Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
579/21.3T8EVR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: TRANSMISSÃO DA EMPRESA OU ESTABELECIMENTO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
REGIME MAIS FAVORÁVEL
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Sumário:
(Sumário do Acórdão)
1. A realização dos serviços de vigilância e segurança em instalações de um cliente implicam, necessariamente, um conjunto de meios organizados que constitui uma unidade produtiva autónoma, com identidade própria, e com o objectivo de prosseguir uma actividade económica.
2. Ocorre a transmissão dessa unidade, se a nova prestadora desses serviços mantém o mesmo número de vigilantes que a antecessora ali havia colocado, recebe metade desses vigilantes e substitui a outra metade por outros trabalhadores e continua a utilizar parte dos mesmos equipamentos que a antecessora já utilizava.

(Sumário da declaração de voto do Relator)

3. A convenção colectiva de trabalho pode regular as matérias respeitantes à transmissão de empresa ou estabelecimento, em sentido mais favorável aos trabalhadores.
4. Como tal, a convenção colectiva de trabalho pode estabelecer normas relativas à manutenção dos contratos de trabalho em caso de perda de um local de trabalho ou cliente, pela empresa empregadora – in casu, na área da prestação de serviços de vigilância e segurança.
5. Os trabalhadores que beneficiam das condições mais favoráveis assim estabelecidas, não perdem a protecção conferida por tal convenção, apenas porque o novo prestador dos serviços de segurança no local onde desempenhavam as suas funções está vinculado a outra convenção, que exclui do “conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador.”
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Évora, A… e B… propuseram acção declarativa com processo comum contra PROSEGUR – Companhia de Segurança, Lda., e RONSEGUR – Rondas e Segurança, S.A., formulando os seguintes pedidos:
a) ser declarado ilícito o despedimento efectuado pela 1.ª Ré e esta condenada a reintegrar ou indemnizá-los, conforme opção a realizar, e a pagar-lhes as remunerações vencidas desde 01.01.2021 e as vincendas, e ainda subsídio nocturno, trabalho suplementar, subsídio de refeição, e dias de férias por gozar;
b) caso assim não se entenda, deve a 2.ª Ré ser condenada a reconhecer que os contratos de trabalho se lhe transmitiram, com todos os direitos inerentes, incluindo antiguidade, remuneração e categoria profissional e que ao não ter admitido os trabalhadores ao seu serviço no dia 01.01.2021 procedeu ao seu despedimento ilicitamente, pelo que deve ser condenada a pagar as mesmas quantias.
Alegaram que exerciam a actividade de vigilância, sob as ordens e direcção da 1.ª Ré, nas instalações de uma terceira entidade. A 2.ª Ré sucedeu à 1.ª na prestação de tais serviços naquele local, mas recusou admitir os aqui AA..
A 1.ª Ré contestou e disse que os contratos se transmitiram para a 2.ª Ré, por transmissão do estabelecimento. Já a 2.ª Ré disse o contrário, que não existiu tal transmissão e que não sucedeu nos contratos de trabalho.
Realizado o julgamento, a sentença julgou a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos:
1. condenou a 2.ª Ré a reconhecer que os contratos de trabalho celebrados entre os AA. e a 1.ª Ré se transmitiram para a primeira, com todos os direitos inerentes aos mesmos, incluindo antiguidade, remuneração e categoria profissional;
2. declarou ilícito o despedimento dos AA. pela 2.ª Ré;
3. condenou a 2.ª Ré a pagar ao 1.º A. a quantia global de € 8.758,09, a título de indemnização em substituição de reintegração;
4. condenou a 2.ª Ré a pagar ao 2.º A. a quantia global de € 11.942,85, a título de indemnização em substituição de reintegração;
5. condenou a 2.ª Ré a pagar a cada um dos AA. a quantia correspondente às retribuições que os mesmos deixaram de auferir desde o respectivo despedimento (1 de Janeiro de 2021), até ao trânsito em julgado da decisão – incluindo, no caso do 1.º A., o montante correspondente aos 5 dias de férias não gozados no ano de 2020 –, à qual deverão ser deduzidas (i) as importâncias que cada um dos trabalhadores tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, (ii) a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, e (iii) o subsídio de desemprego atribuído a cada um dos trabalhadores no período em causa, devendo a 2.ª Ré entregar essa quantia ao Instituto da Segurança Social, I.P., sendo a referida quantia a liquidar, se necessário, em sede de ulterior incidente de liquidação;
6. absolveu a 2.ª Ré do demais peticionado;
7. absolveu a 1.ª Ré de tudo quanto contra ela foi peticionado.

