Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||
Descritores: | ILICITUDE DO DESPEDIMENTO EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO | ||
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Data do Acordão: | 03/21/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1. Os requisitos de despedimento por extinção do posto de trabalho são cumulativos e incumbe ao empregador o ónus da sua prova, determinando a falta de qualquer deles a ilicitude do acto. 2. Nesta forma de despedimento, o critério básico ou nuclear da justa causa reside na impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho, exigindo, assim, a formulação de um juízo objectivo de inviabilidade de recolocação em posto de trabalho alternativo, com análise da cadeia de decisões do empregador que conduziu à cessação do contrato de trabalho. 3. É ilícito o despedimento por extinção do seu posto de trabalho se: - a decisão não fundamenta a escolha desse específico posto de trabalho para extinção; - não demonstra a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional da trabalhadora, em toda a estrutura organizativa da empregadora; - não efectua qualquer esforço comparativo com os demais postos de trabalho existentes na instituição e compatíveis com a categoria profissional da trabalhadora; - não descreve qualquer diligência adoptada com vista à recolocação da trabalhadora. (Sumário elaborado pelo relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Santarém, AA impugnou o despedimento por extinção do posto de trabalho decidido pela empregadora STECONFER, S.A.. Realizada a audiência prévia, sem conciliação das partes, a empregadora apresentou articulado motivador do despedimento, o qual mereceu a contestação da trabalhadora, sustentando a ilicitude do acto. Realizado julgamento, a sentença julgou a acção procedente, declarando ilícito o despedimento e condenando a empregadora a reintegrar a trabalhadora no seu posto de trabalho e a pagar-lhe os salários de tramitação. Inconformada, a empregadora recorreu, rematando as suas alegações com conclusões que não efectuam uma verdadeira síntese dos fundamentos pelos quais pede a revogação da sentença (longe disso), como exigido pelo art. 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil. De todo o modo, podem ali ser surpreendidas as seguintes questões fundamentais a decidir no recurso, que assim se identificam (art. 663.º n.º 2 do Código de Processo Civil): · Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quanto aos pontos 9 e 12 dos factos provados e quanto às alíneas a), b) e d) dos factos não provados; · Existência dos requisitos legais para a extinção do posto de trabalho e para o despedimento da trabalhador; · Impossibilidade de reintegração da trabalhadora, por não existirem funções compatíveis com as suas qualificações e por a relação estar deteriorada e comprometida. A resposta sustenta a manutenção do decidido. Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ao recurso ser negado provimento. Cumpre-nos decidir. Da impugnação da matéria de facto (…) Em resumo, a impugnação fáctica improcede na totalidade. Fica assim estabelecida a matéria de facto provada: 1. A trabalhadora iniciou funções na empregadora em 1 de Setembro de 2003 como Escriturária de 1ª na Direcção de Equipamentos e Logística. 2. Auferia o vencimento mensal de € 2.200,00 e tem como habilitações o 12º ano. 3. A designação da função da trabalhadora é: Escriturária de 1ª / Técnico (a) Administrativo (a). 4. A descrição das funções da trabalhadora é a seguinte: - Principais Atribuições e Responsabilidades · Acolhimento de pessoas que se dirigem à recepção da empresa, prestar informações solicitadas. · Atender chamadas telefónicas e respectivo encaminhamento. · Receber e distribuir devidamente o correio. · Gestão e reposição de consumíveis e economato, controlo e report de necessidades. · Realização de tarefas administrativas de apoio aos diversos departamentos quando necessário. · Gestão de encomendas e compras de equipamentos e peças solicitadas pelo departamento, e de apoio às obras em execução. · Apoio no transporte do pessoal à obra/aeroporto/localidades. · Apoio no levantamento e entrega de viaturas alugadas. · Gestão de espaço envolvente, copa e recepção, no que diz respeito a bens essenciais e materiais e de escritório. · Verificar e registar facturas na plataforma. · Tratamento do fornecimento de energia e registos da contagem da luz/água das casas alugadas pela Steconfer. · Gestão e manutenção das requisições. · Promover serviços de estafeta para o estaleiro e escritório. · Transportes de e para o aeroporto sempre que se verifique necessidade incluindo feriados e fins de semana. · Entrega e recolha de documentação da empresa sempre que