Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2072/14.1TBPTM.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO MORTE
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Os valores habitualmente fixados pela jurisprudência para a indemnização do dano morte não podem ser limitativos do montante da indemnização por outros danos não patrimoniais, antes importando atentar noutros factores, mais relevantes, como a intensidade e a duração do sofrimento da vítima, bem como o facto de ser esta última a beneficiária da indemnização.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2072/14.1TBPTM.E1

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(…) e (…) propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, contra (…) Service Portugal, S.A., e Gabinete Português da Carta Verde, pedindo a condenação dos réus a:

A) Pagarem ao 1º autor a quantia de € 8.000,00 a título de danos emergentes;

B) Pagarem ao 1º autor a quantia de € 144.000,00 a título de lucros cessantes, até à data da entrada do pedido de indemnização civil;

C) Pagarem ao 1º autor, a título de incapacidade temporária geral, a quantia de € 150.000,00;

D) Pagarem ao 1º autor a quantia de € 150.000,00 pelas dores sofridas (quantum doloris);

E) Pagarem ao 1º autor a quantia de € 150.000,00 pelos danos estéticos;

F) Pagarem ao 1º autor a quantia de € 200.000,00 pelos danos pessoais sofridos;

G) Pagarem juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, custas e procuradoria;

H) Pagarem ao 1º autor a quantia que se vier a apurar em sede de execução de sentença, de todas as despesas com médicos, medicamentos, tratamentos, transporte e intervenções cirúrgicas que o 1.º autor ainda tenha de fazer;

I) Pagarem ao 1º autor a quantia que se vier a apurar em sede de execução de sentença, todas as remunerações que deixou de auferir desde a data da entrada do pedido de indemnização civil até à sua completa recuperação;

J) Pagarem ao 1º autor a quantia que se vier a apurar em sede de execução de sentença, relativa ao apuramento de danos patrimoniais futuros, bem como a fixação da incapacidade permanente geral e respectiva indemnização.

K) Pagarem à 2ª autora a quantia de € 750,00 a título de danos emergentes;

L) Pagarem à 2ª autora a quantia de € 1.400,00 a título de lucros cessantes, até à data da entrada do pedido de indemnização civil;

M) Pagarem à 2ª autora, a título de incapacidade temporária geral, a quantia de € 7.500,00;

N) Pagarem à 2ª autora a quantia de € 25.000,00 pelas dores sofridas (quantum doloris);

O) Pagarem à 2ª autora a quantia de € 5.000,00 pelos danos estéticos;

P) Pagarem à 2ª autora a quantia de € 25.000,00 pelos danos pessoais sofridos;

Q) Pagarem juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, custas e procuradoria;

R) Pagarem à 2ª autora a quantia que se vier a apurar em sede de execução de sentença, de todas as despesas com médicos, medicamentos, tratamentos, transporte e intervenções cirúrgicas que a 2.ª autora ainda tenha de fazer;

S) Pagarem à 2ª autora a quantia que se vier a apurar em sede de execução de sentença, relativa ao apuramento de danos patrimoniais futuros, bem como a fixação da incapacidade permanente geral e respectiva indemnização.

As rés contestaram, arguindo a excepção dilatória da ilegitimidade passiva da (…) Service Portugal, S.A. e a excepção peremptória do pagamento das perdas salariais do autor que consideram devidamente documentadas, desde a data da ocorrência do acidente dos autos até ao final do período de incapacidade temporária total. Aceitaram a responsabilidade civil da representada da 1ª ré e impugnaram a generalidade dos danos alegados pelos autores. Concluíram no sentido de as excepções invocadas deverem ser julgadas procedentes e de a acção dever ser julgada improcedente.

Os autores responderam às excepções, concluindo como na petição inicial.

Realizou-se audiência prévia. Foi proferido despacho saneador, no qual a ré (…) Service Portugal, S.A., foi absolvida da instância por ilegitimidade passiva. Procedeu-se à identificação do objecto do litígio e ao enunciado dos temas de prova.

Realizou-se a audiência final.

Foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente:

1) Condenou o réu Gabinete Português da Carta Verde no pagamento, ao autor, da quantia de € 21.150,80 a título de danos patrimoniais sofridos, acrescendo juros de mora à taxa legal desde a citação, até efectivo e integral pagamento;

2) Determinou que, à quantia referida em 1, seja subtraída a quantia de € 12.541,56 já paga ao autor;

3) Condenou o réu Gabinete Português da Carta Verde no pagamento, ao autor, da quantia de € 17.555,00 a título de dano biológico, acrescida de juros de mora contados da presente decisão até efectivo e integral pagamento;

4) Condenou o réu Gabinete Português da Carta Verde no pagamento, ao autor, da quantia de € 25.650,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados da presente decisão até efectivo e integral pagamento;

5) Condenou o réu Gabinete Português da Carta Verde no pagamento, à autora, da quantia de € 373,33 a título de danos patrimoniais, acrescendo juros de mora contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;

6) Determinou que, à quantia referida em 5, seja subtraída a quantia de € 17,82 já paga à autora;

7) Condenou o réu Gabinete Português da Carta Verde no pagamento, à autora, da quantia de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescendo juros de mora contados desde a presente decisão até efectivo e integral pagamento;

7.1) Condenou o réu Gabinete Português da Carta Verde a pagar, ao autor, indemnização pelo dano patrimonial futuro, respeitante a acompanhamento médico regular, em particular nas especialidades de ortopedia e psiquiatria, com orientação terapêutica, que se verifiquem em consequência do acidente, a liquidar em execução de sentença;

8) Absolveu o réu Gabinete Português da Carta Verde das demais quantias e dos demais pedidos formulados;

9) Condenou autores e o réu nas custas do processo, atento o respectivo decaimento.

Os autores recorreram da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. No que respeita à remuneração mensal do apelante marido, os documentos juntos aos autos, nomeadamente os recibos de vencimento respeitantes aos meses de Abril a Julho de 2010 (documentos n.º s 9 a 11 juntos com a contestação), permitem concluir que aquele auferia uma remuneração mensal média de € 2.200,00. Pelo que o tribunal, ao dar como provado (facto 65 da douta sentença) que a remuneração do apelante marido era de € 500,00 acrescida de subsídio de alimentação, julgou incorretamente tal facto.