Inconformada, a 2.ª Ré recorre e conclui:
I. Em 4 de Novembro de 2020, a Ronsegur e a sociedade Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A. celebraram um escrito denominado de ‘contrato de prestação de serviços de vigilância n.º 228/2020’, mediante o qual declararam que a primeira prestaria à segunda os serviços de vigilância/segurança, nas instalações desta sitas na Zona Industrial Matadouro, 7200-232 Reguengos de Monsaraz, com início no dia 1 de Janeiro de 2021, e mediante o pagamento de um preço acordado pelas partes.
II. A partir de 1 de Janeiro de 2021, a Ronsegur passou a prestar os referidos serviços de vigilância nas instalações da sociedade Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A.
III. A partir de 1 de Janeiro de 2021, C… e D… continuaram a exercer funções de vigilantes, nas instalações da sociedade Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A., sitas na Zona Industrial Matadouro, 7200-232 Reguengos de Monsaraz, agora por conta e no interesse da Ronsegur.
IV. Os referidos vigilantes C… e D… deslocaram-se à sede da Ronsegur, no dia 30 de Dezembro de 2020, onde assinaram documentos denominados de ‘contratos de trabalho’ e frequentaram uma acção de formação relacionada com o regulamento interno e manual de procedimentos da empresa, riscos profissionais e medicina do trabalho, e apresentação da plataforma de processamento de salários.
V. A Ronsegur não utiliza, nos serviços por si prestados à sociedade Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A., fardas, impressos, bastões de ronda, alvarás ou licenças da Prosegur.
VI. Os trabalhadores da Ronsegur que exercem funções nas instalações da sociedade Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A. utilizam fardas e registos de relatórios (de ocorrências ou registo de entradas/saídas de pessoas) fornecidas pela Ronsegur, com o modelo e imagem identificativos da mesma.
VII. Além dos equipamentos acima referidos, os trabalhadores da Ronsegur utilizam igualmente o sistema de videovigilância, o sistema de alarme e a báscula de pesagem acima referenciados, no âmbito das respectivas funções.
VIII. A Ronsegur tem métodos de trabalho próprios, códigos de conduta próprios, normas de serviço próprias e procedimentos internos próprios, diversos dos da Prosegur.
IX. A Ronsegur organizou a afectação dos seus vigilantes, elaborou mapas de horário de trabalho, planeamento de férias e substituição de trabalhadores tendo em vista o início da prestação de serviços de vigilância nas instalações da Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A.
X. A Prosegur não entregou à Ronsegur alvarás ou licenças para o exercício da actividade, nem quaisquer informações sobre as instalações da Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A. ou, ainda, as chaves das respectivas instalações.
XI. Não houve transferência da Prosegur para a Ronsegur de quaisquer bens ou equipamentos para a prossecução da actividade no referido cliente.
XII. A Ronsegur não reconheceu os autores como seus trabalhadores.
XIII. O sistema de videovigilância, o sistema de alarme e a báscula acima referidos pertencem à Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A.
XIV. A situação, de facto e de direito, e com base nos factos provados impunha decisão diversa.
XV. O artigo 285.º, n.º 1, do Código do Trabalho determina a transmissão para o adquirente da posição de empregador dos trabalhadores de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, caso ocorra uma transmissão, a qualquer título, da sua titularidade.
XVI. A unidade económica é o conjunto de meios organizados que constitui uma unidade produtiva, com autonomia técnico-organizativa e identidade própria, destinada ao exercício de uma actividade económica, principal ou acessória.
XVII. Na base da norma nacional está, de facto, o conceito de entidade económica resultante da Directiva 2001/23/CE, que nos diz no seu artigo 1.º, alínea b), que “é considerada transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória”.
XVIII. A autonomia técnico-organizativa, referida no artigo 285.º, n.º 5, deve ser interpretada à luz da Directiva: a unidade económica deve ser estável e dispor de uma suficiente autonomia funcional”.
XIX. A jurisprudência do Tribunal de Justiça tem evoluído no sentido de considerar que em determinados sectores de actividade, como de serviços de vigilância ou de limpeza, em que a actividade produtiva reside fundamentalmente na mão de obra, esta actividade laboral pode ser considerada uma “entidade económica” no sentido da Directiva
XX. Porém, não podemos falar em transmissão quando esta operação não for acompanhada de uma cessão, entre uma empresa e a outra, de elementos significativos do activo, corpóreos ou incorpóreos, e do reemprego, pela nova empresa, de uma parte essencial dos efectivos, em termos de número e de competências, que o seu predecessor afectava à execução do seu contrato”.