solicitado e nos organismos competentes. · Preenchimento de registos associados às tarefas atribuídas de acordo com os processos de qualidade. - Responsabilidades Gerais ao Nível da Segurança e Ambiente: · Cumprir o definido nos procedimentos do sistema de gestão integrado. · Reportar melhorias para o sistema de gestão integrado. · Cumprir a legislação em vigor. · Cumprir as prescrições de segurança e saúde no trabalho estabelecidas em instrumentos de RCC, bem como as instruções determinadas pelo empregador. · Cumprir os planos de emergência em vigor. · Zelar pela sua segurança e pela sua saúde, bem como pela segurança e saúde dos demais que possam ser afectados pelas sua acções ou omissões no trabalho. · Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho. · Comparecer a consultas e exames, no contexto de vigilância da Saúde e Saúde Ocupacional. · Reportar acidentes/quase acidentes/incidentes ambientais. · Participar activamente nas reuniões ou formações promovidas pela empresa. · Utilizar correctamente e de acordo com as instruções transmitidas pelo empregador, máquinas, aparelhos, instrumentos e outros dispositivos ao seu dispor e no ambiente da sua função. · Em caso de perigo grave e iminente, adoptar medidas e instruções previamente estabelecidas para a situação em caso e comunicar ao superior hierárquico e Técnico de Saúde e Segurança no Trabalho. · Assegurar a conservação e boa utilização de bens, equipamentos ou instrumentos de trabalho providenciados pelo empregador. · Usar correctamente os EPI que são entregues pela empresa. · Usar correctamente EPC que são disponibilizados pela empresa. · Reportar quaisquer danos nos EPI e EPC para que se possa efectuar a sua substituição atempada. · Compromisso com a protecção do meio ambiente em contexto de trabalho, em consonância com a lei, com o sistema integrado e respectiva política bem como com o dever cívico individual. · Efectuar a correcta segregação dos resíduos. 5. Em caso de falta ou impedimento, a trabalhadora é substituída por um Técnico Administrativo. 6. Os requisitos para a função são: - Licenciatura ou 12º ano; - Experiência prévia em tarefas de apoio à Logística; - Carta de Condução (obrigatório); - Utilizador intermédio de MS Office; - Conhecimentos de ERP Primavera; - Organizado e Metódico; - Responsável e expedito. 7. A empregadora é uma sociedade comercial cujo objecto social corresponde à construção de vias férreas, construção civil e obras públicas. 8. A empregadora implementou uma estratégia de aposta nos mercados internacionais. 9. O Departamento de Equipamentos e Logística, sofreu alterações traduzidas na eliminação ou transferência de funções da trabalhadora para outras pessoas. 10. A função de compra da maior parte das peças e equipamentos para as obras fora de Portugal, passou para quem está nos respectivos locais. 11. A empregadora adoptou um sistema de atendimento telefónico automático. 12. As tarefas relativas ao atendimento de quem vai à empresa, à compra de peças em Portugal, ao correio e ao economato passaram a ser feitas por outros trabalhadores da empregadora. 13. A empregadora deixou de transportar os trabalhadores para as obras/aeroporto. 14. Em 1 de Setembro de 2022, a empregadora, procedeu à comunicação de intenção de proceder à extinção do posto de trabalho da trabalhadora. 15. Tendo a trabalhadora sido notificada desta comunicação em 28 de Setembro de 2022. 16. E de cuja exposição de motivos consta, nomeadamente, o seguinte: “8. (…) deixa de fazer sentido a existência de uma Escriturária de 1" na Direcção de Equipamentos e Logística da Steconfer, que passará a ter maioritariamente uma actuação de coordenação de meios à distância nos projectos internacionais. 9. Visto que, por força da reestruturação de tal área, determinadas funções serão realocadas a outras áreas de actuação da Steconfer e outras serão mesmo extintas. 10. A título de exemplo as tarefas respeitantes à portaria serão extintas e a mesma será encerrada, por desnecessária. 11. Entre outros aspectos, as tarefas respeitantes a serviços externos serão da responsabilidade de cada área funcional. 12. Note-se que o economato e o correio, tarefas que actualmente são já residuais, passarão a ser áreas de actuação exclusiva da Direcção de Recursos Humanos. 13. Com efeito, da mencionada realocação de funções às correspondentes áreas de actuação, decorre que o posto de trabalho se torna absolutamente excendentário na estrutura da Direcção de Equipamentos e Logística. (…)”. 17. Uma vez que, o contrato cessou no dia 24 de Janeiro de 2023, a empregadora, procedeu no dia 23 de Janeiro de 2023, ao pagamento do montante referente à compensação e créditos vencidos e exigíveis, por efeito da referida cessação. 