir do modo referido, designadamente ao atingir o LF na cabeça por instrumento ou ação traumática concretamente não apurados, o arguido previu como possível que a sua conduta causasse as lesões referidas em 10) e a morte daquele LF e, não obstante isso, conformou-se com tal resultado; 14) Atuou o arguido M perfeitamente conhecedor de que as suas condutas eram, como ainda são, proibidas e punidas por lei, ciente do caráter ilícito e reprovável das mesmas; C 15) O arguido M tem formação específica em técnicas defesa pessoal; 16) LF era mais baixo e forte do que o arguido M; 17) O arguido M não sofreu qualquer ferimento, nem necessitou de tratamento médico decorrente do descrito em 10) a 14); III A 18) Após o descrito em 10) a 14) e tendo o arguidoM constatado que o LF se encontrava morto, foi ter com a arguida C que se encontrava no exterior da habitação, na parte da frente, e disse-lhe para ir buscar a carrinha Opel Astra e seguir atrás dele, o que esta acatou; 19) O arguido colocou o corpo de LF no porta-bagagem do veículo BMW, matrícula ---GN---, propriedade de F. e, seguido da irmã, conduziu tal viatura até à Serra de Montejunto, tendo parado no “Sítio do Furadouro”, junto a um precipício; 20) Aí chegados, o arguido saiu da viatura que conduzia, retirou o corpo de LF do porta-bagagem e arrastou-o até o colocar no lugar do condutor; 21) Após, utilizando papéis que se encontravam no interior do BMW, ateou-lhes fogo e, com estes, pegou fogo ao BMW, em vários sítios em simultâneo, nomeadamente junto ao banco onde o corpo se encontrava; 22) De seguida, destravou o travão de mão e empurrou o BMW pelo precipício abaixo para simular que se havia tratado de um acidente; 23) Após, o arguido entrou no veículo Opel Astra, onde a irmã o aguardava, sentando-se no lugar do condutor; 24) O arguido colocou o veículo em funcionamento e puseram-se em fuga do local, regressando a casa da mãe, em Alcoentre, onde deixou a sua irmã; 25) O arguido, por seu turno, tomou banho, mudou de roupa, guardou a que usava até então num saco de plástico, regressou a sua casa e, mais tarde, abandonou o saco com a roupa num caixote do lixo, em Alfornelos; 26) O cadáver de LF viria a ser localizado no dia 18 de novembro de 2008, pelas 2.00 horas no fundo do sobredito precipício da Serra de Montejunto, a cerca de 50 m de profundidade, no Sítio do Furadouro, completamente carbonizado; 27) Na estrada de Pragança e Abrigada, onde caiu a viatura, não havia qualquer rasto de travagem ou derrapagem, existindo antes pingos de sangue no betuminoso; 28) No precipício eram visíveis os vestígios de um fogo que alastrara desde a viatura até ao talude de suporte da referida estrada camarária; 29) O BMW, ao ser recuperado do fundo do precipício, não tinha aposta qualquer chapa de matrícula; 30) O cadáver, ao ser retirado do veículo ardido, estava no banco do condutor, em decúbito lateral esquerdo, com as pernas juntas e fletidas, completamente carbonizado; B 31) Ao transportar o corpo de LF na bagageira do BMW, ao arrastar o corpo até ao banco do condutor e ao pegar fogo ao veículo e ao cadáver, empurrando em seguida o veículo por um precipício abaixo, o arguido M quis que o veículo e o cadáver ardessem por completo, para simular um acidente de viação ou um suicídio e assim ludibriar as autoridades quanto à causa de morte de LF e subtrair-se às inerentes responsabilidades; 32) Ao seguir o seu irmão, conduzindo o veículo Opel Astra, ao parar o mesmo junto ao precipício do “Sítio do Furadouro”, na Serra de Montejunto, ao aguardar pelo seu regresso e, na sequência de tais atos, ao fazer-se deslocar até casa com o irmão, a arguida tomou consciência dos atos que este praticava, atos descritos em 31), bem como da colaboração que com a sua conduta prestava para o sucesso dos objetivos prosseguidos por M; 33) Nesta parte, os arguidos atuaram em conjugação de esforços e intentos e na prossecução de um plano combinado entre ambos; 34) Cada um dos arguidos agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas; IV A 35) O arguido M provém de uma estrutura familiar integrada socialmente, detentora de um nível económico mediano, estruturada do ponto de vista relacional, afetivo, laboral e social; 36) Completou apenas o 12.º ano de escolaridade; 37) Começou a trabalhar com cerca de 17 anos numa carpintaria em Rio Maior; 38) Em 2003, ingressou na Polícia de Segurança Pública; 39) Em novembro de 2008, encontrava-se colocado na secretaria da 2.ª esquadra da Polícia de Segurança Pública da ---; 40) Na comunidade de origem, o arguido M detém uma imagem positiva, sendo considerado uma pessoa pacata, bem formada e sem problemas de integração; 41) Em novembro de 2008, vivia em habitação própria em Lisboa, nos períodos de trabalho e reintegrava o agregado de origem sempre que a sua vida profissional o permitia; 42) A sua subsistência era assegurada pelo seu vencimento, na ordem dos € 900; 43) Tem capacidade de autocrítica e sentido de responsabilidade individual e sócio-familiar; 44) Revelou uma postura cumpridora das suas funções e bom relacionamento com camaradas e superiores; 45) Até à data, é detentor de uma “folha de serviço” isenta de qualquer reparo; 46) No estabelecimento prisional, quando em situação de prisão preventiva, o arguido M apresentava uma conduta assertiva com as normas vigentes e frequentando alguns cursos de curta duração ligados à área de informática, ministrados pela Fundação de Divulgação das Tecnologias de Informática; 47) O arguido M não tem antecedentes criminais; B 48) A arguida C provém de uma estrutura familiar integrada socialmente, detentora de um nível económico mediano, estruturada do ponto de vista relacional, afetivo, laboral e social; 49) Completou apenas o 6.º ano de escolaridade; 50) Iniciou a atividade profissional aos 15 anos de idade como empregada de uma fábrica de sapatos, posteriormente, exerceu funções numa empresa de aves, num armazém de fruta e, por último, num café; 51) Frequentou com êxito dois cursos de formação profissional, o primeiro de jovens empresários agrícolas e o segundo de técnico de vendas, com duração de dois anos que lhe deu equivalência ao 9° ano de escolaridade; 52) Em novembro de 2008, a arguida integrava o agregado familiar composto pela mãe, de 58 anos de idade e doméstica, e filha, com 11 anos de idade; 53) Na presente data, a sua situação habitacional mantém-se: trata-se de uma moradia autónoma, própria, com quintal adjacente, inserida num meio rural, com condições de habitabilidade; 54) O rendimento do agregado familiar provém da pensão de sobrevivência da mãe e da renda mensal de dois apartamentos situados em Caldas da Rainha, totalizando cerca de € 900 mensais; 55) Cultiva produtos hortícolas e cria animais para consumo próprio; 56) Está a ser acompanhada em consultas regulares de psiquiatria, no Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, tomando medicação diariamente; 57) Mantém uma inserção comunitária positiva, sendo-lhe associados comportamentos adequados e aceites a este nível; 58) A arguida C não tem antecedentes criminais». Relativamente a factos não provados, consta do acórdão que [transcrição]: a) Era frequente, durante a semana e quando o mesmo se encontrava de serviço, o arguido M deslocar-se a casa da mãe; b) Na noite de 17 de novembro de 2008, o LF deslocou-se à casa da sogra e, à porta da rua, falou com a arguida C, após o que se deslocaram ambos até casa onde aquele LF vivia; c) O LF discutiu com a arguida C nas circunstâncias descritas em b) dos factos não provados; d) Sem prejuízo do contacto telefónico referido em 9) dos factos provados, a mãe dos arguidos telefonou ao arguido M porque a arguida C discutiu com o LF, relatando-lhe o sucedido e manifestando preocupação com a filha; e) Quando chegou a casa do LF, o arguido M ouviu a irmã, a arguida C aos gritos; f) De imediato, o arguido M entrou em casa e viu a irmã caída no chão do hall de entrada da habitação e o LF em cima dela, a dar-lhe pontapés e murros; g) Nessa altura, o arguido M disse ao LF: “Não lhe batas mais que dás cabo dela”; h) O LF continuou a desferir murros e pontapés na arguida C; i) Então, o arguido M colocou-se em frente da irmã, a arguida C, agarrou-a e colocou-a fora da habitação; j) Entretanto, o LF agarrou o arguido por trás, encostou-o à parede e começou a desferir-lhe murros e pontapés; k) Após o que o arguido M se envolveu em confronto físico com o LF, desferindo mutuamente murros e pontapés; l) Não obstante o descrito em 10) e 11) dos factos provados, o LF e o arguido M continuaram a desferir murros e pontapés reciprocamente, percorrendo quer o interior quer o exterior da habitação, sendo que o arguido M assim atuava para se libertar do LF e se deslocar para sua (do arguido) casa; m) Entretanto, sem prejuízo do descrito em 10) dos factos provados, já no exterior da habitação, nas traseiras desta e ainda no decurso do confronto físico, o arguido M logrou empurrar o LF; n) Na sequência desse empurrão, o LF caiu ao chão e embateu com a sua cabeça num canteiro do jardim aí existente, feito em cimento; o) Sem prejuízo do descrito em 18) dos factos provados, de imediato o arguido M constatou que o LF estava morto; p) Ao empurrar LF, o arguido M fê-lo com o propósito de lhe causar lesões/molestar a sua integridade física; q) O embate no canteiro de cimento, referido em n) dos factos não provados causou a LF “hematoma sub-dural sobre o hemisfério cerebral esquerdo que lhe determinou como consequência direta, necessária e adequada a sua morte; r) Sem prejuízo do descrito em 9) dos factos provados, o arguido desloca-se a casa do LF porque a irmã, a arguida C, se demorou nas circunstâncias descritas em b) e c) dos factos não provados; s) Ao ver a arguida C, o arguido M mandou-a para casa; t) Sem prejuízo do descrito em 10) a 14) dos factos provados, após o descrito em q) dos factos não provados, o arguido M envolveu-se em confronto físico com o LF, seu cunhado, no hall de residência deste, agredindo-se mutuamente, no interior e u) Sem prejuízo do descrito em 10) a 14) dos factos provados, na sequência do descrito em r) dos factos não provados, o arguido M pegou num objeto em ferro, não identificado, e desferiu com o mesmo várias pancadas na cabeça do LF, até que este caiu ao chão, sem esboçar resistência, continuando o arguido M a desferir-lhe pancadas com o objeto aludido; v) Sem prejuízo do descrito em 13) dos factos provados, ao agir do modo referido em 10) dos factos provados, designadamente ao atingir o LF na cabeça por instrumento ou ação traumática concretamente não apurados, o arguido M atuou com o propósito, conseguido, de causar as lesões aí referidas ao LF e tirar-lhe a vida, o que representou e quis e, não obstante isso, atuou do modo referido; w) Sem prejuízo do descrito em 13) dos factos provados, ao agir do modo referido em 10) dos factos provados, designadamente ao atingir o LF na cabeça por instrumento ou ação traumática concretamente não apurados, o arguido M atuou prevendo que as lesões descritas em 10) dos factos provados e a morte do LF eram uma consequência necessária da sua conduta e, não obstante isso, atuou do modo referido; x) Sem prejuízo do descrito 10) e 18) dos factos provados, o arguido M foi ter com a arguida C passados alguns minutos de ter desferido as pancadas referidas; y) Nas circunstâncias descritas em 19) dos factos provados, a arguida C colocou o corpo de LF no porta-bagagem do veículo ali referido; z) Nas circunstâncias descritas em 20) a 22) dos factos provados, a arguida C, juntamente com o arguido M, retirou o corpo de LF do interior do porta-bagagem do BMW, matrícula ---GN----, arrastou o cadáver até o colocar no lugar do condutor, ateou fogo ao BMW com papéis e empurrou-o pelo precipício abaixo; aa) O veículo automóvel BMW, de matrícula --GN--- era propriedade de LF; bb) Da união matrimonial entre a arguida C e LF nasceu uma filha, de nome M, atualmente com 11 anos de idade»; A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]: «Α. Mesmo antes de nos abalançarmos na motivação da factualidade provada e não provada, importa fazer três esclarecimentos. O primeiro a sinalizar que a audiência de discussão e julgamento decorreu com o registo da prova (declarações dos arguidos, esclarecimentos dos Peritos e depoimentos das testemunhas) em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do tribunal. Esta circunstância, permitindo uma ulterior reprodução desses meios de prova e um efetivo controlo do modo como o Tribunal formou a sua convicção, deve, nesta fase do processo, revestir-se de alguma utilidade, nomeadamente dispensando o relato detalhado das declarações e depoimentos prestados. O segundo, para afirmar que, em termos genéricos, o Tribunal fundou a sua convicção considerando as declarações dos arguidos, a prova documental e pericial, os depoimentos das diferentes testemunhas e ainda a inspeção ao local, analisando todos os elementos probatórios ao dispor do Tribunal em confronto entre si e de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (artigo 127.º do Código de Processo Penal). Por fim, importa ainda aqui recordar que este é um segundo julgamento e que a atividade cognitiva e decisória encontrava-se delimitada por força de decisão de Tribunal Superior onde se determinou, em termos sintéticos ― mas não menos rigorosos, diga-se ― que se averiguasse melhor as circunstâncias em que ocorreu a morte de LF, mantendo-se incólume a restante matéria de facto. Consequentemente, boa parte dos factos provados ― e não provados ― mostram-se “assentes” desde o primeiro julgamento. Β. Factos provados. Β.α. Comecemos pelo descrito em 1) a 7) dos factos provados. Β.α.1. A factualidade aqui descrita mostra-se descrita, quase na íntegra, nos pontos 1.º a 7.º dos factos provados da decisão proferida a 11 de março de 2010. Relativamente a tal matéria, motivou então o Tribunal do seguinte modo (cfr. fls. 2239 e 2259, devendo anotar-se aqui que há evidente lapso na ordem das folhas): “Os factos n.os 1.º [1)], 2.º [2)] e 3.º [3)] resultaram provados com base no teor das certidões de nascimento e de assento de casamento juntas aos autos a fls. 1728-1729, 1771-1774, 1775-1777 e 1807-1808v.. Os factos n.os 4.º [4)], 5.º [5)], 6.º [6)] e 7.º [7)] resultaram provados com base nas declarações dos arguidos que, nesta parte, mereceram a credibilidade do Tribunal. O facto n.º 6.º [6)] foi ainda corroborado pelo irmão do ofendido, a testemunha FL, que prestou um depoimento isento, espontâneo e sereno quanto a esta matéria, daí merecendo a credibilidade do Tribunal. Β.α.2. Resultante deste julgamento, no que toca aos factos descritos em 1) a 7) dos factos provados, importa apenas atentar a ligeiras diferenças em 4) e 5) dos factos provados nos seguintes termos ― redigindo-se em itálico os acrescentos novos: 4) Por desentendimentos entre o casal que afetavam os outros membros da família da arguida C e, nomeadamente, causavam conflitos entre o arguido M e o LF, a arguida C e o LF deixaram de residir na mesma habitação e partilhar as mesmas cama e mesa em março de 2007; 5) Nessa data, a arguida C saiu de casa com M, filha da arguida, nascida a 21 de junho de 1998, e passou a viver com esta em casa da sua mãe, MG, sita na Rua..., Alcoentre, a qual dista cerca de 30 m daquela onde vivera até então e onde continuou a viver o marido LF. Tais acrescentos foram-no no sentido de explicitar melhor as relações existentes entre o arguido M e a infeliz vítima, o LF, assim como esclarecer a idade da filha da arguida. Β.α.3. Começando pela data de nascimento da filha da arguida C, o Tribunal considerou as declarações do arguido M que, nesta parte, pareceram sérias, denotando conhecer a data de nascimento da sobrinha, o que não apareceu estranho atendendo a que denotou grande proximidade para com ela, chegando mesmo a menor a viver na mesma casa que o arguido M após a separação da arguida C. Β.α.4. Quanto ao acrescento feito em 4) dos factos provados, tal facto foi, deve dizer-se, praticamente tido como um dado incontornável e evidente ― o que bem se compreende, considerando o modo como o divórcio/separação entre a arguida C e o LF se desenrolava, devendo aqui anotar-se (independentemente de considerações que se possam ter sobre a personalidade de um ou de outro) o teor dos factos descritos em 6) e 7) dos factos provados, bem reveladores do clima de conflito existente entre a arguida C e o LF― tido praticamente assente por todos quantos conheciam a situação familiar dos arguidos. Neste particular aspeto, e apesar do arguido M ter procurado afirmar que se mantinha alheio a tal conflito, a verdade é que não negou a existência de conflitos com o cunhado a ponto de existirem processos-crime entre ambos, inclusivamente com agressões (cfr. fls. 153 a 192). Aliás, mais do que negar a existência de conflitos, o arguido M procurou afirmar um desejo (o que queria é que “eles” ― C e LF ― se entendessem, até porque a M vivia um ambiente terrível) e uma intenção: o procurar não se meter nos conflitos entre aquele casal desavindo. Β.