2. A prova testemunhal produzida no julgamento – designadamente o depoimento das testemunhas … (prestado na audiência de julgamento realizada em 26 de Setembro de 2017, tendo o mesmo sido gravado no sistema citius, entre as 10:17:39 e as 10:43:00), … (prestado na audiência de julgamento realizada em 26 de Setembro de 2017, tendo o mesmo sido gravado no sistema citius, entre as 10:43:01 a 10:59:15), … (prestado na audiência de julgamento realizada em 26 de Setembro de 2017, tendo o mesmo sido gravado no sistema citius, entre as 10:59:16 a 11:13:00), … (prestado na audiência de julgamento realizada em 26 de Setembro de 2017, tendo o mesmo sido gravado no sistema citius, entre as 11:13:02 a 11:27:35), … (prestado na audiência de julgamento realizada em 26 de Setembro de 2017, tendo o mesmo sido gravado no sistema citius, das 11:27:37 a 11:50:17), … (prestado na audiência de julgamento realizada em 26 de Setembro de 2017, tendo o mesmo sido gravado no sistema citius, das 11:50:19 a 12:06:20), … (prestado na audiência de julgamento realizada em 26 de Setembro de 2017, tendo o mesmo sido gravado no sistema citius, das 14:12:39 a 14:48:05), permitia ter dado como provado que o rendimento mensal médio do apelante marido era de € 2.200,00 e não de € 500,00 (facto 65 da douta sentença) e permitia ter dado como provados os factos vertidos nos artigos 73.º a 76.º, 78.º a 83.º, 100.º, 131.º a 135.º, 151.º, 152.º, 155.º, 156.º e 190.º da petição inicial: 73.º Da sociedade (…), Lda., o 1.º autor auferia uma média mensal de € 2.200,00, correspondente ao vencimento, ajudas de custo, carro, combustível, telemóvel e ainda telefone, água e luz de casa; 74.º Auferia ainda o 1.º autor € 750,00 de cada uma das outras sociedades, ou seja, da (…), Lda. e da (…), Lda.; 75.º Ou seja, o 1.º autor auferia, antes do acidente, uma média mensal de € 4.000,00; 76.º O 1.º autor era o único trabalhador das empresas, e todas elas bem implantadas no mercado. (…); 78.º Após o acidente o 1.º autor, por força das lesões, deixou de poder exercer a sua atividade de gestor das empresas e fundamentalmente de comercial; 79.º Desde a data do acidente as empresas paralisaram, face ao estado de saúde do 1.º autor; 80.º Deixou o 1.º autor, desde essa data de auferir o vencimento regular das empresas, tendo um prejuízo mensal de € 4.000,00; 81.º Aliás, face à impossibilidade do 1.º autor exercer qualquer atividade, desde a data do acidente, as sociedades (…), Lda. e a (…), Lda., foram declaradas insolventes; 82.º E a sociedade (…), Lda. parou completamente a sua atividade; 83.º O 1.º autor viu-se impossibilitado, desde a data do acidente, de exercer a sua actividade nas empresas, deixou de auferir o vencimento e agora vê-se sem trabalho.(…); 100.º O 1.º autor passa os dias em casa e a tentar arranjar trabalho, sem sucesso.(…); 131.º Desde a data do acidente, ou seja, desde Junho de 2010, o 1.º autor deixou de auferir o seu rendimento mensal líquido de € 4.000,00 até à presente data; 132.º O 1.º autor deixou assim de auferir, desde a data do acidente, até à dedução do pedido ora formulado (desde Junho de 2010 a Maio de 2013), a quantia de € 144.000,00 que desde já se reclamam; 133.º Actualmente não aufere qualquer rendimento, uma vez que, em virtude do acidente, se encontra incapacitado de exercer a sua actividade profissional; 134.º Isto porque, após o acidente o 1.º autor deixou de conduzir, e quando o faz apresenta bastantes dificuldades, nomeadamente dores, ansiedade e bastante nervosismo; 135.º O 1.º autor não consegue exercer a sua profissão, pois as lesões de que ainda hoje é portador, resultantes do citado acidente, não o permitem; (…) 151.º O 1.º autor perdeu a alegria de viver, tendo um grande desgosto, tendo-se tornado uma pessoa bastante complexada perante a situação em que vive; 152.º Deixou de praticar todas as atividades supra referidas, o que adorava fazer e acompanhar amigos e família; 153.º O 1.º autor apresenta muitas dificuldades em conduzir; 154.º O 1.º autor não consegue dormir e quando o faz acordar sempre em sobressalto; 155.º O 1.º autor sente-se diminuído em relação à pessoa que era antes do acidente; 156.º Assim, facilmente se verifica que o 1.º autor sente-se diminuído em relação à pessoa que era antes do acidente; (…) 190.º Pelo que deverá a 2.º autora ser ressarcido de tal prejuízo, no montante mínimo de € 7 500,00 (sete mil e quinhentos euros), que desde já se reclamam.”

3. Não há contradições entre os depoimentos da apelante mulher e da filha, (…), já que foram prestados em datas diferentes, com o intervalo de cerca de dois anos, pelo que a realidade do apelante marido se alterou. Em 26 de Setembro de 2017, data em que foi ouvida (…), o apelante marido não tinha qualquer vínculo com a empresa (…), sendo que no seu perfil na rede social (…) mencionou que era consultor da mesma para a poder beneficiar, já que era/é pessoa bastante conhecida em Leiria. Posteriormente, em Setembro de 2018, o apelante marido celebrou um contrato com a referida (…) com vista a aproveitar o apoio/incentivo no âmbito do programa criado pelo Governo como consequência dos incêndios. Daí que quando a apelante mulher foi ouvida em sede de declarações de parte, em 8 de Fevereiro de 2019, e afirmou que o marido tinha celebrado um contrato com a (…) em Setembro de 2018, não faltou à verdade e não contrariou o depoimento da filha, repita-se, prestado dois anos antes.

4. Perante a prova pericial produzida nestes autos, consideramos que o tribunal devia ter dado como provados os factos vertidos nos artigos 78.º, 79.º, 83.º, 151.º, 154.º, 155.º e 156.º da petição inicial. Pelo que tais factos se consideram incorretamente julgados.

5. O relatório pericial datado de 8 de Janeiro de 20167 faz menção a um relatório de psiquiatria datado de 22 de dezembro de 2015, assinado pela Dr.ª (…), como o seguinte teor:“(…) iniciou seguimento regular na consulta externa do Serviço de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Leiria, em 2012, por sintomatologia depressiva e ansiosa marcada consequente a um acidente de viação que tinha ocorrido 2 anos antes, e que além das sequelas físicas causadas, alterou de forma drástica a sua actividade profissional (impedindo-a de a exercer) com as consequentes repercussões a nível económico e familiar.”

6. O relatório pericial datado de 16 de Janeiro de 2017 (cerca de sete anos após o acidente), consta que o apelante marido “apresenta marcha claudicante”. Ou seja, segundo os peritos médicos, cerca de sete anos após o acidente e após ser submetido a diversas intervenções cirúrgicas e tratamentos, o apelante marido ainda tem dificuldade em andar.

7. Consta ainda do relatório pericial o seguinte: “Repercussão Temporária na Atividade Profissional (correspondendo ao período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos inerentes à sua atividade profissional atual). Considerou-se a: - Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total (anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Total, correspondendo aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, entre outros), que se terá situado entre 28/05/2010 e 05/03/2013, sendo assim fixável num período total de 1012 dias; Quantum Doloris (corresponde à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou a consolidação das lesões): fixável no grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados.”

8. O relatório refere claramente que o autor teve uma repercussão temporária na atividade profissional total entre 28/05/2010 e 05/03/2013, num período total de 1012 dias. Ou seja: o acidente de viação ocorreu em Maio de 2010; colapso das empresas do apelante marido verificou-se em finais de 2011; a (…) foi declarada insolvente em dezembro de 2012 (fls. dos autos) e a (…) em janeiro de 2013 (fls. 133 e 134 dos autos) – datas em que o apelante marido estava impossibilitado de trabalhar, nos termos expostos no relatório pericial. Pelo que não restam quaisquer dúvidas que o colapso das empresas e a sua insolvência foram consequência do acidente sofrido pelo apelante marido, tanto é – precisamente quando o apelante marido estava totalmente impedido de trabalhar, como consequência do acidente.

9. Tendo em conta a reapreciação da matéria de facto que se impõe e que implica considerar que a remuneração média mensal do apelante marido é de, pelo menos, € 2.200,00, deverá o valor dos lucros cessantes ser alterado em conformidade. Assim, tendo em conta os 1012 dias que o trabalhador esteve impedido de trabalhar e o vencimento médio mensal do apelante marido, deverá ser fixado um valor de € 75 000,00 a título de indemnização por lucros cessantes.

10. No que respeita ao quantum da indemnização por dano biológico fixado na douta sentença em € 17.555,00, deve o mesmo ser alterado nos termos peticionados, porquanto o apelante marido, como consequência do acidente de viação ficou, na verdade, portador de uma incapacidade para o trabalho habitual, o que torna mais difícil a sua empregabilidade atendendo que tem mais de 50 anos.

11. O Apelante marido, por força da incapacidade que o afectará para o resto da vida e que está espelhada nos relatórios periciais, está, na verdade, condenado a uma situação de desemprego permanente e de longa duração.