18. Mediante transferência bancária para o IBAN …, do qual a mesma é titular, o valor de 28.629,60€ (vinte e oito mil seiscentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos). 19. Pela empregadora foram ainda enviados à trabalhadora, os documentos necessários a fim de comunicar a situação de desemprego à Segurança Social. 20. Em 24 de Janeiro de 2023, a trabalhadora procedeu à devolução do montante acima referido, a favor da empregadora. APLICANDO O DIREITO Requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho A sentença recorrida declarou ilícito o despedimento, sob a seguinte fundamentação essencial: - o esvaziamento de funções da trabalhadora não pode considerar-se uma restruturação na organização produtiva; - não se pode considerar que o posto de trabalho da trabalhadora desapareceu, pois apenas duas das suas funções deixaram de existir; - continuam a ser realizadas várias tarefas que eram desempenhadas pela trabalhadora; e, - não se provou que a subsistência da relação de trabalho seja praticamente impossível, pois a empregadora limitou-se a afirmar que não dispõe de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional da trabalhadora e que esta não tem habilitações para outras funções. Diremos a este propósito o seguinte. O art. 368.º n.º 1 do Código do Trabalho estabelece quatro requisitos, cumulativos, para o despedimento por extinção do posto de trabalho, cujo ónus de prova incumbe ao empregador, determinando a falta de qualquer deles a ilicitude do acto.[2] Dedicaremos a nossa atenção, em especial, ao primeiro e ao segundo, pois os constantes das als. c) e d) do n.º 1 do art. 368.º – inexistência de contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto e inaplicabilidade do despedimento colectivo – não suscitam qualquer discussão face ao manancial fáctico recolhido nos autos. Quanto ao primeiro requisito – ausência de imputação culposa dos motivos invocados à conduta culposa do empregador ou do trabalhador – nada está apontado nos autos quanto ao incumprimento de deveres laborais por parte da trabalhadora. No que diz respeito à empregadora, “exige-se uma imputação a título de culpa, envolvendo um juízo valorativo de censura ou reprovação da actuação da entidade empregadora. Não basta a simples constatação de que as razões justificativas da eliminação do posto de trabalho se ligam à vontade do empresário. Aliás, a própria natureza dos motivos invocados envolve, as mais das vezes, a sua directa imputação à vontade do empregador.”[3] No caso, a Ré invoca a internacionalização da empresa, com menor necessidade de intervenção do departamento onde a trabalhadora estava integrada (a Direcção de Equipamento e Logística), o que determina a sua reestruturação e extinção do posto de trabalho em causa. A alteração da estrutura da Ré pode não ser considerada imprudente, arbitrária ou irrazoável[4], mas não explica porque se decidiu extinguir aquele posto de trabalho específico. A decisão de despedimento não descreve a estrutura da empresa, não enquadra a trabalhadora nessa estrutura, não identifica as tarefas que esta desempenhava, e não explica quais dessas tarefas deixaram de ser necessárias na empresa, nem o modo pelo qual esse facto determina a extinção do seu específico posto de trabalho. Como bem se observa na sentença recorrida, “não se pode considerar que o posto de trabalho da trabalhadora desapareceu, pois apenas duas das suas funções efectivamente, deixaram de existir. Relativamente às funções de atendimento das pessoas que vão à empresa, tratamento do correio, compra das peças e equipamentos para as obras (em Portugal e no estrangeiro), gestão do economato, demonstrou-se que tais tarefas continuam a ser feitas, mas por outras pessoas. Destas tarefas, a única que se demonstrou ter saído da esfera de actuação da trabalhadora é a compra de equipamentos e peças fora de Portugal.” A Ré também não alegou, nem demonstrou, o cumprimento do segundo requisito exigido por lei para o despedimento por extinção do posto de trabalho: que fosse praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. O n.º 4 do art. 368.º do Código do Trabalho esclarece que, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador. A Lei 27/2014, de 8 de Maio, repôs a redacção original do art. 368.º n.º 4 do Código do Trabalho, depois da alteração que lhe havia sido introduzida pela Lei 23/2012, de 25 de Junho, ter sido declarada inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2013, por violação da proibição de despedimentos sem justa causa consagrada no art. 53.