β. Tempo, agora, de motivarmos os factos provados descritos em 8) a 17). Β.β.1. Preliminarmente, deve dizer-se que a investigação destes factos ― em conjunto com os descritos em b) a w) dos factos não provados ― constituiu o núcleo essencial da atividade cognitiva do Tribunal, já que eles revelam as circunstâncias em que ocorreu a morte de LF. Relativamente a tais factos, foram ― ainda que com ligeiras matizes ― duas as versões apresentadas: dum lado, o arguido M sustentando, grosso modo, que a morte do LF foi acidental, foi um resultado que não previu e menos ainda que desejava, decorrente do mesmo ter embatido num passeio com a cabeça no momento em que ambos se encontravam num confronto físico; doutro, em sentido diverso, é a acusação defendendo que o arguido efetivamente desejava a morte do ofendido LF e, nessa decorrência, atingiu-o com um objeto em ferro na cabeça, desferindo-lhe várias pancadas, mesmo depois do LF já estar no chão sem oferecer resistência. Como ressalta da mera leitura dos factos provados, a versão apresentada pelo arguido não convenceu o Tribunal e, simultaneamente, não se logrou provar na íntegra os factos que se mostram descritos na acusação. Explicitemos, então, os concretos elementos probatórios de que se serviu o Tribunal. Β.β.2. Em todo o caso, dentre os factos aqui descritos, alguns há que não suscitaram grande controvérsia ― considerando, aliás, que se mostram irrelevantes para a sorte da presente decisão ― devendo mesmo anotar-se que tais factos se mostram assentes desde o primeiro julgamento. Concretamente, temos os factos descritos em 8), 9) e 15) a 17) dos factos provados que, em face do já explanado quanto aos poderes de cognição do Tribunal, rectius, deste Tribunal, pouco poderia este Tribunal alterar. Em todo o caso, deve dizer-se que tais factos praticamente não sofreram discussão, sendo admitidos, sem controvérsia de assinalar, quer pelo Ministério Público quer pelos arguidos, nomeadamente: – o descrito em 8) e 9) dos factos provados resulta das declarações do arguido M e também dos registos telefónicos que constam de fls. 33 a 124 (especialmente fls. 108), de fls. 249 a 256 (informação da TMN sobre os cartões de acesso ao serviço telefónico móvel associados aos equipamentos do arguido M), de fls. 578 a 607 (detalho do tráfego telefónico relativo aos telemóveis 96 ..., 96 ... e 96 ... e aos imei’s 351---- e 359----) de fls. 640 a 718 (detalhes de tráfego telefónico relativamente às antenas dos telemóveis usadas nas comunicações do arguido) e de fls. 1054 a 1061 (detalhe de tráfego telefónico do telemóvel 92.....); e – o descrito em 15) a 17) corresponde ao factos descritos em 43.º a 45.º da decisão que consta de fls. 2237 a 2279 e que foi motivado “com base nas declarações dos arguidos que, nesta parte, mereceram a credibilidade deste Tribunal” (cfr. fls. 2259). Β.β.3. Facto que também não suscitou grande controvérsia ― embora dele se possam retirar ilações com algum relevo na decisão da causa ― é o que se mostra elencado em 11) dos factos provados. Aqui, o Tribunal considerou, desde logo, as declarações do arguido M admitindo que logo no hall de entrada o ofendido LF sangrou, embora impute tal à existência de um confronto físico com o desditoso LF (confronto que o Tribunal, nos termos que melhor de verão, considerou não se ter provado). Doutra banda, tal facto resulta também do teor da prova documental que consta nos autos, especialmente as fotos de fls. 23 (foto 13) e de fls. 885 e 886 (fotos 165, 166, 167 e 168), em conjugação com a prova pericial (análise aos vestígios hemáticos que se observam nas fotos) e cujas conclusões constam de fls. 1217 a 1220, dela resultando que o sangue que se observa nas fotos é do LF. Β.β.4. Os factos descritos em 10) e 12) a 14) são, naturalmente, aqueles que suscitam maior controvérsia, sendo sobre eles que cabe fazer uma explicitação tanto quanto possível cabal sobre os elementos probatórios de que se serviu o Tribunal para formar a sua convicção. Β.β.4.1. Há, desde logo, uma enorme dificuldade relativamente a tais factos: não há testemunhas oculares (ou, pelo menos, se as há, ninguém se apresentou em audiência nessa qualidade) e o arguido não confessa os factos ou, rectius, não confessa os factos nos termos em que os mesmos se mostram dados como provados. Acresce uma outra dificuldade: o arguido deu uma explicação ― que, a seu tempo se verá, não convenceu o Tribunal ― que, em si mesmo e independentemente da prova que consta nos autos (que poderia, em abstrato, confirmar ou infirmar a versão dele) se mostra plausível. Assim, em nome dos princípios relativos à apreciação dos meios de prova, outra solução não restou ao Tribunal que não fosse afirmar um juízo de inverosimilhança relativamente à versão do arguido (dito de outro modo: provar/demonstrar que a versão apresentada pelo arguido não correspondia à verdade) e, além disso, demonstrar que os factos ocorreram nos termos em que se mostram descritos em 10) e 12) a 14) dos factos provados. Β.β.4.2. Anota-se, em primeiro lugar, no que aos factos descritos em 10) e 12) a 14) dos factos provados, que o Tribunal deu relevo a um conjunto de elementos de prova que não sofreram qualquer contestação. Desde logo, o Tribunal formou a sua convicção considerando as fotos que constam dos autos e que, considerando o que aí se retrata, não sofreram a mínima contestação. Com efeito, nenhum dos sujeitos processuais colocou em causa ― ainda que sob a forma de mera suspeita ― que as diversas fotografias tiradas aos locais mais relevantes para a descoberta dos factos e ao cadáver do infeliz LF retratassem a realidade, inexistindo qualquer suspeita de manipulação das mesmas ou que, por qualquer outro modo, elas não retratassem com rigor os factos que nelas se mostram “descritos”. Assim, com maior relevo na formação da convicção do Tribunal, importa ter presente as seguintes fotos: – fls. 18 e 19: fotos do cadáver do LF no local onde foi encontrado, na Serra de Montejunto; – fls. 20 a 23: fotos da casa do LF, exterior e interior da mesma; – fls. 524 a 528: fotos do veículo Renault 4 L e de alguns pormenores do mesmo; e – fls. 848 a 898: fotos do casa do LF (exterior e interior da mesma) e de alguns veículos, sendo de maior relevo o teor de fls. 848 a 888 e fls. 890 e 891. Naturalmente que, em conjugação com as fotos acabadas de referir e muito particularmente aquelas que dizem respeito à casa do LF, à formação da convicção do Tribunal foi ainda relevante a inspeção ao local (cujo auto consta de fls. 2658 e 2659), nomeadamente porque permitiu ao Tribunal ter a exata noção do espaço onde se desenrolaram os principais factos objeto deste processo e onde espacialmente se colocavam os diferentes elementos que se mostram retratados nas fotos. Por fim, o Tribunal deu ainda grande relevo às conclusões da prova pericial resultante da análise dos vestígios hemáticos que foram recolhidos em diversos locais, constando os respetivos relatórios de fls. 1217 a 1220 e 1659 a 1663. Também relativamente a este meio de prova, deve dizer-se que nenhum sujeito processual colocou em causa, seja por que meio fosse, a validade das conclusões a que chegou o Laboratório da Polícia Científica da Polícia Judiciária. Estes elementos de prova foram decisivos na formação da convicção do Tribunal, não porque, em si mesmo ou por si só, fossem suscetíveis de provar que a versão do arguido não correspondia à verdade ou que os factos ocorreram tal qual se mostram descritos nos factos provados em 10) e 12) a 14), mas porque foram, juntamente com outros meios de prova e à luz das regras da experiência, importantes auxiliares para se poder afirmar exatamente isso (isto é, que a versão do arguido não corresponde à verdade e que os factos correram tal como se mostram descritos). Β.β.4.3. Perante a ausência de, chamemos-lhe assim, “prova direta” dos factos descritos em 10) e 12) a 14) dos factos provados, não restou ao Tribunal outra alternativa que não fosse socorrer-se de prova indireta. O que não significa que não fosse prova segura. Β.β.4.4. Todavia, há um dado incontornável que nenhum ― nem sequer o arguido M! ― nega: a morte do desditoso LF ocorreu por ação do arguido M. Dito de outro modo: foi o arguido M quem matou o LF. Este facto é admitido, desde logo, pelo arguido M: ele, com efeito, admite tal facto, negando (e veremos melhor em que termos e qual a validade da sua versão) as circunstâncias em que a mesma ocorreu); portanto, que foi o arguido a matar o LF, é matéria que dispensa grandes considerações, sendo, justamente, com base nas declarações do próprio arguido M que o Tribunal formou a sua convicção quanto a este facto. Β.β.4.5. Em conjugação com as declarações do arguido M (nesta parte), o Tribunal socorreu-se ainda da prova pericial, nomeadamente da autópsia medico-legal feita ao cadáver de LF, nela se concluindo (cfr. fls. 1360 a 1364) que o mesmo faleceu em consequência da ação contundente ou por força de instrumento contundente que o atingiu na cabeça e que lhe causou lesões traumáticas craneo-encefálicas graves que provocaram ao LF hematoma sub-dural sobre o hemisfério esquerdo e que levaram à sua morte. Deve dizer-se que o teor das conclusões formuladas na autópsia médico-legal se revelou de grande importância na formação da convicção do Tribunal. Β.β.4.6. Sobre esta matéria, importa ter presente que “o juízo técnico, científico, o ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” (artigo 163.º, n.º 1 do Código de Processo Penal). Este é um dos (raros) casos no processo penal em que não vigora, sem mais, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Compreende-se que assim seja: se há um perito ― isto é, pessoa especialmente habilitada a conhecer sobre determinada matéria, designadamente por força da sua experiência profissional, habilitações literárias, conhecimentos técnico-científicos ― a, relativamente a certa matéria, emitir um juízo técnico-científico ou artístico, mal se compreenderia que o julgador pudesse apreciar livremente esse juízo técnico. Contudo, note-se, é a própria lei a não impor, sem mais, uma espécie de prova vinculada em que o julgador está impedido ou proibido de decidir ou julgar de modo diverso ao do perito. Com efeito, o artigo 163.º, n.º 2 do diploma processual penal refere que “sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência”, impondo-se, deste modo, um especial dever de fundamentação da divergência relativamente ao juízo pericial formulado pelo perito ou peritos. Todavia, importa atender que “nem toda a divergência entre o perito e o julgador é relevante”, na medida em que “a divergência não releva e o tribunal mantém a liberdade de apreciação da prova se” “se confinar aos factos em que se apoia o juízo” pericial, mantendo-se ainda a “liberdade de valoração do depoimento do perito que não traduza um conhecimento especializado” (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª ed., 2008, págs. 443 e 444). Acresce que não há divergência entre o perito e o julgador se este adere às conclusões de um dos peritos em detrimento de outro ou opta por um juízo pericial em detrimento de outro com resultados ou conclusões diversas (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 444). Β.β.4.7. Ora, a conclusão da autópsia é clara quanto às causas da morte do infeliz LF: lesões traumáticas craneo-encefálicas graves que provocaram ao LF hematoma sub-dural sobre o hemisfério esquerdo e que levaram à sua morte, mais afastando a possibilidade daquele LF estar vivo no momento da combustão do veículo automóvel. Note-se bem: o LF não morreu vítima de umas quaisquer lesões, antes faleceu, no dizer do relatório, em consequência de “graves lesões traumáticas” “cerebrais”, com “hematoma sub-dural sobre o hemisfério cerebral esquerdo”, sendo as lesões produzidas por “traumatismo violento de natureza contundente”. Em face de tal dado, outra solução não resta que não seja, efetivamente e à luz das mais elementares regras da experiência, considerar que o arguido atingiu o ofendido LF na cabeça com instrumento contundente ou por ação contundente e que, além disso, no mínimo, previu a morte do desditoso LF e, não obstante isso, com tal resultado se conformou. Esclareçamos melhor. Β.β.4.8. Reconhecendo-se, embora, que o circunstancialismo factual em que ocorreu a sua morte tem, ainda, várias zonas de sombra e de dúvida ― e delas não deixaremos de falar ― do que se não pode duvidar, face ao relatório da autópsia, é que o LF morreu em consequência de uma ação contundente na cabeça do referido ofendido ou por força de um instrumento de natureza contundente utilizado pelo arguido M. Há, de facto, matérias que se desconhece: não se sabe se, utilizando uma linguagem mais coloquial, foi uma, duas, três ou quantas pancadas foram dadas na cabeça do LF; não se sabe se ele morreu da primeira, da segunda ou da terceira pancada ou foi o conjunto delas que o matou; não se sabe se foi utilizada uma pedra, um pau ou um ferro ou se o arguido M fez, pela sua própria mão, a cabeça do LF bater numa superfície dura; não se sabe se o LF morreu dentro de casa, à porta, junto ao portão ou no local onde o arguido diz que ele faleceu; não se sabe se o ofendido foi surpreendido pelo arguido estando este dentro de casa (apesar do descrito em 6) e 7) dos factos provados, convém não esquecer que havia vidros partidos na casa, tal como se constata de fls. 888) ou fora; não se sabe se arguido e ofendido conversaram antes do infeliz desfecho; não se sabe se, além da cabeça, o LF foi atingido noutras partes do corpo; não se sabe se o ofendido resistiu ou sequer teve oportunidade de esboçar uma resistência; não se sabe se o ofendido tentou fugir e foi perseguido pelo arguido. Tudo isto se desconhece ― o que até nem é estranho: não há testemunhas oculares dos factos (dando-se de barato que, apesar da suspeita, inexiste qualquer prova de que a arguida C efetivamente não assistiu a estes factos…), pelo que só o arguido M (pelas razões mais que óbvias, pouco interessado em contar a verdade) estaria em condições de relatar o que efetivamente aconteceu; e o elemento de prova provavelmente mais importante para descortinar a verdade do caso se mostra comprometido (embora não totalmente!) já que o arguido não regateou esforços para ocultar o cadáver… ― sendo que relativamente a algumas matérias poderão ser lançados alvitres, ser formuladas hipóteses ou suscitarem-se dúvidas razoáveis. Mas o que se não desconhece, o que se sabe “de fonte limpa” (com bem dizem os antigos) é que: – foi o arguido M a tirar a vida ao LF, porque o próprio arguido o disse; e; – fê-lo atingindo-o na cabeça por força de ação contundente ou com instrumento de natureza contundente, porque é o que resulta da autópsia médico legal. Β.β.4.9. E é também a autópsia médico-legal que se mostra decisiva na formação da convicção do Tribunal relativamente ao descrito em 13) dos factos provados. Note-se que na autópsia médico-legal se mostram descritas “graves lesões traumáticas” “cerebrais”, com “hematoma sub-dural sobre o hemisfério cerebral esquerdo”, sendo as lesões produzidas por “traumatismo violento de natureza contundente”. Ora, como se disse, há vários aspetos sobre o circunstancialismo em que ocorreu a morte do LF que se desconhecem, nomeadamente, o concreto instrumento contundente utilizado pelo arguido ou a concreta ação contundente causadora das lesões graves sofridas pelo ofendido ou, ainda, as concretas condutas conducentes ao resultado morte (como já acentuamos, não se sabe se o LF faleceu em consequência de uma só pancada ou se foram várias, se há surpresa no ataque e outras questões que acima já se colocaram). Agora, de uma coisa temos por certo: ou uma ou várias pancadas, com um pau ou com um ferro ou fazendo a cabeça embater (uma ou mais vezes) numa superfície dura, a gravidade das lesões causadas, no mínimo ― e aqui fazemos intervir o princípio de, em caso de dúvida, decidi-la em favor do arguido (o tão apregoado principio in dubio pro reo) ― revelam que o arguido pelo menos representou a morte como uma resultado possível agindo (atingindo o LF na cabeça por ação contundente ou por instrumento contundente) conformando-se com tal resultado. Explicitemos. Como se sabe, a matéria de facto relativa ao dolo ― quer no seu elemento cognitivo, quer no seu elemento volitivo ― revela-se de difícil prova. Trata-se, aqui, de procurar e apurar “estados de alma”, “estados interiores”, vontades e conhecimentos que residem no interior da pessoa. Como apurar tais “factos interiores” à pessoa? A menos que as pessoas, livremente, revelem os seus “estados interiores” ― digam “estou triste” ou “estou contente”, “sabia isto”, “pretendia aquilo” ― tais factos devem procurar-se, as mais das vezes, de dados objetivos e observáveis e que sejam reveladores da vontade e conhecimento que, no momento da prática do facto, o agente do mesmo seja portador. Se A aponta uma arma de fogo em direção ao coração de B, seu inimigo de longa data, e depois dispara tirando-lhe a vida, não será difícil imaginar que agiu justamente com o objetivo direto, imediato, de matar B e, em face de tais dados, não é preciso que ninguém nos diga que intenção animou a conduta de A. No caso concreto, não temos o arguido M a afirmar “eu queria matar o meu cunhado” ou a afirmar, sequer, tal como se considerou provado, que “viu a morte do LF e, não se importou com isso, antes se conformou/aceitou tal possibilidade e, por isso, agiu do modo que agiu”. Mas não deixamos de ter outros elementos que não deixam de revelar essa vontade, nomeadamente a autópsia médico-legal analisada e valorada à luz das mais elementares regras da experiência. Com efeito, se alguém atinge outra pessoa na cabeça ― note-se bem, na cabeça, local onde é sabido que está o cérebro (sendo que este é protegido pelos ossos do crânio, os quais, consabidamente, são dos mais duros do nosso corpo), o “centro de comando” do funcionamento do nosso corpo ― em termos tais que lhe causa lesões cerebrais graves, então teremos de concluir, de acordo com os critérios da experiência e da normalidade que a pautam, que o instrumento ou a ação que a causa são aptos a produzir lesões conducentes à morte e que quem utiliza tais instrumentos ou ações seguramente representou como possível a morte da pessoa atingida e se conformou com tal resultado. Na verdade, sabe-se que na cabeça se aloja o cérebro que é o principal órgão do sistema nervoso central e centro de controlo da generalidade das atividades voluntárias e involuntárias do corpo, sendo ainda responsável pela memória, emoção ou a linguagem. É composto por biliões de neurónios (numa pessoa adulta saudável estima-se que sejam 12 biliões de neurónios). Consequentemente, se alguém dirige a sua conduta agressora contra a cabeça de uma pessoa ― e, como melhor veremos, em termos tais de lhe causar lesões traumáticas graves ― sabe seguramente que está a atingir ou que pode atingir o cérebro. Segundo aspeto a considerar, é que o cérebro não se apresenta “desprotegido”, como sendo um alvo fácil de atingir e de lesionar. Pelo contrário, sabemos que o cérebro está protegido nos seguintes termos: – 1.