12. O valor da indemnização por danos não patrimoniais deve ser alterado em conformidade com o peticionado na petição inicial. No caso dos autos, é manifesto que o sofrimento causado ao apelante marido com as lesões causadas pelo acidente, sejam físicas, sejam psicológicas, devidamente enunciadas nos relatórios periciais, não se compadece com a exígua indemnização que lhe foi arbitrada a título de danos não patrimoniais.

13. O acidente destruiu a vida do apelante marido, em termos profissionais, financeiros e pessoais. Sendo que todas as testemunhas foram unânimes ao afirmar que há um (…) antes do acidente e outro depois. De facto, antes do acidente, o apelante marido era uma pessoa sem qualquer incapacidade física ou estética que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional, uma pessoa saudável, dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora, alegre, confiante, cheia de projetos para o futuro, cheia de vida, possuidora de uma enorme vontade e alegria de viver, calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas. Após o acidente, o apelante marido tornou-se uma pessoa triste, introvertida, abalada, psiquicamente introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.

14. Conforme resulta da prova produzida, em consequência do acidente, o apelante marido suportou um quantum doloris fixável no grau 5, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 graus. Sendo que as cicatrizes na perna, consubstanciam, só por si, um dano estético permanente, fixável, no grau 4, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 graus. Sendo que estas cicatrizes causam ao autor desgosto e inibição ao apelante marido.

15. À apelante mulher, como consequência do acidente, foi fixado um quantum doloris 3 numa escala de 7, foi sujeita a vários exames, alguns deles muito rigorosos, nomeadamente mamografias, tendo sido detectada formação hipoecogénita no quadrante infero-externo de 9,6 mm na mama esquerda, e área heterógena dos tecidos moles adjacentes no quadrante infero interno, ecogénita com área liquida no seu interior com 4,9 cmx1,6 cm, tendo a maior área liquida 17 cmx 16 mm, compatíveis com hematoma com áreas de liquefação.

16. Resulta também provado nestes autos que os apelantes deixaram de ter relações sexuais.

17. O tribunal não fixou uma incapacidade permanente geral e a respetiva indemnização, que, salvo melhor opinião, é devida atendendo ao teor do relatório pericial que estabeleceu um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 16,4 pontos, admitindo a existência de dano futuro.

O recorrido contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente e além do mais especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No recurso em apreço, os autores recorrentes limitam-se a transcrever os factos que consideram que deviam ter sido dados como provados e, de seguida, procedem à transcrição dos depoimentos das testemunhas, ainda que com menção às concretas passagens das gravações, sem que, para cada facto, sejam mencionadas em concreto quais as concretas passagens de cada um dos depoimentos que impunham decisão diversa.

3. Estando em causa sete depoimentos e 24 factos, sendo um o constante sob o ponto 65 dos factos dados como provados e os restantes 23 factos alegados em sede de PI, o elevado número de factos e o elevado número de depoimentos e passagens dos mesmos impunha que, para cada facto, fossem indicados os concretos meios de prova em causa e as concretas passagens dos depoimentos que, para cada um deles, impunha decisão diferente.

4. Tendo presente que o regime previsto no artigo 640.º do CPC constitui um corolário do princípio da cooperação processual, afigura-se que os recorrentes o violaram e que o recurso interposto quanto à decisão da matéria de facto não respeita aquela norma, impondo-se a rejeição do recurso quanto à referida matéria de facto. Ainda que assim não se entenda

5. Dos recibos a que alude o recorrente marido na conclusão 1 do recurso e que, dizendo respeito a remunerações dele recorrente, por ele foram remetidos à sociedade representante da seguradora responsável, verifica-se que o recibo datado de 31 de Maio de 2010 (doc. 9 junto com a contestação) tem o valor líquido de € 2.225,00, o recibo datado de 30 de Junho tem o valor de € 500,00 (doc. 10 da contestação) e o recibo de 31 de julho de 2010 (doc. 11 da contestação) tem o valor líquido de € 500,00.

6. Somando os três e dividindo por três, o recorrido Gabinete tão somente encontra o valor médio de € 1.075,00 (€ 3.225,00/3 = € 1.075,00) que, ainda assim, não releva para a economia do recurso.

7. Tendo em conta que o único recibo de valor mais elevado (€ 2.225,00) refere, além do salário de € 500,00 idêntico aos restantes, subsídio de alimentação de € 127,00 e ajudas de custo (estrangeiro) de € 1.648,00 pagas uma única vez, é manifesto que dos mesmos recibos não resulta provar-se remuneração mensal superior aquela de € 500,00 a que acrescia subsídio de alimentação de € 127,00 que ficou a constar do ponto 65 dos factos provados e bem assim o teor do ponto 70 dos mesmos factos dados como provados.

8. Tendo em conta que os depoimentos prestados pelas testemunhas e melhor identificados nas alegações de recurso não referem qual a remuneração do autor recorrente, mas tão somente, de forma vaga e genérica, que o mesmo tinha uma vida dispendiosa, os mesmos não permitiam que fosse dada como provada a matéria dos artigos 73.º a 76.º, 78.º a 83.º, 100.º, 131.º a 135.º, 151.º, 152.º, 155.º, 156.º e 190.º da petição inicial que foi dada como não provada.

9. Em face da falta de produção de prova sustentada do alegado em 73 a 76, 80, 131 e 132 e de acordo com os documentos carreados para os autos, designadamente os documentos 9, 10 e 11 juntos com a contestação, impunha-se que aquela matéria fosse dada como não provada tal como doutamente decidido pelo tribunal a quo, mostrando-se bem decidida a matéria de facto vertida em 65 e 70 dos factos dados como provados.

10. Tendo a testemunha (…), amiga dos autores, referido que o autor “deixou de poder visitar os clientes e a empresa espanhola tirou-lhe a representação”, a mesma transmitiu tão somente a sua percepção da factualidade ou o que ouviu da boca do autor, pelo que, sem se conhecer como obteve tal conhecimento (acompanhamento do amigo, ouviu dizer), não se vislumbra como poderia tal afirmação ser valorada para que o alegado nos artigos supra da petição inicial pudesse ser dado como provado.

11. Tendo a testemunha (…) referido que o autor tinha uma casa fabulosa e que se apercebia que havia uma vida muito boa, bons carros, boas casas, e, questionado quanto aos rendimentos, referiu que “não era vida que se fizesse com menos de cinco ou seis mil euros”, verifica-se que este depoimento é manifestamente vago, não refere os rendimentos mas tão somente que o autor levava vida dispendiosa, pelo que o mesmo não impunha ao tribunal a quo decisão diferente quanto à matéria de facto.

12. Tendo a testemunha (…), à semelhança dos demais, refere que para a vida que o autor fazia tinha que ganhar muito dinheiro, referindo ainda uma belíssima casa e outra em Lisboa, o mesmo também não esclareceu quais os rendimentos do autor pelo que o seu depoimento não impunha decisão diferente quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, porquanto também não esclarece quanto o autor ganhava nem como.

13. Tendo a testemunha (…), médico especialista em ortopedia, referido ter sido ajudante do cirurgião que operou o autor, tendo descrito a lesão e a evolução que a mesma teve, o mesmo nada referiu que impusesse decisão diferente quanto à matéria de facto dada como não provada.

14. Tendo a testemunha (…), filha dos autores, referido que “desconhece quanto o pai ganhava (diz que nunca poderia ser menos de 7, 8, 9, 10 mil euros por mês), o seu depoimento não permitia que o tribunal a quo desse como provada outra factualidade no que diz respeito às remunerações do autor para além do que ficou a constar dos pontos 65 e 70 dos factos provados.

15. Tendo a testemunha (…), amigo dos autores há muitos anos, referido que o pai do autor era oficial do exército e que tinha condições que ela testemunha não tinha, que estavam juntos de 15 em 15 dias, que o autor teve ascensão e que ganhava bem sem concretizar e, questionado o motivo porque dizia isso, respondeu “por aquilo que ele fazia, pela vida, pela casa dele”, a mesma foi incapaz de esclarecer quanto o autor ganharia.