XXI. A Lei nº 34/2013 de 16.05, alterada pela Lei n.º 46/2019, de 08.07 (que veio reforçar as exigências aos profissionais e empresas de segurança privada), impõe uma série de requisitos que condicionam a actividade das empresas de segurança, como sejam a necessidade de obtenção de licenças, alvarás e deveres de prestação de caução, bem como um conjunto de deveres de grande exigência quanto ao modus operandi destas empresas e ainda a sujeição a regras procedimentais estritas no que respeita aos sistemas de controlo e vigilância e aos sistemas de alarmes que utilizem.
XXII. Tudo isto é revelador das exigências técnicas e materiais imprescindíveis à actividade desenvolvida no âmbito dos serviços de vigilância e segurança, exigindo, por isso, o legislador, em relação a estes trabalhadores, uma formação profissional específica, a que acresce a obrigatoriedade de deter carteira profissional e a de se sujeitarem a requisitos de aptidão específicos, bem como à utilização de um uniforme que permita a sua identificação.
XXIII. Ora, a complexidade e as exigências técnicas, materiais e de formação profissional dessa actividade de segurança privada, que são imprescindíveis para o exercício da actividade, nos termos que decorrem do respectivo enquadramento legal e se espraiam nos factos que se provaram nos autos, não permitem, em nosso entender, que se equipare esta actividade a outras exclusivamente assentes em mão de obra/no “capital humano”, como por exemplo os serviços de limpeza de escritórios e/ou casas particulares.
XXIV. Ademais, os trabalhadores da Prosegur que foram contratados pela Ronsegur só o foram, mediante contrato de trabalho a termo certo e após terem formação.
XXV. Não se extrai do quadro factual traçado em juízo que o conjunto de trabalhadores composto pelos aqui autores – ou cada um deles individualmente considerados - tivesse autonomia no seio da empresa de segurança onde prestavam a sua actividade profissional, não se tendo provado que esse conjunto de trabalhadores formasse um complexo humano organizado que conferia, por si só, individualidade à actividade desenvolvida no seio da Prosegur e que aí tivesse autonomia.
XXVI. O princípio da livre contratação constitui corolário do direito de iniciativa económica privada; mas a liberdade negocial não é absoluta, antes sofre limitações várias, designadamente no que concerne ao contrato de trabalho, sujeito como está a várias normas legais imperativas -Ac. do Tribunal Constitucional de 17/5/89, BMJ 387º, 128.
XXVII. O que importa é, assim, analisar, em relação a cada hipótese concreta, o conjunto de circunstâncias presentes no caso em análise e ponderar o peso relativo de cada uma delas, tendo em conta o tipo de actividade desenvolvido, como se decidiu no Ac. da Relação de Lisboa de 24/5/2006, proc. 869/06, disponível em www.dgsi.pt.
XXVIII. O decidido assenta numa presunção/ficção de que ocorre uma transferência da unidade económica e não em factualidade que indique de que a mesma ocorreu de facto.
XXIX. As empresas disputaram o cliente num quadro concorrencial. O TJ, embora entretanto tenha deixado de referir o argumento, chegou a afirmar que o facto de inexistir “vínculo de natureza contratual entre o cedente e o cessionário”, pode constituir um indício de que não houve transferência na acepção da directiva – Ac. Süzen, nº 11 (A inexistência de qualquer vínculo de natureza contratual entre o cedente e o cessionário ou, como no caso dos autos, entre as duas empresas a que foram sucessivamente confiados os trabalhos de limpeza de um estabelecimento escolar, embora possa constituir um indício de que não houve transferência na acepção da directiva, não pode revestir uma importância determinante a esse respeito), e ainda Ac. de 25 de Janeiro de 2001, Liikenne, processo C-172/99, ECLI:EU:C:2001:59, nº 28; e nº 22 do Ac.Hidalgo.