º, pelo couro cabeludo; – 2.º, abaixo do couro cabeludo, pela caixa craniana (constituída por ossos dos mais duros que o corpo humano tem); – 3.º, abaixo da caixa craniana, por membranas finas chamadas meninges: a dura mater (camada mais externa, é espessa, dura e fibrosa, protege o tecido nervoso do ponto de vista mecânico); a aracnoideia (camada intermédia, é a mais fina, sendo responsável pela produção de líquido cefalorraquidiano); e a pia mater (camada mais interna, muito fina, sendo a única das membranas vascularizada e é a responsável pela barreira sangue-cérebro); Cabe ainda referir, do ponto de vista anátomo-fisiológico, que o espaço entre a membrana aracnoideia e a pia mater é chamado de espaço subaracnoideu ou espaço subacnoideu, composto por uma espécie de líquido limpo (o fluído ou líquido cefalorraquidiano) e por uma pequeno conjunto de pequenas artérias que fornecem sangue à superfície exterior do cérebro. Em termos gráficos, estes conceitos podem representar-se da seguinte forma: Desde o couro cabeludo até ao líquido cefalorraquidiano, tudo aqui serve o funcionamento e, essencialmente, a proteção do cérebro, sendo composto por “elementos de proteção” que se combinam e complementam: se o crânio funciona como um invólucro duro, já as meninges e o líquido cefalorraquidiano serve de “almofada” para “amortecer” os choques. Ora, se uma pessoa atinge alguém na cabeça ― local onde consabidamente se aloja o cérebro e seja qual seja a forma, meio ou instrumento utilizado ― a ponto de vencer todos os mecanismos de proteção do cérebro e causar-lhe graves lesões traumáticas, é porque, no mínimo, representa como possível que lhe pode causar a morte e, não obstante isso, persiste na sua intenção delituosa conformando-se com ela. Dito de outro modo: não sabemos como, não sabemos quantas vezes, não sabemos com que instrumentos ou ações é que o arguido atingiu o ofendido. Mas sabemos que o fez dum modo que, derrubando como derrubou as defesas do cérebro, só poderia ter representado como possível a morte daquele LF e atuou conformando-se com ela. É que não foram umas quaisquer agressões/pancadas que atingiram o desditoso LF. Foram umas pancadas/agressões tais ― com tal violência, com tal intencionalidade ― que foram aptas a causar-lhe as graves lesões cerebrais (com hemorragia sub-dural) que determinaram a sua morte, sinal revelador de, no mínimo, ter o arguido M atuado do modo que evola da factualidade vertida em 13). Β.β.4.10. Não se tente argumentar que as conclusões da autópsia médico-legal são infundadas ou que o Sr. Perito que a realizou não tinha condições de afirmar o que naquele relatório se mostra dito. Não se ignora que o estado de carbonização do cadáver dificulta as conclusões que se possam tirar quanto às lesões, sua natureza e extensão. E, neste aspeto, não pode aqui deixar de se anotar que o arguido M não regateou esforços para que do cadáver pouco ou nada se pudesse retirar (não só escondeu em local ermo da Serra de Montejunto, como não deixou de o incendiar…). Como não se ignora que, em audiência de julgamento, há dois peritos (o Sr. Dr. JL e a Sr.ª Dr.ª MB) que não se comprometem com as causas da morte do infeliz LF. Contudo, mesmo estes não deixam de afirmar que é o Sr. Perito que faz a autópsia ― e, por isso, está em contacto direto com o cadáver, pode observá-lo melhor ― que está em melhores condições para formular as conclusões periciais. Só que neste particular, convém esclarecer que a Sr. Dr.ª MB (da Delegação Centro do Instituto Nacional de Medicina Legal) não diz que o ofendido não morreu em consequência de lesões traumáticas, antes e apenas afirma que, face à fraca qualidade das fotografias da autópsia e à exiguidade de dados manifestados no relatório da autópsia (no entender dela, esta poderia ser mais completa, designadamente medindo-se a extensão dos danos cerebrais, tirando-se melhores fotografias) não pode afirmar que o ofendido morreu em consequência de lesões cerebrais traumáticas como não pode afirmar que não morreu em consequência de tais lesões. Já o Sr. Dr. JL foi mais longe, sustentando que, face às fotografias e à menção de tecidos carminados na autópsia, o ofendido ainda estaria vivo aquando do início da combustão do veículo automóvel. Mas tal conclusão não é partilhada por qualquer dos outros peritos: a Dr.ª MB entende que a qualidade das fotos de fls. 2766 a 2769 era má e dela não se poderia retirar nem a existência de fuligem nas vias respiratórias aéreas inferiores nem que os tecidos estivessem carminados, podendo tal efeito resultar da luz ou da desfocagem das fotos; e o Dr. R (perito “indicado” pelos arguidos) entende mesmo que as fotos confirmam o teor do relatório da autópsia, o que aliás exprime no parecer que elaborou a pedido dos arguidos que consta de fls. 2770 a 2783. Mais, é mesmo desmentida pelo teor da prova pericial de análise à carboxihemoglobina (mede o monóxido de carbono no sangue, sendo a sua ausência no sangue sinal seguro de que o falecido não estava vivo no momento da combustão e, por isso, não inalou fumo) que consta de fls. 2896. Assim sendo, o Tribunal entendeu que as conclusões plasmadas no relatório da autópsia médico-legal merecem credibilidade integral, desde logo porque encontram suporte noutros elementos periciais (como seja a análise à carboxihemoglobina), noutro parecer medico-legal (elaborado pelo Sr. Dr. R e que consta de fls. 2770 a 2783) e porque, como foi reconhecido por todos os peritos médico-legais ouvidos em audiência de julgamento, é quem faz a autópsia que está em melhores conclusões para dela tirar as necessárias conclusões medico-legais. Β.β.4.11. Só um brevíssimo, mas importante, parêntesis. Apesar do respetivo juízo pericial não ser unânime, o Tribunal valorou com interesse os esclarecimentos dos Senhores Peritos. Deve dizer-se que os Senhores Peritos que prestaram esclarecimentos em Tribunal procuraram ser (e foram) isentos em relação à causa (juízo que também se faz em relação ao Sr. Dr. R, perito “indicado” pelos arguidos), sendo notório o seu esforço em esclarecer o Tribunal quanto aos aspetos técnico-científicos em que assentaram os respetivos juízos e tendo a preocupação de fazer assentar as suas opiniões períciais ― além, claro está, dos conhecimentos técnico-científicos, na sua experiência profissional (de largos anos, todos, sem exceção, de mais de 10 anos) e habilitações próprias da especialidade médica que exercem ― em factos seguros. Em todo o caso, se relativamente às causas da morte o seu juízo não foi unânime, essa unanimidade já existe quanto ao enorme grau de improbabilidade, do ponto de vista médico-legal e de outras provas que lhes foram mostradas (as fotos da casa onde ocorreram os factos), da versão apresentada pelo arguido. Dito de modo bem seco: nenhum dos Peritos achou verosímil a versão dos factos apresentada pelo arguido M. O que nos dá o mote para o tema seguinte: demonstrar que a versão dos factos apresentada pelo arguido M e pela arguida C não ofereceram qualquer credibilidade. Β.β.4.12. Os arguidos, como já se disse, apresentaram ao Tribunal uma versão bem diferente dos factos. Quanto a elas, desde já se adianta, as suas declarações não ofereceram qualquer credibilidade. Β.β.4.12.a. O arguido M afirmou que, no que ao dia dos factos diz respeito, que veio nesse dia jantar a casa porque se havia esquecido das calças da farda e, depois do jantar, se deslocou até casa da sua então namorada; depois de aí estar algum tempo, contactou telefonicamente com a sua mãe que se mostrou preocupada com a arguida C porquanto esta, depois de ter havido uma discussão com o LF, se tinha deslocado até à antiga casa do casal e há muito que não regressava; então o arguido M regressou e chegando à casa do casal apercebe-se que o ofendido LF se encontrava, em cima da arguida C e no hall de entrada da habitação, a agredir a irmã com murros e pontapés, ao mesmo tempo que ouvia a irmã a gritar “não batas mais”; de imediato procura pôr termo a tal situação, tentando separá-los, o que consegue, mandando logo de seguida a irmã embora; entretanto, envolve-se num confronto físico com o LF, em que o arguido M procurava defender-se e libertar-se do dito LF, tendo andado a lutar em frente à casa e também nas traseiras; no decurso dessa luta, quando se encontravam em frente da casa ― o arguido quando o Tribunal se deslocou ao local identificou o exato local onde tal ocorreu ― estando o ofendido agarrado ao arguido M, este empurra o ofendido que se desequilibra e bate com a cabeça no passeio e, de imediato, fica inanimado; perante tal cenário, o arguido tentou ver o que se passava, apercebeu-se que o ofendido não se mexia e não respirava e, então, decide desfazer-se do corpo. Por seu turno, a arguida C afirma que, por ter combinado com o LF ir buscar alguma roupa para a M, o LF desloca-se a casa da sua ainda sogra cerca das 22.00-22.30 horas e, cheirando a álcool, logo começou a falar alto (embora não tenham discutido); em todo o caso, deslocaram-se ambos a casa do ainda casal (a arguida C foi como estava, de pijama) e, mal entraram e sem qualquer razão, o LF empurra a arguida C, manda-a para o chão e começa a dar-lhe pontapés e murros (ao contrário do sustentado pelo arguido M, que diz ter ouvido gritos, a arguida nega ter gritado) e, depois, chega o irmão e pega nela dizendo-lhe “vai para casa!”, o que ela obedece, retirando-se do local onde a contenda permaneceu; assim, a arguida C vai em direção a casa da mãe por um carreiro que liga aquela propriedade à do casal ― o Tribunal, quando se deslocou ao local teve oportunidade de observar tal carreiro ou caminho ― e no meio desse caminho deita-se no chão, sentindo-se sem força, onde ficou até que chegou o irmão ao pé de si dizendo “Dei cabo da minha vida”, “Vai buscar a carrinha”, sendo que até esse momento não se apercebe de nada que se tenha passado entre o LF e o arguido M seu irmão. Β.β.4.12.b. À partida e independentemente de quaisquer considerações concretas sobre as mesmas, as declarações dos arguidos enquanto meio de prova e elemento probatório na formação da convicção do Tribunal teriam de ser analisados com especiais cuidados e cautelas: o arguido M, no quadro do presente julgamento, defendia-se de um crime de homicídio, enquanto que a outra arguida, a C, era, nada mais, nada menos, que irmã do “principal” arguido. Só por isto, facilmente se compreende que busquem uma versão dos factos que beneficie as respetivas posições, designadamente de exclusão da responsabilidade penal do arguido M. E não é só esta circunstância que nos levaria a analisar com especial cuidado as suas declarações, muito especialmente as do arguido M. O simples facto de terem participação (o que neste momento dizemos abstraindo-nos da concreta responsabilidade penal que sobre cada um dos arguidos possa recair) em atos de que resultaram a morte de uma pessoa e, ainda, na ocultação do seu cadáver (nos termos em que foi feita) impõe especiais cautelas, no sentido de apartar da objetividade dos factos apreciações subjetivas dos seus intervenientes, no sentido de procurar ver se o relato dos factos exprime a realidade ou apenas uma visão interessada dos mesmos. Isto porque, sabe-se, “um ponto de vista é sempre a vista de um ponto” e quem vivencia experiências das que ressaltam dos autos ― afinal, trata-se da morte de uma pessoa e da ocultação do seu cadáver ― naturalmente que terá o seu juízo obnubilado por certos aspetos que procura atenuar certos aspetos do seu comportamento ou do comportamento da vítima ou exaltar outros, tanto mais que neste género de situações sempre haverá alguma margem de subjetividade. No caso concreto, esses especiais cuidados impõem-se, considerando que o arguido M estava sujeito à condenação pela prática de um crime de homicídio (com uma pena até 16 anos de prisão!) e, por isso, muito interessado em descartar-se de responsabilidades penais e a outra arguida era “apenas” a sua irmã. Contudo, deve dizer-se, esta ordem de considerações não impede que o Tribunal considere as declarações dos arguidos como verdadeiras, desde que lhes atribua credibilidade. O que, in casu, não sucedeu. Β.β.4.12.b. Comecemos pela versão apresentada pela arguida C que surgiu como contrária às mais elementares regras da experiência, sendo, em certo momento, contraditória entre si. Desde logo, surge como estranho que a arguida C, depois de, no dizer dela, ser agredida pelo ofendido LF com murros e pontapés e de observar que entre o seu ainda marido e o seu irmão se havia iniciado um confronto físico, se tenha a arguida afastado (quase tranquilamente, dizemos nós), sem curar de auxiliar o seu irmão (que, afinal, a acabava de salvar das mãos agressoras do ofendido LF), sem procurar auxílio de terceiros, seja de vizinhos ― que, diga-se, nessa noite nada de especial ouviram ― seja mesmo da polícia. Pior: não só nada faz nem procura ajuda, como ― o que surge de todo em todo estranho! ― resolve deitar-se num caminho ou carreiro que liga a propriedade do casal à casa da mãe dos arguidos… Sendo, que, como disse, estava de pijama e o dito caminho é em terra batida. Ainda contrário às mais elementares regras da experiência, é o facto da arguida afirmar que não se apercebeu de nada do que se havia passado entre o arguido M seu irmão e o ofendido LF, seu ainda marido: é que a ser verdade a versão apresentada pelo seu irmão, o arguido M, este e o LF envolveram-se fisicamente, não só no hall de entrada da casa do ofendido, mas também à volta desta, mal se compreende que à noite ― num local pacato, onde deveria imperar o silêncio ou, pelo menos, algum recolhimento ― a arguida não se aperceba da dita luta nem de nada que entre os dois se tenha passado. Acresce que a explicação dada pela arguida para esta falta de perceção surge aos olhos de qualquer observador como estranha e contrária às regras da normalidade: ela estaria a ser medicada e, por isso, quando se deitou (de pijama!) no caminho (em terra batida!), não estava em condições de se aperceber de nada, inclusivamente se teria acontecido alguma coisa ao seu marido. Explicação que não colhe porque, afinal, a arguida C se mostrou capaz de seguir orientações do seu irmão e ter conduzido (ela própria!) um veículo automóvel em direção à Serra de Montejunto, tendo circulado nessa cordilheira montanhosa numa noite de grande nevoeiro sem qualquer problema… pelo menos, foi capaz de conduzir o Opel Astra que diz ter conduzido até ao local onde, depois, aconteceram os factos que se mostram descritos em 18) a 34) do factos provados. Ora, não se vê que, subitamente, os medicamentos tenham feito efeito a ponto de a fazer descansar (de pijama) num terreno em terra batida (quando sabia que entre o seu irmão e o ainda seu marido, pessoa que ela reputa de violento e agressivo) e, pouco tempo depois, tenham perdido a sua ação ou eficácia a ponto de permitir-lhe realizar um conjunto de ações onde é necessário combinar a atenção visual e coordenação motora, sendo que nesse dia, rectius, noite, esse esforço de concentração na condução, considerando o forte nevoeiro que se fazia sentir, era mais exigível. E, note-se ― o que não é despiciendo ― não é um ou outro pormenor dos factos relatados pela arguida C que surge como destituído de senso lógico perante as regras da experiência. São, diga-se, praticamente todos e cada um dos singulares pormenores, especialmente os mais significativos do ponto de vista das perceções relatadas pela arguida que surgem como inconsistentes com as regras da experiência. Para efeitos probatórios, fica descartada a possibilidade de atribuir credibilidade às declarações da arguida C. Β.