16. Sendo a testemunha (…), bancário de profissão e conhecendo o autor nessa qualidade, a mesma estava sujeita ao sigilo bancário pelo que não podia depor sobre as matérias abrangidas por tal segredo, designadamente movimentos bancários e, tendo prestado depoimento, o mesmo não pode ser objeto de valoração por resultar de violação de disposição legal, sendo certo que não sabia nem podia saber, de acordo com a sua razão de ciência, a que título, eventuais movimentos bancários eram efectuados.

17. Não tendo o alegado em 134, 153 e 154 da petição inicial sido referido por qualquer uma das testemunhas, os respetivos depoimentos não eram de molde a impor decisão contrária à que foi proferida pelo tribunal a quo de os considerar não provados.

18. Revestindo o alegado no artigo 152 da petição inicial natureza genérica, não poderia o mesmo ser dado como provado, como pretendia o autor recorrente e ao contrário do que decidiu a douta sentença recorrida que, de todo o modo, a analisou em termos globais como se depreende através da respectiva análise.

19. Surgindo o alegado nos artigos 155 e 156 da petição inicial numa perspetiva pessoal do próprio autor, a que as testemunhas em questão não podiam responder sem ser na óptica delas testemunhas, da sua percepção, que não é nem pode ser a do próprio autor, os depoimentos das referidas testemunhas não impunham que o tribunal a quo desse tais factos como provados.

20. Atento o teor do alegado em 190.º da petição inicial, que refere que “deverá a 2.ª autora ser ressarcida de tal prejuízo, no montante mínimo de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), que desde já se reclamam”, tal constitui uma conclusão ou, no mínimo, um facto de natureza genérica que não poderia ser dado como

21. provado, como não foi, em virtude de a fixação de indemnização constituir competência exclusiva do tribunal.

22. Tendo em conta a documentação que o réu recorrido havia logrado encontrar na rede social (…) dele recorrente, datada de 24-11-2016 (cfr. artigo 49.º da contestação) de que ele recorrente era consultor da sociedade (…), Lda. (sociedade registada em nome dos seus filhos), é manifesto que a testemunha (…), sua filha e sócia daquela sociedade, em 26 de setembro de 2017, conhecia a situação de consultor do seu pai que negou em juízo.

23. Bem andou o tribunal a quo ao desvalorizar o depoimento da testemunha (…) nessa parte e em mandar extrair certidão para o Ministério Público conforme consta do final do dispositivo da douta sentença recorrida.

24. Tendo o autor marido podido juntar aos autos prova documental dos seus rendimentos, designadamente recibos de remuneração, de pagamento de despesas próprias pelas sociedades e extractos bancários comprovativos das alegadas remunerações e não o tendo feito, tal falta de prova é-lhe imputável, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 342.º do Código Civil e 414.º do Código de Processo Civil.

25. Tendo em conta os factos dados como provados sob os pontos 66, 67 e 71 e a falta de prova produzida em contrário, designadamente ausência de prova documental e prova testemunhal, bem andou o tribunal a quo em considerar não ter existido nexo de causalidade entre o colapso das empresas de que o autor marido era um dos sócios gerentes e o acidente que o vitimou.

26. Tendo em conta que o autor recorrente esteve internado logo após o acidente apenas por 4 dias por fractura do fémur direito (desde o dia do acidente em 28/05/2010 até 01/06/2010 – cfr. ainda pontos 14 a 23 dos factos provados) e que, pelas lesões de natureza ortopédica ao nível do fémur e posteriormente joelho, foi-lhe fixada tão somente a desvalorização de 5 pontos – cfr. pág. 5 do relatório pericial e ainda de acordo com as regras da experiência comum, em conjugação com a prova produzida, não é credível que tal lesão tivesse provocado a incapacidade emocional do autor para o exercício da sua profissão de empresário ou consultor de empresas.

27. Tendo em conta a prova produzida e a que o tribunal a quo se refere a págs. 15 a 17 da douta sentença recorrida, bem andou a mesma sentença ao considerar, perante as declarações das partes e os depoimentos das testemunhas, não ter existido “nexo causal entre o acidente a posterior situação económico-financeira das empresas de que os autores (e num dos casos, outras duas pessoas) eram sócios e gerentes.”.

28. Tendo em conta a matéria de facto dada como provada sob os pontos 39, 65 e 70, que se mostra bem decidida em virtude de, além do mais, a prova testemunhal indicada pelo autor no seu recurso não impor decisão diferente, mostra-se bem fixada a quantia de € 21.150,80 a título de indemnização por lucros cessantes.

29. Tendo em conta a factualidade dada como provada e não provada na douta sentença recorrida, e, em especial o relatório de perícia médico legal levada a cabo na pessoa do autor recorrente, ao contrário do alegado pelo autor recorrente, mostra-se bem fixada a quantia de € 17.555,00 a título de indemnização por dano biológico, tendo o tribunal a quo actualizado a importância que resultaria aritmeticamente da fórmula jurisprudencial descrita a págs. 35 da douta sentença recorrida.

30. Tendo em conta a incapacidade de 16,4 pontos que foi fixada ao autor, dos quais 11,4 pontos no âmbito da psiquiatria e 5 pontos no âmbito da ortopedia, o mesmo não está incapacitado para o trabalho mas tão somente diminuído na referida capacidade em termos que foram tidos em conta no montante fixado a título de indemnização, podendo o autor continuar a exercer a sua actividade profissional de consultor como vem fazendo há anos, pelo menos desde 2016, pelo que o acidente não destruiu a vida do recorrente em termos profissionais, financeiros e pessoais.

31. Tendo em conta a matéria de facto dada como provada e, em especial, o teor dos relatórios de perícia médico-legal levados a cabo na pessoa do autor recorrente, mostra-se bem fixada a indemnização por danos não patrimoniais de € 25.650,00 que abrangeu a indemnização pela tristeza, depressão, ansiedade, dores fixadas no grau 5 numa escala de 7 graus de sentido crescente, sujeição do autor a diversos tratamentos e cirurgias, de ter sido obrigado a fazer medicação e acompanhamento médico futuro e ainda danos não patrimoniais resultantes do facto de ele autor recorrente claudicar e apresentar instabilidade do joelho com limitação da mobilidade e ainda dano estético, tudo conforme pág. 39 da douta sentença recorrida.

32. Tendo em conta que a autora recorrente não sofreu lesões traumáticas, que teve alta com medicação, que sofreu hematoma mamário, realizou mamografias, que sofreu dores fixadas no grau 3 numa escala de 7, que teve um período de défice funcional temporário parcial de 60 dias e que a data de consolidação médico legal das lesões sofridas pela autora foi de 60 dias, sendo certo que não sofreu dano estético e que ficou curada sem qualquer desvalorização, a indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00 que lhe foi fixada é equitativa e justa, a contrário da quantia peticionada de € 55.000,00 que é manifestamente excessiva e desajustada, quer da realidade concreta, quer da prática jurisprudencial.

33. Não se tendo provado que os autores deixaram de manter relações sexuais entre si em consequência do acidente, não existindo, portanto, nexo de causalidade, tal não constitui dano decorrente do acidente e como é insuscetível de ser indemnizado.

34. A douta sentença recorrida não violou qualquer disposição legal nem os recorrentes o alegam ou mencionam em qualquer uma das suas conclusões.

O recurso foi admitido.


*


Considerando o teor das conclusões do recurso, as questões a resolver são as seguintes:

1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

2 – Montante da indemnização a atribuir ao recorrente por lucros cessantes;

3 – Montante da indemnização a atribuir ao recorrente por dano biológico;

4 – Montante da indemnização a atribuir ao recorrente por danos não patrimoniais;

5 – Atribuição, ao recorrente, de uma indemnização por danos patrimoniais futuros.