º da Constituição. Para melhor compreensão do carácter nuclear deste requisito no cumprimento daquela proibição constitucional, cita-se o seguinte excerto do supra referido aresto: «O conceito constitucional de “justa causa” abrange a possibilidade de rescisão unilateral do contrato de trabalho, pela entidade patronal, com base em certos motivos objectivos, mas apenas quando estes “não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador” e “tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral” (cfr. o Acórdão n.º 64/91). Como já foi referido, decorre desta exigência que o despedimento por causa objectiva seja configurado como uma ultima ratio, o que não é compatível com a dispensa do dever de integrar o trabalhador em posto de trabalho alternativo, quando este exista. Nem é compatível, acrescente-se, com uma cláusula aberta que deixe nas mãos do aplicador-intérprete a possibilidade de casuisticamente concretizar, ou não, um tal dever. Dito de outro modo, a cláusula geral da “impossibilidade prática da subsistência do vínculo laboral” – que, no plano infraconstitucional concretiza a ideia de ultima ratio – só é constitucionalmente conforme quando se apresente negativamente delimitada, no sentido de excluir a possibilidade de dar como verificada tal impossibilidade em casos em que exista posto de trabalho alternativo e adequado ao trabalhador em causa.» Conclui, ainda, o referido aresto que os “motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos” invocados pelo empregador para fundamentar a decisão de extinção de um posto de trabalho, «mostram-se incapazes, só por si, de fundamentar a impossibilidade da subsistência de uma concreta relação de trabalho que, em consequência daquela decisão de extinção do posto de trabalho, se mostre afectada.» Embora se possa afirmar que não existe um dever de a entidade empregadora criar novos postos de trabalho ou proceder à reconversão profissional do trabalhador, o despedimento por causa objectiva é, por exigência constitucional, uma ultima ratio, impondo um dever de integrar o trabalhador em posto de trabalho alternativo, aproveitando ao máximo os trabalhadores excedentários. “No fundo, trata-se de afirmar algo que já resulta de princípios e regras gerais, impondo que o empregador procure, na medida das possibilidades consentidas por uma gestão racional da organização, reafectar os trabalhadores excedentários a outros postos de trabalho de que eventualmente disponha.”[5] No caso, apurou-se que a trabalhadora foi contratada para exercer as funções de escriturária de 1.ª, desempenhando as tarefas melhor descritas no ponto 4 do elenco fáctico, sendo os requisitos dessas funções os mencionados no ponto 6. Na decisão de despedimento, a Recorrente não analisa as competências da trabalhadora, não realiza qualquer esforço de integração da mesma em posto de trabalho alternativo, aproveitando as suas capacidades, nem justifica sequer porque tal integração não é viável. Ou seja, a decisão de despedimento nada diz acerca de quais os critérios que levaram especificamente à escolha do posto de trabalho da A. para extinção, como também não efectua qualquer exercício justificativo da inexistência de outro posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional. A decisão de despedimento, no que respeita à inexistência de posto de trabalho compatível com a categoria e funções da trabalhadora, é conclusiva, pois não realiza qualquer tarefa de pesquisa de outros postos de trabalho na instituição que possam ser compatíveis, nem explica porque não podem ser ocupados pela trabalhadora. Como correctamente se afirma na sentença recorrida, “há que atentar no facto de que a figura da extinção do posto de trabalho requer que a subsistência da relação de trabalho seja praticamente impossível, cujo pressuposto não se provou, porquanto a empregadora limitou-se a afirmar que não dispõe de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional da trabalhadora (por ser a única Escriturária que existe na empresa) e que a trabalhadora não tem habilitações para outras funções. A empregadora não alegou nem demonstrou quais são os postos de trabalho que correspondem às suas necessidades e que existem na empresa, bem como as habilitações necessárias para tanto, pelo que não se sabe se a trabalhadora poderia, ou não, ser enquadrada nas mesmas. Assim, não de pode afirmar que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível.” Compete à empregadora o ónus de prova de todos os requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho, sendo que o relativo à impossibilidade prática de manutenção da relação de trabalho é nuclear no cumprimento da proibição constitucional de despedimentos sem justa causa, impondo a exclusão de considerar como verificada tal impossibilidade em casos em que exista, na estrutura organizativa da empregadora, posto de trabalho alternativo e adequado ao trabalhador em causa. Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que «o cumprimento dos critérios legais exigidos para a extinção do posto de trabalho não é suficiente para garantir a licitude do despedimento, sendo, também, necessário que o empregador prove a impossibilidade da manutenção do vínculo laboral, através do dever que impende sobre ele, por ser seu ónus, de demonstrar a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador», em toda a sua estrutura organizativa.[6] O despedimento por extinção do posto de trabalho é o culminar de “uma cadeia de decisões do empregador situadas em diferentes níveis mas causalmente interligadas: esquematicamente, uma decisão gestionária inicial, uma decisão organizativa intermédia (a extinção do posto de trabalho) e uma decisão contratual terminal (a do despedimento). (…) Mas a apreciação da justa causa reveste-se aqui de importantes particularidades. Ela incidirá (…) no nexo sequencial estabelecido entre a extinção do posto de trabalho e a decisão de extinguir o contrato, tendo de permeio o insucesso de diligências tendentes à recolocação do trabalhador. É em relação a esse nexo e a cada um dos seus elementos que deve fazer-se a verificação dos requisitos fundamentais (…), em especial a da impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho (…).”[7] No despedimento por extinção do posto de trabalho, o critério básico ou nuclear da justa causa reside na impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho, exigindo, assim, a formulação de um juízo objectivo de inviabilidade de recolocação em posto de trabalho alternativo, com análise da cadeia de decisões do empregador que conduziu à cessação do contrato de trabalho. No caso em apreço, a cadeia de decisões do empregador iniciou-se pela afirmação da necessidade de redução de um posto de trabalho, face à internacionalização da empresa e reestruturação do departamento onde a trabalhadora estava integrada. Mas não identificou os diversos postos de trabalho existentes e equivalentes com o da A. nem concretizou o motivo pelo qual se optou pela extinção do seu posto de trabalho – tanto mais que está demonstrado que várias das tarefas que a trabalhadora desempenhava continuam a ser realizadas, agora por outros trabalhadores. Também não efectuou qualquer esforço comparativo com os demais postos de trabalho existentes na instituição e compatíveis com a categoria profissional da trabalhadora, nem racionalizou, de forma fundamentada, a escolha do seu específico posto de trabalho para extinção. Finalmente, a decisão de despedimento não descreveu qualquer diligência adoptada com vista à recolocação da trabalhadora, nem concretizou, também de forma fundamentada, a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional, em toda a estrutura organizativa da instituição. Ponderando que o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento – art. 387.º n.º 3 do Código do Trabalho – é desde logo patente que a decisão comunicada à trabalhadora não demonstra o cumprimento do requisito constante do art. 368.º n.º 1 al. b) e n.º 4 daquele diploma – ser praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Como tal, o despedimento é ilícito, como bem decidiu a sentença recorrida, nos termos do art. 384.º al. a) do Código do Trabalho. Argumenta a Ré, ainda, que não deve ser ordenada a reintegração da trabalhadora, por não haver possibilidade de reintegração da trabalhadora e a relação de confiança estar deteriorada e comprometida. O art. 392.º n.º 1 do Código do Trabalho prevê que o tribunal exclua a reintegração em caso de microempresa ou de trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção. Nem uma, nem outra destas situações está preenchida. A Ré não demonstrou que é uma microempresa, ou que a trabalhadora ocupasse um daqueles cargos, pelo que a pretensão de exclusão da reintegração está liminarmente excluída. Pelo que mesmo nesta parte deve a sentença ser confirmada. DECISÃO Destarte, negando provimento ao recurso, confirma-se a sentença recorrida. Custas pela Ré. Évora, 21 de Março de 2024 Mário Branco Coelho (relator) Paula do Paço João Luís Nunes _________________________________________________ [1] Publicado no DR, I Série, de 14.11.2023, com o sumário rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 25/2023, de 28.11.2023. [2] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., 2016, pág. 909. [3] Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª ed., 2017, pág. 296. [4] Idem, ibidem, pág. 298. [5] Pedro Furtado Martins, loc. cit., pág. 305. [6] Acórdão de 06.04.2017 (Proc. 1950/14.2TTLSB.L1), publicado em www.dgsi.pt. [7] António Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.ª ed., 2006, págs. 591/592, em análise a norma idêntica do art. 403.º n.º 3 do Código do Trabalho de 2003. |