β.4.12.b. Também a versão dos factos apresentada pelo arguido M não logrou convencer o Tribunal. Vejamos. Em primeiro lugar, na sua coerência e lógica interna, a versão dos factos apresentada pelo arguido M mostra-se contrária às regras da experiência. Repare-se que o arguido M sustenta que iniciou um confronto físico com o LF para defender a sua irmã que estava ser agredida e que, depois de conseguir libertar a sua irmã, mais do que o agredir, tentava era libertar-se do ofendido para ir para casa. Ora, a verdade é que se assim fosse seria natural que o grosso da luta ― note-se que o arguido M tem formação específica em técnicas de defesa pessoal (cfr. factualidade vertida em 15) ― decorresse no espaço entre a habitação do ofendido e a residência da mãe dos arguidos (cfr. foto a fls. 850 e fotos identificadas como foto 60 a 64 de fls. 855), mas a verdade é que é o própria arguido a afirmar que a morte do ofendido LF ocorre no lado oposto da casa da habitação do ofendido, sinal de que (se fosse verdade que existiu uma luta) aí também se desenrolou a luta. Mas, mais que as regras da experiência ― até porque, reconhece-se, as regras da experiência, por si só, não eliminam a possibilidade (a plausabilidade ou verosimilhança) da versão apresentada pelo arguido até efetivamente ter acontecido ― os demais elementos probatórios constantes nos autos (donde avulta o relatório da autópsia médico-legal, as fotografias do local onde aconteceram os factos, os esclarecimentos dos Senhores Peritos em Medicina Legal que foram prestados em audiência de julgamento e os depoimentos dos inspetores da Polícia Judiciária) desmentem e infirmam a versão dos factos apresentada pelo arguido M, revelando, à saciedade, que a mesma não corresponde à verdade. Desde logo, mal se compreende que o ofendido tenha iniciado uma agressão à arguida C atirando para o chão uma camisola e um saco com um frango (cfr. foto de fls. 23)… No mínimo, seria de esperar que, mesmo tendo um caráter irascível ― o que não se provou ― que tivesse a preocupação de pousar o frango, seja numa mesa seja num móvel. Aliás, o frango no chão (com o ticket), como bem notou a testemunha JM (inspetor da Polícia Judiciária), indicia, de acordo com a normalidade das coisas, é que o ofendido tivesse sido vítima de uma emboscada, tivesse sido apanhado de surpresa. Importa ainda anotar que é difícil compaginar, à luz das regras da experiência, a existência de uma luta entre dois homens no hall de entrada e existir tão poucos sinais dessa luta, já que pouco se mostra “mexido” nas fotos de fls. 23, fls. 880 (fotos 140 a 142), fls. 884 e 885, sendo visível “apenas” um objeto de adorno partido (o móvel, ao invés, mostra-se com o arranjo floral, o pano perfeitamente arranjado…). Depois, sabe-se que o ofendido foi atingido na cabeça logo à entrada de casa (o que ressalta dos factos descritos em 11) dos factos provados) e que ― a acreditar no arguido M ― houve uma luta. Então, teremos de concluir que o ofendido LF andou a lutar ferido e, se assim foi, teria de deixar sangue nos locais onde ocorreu o confronto físico com o arguido M (designadamente em todo o espaço envolvente da casa). Contudo, os vestígios de sangue encontrados na área adjacente à residência (quintal, passeios e jardins) ― todos, note-se bem, todos do ofendido(!), inexistindo um único vestígio de sangue que seja do arguido M (repete-se: inexiste um único vestígio de sangue do arguido!) ― pela sua configuração (demasiado circular, revelando essa configuração uma queda num ângulo em 90º em relação ao solo) afastam a possibilidade de luta, onde os movimentos implicam que o sangue não tenha sinais de queda tão uniformemente regulares; aliás, como revelaram os Senhores Peritos nos esclarecimentos prestados e ainda as testemunhas inspetores da Polícia Judiciária (todos com larga experiência na investigação de homicídios) se existisse luta, os vestígios de sangue do ofendido (donde quer que sangrasse) apresentar-se-iam numa forma oval (cfr., assim, a generalidade das fotos onde surgem vestígios hemáticos, designadamente: de fls. 21 e e 22 e, especialmente, porque mais próximas, a fotos de fls. 853, 856, 861, 862, 866, 868, 870 e 879). Em sentido inverso, apenas no hall de entrada da casa do ofendido é que o sangue que surge na parede numa espécie de “esguicho” (cfr. foto 13 de fls. 23 e foto 165 de fls. 885). Acresce que o arguido diz que o ofendido caiu para trás e que dessa queda terá resultado a sua morte, mas também o relatório de autópsia desmente esta possibilidade, já que o arguido revela hematoma sub-dural sobre o hemisfério cerebral esquerdo e não hematoma que atinja ambos os hemisférios, principalmente no lobo temporal, como seria mais natural em face de uma queda para trás. E, doutra banda, cabe dizer que se há hematoma sub-dural no hemisfério esquerdo, outra solução não resta que não seja considerar que o ofendido levou a pancada nesse lado da cabeça. Pelo que, se tivesse havido uma queda para esse lado, como bem salientou o Sr. Perito Dr. R, o mais natural seria o ofendido proteger-se com a mão ou o braço e, por isso, as lesões não seriam tão extensas a ponto de lhe causar a morte. Por fim ― e embora em si mesmo tal facto não seja decisivo, mas conjugado com o conjunto dos outros já assume algum relevo na formação da convicção do Tribunal ― é o próprio arguido a admitir não ter sofrido qualquer ferida da alegada luta com o ofendido, nem tal lhe foi observado por quem esteve com ele (designadamente inspetores da Polícia Judiciária), o que se revela estranho perante a ferocidade da luta retratada pelo arguido. Enfim, todos estes elementos probatórios (fotos, esclarecimentos dos Senhores Peritos e depoimentos dos Inspetores da Polícia Judiciária), conjugados com as mais elementares regras da experiência, permitem ao Tribunal dizer que a versão apresentada pelo arguido M (e em parte pela arguida C) não ofereceram qualquer credibilidade, antes são desmentidas por outros elementos de prova. Β.β.4.13. Aqui chegado, cabe fazer uma breve referência aos depoimentos do Inspetores da Polícia Judiciária que procederam à investigação do caso, devendo anotar-se que, pelo modo como depuseram, mereceram a credibilidade do Tribunal. Em todo caso, em homenagem à verdade, deve dizer-se que os senhores Inspetores da Polícia Judiciária desde logo afirmaram que, desde o início, o arguido M e a sua irmã eram os principais suspeitos da investigação porquanto recolheram desde logo indícios da existência de conflitos entre ambos. E mais esclareceram (os que mais de perto trabalharam na investigação) que ao longo desta os indícios que recolheram apontaram no sentido de ser a conduta do arguido M a responsável pela morte do ofendido. Assim, o Tribunal considerou os depoimentos de: – JO, embora este tenha um relevo diminuto na investigação porquanto apenas fez a busca ao Renault 4 do arguido, não tendo ido a casa do ofendido; – MC (com 8 ou 9 anos de experiência em crimes de homicídio) foi a casa do ofendido, relatando que as fotos descrevem o que ali se encontrou, dando alguns detalhes sobre o modo como decorreu a investigação, nomeadamente a análise às manchas de sangue, o facto de nenhum dos arguidos ter sinais de ter sido agredido pelo ofendido (embora não tivesse examinado integralmente o corpo de ambos); – DM, com 21 anos de experiência em crimes de homicídios; – AG, com 18 anos de experiência na investigação de crimes de homicídios, tendo acompanhado a inspetora MC em algumas diligências; – JM, desde dezembro de 2004 que trabalha na área dos crimes contra as pessoas, tendo participado em algumas diligências de investigação que relatou. Ora, estes depoimentos foram isentos e objetivos, procuraram relatar sempre apenas e só o que diretamente observaram e, sempre que emitiam uma opinião faziam-nos procurando sustentá-la em factos ou elementos de prova seguros e apelando à sua muita experiência profissional. Com grande relevo para a formação da convicção do Tribunal foi a análise que foram fazendo das diferentes manchas de sangue e, nesse quadro, não deixaram de afirmar que, não sendo especialistas nessa área, dos seus conhecimentos e considerando os seus anos de experiência na investigação de crimes contra as pessoas, as manchas de sangue encontradas fora da habitação, no espaço exterior à mesma (quintal, jardim, passeios) não revelavam qualquer luta, antes davam a entender que o ofendido já estaria inerte (atenta, essencialmente, a configuração regularmente circular das manchas que as fotos a que já se aludiu revelam. Β.β.4.14. Em face de tudo quanto já foi dito, considerando que as testemunhas ouvidas não assistiram aos factos, compreende-se que o Tribunal tenha dado pouco relevo (no que aos factos descritos em 8) a 17) diz respeito) a boa parte das testemunhas ouvidas. Assim, sem grande importância para a formação da convicção do Tribunal se revelaram as testemunhas CB, JR, JS, AH, JG, NT, AM, LR, FS, SC, LC, MC, AC, DF, MZ, JF, LM, Lígia MB, JP, MG e JS. Também a testemunha FL foi ouvida e, sendo irmão do falecido, facilmente se compreende o seu estado de espírito em relação aos arguidos. Esta testemunha não assistiu aos factos, mas deixou ― e nessa parte mostrou-se perfeitamente credível, tanto mais que tal informação surgiu espontaneamente, sem que a testemunha sequer se apercebesse da sua importância (aliás, nem o Tribunal, ao tempo, se apercebeu o quão importante essa pequeno apontamento seria para a valoração da prova) ― uma informação relevante: o ofendido não tinha água canalizada em casa, já que a família do arguido a cortou. Esta testemunha efetivamente revelou que no dia dos factos o ofendido lhe revelou que teria conseguido que um canalizador lhe arranjasse uma peça que, no futuro, lhe permitisse ter alguma água em casa. Ora, a verdade é que há fotos onde se revela nitidamente o propósito dos arguidos esconderem as manchas de sangue que se encontravam no exterior da casa: vide as fotos de fls. 870, foto 115 e foto 116 (o que, aliás, foi revelado pelos Senhores Peritos e também pelas testemunhas inspetores da Polícia Judiciária que observaram aquelas fotos). Mas, pergunta-se, porque é que apenas naquele local é que se nota tal esforço, é que se vê, “claramente visto”, sinais de arrastamento das manchas de sangue e de limpeza das mesma e não no resto da casa? A resposta é dada, ainda que indiretamente, pela testemunha FL. Estava noite e os arguidos ou seus familiares, à falta de água canalizada em casa do ofendido que possibilitasse uma “mangueirada” de água, apenas tiveram a possibilidade de tentar (quiçá indo buscar água a balde a sua, dos arguidos, casa) limpar aquela zona. A testemunha JM também não assistiu aos factos, mas esteve com o arguido M na noite em que ocorreram os factos. Do seu depoimento ressalta o facto do arguido M lhe ter pedido para mentir na investigação, nomeadamente negando que nessa noite esteve com ele (arguido). Β.β.4.15. Nota final, no que à factualidade provada plasmada em 8) a 17) dos factos provados, para dizer que o teor dos factos plasmados em 12) e 14) dos factos provados evola das regras da experiência, considerando ainda que o Tribunal teve direto contacto com o arguido M e que o mesmo, em momento algum do julgamento ou do processo, revelou qualquer problema ao nível intelectual ou da vontade que apontassem em sentido diverso ou sequer que colocassem em dúvida o que se considerou provado. Β.γ. Tempo, agora, de motivar o descrito em 18) a 34) dos factos provados. Esta factualidade foi já dada como provada no julgamento anterior que se realizou, estando o Tribunal impedido de a reanalisar (na medida em que não estavam conectadas com os factos relativos ao homicídio). Β.δ. Os factos descritos em 35) a 58) dos factos provados foram, também, já dados como provados no julgamento anterior, estando o Tribunal, neste julgamento, impedido de sobre eles fazer um novo juízo. Γ. Passemos, agora, aos factos não provados. O Tribunal considerou a generalidade dos factos não provados considerando que sobre os mesmos não foi feita prova que convencesse o Tribunal sobre a sua veracidade. Relativamente a boa parte dos factos aqui elencados, o Tribunal já deu as explicações sobre os mesmos. Em todo o caso, sempre se dará nota de alguns aspetos mais particulares. Γ.α. Quanto aos factos descritos em a) a w) dos factos não provados. Boa parte destes factos está em direta oposição com os descritos em 8) a 14) dos factos provados. Com efeito, a generalidade dos factos aqui descritos revelam a versão dos factos apresentada pelos arguidos (maxime, o arguido M) que, como já se disse, não convenceu o Tribunal. Na verdade, tal factualidade assentava essencialmente nas declarações dos arguidos ― já se explanou o suficiente sobre a falta de credibilidade das mesmas ― e, relativamente aos pontos descritos em b), c) e d), também no depoimento da mãe dos arguidos, MG. O depoimento desta não convenceu o Tribunal, não surgindo como credível, designadamente ficando sem explicação o facto de estar tão preocupada com a filha C a ponto de ligar para o seu filho M e, depois, ter adormecido como se nada fosse, nada se apercebendo, nem de agressões, nem de gritos, nem de discussões. Nada. Γ.β. Quanto aos factos descritos em x) a bb), os mesmos já haviam sido considerados como não provados pelo Tribunal no 1.º julgamento. Não estando tais factos relacionados com o objeto deste julgamento ― investigar as circunstâncias em que ocorreu a morte do ofendido LF ― não cabia a este Tribunal apreciar o que quer que fosse». Conhecendo e decidindo. I) - Recurso interposto pelo arguido M. O arguido M, como questão central do seu recurso, impugna os pontos 10) e 13) dos factos dados como provados [considerando que os mesmos deveriam ser julgados como não provados] e as alíneas a) a q) da matéria de facto dada como não provada [que no seu entender deveriam ser dados como provados] e pugna pelo aditamento de um novo facto provado [o descrito no ponto 31 das suas conclusões], invocando, para tanto, a existência de erro de julgamento e erro notório na apreciação da prova, por considerar que o Tribunal “a quo” não fez uma correcta valoração das declarações dos arguidos em audiência de julgamento e da prova testemunhal, documental e pericial produzida nos autos, violando o princípio da livre apreciação da prova (artº. 127º do CPP) e o princípio “in dubio pro reo”, corolário do princípio da presunção de inocência consagrado no artº. 32º da CRP. Defende, pois, que não se mostram preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de homicídio de que vem acusado, mas sim do crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado previsto nos artºs 143º, nº. 1 e 147º, nº. 1 do Código Penal. Conhecendo o Tribunal da Relação de facto e de direito, de acordo com o disposto no artº. 428º do CPP, nada obsta a que se venha a conhecer do presente recurso, com a amplitude pretendida. A) - Quanto ao aditamento de um novo facto provado descrito no ponto 31 das conclusões do recurso: Como já se referiu supra, o arguido defende que, em face de todos os elementos probatórios existentes nos autos e com vista à decisão definitiva, deverá ser aditado um novo facto provado: “ao empurrar o ofendido e ao causar-lhe a queda o Arguido podia e devia ter previsto a possibilidade do mesmo vir a sofrer lesões que lhe viessem a provocar a morte, resultado que não antecipou e com o qual não se conformou” (ponto 31 das conclusões). Como já foi referido no acórdão de 22/11/2011, proferido no processo nº. 130/10.0JAFAR.E1, deste Tribunal da Relação, acessível in www.dgsi.pt/jtre, “Embora constituam objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis e ainda os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil (cf. art. 124.º do CPP) e em julgamento, sem embargo do regime aplicável à alteração dos factos (art. 358.º e 359.º), a discussão da causa tenha por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os art. 368.º e 369.º do CPP, a impugnação da matéria de facto não pode extravasar os limites vertidos na sentença ou acórdão e que, em obediência ao disposto no n.º 2 do art. 374.