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Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1. No dia 28 de Maio de 2010, pelas 23h45m, (…) circulava no veículo automóvel com a matrícula (…), na E.M. 530-1, no sentido de marcha Armação de Pêra-Porches;

2. Na mesma estrada, em sentido oposto, ou seja, no sentido Porches-Armação de Pêra, circulava o veículo com a matrícula 80-66-(…), conduzido pelo autor (…), o qual transportava como passageira a autora (…);

3. Na localidade de Porches o veículo conduzido por (…) saiu da faixa de rodagem destinada ao trânsito do seu sentido de marcha e invadiu a faixa de rodagem contrária, na qual circulava o veículo no qual seguiam os autores;

4. O autor (…) desviou o veículo por si conduzido o mais possível para a direita da sua faixa de rodagem, mas não conseguiu evitar que o veículo conduzido por (…) embatesse na parte lateral esquerda do seu veículo;

5. (…) conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,60 g/l;

6. Os autores, após assistência no local pelo INEM, foram transportados para o Hospital do Barlavento Algarvio;

7. A autora apresentava traumatismo no hemitórax esquerdo;

8. Após avaliação e realização de exames radiológicos não apresentava lesões traumáticas, pelo que teve alta com medicação;

9. A autora, por sentir dor no tórax esquerdo, voltou ao serviço de urgências do Hospital de Santo André, em Leiria, no dia 31 de Maio de 2010;

10. A autora apresentava hematoma mamário esquerdo, mais acentuado nos quadrantes inferiores;

11. A autora realizou exames radiológicos ao tórax, que não mostrou alterações de natureza traumática e teve alta para o domicilio com indicação para não realizar esforços e foi referenciada para o médico de família;

12. A autora efectuou exames, entre os quais mamografias, tendo sido detectada formação hipoecogénita no quadrante infero-externo de 9,6 mm na mama esquerda;

13. E área heterógena dos tecidos moles adjacentes no quadrante infero interno, ecogénita com área liquida no seu interior com 4,9 cmx1,6 cm, tendo a maior área liquida 17 cmx 16 mm, compatíveis com hematoma com áreas de liquefacção;

14. O autor apresentava fractura do fémur direito supra e intercondiliana;

15. Foi colocada uma tala de protecção;

16. Foi imobilizado com colar cervical e no plano horizontal;

17. Foi transportado para o Hospital de Santo André, onde ficou internado para procedimento cirúrgico;

18. O autor sofreu traumatismo da região lombar e do joelho;

19. O autor foi operado no dia 29 de Maio de 2010;

20. Fez redução aberta da fractura do fémur com fixação interna;

21. Andou de cadeira de rodas;

22. Foram-lhe administrados analgésicos;

23. Teve alta para o domicílio no dia 01 de Junho de 2010, com seguimento em consulta externa de ortopedia no Hospital de Santo André;

24. O autor foi assistido no Hospital de São Francisco, em Leiria, onde em 2010 foi sujeito a EMOS;

25. O autor foi submetido, em Outubro de 2011, a meniscectomia parcial e drenagem de derrame articular, tendo iniciado tratamento MFR;

26. O autor, porque padecia de gonalgia (dor no joelho), realizou, em Janeiro de 2012, uma osteotomia de valgização;

27. O autor foi sujeito a exames radiológicos;

28. O autor é acompanhado em consulta de psiquiatria;

29. O autor andou cerca de seis meses com a marcha apoiada por duas canadianas e outros seis por uma canadiana;

30. O autor fez sessões de fisiatria e fisioterapia;

31. O autor foi sujeito a cinco intervenções cirúrgicas;

32. Em consequência do acidente, a autora (…) sofreu dores fixadas num grau 3 numa escala crescente de 7;

33. A autora, em consequência do acidente, sofreu um período de défice funcional temporário parcial de 60 dias;

34. A autora sofreu, em consequência do acidente, um período de repercussão na actividade profissional parcial de 08 dias;

35. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pela autora é de 60 dias após o acidente;

36. Em consequência do acidente, o autor (…) sofreu dores fixadas num grau 5 numa escala crescente de 7;

37. O autor, em consequência do acidente, sofreu um período de défice funcional temporário total de 15 dias;

38. O autor sofreu, em consequência do acidente, um período de défice funcional temporário parcial de 1090 dias;

39. O autor sofreu, em consequência do acidente, um período de repercussão temporária na sua actividade total por 1012 dias;

40. Após o acidente, durante período não concretamente apurado, o autor deixou de conduzir, já o fazendo actualmente;

41. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor foi fixada em 05.03.2013;

42. O autor, em consequência do acidente, apresenta um défice funcional permanente de integridade psíquico-física fixado em 16,4 pontos;

43. O autor, em consequência do acidente, claudica e apresenta instabilidade do joelho, com limitação da mobilidade e cicatrizes, tendo sofrido um dano estético permanente fixado no grau 4 de uma escala crescente de 7;

44. O autor tem um encurtamento de 13 mm do membro inferior direito;

45. O autor, em consequência do acidente tem dificuldade em caminhar, designadamente subir e descer escadas ou rampas e em permanecer de pé muito tempo;

46. Antes do acidente o autor fazia esqui na neve;

47. Antes do acidente, o autor ia ao ginásio e jogava futebol com amigos;

48. Antes do acidente, o autor era pessoa alegre, bem-humorada;

49. O autor, em consequência do acidente sofreu uma repercussão nas actividades físicas e de lazer fixada no grau 2 de uma escala crescente de 7;

50. Após o acidente, o autor sente-se triste, deprimido, ansioso e tem dores;

51. O autor, em consequência do acidente carece de acompanhamento médico regular, em particular nas especialidades de ortopedia e psiquiatria, com orientação terapêutica;

52. As sequelas sofridas, em consequência do acidente, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, são responsáveis por esforços suplementares;

53. Antes do acidente, o autor e a família faziam férias;

54. O autor tinha deixado de fumar há sete anos e, algum tempo após o acidente, voltou a fumar;

55. O autor tinha actividade politica, sendo um dos seus objectivos pessoais ser deputado da Assembleia da República;

56. Em data anterior ao acidente, o autor realizou artroscopia;

57. O autor nasceu no dia 31 de Maio de 1958;

58. O proprietário do veículo (…), à data dos factos, por contrato de seguro, titulado pela apólice n.º (…), transferiu a responsabilidade civil respeitante à circulação terrestre daquele veículo, para a seguradora belga Mercator (…) NV;

59. A seguradora assumiu a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente de viação;

60. A (…) Service Portugal, por conta e ordem da seguradora Mercator (…), S.A., de … (veículo de matrícula …) pagou ao autor os seguintes montantes: 1. Em Junho de 2011, a quantia de € 8.908,72, relativos a salários de Junho de 2010 a Abril de 2011 (€ 4.400,00) e outras despesas; 2. Em Novembro de 2011, a quantia de € 2.421,90, relativa a salários de Maio de 2011 a Outubro de 2011; 3. Em Março de 2012, a quantia de € 1.210,94, a título de salários de Novembro e Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012;

61. A (…) Service Portugal, por conta e ordem da seguradora Mercator (…), S.A., de … (veículo de matrícula …) pagou à autora a quantia de € 17,82;

62. (…) foi julgado em processo sumário, por crime de condução em estado de embriaguez;

63. (…) foi acusado de dois crimes de ofensa à integridade física, no âmbito do processo n.º 849/10.6GDPTMN, em relação aos autores;

64. A autora é professora e aufere mensalmente a quantia de € 1.400,00;

65. O autor auferia o vencimento base de € 500,00 acrescido de € 127,00 a título de subsídio de alimentação;

66. O autor era um dos sócios-gerentes das sociedades com a firma (…), Embalagens, Lda., (…), Lda. e (…) – Consultores de Gestão, Lda.;