XXX. No caso presente, uma série dos indícios surpreendidos na fundamentação do aresto são poucos relevantes, dada a natureza da actividade e o modo como ocorreu a substituição do prestador de serviços. Assim a manutenção do cliente, já que o que está em causa à a atribuição de uma prestação de serviços solicitada por esse cliente, não é significativo. De igual modo a identidade do serviço a prestar, os locais de prestação de serviços e horários, já que se trata da definição do serviço a prestar pretendido pela cliente e por esta previamente definidos. A ausência de hiato temporal, em casos destes não assume igualmente relevo de monta, pois que o cliente pretende, apesar da mudança de fornecedor, manter a sua segurança sem qualquer solução de continuidade.
XXXI. No caso não houve transmissão de qualquer bem, seja corpóreo seja incorpóreo, entre as duas empresas. Ambas estão habilitadas a prestar serviços de vigilância, tendo o respectivo alvará. Quanto ao número de efectivos ser igual, o seu valor para sustentar a manutenção da identidade da entidade económica é irrelevante. O número ser o mesmo numa circunstância em que se previa o mesmo tipo de serviço a prestar, só pode significar que ambas as empresas fizeram uma alocução de meios humanos racional.
XXXII. Verifica-se assim que, no caso concreto, os factos provados não preenchem os requisitos indiciadores do “elemento transmissivo” e da autonomia da entidade económica, condição sine qua non para o reconhecimento da transmissão da titularidade ou da exploração de uma unidade económica, para efeitos de aplicação do regime jurídico consagrado no art. 285.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009, pelo que o julgado não pode ser mantido.
XXXIII. Errou o Tribunal a quo na afirmação da transmissão dos contratos de trabalho dos autores, em violação do citado normativo e direito comunitário.
XXXIV. Nos termos do disposto no art.º 286º-A do Código do Trabalho, “1 - O trabalhador pode exercer o direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em caso de transmissão, cessão ou reversão de empresa ou estabelecimento, ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, nos termos dos n.ºs 1, 2 ou 10 do artigo 285.º, quando aquela possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança.
XXXV. Resulta dos factos provados (pontos 22 e 23 dos factos provados) que os autores se opuseram, por escrito, à transmissão que lhe havia sido comunicada pela Prosegur.
XXXVI. O direito de oposição à mudança de empregador não se encontra expressamente consagrado da Directiva. Todavia, resulta do acórdão Katsikas (C-132/91, C-138/91 e C-139/91, ac. de 16-12-1992) que o art. 3º nº 1 da Directiva “não obsta a que o trabalhador ocupado pelo cedente se oponha à transferência para o cessionário do seu contrato ou relação de trabalho”. Posteriormente, os acórdãos Merckx e Neuhuys (Processos C-171/94 e C-172/94, ac. de 7-03-1996), Europièces (Processo C-399/96, ac. de 12-11-1998) e Temco (Processo C-51/00, ac. de 24-01-2002) vêm confirmar o reconhecimento desse direito, em diferentes contextos laborais.
XXXVII. O reconhecimento do direito de oposição ao trabalhador é uma consequência lógica e sistemática do ordenamento jurídico e dos princípios gerais do Direito. LIBERAL FERNANDES entendia já que a Directiva, conforme interpretada pelo TJ, conferia aos trabalhadores o direito de se oporem à mudança de empregador. Segundo este autor, era legítimo que o trabalhador pudesse recusar a mudança de empregador, particularmente quando tivesse “dúvidas quando à solvabilidade ou viabilidade da empresa, ou se não lhe merece confiança a política de pessoal ou a organização do trabalho adoptadas pelo cessionário”.
XXXVIII. O direito de oposição decorria directamente dos princípios gerais do direito civil e laboral, nomeadamente a dignidade da pessoa humana, a liberdade e a autonomia privada do trabalhador. Sendo o trabalhador uma pessoa livre e não um mero “servo”, se ele não pudesse escolher, ao menos, a pessoa para quem trabalha, esvaziar-se-ia por completo a “asserção reiterada da OIT de que o trabalho não é uma mercadoria.
XXXIX. Por força do direito ao “livre desenvolvimento da pessoa humana”, da “livre escolha do empregador, o Estado não pode vincular uma pessoa a um empregador contra a sua vontade, visto que “a pessoa é sujeito e não objecto, é fim e não meio das relações jurídicas”.
XL. Não podia, pois, o Tribunal a quo desconsiderar o exercício deste direito e, pese embora o vertido na sua fundamentação, nada lhe permitia afirmar o seu não exercício – quando muito poderia ter tentado averiguar se os autores o teriam ou não exercido caso tivessem tido conhecimento dos factos que dizem ter-lhes sido omitidos, mas a questão não é sequer abordada na decisão em crise.