º do mesmo diploma, hão-de ser enumerados na sentença, sob pena de nulidade. Se a sentença não enumera factos, que eventualmente resultaram da discussão da causa e tinham relevância para a decisão, essa omissão não pode ser suprida por uma reapreciação da prova pelo tribunal de recurso. Não foi essa a solução processual querida pelo legislador. A motivação do recurso não é o meio adequado para introduzir factos novos no objecto da acção penal.” Este entendimento foi sindicado e confirmado por acórdão do STJ de 21-03-2012, cujo relator foi o Sr. Juiz Conselheiro Santos Monteiro, onde, a este propósito, foi referido: “- Quando, então, impugne a decisão proferida ao nível da matéria de facto tal impugnação faz-se por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspectiva interessada, não equidistante, com o devido respeito, em relação àquilo que o tribunal tem para si como sendo a boa solução de facto, entende que devia ser provada. Por isso, segundo os termos da lei, a impugnação é restrita à "decisão proferida", e realmente prolatada, e não a qualquer realidade virtual, de sobreposição da sua convicção probatória, pessoal, intimista e subjectiva, à convicção desinteressada formada pelo tribunal... Por força da natureza do recurso da matéria de facto para a Relação, que não é um novo julgamento, um julgamento repetível in totum, mas um julgamento parcial assim estruturado de acordo com a vontade do legislador ordinário, dentro da órbita de poderes de configuração que o constitucional lhe confere.” E submetido este entendimento ao crivo do Tribunal Constitucional, concluiu este, no seu acórdão nº. 312/2012, de 20 de Junho de 2012, cujo relator foi o Sr. Juiz Conselheiro Cura Mariano, acessível em www.tribunalconstitucional.pt: “a) Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 410.º, n.º 1, 412.º, n.º 3, e 428.º, conjugados com os artigos 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2, e 374.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, na interpretação de que não pode ser objeto da impugnação da matéria de facto, num recurso para a Relação, a factualidade objeto da prova produzida na 1ª instância, que o Recorrente-arguido sustente como relevante para a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida.” A impugnação da matéria de facto pressupõe, pois, que os factos submetidos à apreciação do tribunal superior tenham sido apreciados na 1ª instância e, como tal, tenham sido enumerados na decisão de que se recorre, seja nos factos provados, seja nos não provados. Por isso que, não constando o alegado pelo recorrente da base factual que foi objecto de decisão pelo Tribunal recorrido, não é possível dele conhecer por via da impugnação da matéria de facto, pelo que se indefere, nesta parte, o requerido. B) - Impugnação da matéria de facto: Conforme resulta da lei processual penal, a matéria de facto acolhida pelo Tribunal recorrido pode vir a ser questionada em duas vertentes, a saber: - uma, pela invocação dos vícios elencados no artº. 410º, nº. 2 do CPP (impugnação restrita da matéria de facto); - outra, através da impugnação ampla da matéria de facto, de harmonia com o disposto no artº. 412º, nºs 3 e 4 do mesmo diploma legal. Na primeira situação, estamos perante a arguição dos vícios previstos nas alíneas do nº. 2 do referido artº. 410º, que, como decorre expressamente da letra da lei, tem de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a quaisquer elementos que sejam externos à dita decisão, designadamente declarações ou depoimentos prestados ou documentos juntos aos autos durante o inquérito, a instrução ou até mesmo no julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece. Na segunda situação, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artº. 412º do Código de Processo Penal.[3] Analisemos o pretendido pelo arguido recorrente com a impugnação ampla da matéria de facto (artº. 412º, nºs 3 e 4 do CPP), uma vez que se mostram minimamente cumpridas as exigências legais nesta matéria. Para além do que acima se deixou dito, importa salientar que o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um remédio jurídico que visa apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar no seu recurso (artº. 412º, nº. 3 do CPP). Não se pressupõe, pois, uma reapreciação total pelo Tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do Tribunal “a quo” quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o Tribunal de recurso verificar se os pontos questionados da matéria de facto têm efectivo suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem “decisão diversa”. [4] Perante um recurso sobre a matéria de facto, o Tribunal da Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, sendo que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal “a quo”. Como é sabido, vigora entre nós o princípio da livre apreciação da prova (cfr. artº. 127º do CPP), segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, o que nos conduz à conclusão de que a convicção do julgador só tem de ser objectivável e motivável, aliás como decorre dos requisitos da sentença, atentar no teor do artº. 374º, nº. 2 do CPP, sendo que a livre convicção não se confunde com a convicção íntima do julgador. A liberdade do julgador circunscreve-se à livre apreciação dentro dos parâmetros legais, não podendo ela estender-se ao livre arbítrio, impondo-se-lhe, por isso, que proceda com bom senso e sentido da responsabilidade, extraindo das provas um convencimento lógico e motivado. Ora, se é evidente que o Tribunal de recurso pode sempre controlar a convicção do julgador na 1ª instância, ou seja, o processo lógico que levou a considerar-se que era uma e não outra a prova que se produziu, já não lhe é possível sindicar o segmento da prova conducente ao maior ou menor convencimento do julgador na análise dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, porquanto impedido está de controlar tal processo no segmento lógico em que a prova produzida naquela instância escapa ao seu controle, por ter sido relevante o funcionamento do princípio da imediação. As razões que servem para acreditar em determinadas provas, e não acreditar noutras, só são susceptíveis de ser apreciadas directamente pela pessoa que as avalia - o juiz do julgamento em 1ª instância - sendo que a credibilidade em concreto de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de regras da experiência comum que enformam a convicção do julgador, existindo tal convicção quando o Tribunal tenha logrado convencer-se dos factos para além da dúvida razoável e esse convencimento corresponda à síntese de um processo lógico de formação de conhecimento, para o qual foram essenciais a oralidade e imediação.[5] Entende o arguido recorrente que os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido sob os pontos 10) e 13) e os factos dados como não provados sob as alíneas a) a q) se mostram incorrectamente decididos, propondo uma visão diversa da factualidade a ter como assente – ou seja, defende que, por via de uma análise pormenorizada dos diversos elementos de prova existentes nos autos conjugada com as regras da experiência comum, os pontos 10) e 13) deveriam ser considerados como não provados e as alíneas a) a q) deveriam ser dadas como provadas e, desta forma, ser absolvido do crime de homicídio de que vem acusado e condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado p. e p. pelos artºs 143º, nº. 1 e 147º, nº. 1, ambos do Código Penal. Antes do mais, importa referir que quando o recorrente fundamenta o seu recurso na circunstância de se estar perante uma deficiente percepção dos depoimentos, importa saber se a gravação dos depoimentos prestados oralmente em audiência permite o controlo, pelo tribunal superior, da conformidade da decisão com as afirmações produzidas em audiência; mas não substitui a plenitude da comunicação que se estabelece na audiência de julgamento com a discussão cruzada dos meios de prova, a oralidade e imediação, no confronto dialéctico dos depoentes por parte dos vários sujeitos processuais, no exercício do contraditório, na discussão cruzada levada a cabo na plenitude da audiência de julgamento. Daí que, como ensina o Prof. Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal I, pág. 233 e 234), “só os princípios da oralidade e da imediação permitem avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Só eles permitem, por último, uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso”. O Tribunal de recurso, em tal situação, só pode afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja, quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o artº. 374º, nº. 2 do CPP.[6] No recurso em apreço, o arguido M, para além de identificar os pontos da matéria de facto provada e não provada com os quais não se conforma, e em abono da tese que pretende fazer prevalecer acima referida, transcreve na sua motivação alguns excertos das suas declarações e das declarações da arguida C (com a respectiva versão dos acontecimentos), dos depoimentos das testemunhas JO, MC, AG, DM e JM (todos Inspectores da P.J.), do perito Dr. R (médico especialista em Medicina Legal e Anatomia Patológica indicado pelos arguidos) e da testemunha de defesa LR (médica de família dos arguidos e da vítima), e faz menção à inspecção ao local feita pelo Tribunal “a quo”, à prova documental e pericial produzida nos autos e à utilização de “prova indirecta” por parte do Tribunal [em seu entender indevida, quando “dispunha de prova directa relativamente à versão apresentada pelo arguido, decorrente das suas declarações (…) corroboradas pela demais prova existente nos autos…”], para dar como provados os factos constantes dos pontos 10) e 13) e como não provados os factos descritos nas alíneas a) a q). O ora recorrente critica o Tribunal recorrido, por ter descredibilizado a versão dos acontecimentos trazida pelos arguidos (alegando ser a única versão dos factos ocorridos existente no processo) e não ter valorado correctamente as suas declarações, no que respeita aos factos provados sob os pontos 10) e 13) e não provados sob as alíneas a) a q) - e que, em seu entender, se mostraram credíveis - bem como os depoimentos dos peritos médicos, dos Inspectores da P.J. e das testemunhas FL (irmão da vítima) e LR prestados em audiência de julgamento, a prova pericial e documental produzida nos autos, e ainda a inspecção judicial ao local. Contudo, o recorrente não contraria o conteúdo de toda essa prova por ele indicada, nem alega que a descrição que o acórdão recorrido faz do conteúdo das aludidas declarações e depoimentos não corresponde ao que, na realidade, disseram os arguidos, os peritos médicos e as testemunhas. Ao invés, argumenta que o Tribunal “a quo” não atribuiu credibilidade à sua versão dos factos, apesar de ser a única existente nos autos e de no primeiro acórdão proferido lhe ter sido atribuída credibilidade, o que, em seu entender, impõe que se julgue como não provados os factos dos pontos 10) e 13) e como provados os factos das alíneas a) a q); que não existem testemunhas oculares da perpetração do crime de homicídio; que as fotografias existentes nos autos conciliam-se com a sua versão dos factos, sustentando documentalmente as requeridas alterações à matéria de facto; que “o Tribunal utilizou argumentos incoerentes, demasiados repescados e afastados da experiência comum, seguindo um raciocínio confuso e desarmónico (...)”, para além de ter feito “uma leitura arbitrária das conclusões dos relatórios periciais, bem como uma apreciação incorrecta e parcial dos diversos depoimentos relacionados com tais perícias prestados quer por peritos, quer por inspectores da Polícia Judiciária (...)” e que o resultado da prova pericial, designadamente do relatório de autópsia, corrobora a versão apresentada pelo arguido, à qual deveria ser atribuída credibilidade, “determinando-se que as lesões causadas resultaram de um empurrão perpetrado pelo mesmo, que, por sua vez, originou a queda de LF”. Acrescenta, ainda, o recorrente que o Tribunal “a quo” ponderou a intenção do arguido em face da gravidade das lesões causadas ao ofendido (ao considerar que as mesmas revelam que o arguido, pelo menos, representou a morte do LF como um resultado e agiu conformando-se com tal resultado), não sendo, em seu entender, a mera localização e extensão das lesões e o tipo de instrumento utilizado suficientes para determinar a existência ou inexistência da intenção de matar, o que considera ser um erro de julgamento na apreciação da matéria de facto. Em primeiro lugar - uma vez que o ora recorrente, na sua motivação e conclusões do recurso, por diversas vezes se reporta ao primeiro acórdão proferido - importa referir que esse acórdão, na parte relativa ao homicídio, não releva para a apreciação do presente recurso, uma vez que foi anulado por este Tribunal da Relação relativamente àquele crime imputado ao arguido M, que determinou o reenvio parcial do processo para novo julgamento quanto a esta matéria. Tendo sido realizado novo julgamento restringido ao aludido crime de homicídio e proferido um novo acórdão sobre a matéria destes autos, em obediência ao determinado no acórdão do Tribunal Superior, é este segundo acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” o objecto do presente recurso e que se impõe a este Tribunal da Relação apreciar. Ademais, ressalta da experiência comum que muitos dos crimes de homicídio são perpetrados ocultamente, sem que haja testemunhas (oculares) que os presenciem, pelo que as ilações que o Tribunal “a quo” pode retirar de outros meios de prova consubstanciariam um auxílio significativo/relevante para a descoberta da verdade material. É verdade que no acórdão recorrido se refere a existência de uma enorme dificuldade relativamente à prova dos factos descritos nos pontos 10) e 12) a 14), por não existirem testemunhas oculares (ou, pelo menos, a existirem, ninguém se apresentou em audiência nessa qualidade), o arguido não ter confessado os factos nos termos em que os mesmos foram dados como provados e ter dado uma explicação que, embora não tenha convencido o Tribunal, em si mesma e independentemente da prova que consta nos autos (que poderia, em abstracto, confirmar ou infirmar a versão dele) se mostra plausível (fls. 2857 e 2858 – pág. 18 e 19 do acórdão). Daí que, para rebater essa dificuldade, se tenha consignado no acórdão recorrido, que “em nome dos princípios relativos à apreciação dos meios de prova, outra solução não restou ao Tribunal que não fosse afirmar um juízo de inverosimilhança relativamente à versão do arguido (dito de outro modo: provar/demonstrar que a versão apresentada pelo arguido não correspondia à verdade) e, além disso, demonstrar que os factos ocorreram nos termos em que se mostram descritos em 10) e 12) a 14) dos factos provados”, enunciando, de seguida, minuciosamente todos os elementos de prova que constam dos autos a que o Tribunal “a quo” deu relevo na formação da sua convicção, que não foram minimamente postos em causa pelos sujeitos processuais (cfr. fls. 2858 e seguintes – pág 19 e seguintes do acórdão). Por outro lado, após ter enunciado a descrição dos acontecimentos feita pelos arguidos M e C, o Tribunal “a quo” refere, no acórdão recorrido, que aquelas declarações, enquanto meio de prova na formação da convicção do Tribunal, teriam de ser analisadas com especiais cuidados e cautelas, porquanto o arguido M defendia-se de um crime de homicídio e a arguida C era sua irmã, considerando, ainda, a respectiva participação em actos de que resultaram a morte de uma pessoa e na ocultação do seu cadáver, havendo da parte deles todo o interesse em apresentarem uma versão dos acontecimentos que beneficiasse designadamente o arguido M, por forma a excluir a sua responsabilidade criminal. No que se refere aos factos provados em causa no presente recurso, verifica-se da leitura do acórdão recorrido e da audição da prova gravada que o Tribunal “a quo” valorou as declarações prestadas pelo arguido M em sede de jugamento [e que este transcreveu na sua motivação de recurso], na parte em que admitiu ter ido naquele dia a casa do cunhado LF e que este sangrou logo no hall de entrada da habitação, pese embora impute tal facto e a existência dos vestígios de sangue retratados nos autos à ocorrência de um confronto físico entre ambos, no interior da casa mais concretamente no hall de entrada (após ter conseguido retirar a sua irmã do local, quando estava a ser agredida com murros e pontapés pelo LF), bem como no quintal (na frente e também nas traseiras da casa), mais para se defender e tentar libertar do ofendido para ir para casa, apresentando a versão de que, durante esse confronto e quando se encontravam em frente da casa (referindo-se no acórdão recorrido que “o arguido quando o Tribunal se deslocou ao local identificou o exacto local onde tal ocorreu”), empurrou o LF que estava agarrado a si, o qual se desequilibrou, caiu para trás e bateu com a cabeça num passeio do jardim, ficando, de imediato, inanimado, sendo que, perante tal cenário, tentou ver o que se passava e apercebendo-se que o ofendido não se mexia, não respirava e não lhe sentia a pulsação, decidiu desfazer-se do corpo. Com efeito, a versão apresentada pelo arguido M, quanto