67. A (…), Lda. apresentava evolução negativa desde 2009;

68. Em 2009, o autor auferiu os seguintes rendimentos: € 5.450,00 da (…), Embalagens, Lda., € 608,40 do Município de (…) e € 228,96 da (…);

69. Em 2010, o autor auferiu os seguintes rendimentos: € 2.500,00 da (…), Embalagens, Lda., € 534,24 do Município de (…) e € 176,72 da (…);

70. Em Maio de 2010 foi paga ao autor a quantia de € 1.648,00 a título de ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro;

71. A sociedade com a firma (…), Lda. foi declarada insolvente em Dezembro de 2012;

72. Os autores deixaram de ter relações sexuais entre si.

A sentença recorrida julgou não provados os seguintes factos:

- Da petição inicial: artigos 22º (1ª parte), 23º, 33º, (1ª parte), 47º, 61º, 73º, 74º, 75º, 76º, 1ª parte, 78º, 79º, 80º, 81º (este considerado na atribuição de nexo causal entre o relatado e o acidente), 82º, 83º, 85º, 91º, 93º, 97º, 98º, última parte, 100º, 102, parte final, 103º, 104º, 105º, 122º, 131º, 132º, 133º, 134º, 135º, 150º, 151º, 152º, 153º, 154º, 155º, 156º, 167º, 169º, 170º, 171º, 172º, 173º, 174º, 178º, 179º, 180º, 181º, 185º e 190º (no que respeita ao valor);

- Da contestação: 26º, 27º, última parte, 28º (atento o significado que pretende ser atribuído a “padecer”), 36º, 37º, 38º, 39º, 46º, 47º, 49º, 61º, 62º e 89º.


*


1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Julgou-se provado, na sentença recorrida, que o recorrente auferia mensalmente um vencimento base de € 500,00, acrescido de € 127,00 de subsídio de alimentação (n.º 65). O recorrente considera que este ponto da matéria de facto deverá ser alterado de forma a que se julgue provado que ele auferia uma remuneração mensal média de € 2.200,00. Invoca, como fundamento desta pretensão, os documentos n.ºs 9 a 11 juntos com a contestação e os depoimentos das testemunhas (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…).

Os meios de prova idóneos do montante da remuneração do trabalho prestado por uma pessoa a uma sociedade são documentos. Com efeito, quer o pagamento, quer o recebimento de tal remuneração, dão necessariamente origem a documentos, como folhas de vencimentos, recibos de vencimento e documentos bancários comprovativos das transferências de dinheiro. Ora, o recorrente, a quem cabia o ónus da prova dos rendimentos que alegou ter deixado de auferir em consequência das lesões que o acidente lhe causou (artigo 342.º, n.º 1, do CC), não juntou aos autos um único documento comprovativo dos rendimentos que alegou auferir das sociedades de que era sócio-gerente, fosse a título de salário, de distribuição de lucros ou outro. Os únicos documentos juntos aos autos que provam que o recorrente recebia uma remuneração pelo seu trabalho foram apresentados pelo recorrido, com a contestação. Esses documentos, que são recibos de vencimento, constam de fls. 147 a 150. Deles resulta precisamente aquilo que foi julgado provado no ponto 65 da sentença recorrida, ou seja, que o recorrente auferia um vencimento base de € 500,00 acrescido de € 127,00 de subsídio de alimentação. A sociedade pagadora era a “(…) – Embalagens, Lda.”. Em dois desses recibos de vencimento, é mencionado o pagamento de ajudas de custo nos montantes de € 1.545,00 e de € 1.648,00. Porém, as ajudas de custo não constituem contrapartida do trabalho prestado, mas sim uma compensação por despesas efectuadas pelo trabalhador ao serviço da sociedade. Daí o seu carácter ocasional e a variabilidade do seu montante, também resultante dos documentos em questão. Portanto, a prova documental existente nos autos confirma o acerto do decidido no ponto 65.

O recorrente invoca a prova testemunhal acima referida. A este propósito, começamos por reiterar aquilo que afirmámos no início do parágrafo anterior: as quantias pagas por uma sociedade a um trabalhador ou a um gerente geram necessariamente documentos, pelo que são estes os meios de prova mais fiáveis da realização dos referidos pagamentos e dos respectivos montantes. Estranha-se que o recorrente, sócio-gerente das sociedades alegadamente pagadoras dos rendimentos que refere, em vez de apresentar documentos comprovativos desses pagamentos, que facilmente poderia ter obtido, tenha optado por não apresentar um único documento dessa natureza e, em vez disso, se tenha socorrido apenas de prova testemunhal. Nem sequer perante a apresentação, juntamente com a contestação, dos recibos de vencimento a que anteriormente fizemos referência, o recorrente ofereceu documentos que pusessem em causa os montantes naqueles mencionados e sustentassem a sua alegação de facto.

Atentemos, então, na prova testemunhal.

(…), bancário, afirmou desconhecer o montante preciso do vencimento do recorrente, mas que o mesmo se situava entre os € 5.000,00 e os € 6.500,00 sendo a maior parte paga pela sociedade “(…) – Embalagens, Lda.”. Só das comissões, entravam pelo menos € 5.000,00 por mês, nas contas pessoais e nas contas da empresa. Inquirido sobre a sua razão de ciência, respondeu que “tem a ver com os fluxos financeiros que entravam nas contas bancárias, que entravam nas contas pessoais e nas contas das empresas”.

Se era efectivamente isto que acontecia, insistimos por que razão o recorrente, em vez do testemunho de um empregado bancário, não trouxe ao processo, como meio de prova, aquilo que realmente interessava, que eram os documentos comprovativos dos fluxos financeiros que o mesmo referiu, para que o tribunal pudesse ter acesso directo à informação relevante em vez de a ouvir da boca de uma testemunha? Conhecida, como é, a menor fiabilidade da prova testemunhal face à prova documental em matérias da natureza daquela que analisamos, o que leva o recorrente a esconder os documentos e a apresentar uma testemunha cuja razão de ciência é o conteúdo destes últimos, que nem sequer consegue reproduzir com exactidão (o que até se compreende)?

As restantes testemunhas (com excepção de …, que não se pronunciou sobre esta matéria) afirmaram desconhecer o montante dos proventos do recorrente, apenas estimando valores com base no nível de vida que o mesmo e o seu agregado familiar demonstravam. Ora, isto é claramente insuficiente para a prova daquele montante, por várias razões. Desde logo, porque a recorrente, que é casada com o recorrente, também aufere rendimentos do trabalho (n.º 64). Por outro lado, porque é possível ostentar um nível de vida superior ao dos rendimentos do trabalho se se tiver outras fontes de riqueza, como, por exemplo, se se tiver herdado bens de família. O mesmo é possível, ao menos durante algum tempo, com recurso ao crédito.

Em suma, a parte onerada com o ónus da prova de determinado facto tem de fornecer, ao tribunal, elementos que, a este, permitam, com segurança, julgar demonstrado esse mesmo facto. Ora, pelas razões anteriormente referidas, os meios de prova apresentados pelo recorrente dão, ao tribunal, tudo menos segurança. Mais, a contraprova apresentada pela recorrida, de natureza documental, essa sim, permite concluir, com a segurança necessária, que a remuneração do recorrente era a referida no n.º 65. Consequentemente, não há razão para alterar este ponto da matéria de facto provada.

O recorrente pretende, por outro lado, que, com base na prova testemunhal e pericial, o conteúdo dos artigos 73.º a 76.º, 78.º a 83.º, 100.º, 131.º a 135.º, 151.º a 156.º e 190.º da petição inicial seja julgado provado. Como bem nota o recorrido, está em causa o conteúdo de 23 números da petição inicial, para cuja demonstração o recorrente invoca, em bloco, alguns segmentos dos depoimentos de 7 testemunhas e, acrescentamos nós, a prova pericial. É muito duvidoso que esta forma de fundamentar a discordância relativamente à decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto cumpra o disposto no artigo 640.º do CPC. Apesar disso, não deixaremos de nos pronunciar sobre a pretensão do recorrente, pois tal mostra-se possível.

Os artigos 73.º, 74.º, 75.º, 80.º, 131.º e 132.º da petição inicial reportam-se aos proventos do recorrente antes da ocorrência do acidente e constituem a versão alternativa, por aquele alegada mas não provada, àquela que foi julgada provada e consta do n.º 65 da sentença recorrida. Consequentemente, a manutenção de tais factos como não provados já se encontra devidamente fundamentada.

O conteúdo do artigo 76.º da petição inicial não é corroborado por qualquer meio de prova.

O conteúdo do artigo 78.º da petição inicial é dúbio. O recorrente tem em vista uma incapacidade temporária ou permanente? Seja como for, os n.ºs 37 a 42 da matéria de facto julgada provada pelo tribunal a quo, que não foram postos em causa pelo recorrente, esclarecem devidamente a questão da incapacidade deste.

Inexistiu prova convincente do conteúdo dos artigos 79.º, 81.º e 82.º da petição inicial. Estamos a falar de sociedades comerciais titulares de empresas alegadamente rentáveis, pelo que, em princípio, ainda que um trabalhador ou um gerente sofra acidente ou doença que o incapacite temporariamente para o exercício das suas funções, o normal é que as mesmas sociedades tomem as providências necessárias à sua substituição ou, de outra forma, assegurem a continuidade da sua actividade. Não é normal que uma sociedade que desenvolva uma actividade económica rentável fique paralisada e, pior ainda, acabe numa situação de insolvência, porque um dos sócios-gerentes (o recorrente não era o único, como resulta do n.º 66) teve um acidente ou ficou doente. Isso pode acontecer, mas, para que um tribunal o possa julgar provado, tem de ser devidamente explicado. Não basta, por exemplo, que testemunhas afirmem, genericamente, que, faltando o gerente, a empresa fica paralisada e acaba insolvente. Ora, foram depoimentos desta índole que as testemunhas (…), (…), (…) e (…) prestaram. De novo realçamos que o ónus da prova deve ser levado a sério, não bastando, para que tal prova se faça, afirmações genéricas e conclusivas de testemunhas, sobretudo se estiverem em causa factos complexos como é a existência de um nexo de causalidade entre a incapacidade temporária de um gerente de uma sociedade para o exercício das suas funções e a paralisação ou a insolvência da mesma sociedade. Daí que não mereça censura a decisão do tribunal a quo sobre os factos em questão.

Os factos alegados no artigo 83.º da petição inicial encontram-se, tal como os do artigo 78.º, detalhados com o devido rigor nos n.ºs 37 a 42 da matéria de facto julgada provada pelo tribunal a quo, que não foram postos em causa pelo recorrente.

Inexistiu prova de que o recorrente passe os dias em casa a tentar, sem sucesso, arranjar trabalho. Daí que a sentença recorrida não mereça censura por ter julgado não provado o teor do artigo 100.º da petição inicial.

Nos artigos 133.º, 134.º e 135.º da petição inicial, está novamente em causa a incapacidade do recorrente. Como já referimos, os n.ºs 37 a 42 da matéria de facto julgada provada pelo tribunal a quo, que não foram postos em causa pelo recorrente, esclarecem devidamente a questão da incapacidade deste.

O conteúdo dos arts. 151.º, 152.º (parcialmente), 155.º e 156.º (este repetitivo do 155.º) foi convincentemente corroborado pelas testemunhas (…), (…), (…), (…), (…) e (…), sendo complementar do conteúdo do n.º 50 dos factos provados. Assim, deverá ser aditada a seguinte matéria de facto provada: N.º 50-A: “Em consequência das lesões que sofreu, o autor teve um grande desgosto e perdeu a alegria de viver, tendo-se tornado uma pessoa bastante complexada perante a situação que vive; N.º 50-B: “Em consequência das lesões que sofreu, o autor deixou de praticar as actividades descritas nos n.ºs 46 e 47, das quais retirava grande prazer; N.º 50-C: “O autor sente-se diminuído em relação à pessoa que era antes do acidente”.

Inexistiu qualquer meio de prova do conteúdo dos artigos 153.º e 154.º da petição inicial.

O conteúdo do artigo 190.º é manifestamente conclusivo. Ao julgá-lo não provado, o tribunal a quo apenas teve em vista o valor nele mencionado. Os meios de prova invocados nas alegações de recurso não justificam qualquer alteração.

Concluindo, a única alteração a que procedemos na decisão sobre a matéria de facto é o aditamento dos seguintes números ao elenco dos factos provados:

N.º 50-A: “Em consequência das lesões que sofreu, o autor teve um grande desgosto e perdeu a alegria de viver, tendo-se tornado uma pessoa bastante complexada perante a situação que vive;

N.º 50-B: “Em consequência das lesões que sofreu, o autor deixou de praticar as actividades descritas nos n.ºs 46 e 47, das quais retirava grande prazer;

N.º 50-C: “O autor sente-se diminuído em relação à pessoa que era antes do acidente”.

2 – Montante da indemnização a atribuir ao recorrente por lucros cessantes:

O aumento do montante da indemnização, atribuída ao recorrente na sentença recorrida, por lucros cessantes, tem como pressuposto a alteração da decisão sobre a matéria de facto no que concerne ao montante dos rendimentos daquele. Ora, esse pressuposto não se verifica, já que o n.º 65 da matéria de facto provada se mantém e os artigos 73.º, 74.º, 75.º, 80.º, 131.º e 132.º da petição inicial continuam a integrar o elenco dos factos não provados. Consequentemente, não há fundamento para aumentar o montante da indemnização por lucros cessantes que o tribunal a quo atribuiu ao recorrente.

3 – Montante da indemnização a atribuir ao recorrente por dano biológico:

O recorrente considera que, em consequência do acidente dos autos, “ficou (…) portador de uma incapacidade para o trabalho habitual, o que torna mais difícil a sua empregabilidade atendendo que tem mais de 50 anos”, e que, “por força da incapacidade que o afectará para o resto da vida e que está espelhada nos relatórios periciais, está (…) condenado a uma situação de desemprego permanente e de longa duração”. Com esse fundamento, pretende que o montante da indemnização por dano biológico seja aumentado para € 150.000,00.

Está provado que, em consequência do acidente, o recorrente apresenta um défice funcional permanente de integridade psíquico-física fixado em 16,4 pontos – n.º 42 dos factos provados. As concretas limitações de que o recorrente ficou a padecer são descritas nos números seguintes do elenco dos factos provados constante da sentença recorrida.

A argumentação expendida pelo recorrente, acima transcrita, parece partir do pressuposto de que ele ficou com um défice funcional permanente total. Ora, é evidente que isso não aconteceu. Longe disso. O recorrente não está incapacitado para exercer uma actividade profissional de natureza semelhante àquela que anteriormente exercia. Tal exercício apenas requererá esforços suplementares. Consequentemente, constitui um exagero afirmar-se que o recorrente se encontra condenado a uma situação de desemprego permanente e de longa duração. Considerando a iniciativa e a capacidade para o trabalho que já demonstrou, a sua experiência profissional e o concreto défice funcional permanente de integridade psíquico-física, parece-nos que o recorrente poderá exercer uma actividade profissional compatível com as suas habilitações.

Sendo assim, inexiste fundamento para alterar o montante da indemnização por dano biológico fixado na sentença recorrida.

4 – Montante da indemnização a atribuir ao recorrente por danos não patrimoniais:

O tribunal a quo fixou a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente em € 25.650,00. O recorrente considera este valor exíguo, atenta a gravidade dos referidos danos.