à morte do ofendido LF ter sido “acidental”, constituindo um resultado que não previu e menos ainda que desejava, decorrente do mesmo ter embatido com a cabeça num passeio do jardim, na sequência de uma luta entre ambos perpetrada do modo acima referido, não logrou convencer o Tribunal “a quo” por, conforme resulta da “motivação da matéria de facto”, não ter suporte na restante prova produzida nos autos e se mostrar contrária às regras da experiência comum. Desde logo, o Tribunal recorrido rebate a versão do arguido fazendo constar da fundamentação da decisão de facto que, a ser verdade que tivesse ocorrido uma luta e o arguido, mais do que agredir o LF, tentava era libertar-se do ofendido para ir para casa [não olvidando que está dado como provado que o arguido tem formação específica em técnicas de defesa pessoal], seria natural que o grosso da luta decorresse no espaço entre a habitação do ofendido e a residência da mãe dos arguidos (cfr. foto a fls. 850 e fotos identificadas como foto 60 a 64 de fls. 855), mas a verdade é que é o próprio arguido a afirmar que a morte do ofendido LF ocorre no lado oposto da casa da habitação do ofendido. Como bem se refere no acórdão recorrido, há um “dado incontornável” que nem o arguido M nega: a morte de LF ocorreu por acção do arguido M. Refere-se, ainda, que foi com base nas declarações do próprio arguido que o Tribunal formou a sua convicção quanto a este facto. Com efeito, lida a transcrição das declarações do arguido M efectuada pelo Tribunal recorrido, e que também consta da sua motivação de recurso, e ouvida a gravação dessas declarações em suporte informático, constata-se que aquele facto foi admitido pelo próprio arguido em audiência de julgamento – e é admitido na sua motivação de recurso, onde refere que, em face das suas declarações, resulta provado que a morte de LF resultou de uma acção sua - embora negue as circunstâncias em que a mesma ocorreu, nos termos que foram dados como provados. Conforme se alcança do acórdão recorrido, em conjugação com as declarações do arguido M (nesta parte), foi também decisiva para a formação da convicção do Tribunal, relativamente aos pontos 10) e 13) dos factos provados, a prova pericial produzida nos autos, designadamente o relatório de autópsia médico-legal feita ao cadáver de LF constante de fls. 1360 a 1363, no qual se conclui que a morte de LF foi devida às “graves lesões traumáticas vasculares cerebrais”, que provocaram “hematoma sub-dural sobre o hemisfério cerebral esquerdo”, tendo as mesmas resultado de “traumatismo violento de natureza contundente”. Tais conclusões plasmadas no relatório de autópsia encontram suporte no parecer médico-legal elaborado pelo Dr. R (perito indicado pelos arguidos) e que consta de fls. 2770 a 2783, também levado em consideração pelo Tribunal “a quo”, no qual se conclui (com base nos elementos constantes dos autos a que este perito teve acesso e que examinou) que a morte de LF foi devida a “hematoma sub-dural extenso no hemisfério cerebral esquerdo”, provocado por “lesões traumáticas crânio-encefálicas graves”, tendo as lesões traumáticas descritas no relatório resultado de “traumatismo violento de natureza contundente ou acção contundente” e “o tipo de lesão apresentada e descrita é devida a acção contundente ou instrumento contundente com plano ou superfície ampla, sendo compatível com queda ou impacto contra objecto de grande superfície”, existindo “nexo de causalidade entre a morte de LF e as lesões traumáticas sofridas”. Perante o conteúdo do relatório de autópsia, conjugado com o parecer médico-legal supra referido e as declarações do arguido M, e à luz das mais elementares regras da experiência comum, o Tribunal “a quo” considerou (e, em nosso entender, bem) que a gravidade das lesões causadas [“graves lesões traumáticas craneo-encefálicas”, com “hematoma sub-dural sobre o hemisfério cerebral esquerdo”, sendo as mesmas produzidas por “traumatismo violento de natureza contundente”], no mínimo, revelam que o arguido atingiu o ofendido LF na cabeça por instrumento ou acção contundente e que, ao agir daquela forma, pelo menos, representou a morte daquele como um resultado possível da sua conduta, mas não obstante isso, conformou-se com tal resultado. No seguimento do atrás exposto, o mencionado relatório de autópsia foi valorado em conjugação com os restantes elementos de prova, referindo-se, ainda, no acórdão recorrido que as fotografias constantes dos autos ali enunciadas e os relatórios de exame pericial aos vestígios hemáticos que foram recolhidos em diversos locais (cfr. fls. 1217 a 1220 e 1660 a 1663), bem como a inspecção judicial ao local cujo auto consta de fls. 2658 e 2659 (elementos de prova que não foram colocados em causa pelos sujeitos processuais), foram igualmente “decisivos na formação da convicção do Tribunal, não porque, por si só, fossem susceptíveis de provar que a versão do arguido não correspondia à verdade ou que os factos ocorreram tal como se mostram descritos nos pontos 10) e 12) a 14) dos factos provados, mas porque foram, juntamente com outros meios de prova e à luz das regras da experiência, importantes auxiliares para se poder afirmar (…) que a versão do arguido não corresponde à verdade e que os factos ocorreram tal como se mostram descritos”. Como é sabido, a matéria de facto relativa ao dolo pertence ao foro íntimo e psicológico de cada um, sendo insusceptível de directa apreensão, só a ela se chegando através de factos externos ao agente, concludentes desse nexo psicológico, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência. Entre os factos externos que permitem apurar os elementos cognitivo e volitivo atinentes à intenção homicida avultam a zona corporal atingida, sobretudo quando nela se alojam órgãos essenciais, imprescindíveis à vida humana, o número e a natureza das lesões, o instrumento de agressão e a sua forma de utilização. No caso em apreço, pese embora o facto de se ignorar qual o instrumento de agressão, a localização, extensão e natureza das lesões (que se apurou terem sido provocadas por instrumento ou acção contundente e se encontram descritas no relatório de autópsia médico-legal de fls. 1360 a 1363 e no parecer médico-legal de fls. 2770 a 2783), apesar de não serem suficientes para concluir pela intenção de matar, não afastam a previsibilidade pelo arguido da morte ser consequência da sua conduta e uma conformação daquele com esse resultado. Conforme se alcança do acórdão recorrido, constituiu, ainda, um elemento de prova de inquestionável importância para o Tribunal “a quo” - no sentido de concluir que o arguido M, ao atingir o LF na cabeça por instrumento contundente ou por acção contundente e com tal violência, previu a possibilidade de lhe causar as graves lesões traumáticas craneo-encefálicas supra descritas e a morte daquele e, não obstante isso, conformou-se com tal resultado - os vestígios de sangue encontrados na parede interior do lado esquerdo, junto à porta de entrada da residência da vítima, retratados nas fotografias nºs 165, 166, 167 e 168 que integram o relatório de exame pericial elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica da P.J. constante de fls. 837 a 899 (sangue esse que se veio apurar pertencer ao falecido LF, conforme relatório de exame pericial elaborado pelo L.P.C. e junto a fls. 1217 a 1220), em conjugação com os depoimentos dos Inspectores da P.J. MG e JM, tendo-se verificado [após a leitura da transcrição de parte desses depoimentos feita pelo recorrente na sua motivação de recurso e a audição da respectiva gravação em suporte informático], que os mesmos confirmaram terem-se deslocado a casa do ofendido e visualizado os supra mencionados vestígios de sangue, tendo em audiência de julgamento feito uma análise dos mesmos, referindo tratar-se de projecções de sangue resultantes de alguém ter sido agredido naquele local, ter havido um embate e ser o sangue projectado, tendo o Inspector JM confirmado, ainda, que tal projecção sanguínea estava localizada na parede interior do lado esquerdo, junto à porta de entrada da aludida residência, ao nível da cabeça de um homem médio - o que, aliás, se pode constatar mais facilmente nas fotografias nº. 13 de fls. 23 e nº. 165 de fls. 885 dos autos, bem como com o depoimento do perito médico Dr. R (autor do parecer médico-legal junto a fls. 2770 a 2783), na parte em que admitiu, quando confrontado com a fotografia nº. 165 de fls. 885, tratar-se de uma zona que tem concentração de sangue, que indica uma projecção, e ser possível uma hemorragia como a sofrida pela vítima nestes autos, se esta fosse empurrada contra a parede e ali batesse com a parte lateral esquerda da cabeça, ou se alguém agarrasse na cabeça da vítima e batesse com ela contra a parede, depoimento esse que se veio a confirmar pela audição da respectiva gravação em suporte informático, uma vez que a leitura da transcrição de parte desse depoimento, efectuada na motivação de recurso, se revelou insuficiente. Por outro lado, a violência empregue infere-se não só da gravidade das lesões traumáticas craneo-encefálicas apresentadas pela vítima LF e que levaram à sua morte, mas também dos inúmeros e variados vestígios hemáticos encontrados no interior da residência da vítima e em todo o espaço exterior circundante à mesma, conforme retratado nas fotografias de fls. 21 a 23 e nas fotos que integram o relatório de exame pericial elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica da P.J. constante de fls. 837 a 899 (das quais se destacam as fotos de fls. 853, 856, 857, 861, 862, 866, 868, 870, 879, 885, 886 e 887), vestígios esses que se apuraram pertencerem apenas ao falecido LF, conforme relatórios de exame pericial elaborados por aquela mesma entidade juntos a fls. 1217 a 1220 e 1660 a 1663 dos autos. Resulta do acórdão recorrido que foram, ainda, relevantes para a formação da convicção do Tribunal os depoimentos dos Inspectores da Polícia Judiciária JO, MG, DM, AG e JM, que participaram na investigação destes factos e todos eles com larga experiência na investigação de homicídios, na parte em que relataram as diligências de investigação em que tiveram participação e em que fizeram a análise dos diferentes vestígios de sangue encontrados no interior da habitação do ofendido e no espaço exterior circundante à mesma, quando confrontados com as fotografias constantes dos autos, salientando-se, relativamente a este último aspecto, os esclarecimentos prestados pelos Inspectores AG e JM, segundo os quais os vestígios de sangue encontrados na área adjacente à residência (quintal, jardim e passeios circundantes), pela sua configuração (pingos de sangue regularmente circulares, revelando essa configuração uma queda na vertical em relação ao solo), não revelavam a existência de luta (onde os movimentos implicam que o sangue não tenha sinais de queda tão uniformemente regulares, apresentando-se numa forma oval), mas antes davam a entender que o ofendido já estaria inerte. Tal como é referido pelo Tribunal recorrido, na sua motivação de facto, no leque dos Peritos ouvidos em audiência de julgamento - todos eles com uma larga experiência profissional e habilitações técnico-científicas próprias da especialidade médica que exercem – os Srs. Drs. JL (da Delegação Sul do Instituto Nacional de Medicina Legal) e R (médico especialista em Medicina Legal e Anatomia Patológica, indicado pelos arguidos) foram unânimes quanto ao enorme grau de improbabilidade, do ponto de vista médico-legal e de outras provas que lhes foram mostradas (as fotos do local onde ocorreram os factos – interior da casa e área exterior adjacente à mesma), da versão dos factos apresentada pelo arguido M. No que se refere à Srª. Drª. MB (da Delegação Centro do Instituto Nacional de Medicina Legal), esta não se pronunciou sobre a versão dos factos apresentada pelo arguido Mário, uma vez que não foi questionada a esse respeito. Com efeito, ouvida a gravação dos depoimentos dos mencionados Senhores Peritos em suporte informático [uma vez que a leitura da transcrição de parte desses depoimentos, efectuada na motivação de recurso, se revelou insuficiente], constata-se que os Srs. Drs. JL e R admitiram a improbabilidade da versão dos factos apresentada pelo arguido M, por os vestígios de sangue encontrados no solo (apenas salpicos de sangue), mais concretamente no local indicado pelo arguido M como tendo sido aquele onde o LF caiu e bateu com a cabeça, não serem compatíveis com o facto da lesão cerebral apresentada pela vítima (com as características descritas), ter sido provocada por uma queda para trás e pelo batimento da cabeça no chão, pois não é visível ali grande quantidade de sangue, mas apenas uns “salpicos”, concretizando o Dr. JL, quando confrontado com as fotografias de fls. 872 e 873 (que retratam o passeio indicado pelo arguido como o local da queda da vítima), que não observa ali quaisquer vestígios da referida lesão ter sido provocada por uma queda com batimento da cabeça naquele local, não existindo arrastamento nem mancha de sangue que sinalizem um empurrão, tendo o Dr. R referido não ser visível nas fotografias “poça de sangue” (que em situações idênticas normalmente fica) e esclarecido que a queda de uma pessoa para trás na vertical, quando empurrada, se batesse com a cabeça contra o passeio normalmente faria uma lesão óssea na parte posterior e uma lesão no hemisfério cerebral na parte anterior, não sendo o hematoma sub-dural no parietal esquerdo compatível com uma queda na vertical para trás, mas sim com uma queda ou uma pancada na parte lateral da cabeça ou um traumatismo num dos parietais. Na sequência do que atrás se deixou exposto, verifica-se que o Tribunal “a quo” fez uma correcta apreciação dos depoimentos dos mencionados Inspectores da P.J. e dos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos em audiência de julgamento, valorando-os em consonância com as regras da lógica da vida e da experiência comum, por forma a demonstrar que a versão do arguido M, relativamente às circunstâncias em que ocorreu a morte de LF, não se revelou credível. Por outro lado, o Tribunal “a quo” considerou que a versão dos acontecimentos apresentada pela arguida C não mereceu qualquer credibilidade, por se mostrar contrária às mais elementares regras da experiência comum e ser contraditória entre si. Com efeito, da leitura da transcrição das declarações da arguida C, feita no acórdão recorrido e que não é posta em causa pelo recorrente [que as transcreveu na sua motivação de recurso], resulta, desde logo, uma contradição entre tais declarações e as prestadas pelo arguido M: enquanto a arguida C negou ter gritado quando o LF a estava a agredir com murros e pontapés na casa do casal, o arguido M referiu que, quando chegou à casa do casal, ouviu a irmã gritar “não batas mais” quando estava a ser agredida pelo marido com murros e pontapés. Por outro lado, o Tribunal “a quo” apreciou correctamente as declarações da arguida C ao considerar a versão dos factos por ela apresentada e relatada na página 30 do acórdão recorrido (fls. 2869) contrária às mais elementares regras da experiência comum e contraditória entre si, não obstante a explicação dada pela arguida para justificar o seu comportamento ali descrito, pelas razões amplamente explanadas nas páginas 31 e 32 do acórdão recorrido (fls. 2870 e 2871). Para demonstrar, ainda, a inconsistência das declarações da arguida C com as regras da experiência e afastar a possibilidade de atribuir credibilidade às mesmas, o Tribunal recorrido considera não ser explicável, à luz daquelas regras e da lógica da vida, que o ofendido LF tivesse iniciado uma agressão à arguida atirando para o chão uma camisola e um saco com um frango (cfr. foto 13 de fls. 23), sendo de esperar no mínimo que, mesmo tendo um carácter irascível (o que não se provou), o ofendido tivesse a preocupação de pousar o frango numa mesa ou num móvel. Aliás, as declarações da arguida C em nada contribuíram para a formação da convicção do Tribunal sobre as circunstâncias em que ocorreu a morte de LF, uma vez que a mesma referiu não se ter apercebido da luta entre o seu marido e o arguido M, nem de nada que entre os dois se tivesse passado. Por outro lado, da leitura da transcrição de parte do depoimento da testemunha LR (médica de família dos arguidos e do falecido LF), efectuada pelo recorrente na sua motivação de recurso, e da audição da respectiva gravação em suporte informático, retira-se que o seu depoimento pouca importância teve na formação da convicção do Tribunal, porquanto a mesma apenas falou sobre a situação clínica da arguida e o acompanhamento médico que lhe está a ser feito (factos estes que não estavam em causa neste julgamento, estando já dados como assentes no primeiro acórdão que foi elaborado), o conflito familiar que existia entre a arguida C e seu marido LF (o que, aliás, foi admitido pelos próprios arguidos e que o Tribunal recorrido levou em consideração) e a situação da filha menor do casal desavindo (irrelevante para o caso em apreço), tendo a aludida testemunha acabado por admitir que o conhecimento que tinha dos conflitos entre o casal era proveniente apenas do seu consultório, daquilo que lhe foi confidenciado nas consultas pelos arguidos, pela sua mãe e pela filha menor do casal, nunca tendo estado em casa do casal C e LF, nem assistido a qualquer problema entre eles. Embora o acórdão recorrido faça referência ao depoimento da testemunha FL (irmão do falecido LF), também mencionado na motivação e nas conclusões do recurso do arguido M, nos aspectos em que foi levado em consideração pelo Tribunal “a quo” descritos a fls. 2876 (pág. 37 do acórdão recorrido), revela ser inócuo na formação da convicção do Tribunal, uma vez que aquela matéria nem sequer consta dos factos provados e não provados. Assim, não tendo as declarações dos arguidos, no que concerne às alegadas agressões infligidas sobre a arguida C pelo LF, à existência de um confronto físico entre o arguido M e o seu cunhado LF e às circunstâncias em que ocorreu a morte deste, nem o depoimento da testemunha MG (mãe dos arguidos), logrado convencer o Tribunal recorrido por não se mostrarem credíveis no confronto com a restante prova produzida nos autos (testemunhal, pericial e documental) nos termos atrás expostos e também explanados no acórdão recorrido – sendo que, relativamente àquela matéria, não foram corroboradas por nenhuma das restantes testemunhas que foram ouvidas em audiência de julgamento, as quais não assistiram aos factos, para além de os mesmos terem sido inconsistentes com a regras da experiência comum e da lógica da vida - deu aquele Tribunal como provados os factos dos pontos 10) e 13) e como não provados os factos das alíneas a) a q) - que o recorrente pretende sejam dados como provados - sendo que os mencionados factos não provados assentam essencialmente na versão apresentada pelos arguidos e, relativamente aos factos das alíneas a), b), c) e d), também no depoimento da mãe dos arguidos, MG. Como bem se refere no acórdão recorrido, e após ouvido o depoimento da testemunha MG gravado em suporte informático, este não se mostrou credível, pois para além de, em alguns aspectos, ter entrado em contradição com as declarações dos arguidos, também ficou por explicar o facto de a mesma estar tão preocupada com a demora da filha C por causa dos problemas de saúde desta, aquando da sua deslocação à casa do casal, a ponto de ligar para o seu filho M (como foi referido pela própria testemunha) e, depois ter-se ido deitar e ter adormecido como se nada fosse, sem ter tido a curiosidade e a preocupação de ir ver se se passava alguma coisa com a filha, não se tendo apercebido de nada - nem de agressões, nem de gritos, nem de discussões - quando, na verdade, resultou provado que a sua casa se situa na mesma rua onde se situava a residência do ofendido e dista desta cerca de 30 metros. Contrariamente ao que o recorrente pretende fazer crer no ponto 21 das suas conclusões, no acordão recorrido o Tribunal “a quo” não admite apenas que “as regras da experiência, por si só, não eliminam a possibilidade (a plausibilidade ou verosimilhança) da versão apresentada pelo arguido” (o que, no entender do recorrente, imporia que se dessem como provados os factos constantes das alíneas a) a q) dos factos não provados), tendo o arguido transcrito apenas este pequeno excerto do acordão recorrido, desacompanhado da parte restante em que o mesmo está contextualizado, dando-lhe um determinado sentido por forma a corroborar a sua tese [ou seja, de que a versão dos factos por si apresentada em audiência de julgamento é credível e é corroborada pela demais prova existente no processo]. Com efeito, o que se escreve no acórdão recorrido, quanto a esta parte, é o seguinte (cfr. fls. 2872 - pág. 33 daquele acórdão): “Mas, mais que as regras da experiência ― até porque, reconhece-se, as regras da experiência, por si só, não eliminam a possibilidade (a plausabilidade ou verosimilhança) da versão apresentada pelo arguido até efetivamente ter acontecido ― os demais elementos probatórios constantes nos autos (donde avulta o relatório da autópsia médico-legal, as fotografias do local onde aconteceram os factos, os esclarecimentos dos Senhores Peritos em Medicina Legal que foram prestados em audiência de julgamento e os depoimentos dos inspetores da Polícia Judiciária) desmentem e infirmam a versão dos factos apresentada pelo arguido M, revelando, à saciedade, que a mesma não corresponde à verdade”. Este excerto do acórdão recorrido tem um sentido completamente diferente daquele que o arguido pretende dar, dele se extraindo que o Tribunal “a quo”, na formação da sua convicção, não considerou apenas as regras da experiência comum (o que, por si só, não eliminaria a possibilidade da versão apresentada pelo arguido ter acontecido), mas conjugou-as com os demais elementos probatórios atrás enunciados, que infirmam essa versão, revelando que a mesma não corresponde à verdade. Tudo isto para dizer que os dados/elementos apurados em sede própria não podem deixar de ser avaliados globalmente. Tal avaliação foi feita no acórdão recorrido em termos perfeitamente compreensíveis e que não podemos deixar de acolher. O que nos leva a concluir que o recorrente nada mais faz do que por em crise a forma como o Tribunal recorrido formou a sua convicção, a qual poderia vir a ser objecto de modificação por parte do Tribunal de recurso, caso se fundasse em provas ilegais ou proibidas ou contra a força plena de certos meios de prova ou afrontasse de forma manifesta as chamadas regras da experiência comum. No caso vertente, nada do acima referido é posto em causa pelo recorrente; o que ele realmente questiona é, tão só, a avaliação que foi feita das provas produzidas e não o seu conteúdo propriamente dito, contrapondo à convicção alcançada pelo Tribunal recorrido, quando decidiu de acordo com o princípio da livre apreciação da prova previsto no artº. 127º do CPP, a sua própria análise da prova. Ora, como atrás se deixou dito, não é sindicável por este Tribunal de recurso o segmento da prova conducente ao maior ou menor convencimento do julgador na análise dos depoimentos prestados em sede de julgamento. Assim, face ao que atrás se deixou exposto e mostrando-se a fundamentação de facto correctamente elaborada, por estar de acordo com os comandos legais (artº. 374º, nº. 2 do CPP), e conduzindo a mesma à conclusão que dela retirou o Tribunal recorrido, não vemos como seja possível vir-se a deferir o pretendido pelo recorrente. * Porém, atenta a forma como está gizado o recurso, tudo parece indicar que o recorrente M pretende, também, impugnar a matéria de facto com apelo aos vícios do artº. 410º, nº. 2 do CPP. O vício que, segundo o recorrente, enferma o acórdão é o de erro notório na apreciação da prova (artº. 410º, nº. 2, al. c) do CPP). Como se vem entendendo, tal vício ocorre quando existe um erro de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura da decisão. As provas apontam claramente num sentido e a decisão recorrida extrai ilações contrárias, logicamente inaceitáveis, incluindo na matéria de facto ou excluindo dela algum elemento. O erro notório na apreciação da prova constitui «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. (...) Assim, não poderá incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efectuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no artº. 127º do CPP» [7] Ou seja, o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo Tribunal não leva ao vício do erro notório na apreciação da prova. Em suma, analisada a decisão sob censura, e uma vez que o arguido M apenas discute a formação da convicção do Tribunal “a quo” e esta não é sindicável pelo Tribunal de recurso, entendemos que tal decisão não enferma do vício apontado pelo recorrente, ou de qualquer dos restantes vícios elencados no artº. 410º, nº. 2 do CPP, pelo que não se vislumbra modo de a alterar, sendo a mesma de manter. Por outro lado, o recorrente refere, no ponto 29) das conclusões de recurso, que o Tribunal “a quo” reconheceu expressamente a existência de dúvidas, afirmando existirem “várias zonas de sombra e de dúvida”, mas ultrapassou tal dúvida em seu prejuízo, violando o princípio “in dubio pro reo” e errando ao dar como provados os factos constantes dos pontos 10) e 13). O invocado princípio constitui um corolário, ao nível da apreciação da prova, do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido, consagrado no artº. 32º, nº. 2 da CRP e, por força dele, o julgador fica vinculado a julgar não provado qualquer facto desfavorável ao arguido sempre que prevaleça uma dúvida razoável e insanável sobre a sua existência. Para além de ser uma garantia subjectiva, o princípio “in dubio pro reo” deve ser visto e entendido como uma imposição dirigida ao juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza absoluta sobre os factos decisivos para a solução da causa, pelo que o princípio em causa só é desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido. Reportemo-nos ao caso ora em apreço. Embora se refira, no acórdão recorrido, que o circunstancialismo factual em que ocorreu a morte de LF tem “várias zonas de sombra e de dúvida”, enunciando-as de seguida (cfr. fls. 2861 e 2862 - pág. 22 e 23 do aludido acórdão), a verdade é que tal expressão utilizada pelo Tribunal “a quo” não tem o sentido que o arguido lhe pretende dar, porquanto não significa que o Tribunal tenha tido dúvidas ao dar como provados os factos constantes dos pontos 10) a 14); caso contrário, tê-los-ia dado como não provados. Embora se possa considerar que a mencionada expressão utilizada pelo Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, não tenha sido “muito feliz”, na verdade o que o Tribunal quis dizer foi que, embora não se tenham apurado determinados factos relacionados com o circunstancialismo em que ocorreu a morte de LF - pois apesar de haver vestígios de sangue da vítima no local, relatório de autópsia, exames periciais e exames realizados ao local, não existem testemunhas oculares e a versão das circunstâncias em que ocorreu a morte do ofendido, apresentada pelo arguido M, não foi valorada pelo Tribunal por não se mostrar credível - poderia colocar-se a hipótese de haver aqui alguma dúvida; mas o Tribunal recorreu aos restantes elementos de prova existentes no processo e atrás enunciados (relatório de autópsia e parecer médico-legal, relatórios de exames periciais, relatório de exame ao local, fotografias, depoimentos dos Inspectores da P.J. e esclarecimentos prestados pelos peritos médicos em audiência de julgamento), conjugados com as regras da experiência comum e da lógica da vida, pelo que não teve quaisquer dúvidas em dar como provados os factos descritos nos aludidos pontos 10) a 14). E entendemos que não existem quaisquer dúvidas, em face da conjugação de toda a prova produzida nos autos com as regras da experiência comum, em dar como provados os supra mencionados factos. Assim, face ao que vem sendo dito e o modo como foi suscitada a questão em análise, é de concluir ter o Tribunal “a quo” obtido uma convicção plena e segura, já que subtraída a qualquer dúvida razoável sobre a ocorrência dos factos que vieram a ser imputados ao ora recorrente, não se justificando, por isso, no caso concreto, invocar o aludido princípio “in dubio pro reo”. Por tudo o que se deixou exposto, terá de improceder, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido M. Por último, afigura-se-nos, ainda, existir no acórdão recorrido os seguintes lapsos de escrita que importará corrigir, nos termos do artº. 380º, nº. 1, al. b) do CPP: a) - no ponto 15 dos factos provados, onde se refere “deslocou-se a Alfornelos a casa da mãe” deverá constar “deslocou-se de Alfornelos a casa da mãe”, porquanto resultou provado que a mãe do arguido reside em..., Alcoentre, e não em Alfornelos (localidade esta onde o arguido residia à data dos factos); b) - no ponto 13 dos factos provados, onde se refere “acção traumática” deverá constar “acção contundente”, por forma a estar em consonância com o ponto 10) dos factos provados e com o relatório de autópsia junto aos autos. C) - Da subsunção dos factos ao direito: Vem o arguido M acusado da prática dos seguintes crimes, em concurso efectivo: - um crime de homicídio simples previsto e punido pelo artº. 131º do Código Penal; - um crime de profanação de cadáver previsto e punido pelo artº. 254º, nº. 1, al. a) do Código Penal, em co-autoria com a arguida C. Por seu turno, a arguida C vem acusada da prática, em co-autoria com o arguido M, de um crime de profanação de cadáver previsto e punido pelo artº. 254º, nº. 1, al. a) do Código Penal. Entende o arguido recorrente que não se mostram preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de homicídio de que vem acusado, mas sim do crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado previsto nos artºs 143º, nº. 1 e 147º, nº. 1 do Código Penal. Contudo, não podemos deixar de concordar com o acórdão recorrido ao concluir que, perante a factualidade apurada, não subsistem dúvidas de que o arguido M cometeu o crime de homicídio que lhe é imputado, ainda que sob a forma de dolo eventual. Por outro lado, não existe qualquer causa de exclusão da ilicitude, apesar de, em sede de julgamento, se ter discutido a possibilidade da conduta do arguido estar a coberto da figura da legítima defesa, questão esta que está amplamente tratada no acórdão recorrido, no qual se conclui pela inexistência de qualquer causa de exclusão da ilicitude do comportamento do arguido M e menos ainda a título de legítima defesa, posição esta que sufragamos nos exactos termos ali explanados. No que concerne ao crime de profanação de cadáver, a condenação de ambos os arguidos pela prática deste tipo de crime, no primeiro acórdão proferido nos autos, já transitou em julgado, por os mesmos se terem conformado com aquela, conforme já estabelecido no anterior acórdão deste Tribunal da Relação. Nesta conformidade, improcede, também quanto a esta parte, o recurso interposto pelo arguido M. II) - Recurso interposto pelo Ministério Público: Insurge-se o Ministério Público contra a pena de prisão parcelar em que o arguido M foi condenado pelo crime de homicídio e a pena única resultante do cúmulo jurídico com a pena que lhe foi aplicada pelo crime de profanação de cadáver. Antes de mais, importa referir que, embora se refira no acórdão recorrido, na parte atinente à fundamentação da medida da pena do arguido M, que foi aplicada a este, pela prática de um crime de profanação de cadáver p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1, al. a) do Código Penal, a pena de 1 ano e 10 meses de prisão, existe um lapso de escrita na parte do dispositivo, onde se condena o arguido M, pela prática do aludido crime de profanação de cadáver, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, em vez de 1 ano e 10 meses de prisão como deveria constar, uma vez que esta pena mantém-se inalterada dado o primeiro acórdão proferido nos autos já ter transitado em julgado nesta parte. Impõe-se, pois, a correcção deste lapso de escrita (artº. 380º, nº. 1, al. b) do CPP). No que concerne à determinação da medida concreta da pena relativamente ao arguido M, consta do acórdão recorrido o seguinte [transcrição]: «(...) Tratemos, então, de determinar a concreta pena a aplicar ao arguido M por cada um dos crimes por ele praticados, não deixando de atender, em obediência à lei, que na determinação da medida concreta da pena, deve o Tribunal “atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente” (artigo 71.º, n.º 2). Em seguida, em obediência ao disposto no artigo 77.º, n.