O artigo 496.º, n.º 1, do CC, estabelece que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito. A primeira parte do n.º 4 do mesmo artigo dispõe que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, a saber, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. A indemnização por danos não patrimoniais visa compensar o lesado do sofrimento em que aqueles se traduzem. Como o dano não pode ser suprimido, procura-se aquela compensação através da atribuição de uma quantia em dinheiro que, em toda a medida do possível, proporcione ao lesado um benefício proporcional ao seu sofrimento.

Atenta a gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente, o valor fixado pelo tribunal a quo deverá sofrer um significativo aumento.

Relevam nesta sede os factos descritos nos n.ºs 14 a 31 e 36 a 52 da matéria de facto provada. Resumidamente, o recorrente sofreu uma fractura do fémur direito e traumatismo da região lombar e do joelho, tendo-se sujeitado aos cuidados de saúde adequados ao tratamento dessas lesões. Foi sujeito a cinco intervenções cirúrgicas. Fez sessões de fisiatria e fisioterapia. Deslocou-se em cadeira de rodas. Andou cerca de seis meses com a marcha apoiada por duas canadianas e outros seis por uma canadiana. Sofreu um período de défice funcional temporário total de 15 dias, um período de défice funcional temporário parcial de 1090 dias e um período de repercussão temporária na sua actividade total por 1012 dias. Durante um período não concretamente apurado, deixou de conduzir. Apresenta um défice funcional permanente de integridade psíquico-física fixado em 16,4 pontos. Tem um encurtamento de 13 mm do membro inferior direito. Tem dificuldade em caminhar, designadamente subir e descer escadas ou rampas e em permanecer de pé muito tempo. Claudica e apresenta instabilidade do joelho, com limitação da mobilidade e cicatrizes, tendo sofrido um dano estético permanente fixado no grau 4 de uma escala crescente de 7. Sofreu dores fixadas num grau 5 numa escala crescente de 7. Em consequência das lesões que sofreu, deixou de praticar esqui na neve, de ir ao ginásio e de jogar futebol com amigos, actividades essas das quais retirava grande prazer. Sofreu uma repercussão nas actividades físicas e de lazer fixada no grau 2 de uma escala crescente de 7. Deixou de ser uma pessoa alegre e bem-humorada, passando a sentir-se triste, deprimido e ansioso. Teve um grande desgosto e perdeu a alegria de viver, tendo-se tornado uma pessoa bastante complexada perante a situação que vive. Sente-se diminuído em relação à pessoa que era anteriormente. Carece de acompanhamento médico regular, em particular nas especialidades de ortopedia e psiquiatria, com orientação terapêutica, sendo acompanhado em consulta de psiquiatria.

Considerando o teor da conclusão 16, note-se que não se provou a existência de um nexo de causalidade entre as lesões decorrentes do acidente e o facto de os apelantes terem deixado de ter relações sexuais, pelo este último não poderá ser incluído nos danos a indemnizar, nomeadamente nos danos não patrimoniais.

Só o facto de o recorrente ter sido submetido a 5 intervenções cirúrgicas, com o inerente sofrimento físico e psíquico, justifica uma indemnização de € 10.000,00.

Além de ter necessitado de se deslocar de cadeira de rodas por tempo não determinado, o recorrente andou cerca de seis meses com a marcha apoiada por duas canadianas e outros seis por uma canadiana. Tratou-se de uma grande limitação à vida normal do recorrente, inevitavelmente causadora de significativo esforço e sofrimento, durante cerca de um ano. O dano não patrimonial daí decorrente, pela sua gravidade, justifica uma indemnização de € 10.000,00.

O recorrente, que tinha 51 anos à data do acidente, ficou, em consequência deste, com dificuldades de locomoção significativas para o resto da sua vida. Ficou com uma perna mais curta que a outra e tem dificuldade em caminhar, designadamente em subir e descer escadas ou rampas. Tem, também, dificuldade em permanecer de pé durante muito tempo. Claudica e apresenta instabilidade do joelho. Tendo em conta a esperança média de vida de um homem no nosso país, que é, actualmente, de pouco mais de 80 anos, estamos a falar em sensivelmente 30 anos da vida do recorrente (tendo como ponto de referência a data do acidente) em que este, em vez de poder andar, correr e, genericamente, movimentar-se normalmente, sentindo apenas as limitações decorrentes do envelhecimento, irá coxear, irá limitar-se nas actividades físicas que desenvolve, ver-se-á impedido de praticar os desportos de que retirava prazer e que contribuíam para o manter saudável, irá sentir-se diminuído relativamente àquilo que ele próprio seria se o acidente não tivesse ocorrido. Serão, em princípio, 30 anos de vida em que, em cada passo que der, o recorrente sentirá os efeitos do acidente. Ora, este dano não patrimonial não pode ser menosprezado, justificando, por si só, uma indemnização de € 40.000,00.

O dano estético permanente e o quantum doloris sofridos pelo recorrente também são significativos, justificando uma indemnização de € 10.000,00.

Considerando ainda os restantes danos acima descritos, como o sofrimento psíquico do recorrente, afigura-se-nos justificada uma indemnização global, por danos não patrimoniais, no montante de € 80.000,00

Não se argumente, contra a fixação deste montante indemnizatório, que o mesmo é da mesma ordem de grandeza daquele que habitualmente é fixado para o dano morte. De acordo com esta linha de argumentação, constituindo a vida humana o bem jurídico supremo, a lesão de qualquer outro teria de gerar um direito de indemnização de montante inferior.

Este tipo de argumentação é criticável por ser puramente dogmático, pois baseia-se exclusivamente numa hierarquia abstracta de bens jurídicos, encimada pelo bem vida, quando há que atentar noutros factores mais importantes em sede de indemnização por danos não patrimoniais, como a intensidade e a duração do sofrimento da vítima, bem como o de ser esta última a beneficiária da indemnização. Por isso mesmo, trata-se de uma abordagem superficial, mesmo simplista, da problemática de que nos ocupamos, devendo ser rejeitada.

No sentido, que defendemos, da não limitação do montante da indemnização por danos não patrimoniais graves – como o são os sofridos pelo recorrido – pelos valores habitualmente fixados para a indemnização do dano morte, decidiram, por exemplo, os acórdãos do STJ de 19.06.2014, proferido no processo n.º 1679/10.0TBVCT.G1 (relator: Sérgio Poças) e de 08.06.2017, proferido no processo n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S1 (relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza).

Concluindo, a indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente deverá ser fixada em € 80.000,00, alterando-se a sentença recorrida nesta parte.

5 – Atribuição, ao recorrente, de uma indemnização por danos patrimoniais futuros:

O recorrente afirma que a sentença recorrida não se pronunciou quanto ao dano patrimonial futuro decorrente de uma “incapacidade permanente geral”, que não foi fixada, pretendendo que lhe seja atribuída uma indemnização a esse título. Como fundamento, o recorrente invoca um trecho do relatório pericial e não qualquer facto que esteja provado.

Como decorre do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, a decisão final só pode basear-se nos factos julgados provados, não em elementos constantes do processo que não tenham tido tradução nestes últimos. Só por isto, esta pretensão do recorrente carece de fundamento. Acresce que, se bem interpretamos a pretensão do recorrente, o dano em causa integra o dano biológico, não fazendo sentido autonomizá-lo e indemnizá-lo duplamente.

Concluindo:

A única alteração a fazer à sentença recorrida consiste na fixação da indemnização devida ao recorrente por danos não patrimoniais em € 80.000,00.

No que concerne à conclusão 15, em que são descritos danos sofridos pela recorrente mulher, nada há a decidir, pois não foi formulada qualquer pretensão com esse fundamento.


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Sumário:

(…)


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Decisão:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso parcialmente procedente, fixando-se a indemnização devida ao recorrente (…), por danos não patrimoniais, em € 80.000,00 (oitenta mil euros). No mais, confirma-se a sentença recorrida.

Custas por recorrente e recorrido, na proporção do seu decaimento.

Notifique.

Évora, 07 de Maio de 2020

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Mário Rodrigues da Silva

José Manuel Barata