º 1, fixar-se-á a pena única, considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. B.a. Determinação da pena no crime de homicídio 25. No caso dos autos, crê-se que nem sequer se precisa de realçar as elevadíssimas exigências de prevenção geral presentes ― aliás bem presente no facto de, ao contrário de tantas vezes suceder, ao longo das várias sessões de julgamento, a sala de audiências estar sempre com boa afluência de público. O modo de atuar e os meios utilizados, considerando o concreto crime ― trata-se, é bom de ver, do crime de homicídio e, por isso, é sempre suposto, em certo sentido, o uso de um meio ou instrumento com potencial danoso e mesmo letal elevado ― não se deve considerar como elevado. Contra o arguido não poderá deixar de pesar o facto de ser polícia e, nessa medida, sobre impender um especial dever de respeito pelas normas, principalmente as mais elementares e fundamentais que regem o viver social. Não pode deixar de se ter em atenção o clima de conflito existente entre o arguido e o desditoso LF. Em abono do arguido, considerando o crime em questão, terá de atender-se que atuou como dolo eventual (modalidade menos grave do dolo). As exigências de prevenção espacial são, também diminutas: o arguido mostra-se socialmente integrado, com apoio da família, sendo um profissional respeitado e exemplar, bem visto profissionalmente e no meio social, sem quaisquer antecedentes criminais. Tudo sopesado, é de aplicar ao arguido M, pela prática do crime de homicídio, a pena de 9 anos e 6 meses de prisão. B.b. Determinação da pena no crime de ocultação de cadáver 26. Como se viu, o Tribunal que realizou o primeiro julgamento optou pela aplicação da pena de prisão, considerando, seguramente, que só esta realizaria de modo adequado as exigências de prevenção geral e especial, relevando a elevada ilicitude e objetivo que animaram a conduta do arguido na realização da ocultação do cadáver. Assim, e agora vertendo a atenção para os concretos fatores que determinaram a fixação daquela pena, ponderou-se “o elevado grau de ilicitude da profanação de cadáver (considerando os contornos e as inúmeras diligências que o arguido encetou e os pormenores em que pensou para ocultar o corpo)”, o “dolo direto (que é a modalidade mais intensa de cometimento do crime)”, “as diminutas exigências de prevenção especial (visto que o arguido, antes e depois de praticar os ilícitos, revelou ter um comportamento social sem mácula, estando ainda integrado a nível familiar e profissional)”, “a confissão total dos factos relativos à profanação do cadáver (colaborando assim, e de forma determinante, com a realização da justiça) e a inexistência de antecedentes criminais.” Aplicou-se ao arguido M, pela prática de um crime de profanação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254.º, n.º 1 al. a) do Código Penal, a pena de 1 ano e 10 meses de prisão. B.c. Da pena única 27. Determinada que está a pena a aplicar a cada um dos factos ilícitos típicos praticados pelo arguido e sabendo-se que estamos perante um caso de concurso efetivo de crimes, é necessário atender às regras especiais de determinação da pena constantes no artigo 77.º do Código Penal. Na verdade, nesse normativo diz-se, no que ao caso interessa, que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única” (n.º 1), sendo esta pena “dogmaticamente justificável à luz da consideração — necessariamente unitária — da pessoa ou da personalidade do agente” e “politico-criminalmente aceitável à luz das exigências da culpa e da prevenção (sobretudo da prevenção especial) no processo de determinação e de aplicação de qualquer pena” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As Consequências cit., pág. 280; em sentido similar, considerando que é nas finalidades da punição que se devem buscar os fundamentos do concurso de penas, já que se o agente tiver praticado vários crimes antes da condenação por qualquer deles, isso significaria que a lei não considerava o efeito reintegrador da pena, já que não atribuía qualquer efeito ao cumprimento da primeira das penas executadas, quando, pelo contrário, reconhecendo-se o efeito preventivo especial da pena, reintegrador do agente na sociedade em ordem a educá-lo para o respeito pelas normas, mal se compreenderia que não fosse atribuída qualquer relevância à execução de uma das penas e fosse necessário executá-las todas para realizar a sua finalidade de prevenção especial, pode ver-se Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, vol. III, Editorial Verbo, 1999, pág. 165). Quanto ao modo como deve o julgador determinar a pena única a aplicar, estabelece o n.º 2 do artigo 77.º que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes,” consagrando-se o sistema de pena conjunta encontrada atendendo, dentro de certos condicionalismos, num princípio de cumulação. Ora, por aplicação dos princípios jurídicos atrás enunciados, pode dizer-se que a moldura da pena aplicável à situação dos autos se situa entre os 9 anos e 6 meses de prisão (limite mínimo) e os 11 anos e 4 meses de prisão (como limite máximo). 28. Urge, agora, determinar a concreta medida da pena de concurso considerando “em conjunto, os factos e a personalidade do agente” (artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte), assumindo-se este como um critério especial, ponderando “a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique” (Jorge de Figueiredo Dias, As consequências cit., pág. 291), entre outros elementos. Assim, a pena única do concurso ― formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (sistema de acumulação) ― deve ser fixada tendo em conta os factos e a personalidade do agente de tal modo que: – na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta, entre outros, as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso; e – na consideração da personalidade (que como tal se manifesta na totalidade dos factos em concurso) devem ser avaliados e determinados os termos em que ela se projeta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa ou antes se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente. Contudo, não podem ser postergadas as exigências de prevenção geral e, no que diz especialmente respeito à pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento do agente. No caso dos autos, é de atender à contemporaneidade dos factos, sendo que o crime de ocultação de cadáver está intimamente ligado ao homicídio. Por outro lado, se ilicitude da ocultação do cadáver é elevada, já é menor (considerando o quadro do concreto crime, entenda-se, já que o crime de homicídio é, que nenhuma dúvida subsista, muito mais grave que o de ocultação de cadáver!) a do homicídio. No homicídio há dolo eventual e na ocultação dolo direto. Contudo, não se vislumbra dos factos provados qualquer tendência criminosa, antes evola uma situação ocasional de prática de ilícitos ― recorde-se que os factos delituosos em concurso são simultâneos ― seguindo o arguido a sua vida, em regra, de acordo com as normas sociais, sendo respeitado na sua comunidade de residência e no seu ambiente profissional. Ora, tudo considerado, é adequado condenar o arguido na pena única de 10 anos e 3 meses de prisão». * Entende o Dº. recorrente ser injusta, porque insuficiente para satisfazer os fins da prevenção, a pena imposta ao arguido M pelo crime de homicídio, considerando adequada a pena parcelar de 12 anos de prisão (ou próximo deste quantum) e, em cúmulo jurídico com a pena que lhe foi fixada pelo crime de profanação de cadáver, a pena única de 12 anos e 9 meses de prisão. Invoca para tanto que, embora o dolo eventual constitua o grau menos grave da modalidade do dolo, não deixará este de poder ser equiparado, em termos de culpabilidade, à verdadeira intenção e ao dolo directo na medida em que, quem actua desta maneira ante o perigo de que se realize o tipo de acção punível, denota uma postura especialmente reprovável frente ao bem jurídico protegido. Refere, ainda, que o arguido não confessou nem assumiu os factos nos termos em que os mesmos foram dados como provados pelo Tribunal “a quo”, e exercendo a profissão de polícia, tinha o especial e acrescido dever de cidadania de poder e dever conformar a sua conduta com os cânones de vida em sociedade, para além de que a vítima era seu cunhado, não existindo outras circunstâncias atenuantes para além da ausência de antecedentes criminais. Porque não ocorre qualquer das circunstâncias que, nos termos do artº. 72º do Código Penal, permita a atenuação especial da pena, a moldura penal abstracta que corresponde ao crime de homicídio cometido pelo recorrente situa-se entre 8 e 16 anos de prisão (artº. 131º do Código Penal). Na determinação da medida da pena, face ao disposto no artº. 71º, nº. 1 do Código Penal, está o Tribunal vinculado a critérios definidos em função da culpa do agente e de exigências de prevenção. Na determinação concreta da pena, deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais se encontram as referidas, de forma não taxativa, nas alíneas a) a f) do nº. 2 do artº. 71º do Código Penal. Como elementos de referência, na determinação da medida da pena, contam-se o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e as respectivas consequências, bem como a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime, as condições pessoais do agente e a sua conduta anterior e posterior aos factos. Cumpre, ainda, referir que nos termos do nº. 1 do artº. 40º do Código Penal, a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do autor do crime na sociedade, não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (nº. 2). O citado preceito traça as finalidades da pena, as quais visam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por seu turno, a culpa é o referencial que o julgador não pode ultrapassar, isto porque a medida da pena não pode exceder a medida da culpa. Com relevância em relação a esta matéria, citamos o que é dito pelo Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª Edição, páginas 79 a 83: «Primordialmente, a finalidade visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não obviamente num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança (...) e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; sendo por isso uma razoável forma de expressão afirmar como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime. (...) Afirmar que a prevenção geral positiva ou de integração constitui a finalidade primordial da pena e o ponto de partida para a resolução de eventuais conflitos entre as diferentes finalidades preventivas traduz exactamente a convicção de que existe uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar; medida esta que não pode ser excedida (princípio da necessidade), nomeadamente por exigências (acrescidas) de prevenção especial, derivadas de uma particular perigosidade do delinquente. É verdade porém que esta “medida óptima” de prevenção geral positiva não fornece ao juiz um quantum exacto da pena. Abaixo do ponto óptimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem que perca a sua função primordial de tutela dos bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico –, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos. (...) Dentro da moldura ou dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de “defesa do ordenamento jurídico”) – devem actuar, em toda a medida possível, os pontos de vista de prevenção especial, sendo sim eles que vão determinar, em última instância, a medida da pena. Isto significa que releva neste contexto qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza: seja a função positiva de socialização, seja qualquer uma das funções negativas subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. A medida de necessidade de socialização do agente é no entanto, em princípio, critério decisivo das exigências de prevenção especial, constituindo hoje – e devendo continuar a constituir no futuro – o vector mais importante daquele pensamento. Resta referir o princípio da culpa e o seu significado para o problema das finalidades das penas. Segundo aquele princípio, “não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa”. A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu pressuposto necessário e o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável por quaisquer considerações ou exigências preventivas (...). A função da culpa (...) é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo da pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.» A quantificação da pena de prisão imposta ao ora recorrente pelo crime de homicídio simples afigura-se-nos desajustada e insuficiente para satisfazer as exigências de prevenção e de reprovação pela prática do facto ilícito. No caso destes autos, o Tribunal “a quo” aplicou ao arguido M uma pena de prisão ligeiramente acima do mínimo da moldura penal abstractamente prevista para o crime de homicídio simples que lhe é imputado. Contudo, não podemos olvidar que são elevadas as exigências de prevenção geral, considerando que o arguido é um agente policial e, nessa medida, impende sobre ele um especial dever de respeito pelas normas que regem a vida em sociedade e de conformar a sua conduta com essas regras, bem como o grande alarme social que este tipo de condutas normalmente provocam, nomeadamente em comunidades pequenas como aquela em que ocorreram os factos, com a agravante de que a vítima era seu cunhado. São também fortes as exigências de prevenção especial - não obstante o arguido estar socialmente e familiarmente integrado, ser um profissional respeitado e exemplar e não ter antecedentes criminais - tendo em atenção que, embora o arguido tenha actuado com dolo eventual (a modalidade menos grave do dolo) e tenha admitido que a morte da vítima derivou de uma acção sua, ainda que negligente, não assumiu os factos contra si dados como provados. Nesta conformidade, entendemos ser de alterar a pena de prisão imposta ao arguido M pelo crime de homicídio simples, agravando-a, considerando mais adequada ao grau de ilicitude e de culpa por ele demonstradas, a pena de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão. Importa, ainda, efectuar o cúmulo jurídico desta pena com a pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão que foi aplicada ao arguido pelo crime de profanação de cadáver, nos termos do artº. 77º do Código Penal, levando-se em consideração, na fixação da respectiva pena única, para além das circunstâncias agravantes e atenuantes referidas no acórdão recorrido, a circunstância do arguido não ter admitido os factos do homicídio contra si dados como provados e ainda o facto da conduta do arguido relacionada com a profanação de cadáver ser gravíssima e, consequentemente, altamente reprovável perante o bem jurídico protegido e o perigo de vir a ser punido pela sua conduta ilícita, o que não deixará de pesar contra ele na fixação da pena única. A pena única a impor ao arguido terá como limite mínimo 11 anos e 6 meses de prisão, correspondente à pena de prisão parcelar mais elevada, e como limite máximo 13 anos e 4 meses de prisão, correspondente à soma material das penas parcelares que lhes foram aplicadas. Assim, tudo ponderado, tem-se por justo e adequado às exigências de reprovação e de prevenção de futuros crimes, a aplicação ao arguido M de uma pena única de 12 (doze) anos e 3 (três) meses de prisão, procedendo, assim, o recurso interposto pelo Ministério Público. III. DECISÃO Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em: I) - Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido M e, em consequência, manter o acórdão recorrido quanto à matéria de facto provada e não provada e à imputação ao arguido de um crime de homicídio simples p. e p. pelo artº. 131º do Código Penal e de um crime de profanação de cadáver p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1 al. a) do mesmo diploma legal, bem como em relação à pena parcelar de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão que lhe foi fixada pela prática deste último. II) - Determinar a correcção dos lapsos de escrita verificados nos pontos 8) e 13) dos factos provados, por forma a que os mesmos tenham a redacção nos termos atrás referidos. III) - Determinar a correcção do lapso de escrita verificado na alínea A) do ponto 34 da “Decisão” do acórdão recorrido, no que concerne à pena aplicada ao arguido M pelo crime de profanação de cadáver supra referido em I), por forma a que da mesma conste a pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão. IV) - Conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar o acórdão recorrido na parte relativa às penas impostas ao arguido M (pena parcelar relativa ao crime de homicídio e pena unitária resultante do cúmulo jurídico), decidindo-se: a) - condenar o arguido M, pela prática de um crime de homicídio simples p. e p. pelo artº. 131º do Código Penal, na pena de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão; b) - em cúmulo jurídico com a pena que lhe foi aplicada pelo crime de profanação de cadáver p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1 al. a) do Código Penal, fixar-lhe a pena única de 12 (doze) anos e 3 (três) meses de prisão. Custas a cargo do recorrente M, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s. Évora, 16 de Abril de 2013 (processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora) _______________________________________________ (Maria Cristina Cerdeira) _______________________________________________ (José Proença da Costa) ________________________________________________ (António Manuel Clemente Lima) __________________________________________________ [1] Publicado no Diário da República de 28 de Dezembro de 1995, na 1ª Série A. [2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria]. [3] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 8ª Edição - 2011, Editora Reis dos Livros, página 73. [4] Cfr. Acórdãos do STJ de 14/03/2007, proc. nº. 07P21 e de 23/05/2007, proc. nº. 07P1498, acessível em www.dgsi.pt/stj. [5] Cfr. Acórdão do STJ de 14/03/2007, proc. nº. 07P21, acessível em www.dgsi.pt/stj [6] Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, pág, 126 e 127 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/07/2010, proc. nº. 108/09.7 JAAVR, www.dgsi.pt/jtrc. [7] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 8ª Edição - 2011, Editora Reis dos Livros, pág. 80 e 81. |