XLI. Ao considerar que, mesmo com esta oposição expressa, os contratos de trabalho se transmitiram, a sentença afronta não só direitos fundamentais dos trabalhadores como as orientações da jurisprudência comunitária e a lei que, no n.º 2 do citado normativo determina que “A oposição do trabalhador prevista no número anterior obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho”, mantendo-se o vínculo ao transmitente.
XLII. Por isso, ainda que tivesse ocorrido uma transmissão do estabelecimento – o que não se concede – sempre os contratos de trabalho não se transmitiram para a esfera da Ronsegur, por oposição expressa dos autores.
XLIII. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 285.º do Código do Trabalho.
XLIV. Por tudo, deve ser alterado o sentido da decisão, dela se absolvendo a recorrente.

Não foi oferecida resposta.
A Digna Magistrada do Ministério Público nesta Relação emitiu o seu parecer.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

A matéria de facto foi assim fixada na sentença recorrida:
(Quanto ao objecto social das Rés e à relação contratual entre os Autores e a 1.ª Ré Prosegur)
1. A 1.ª Ré Prosegur e a 2.ª Ré Ronsegur são sociedades comerciais que se dedicam à prestação de serviços de segurança privada.
2. Entre o 1.º Autor A… e a 1.ª Ré Prosegur foi celebrado escrito denominado de ‘contrato de trabalho tempo parcial n.º 487684’, datado de 6 de Agosto de 2010, mediante o qual declararam que a segunda admitia o primeiro ao seu serviço para exercer as funções inerentes à categoria de vigilante, a partir de 11 de Agosto de 2010, a tempo parcial e com um período de trabalho de duração máxima de 132 horas mensais, mediante o pagamento da quantia de € 3,66, a título de retribuição horária.
3. Em 1 de Julho de 2011, o Autor A… e a 1.ª Ré Prosegur celebraram um escrito denominado de ‘adenda’, mediante o qual declararam que o primeiro deveria cumprir um horário, que poderá ser por turnos rotativos, de duração de 40 horas semanais, mediante o pagamento pela segunda da quantia de € 641,93, a título de retribuição mensal, e de € 5,69, a título de subsídio de alimentação.
4. Entre o Autor B… e a 1.ª Ré Prosegur foi celebrado escrito denominado de ‘contrato de trabalho n.º 421956’, datado de 26 de Novembro de 2006, mediante o qual declararam que a segunda admitia o primeiro ao seu serviço para exercer as funções inerentes à categoria de vigilante, com efeitos a partir de 2 de Novembro de 2006, mediante o pagamento da quantia de € 595,13, a título de retribuição mensal.
5. A 1.ª Ré Prosegur é filiada na AES – Associação das Empresas de Segurança Privada.
6. Dos escritos denominados de ‘contratos de trabalho’ celebrados entre os Autores e a 1.ª Ré Prosegur, consta que aos mesmos é aplicável o contrato colectivo de trabalho celebrado entre a AES – Associação das Empresas de Segurança Privada e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas, publicado, na sua última versão, no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 22, de 15 de Junho de 2020.
7. A 2.ª Ré Ronsegur é filiada na AESIRF – Associação Nacional das Empresas de Segurança.
8. Do contrato colectivo celebrado entre a AESIRF – Associação Nacional das Empresas de Segurança e a ASSP – Associação Sindical da Segurança Privada, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 26, de 15 de Julho de 2019, consta que:
«Cláusula 14.º
1- Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores.
2- Não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador.
3- Para os efeitos da presente cláusula aplicar-se-á o regime jurídico constante na Lei n.º 14/2018, de 19 de Março, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 55, e demais alterações produzidas nos artigos 285.º, 286.º, 395.º, 396.º e 498.º do Código de Trabalho».
(Quanto à prestação de serviços pela 1.ª Ré Prosegur no matadouro da sociedade Maporal)
9. Em data não concretamente apurada, a 1.ª Ré Prosegur e a sociedade Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A. celebraram um acordo para a prestação de serviços de vigilância pela primeira nas instalações da segunda.
10. Os serviços acordados consistiam em assegurar durante 24 horas por dia quatro vigilantes, em regime de turnos rotativos e alternados, nas instalações (matadouro) pertencentes à Maporal, os quais deveriam executar: (i) rondas periódicas às mesmas, (ii) funções de controlo de acessos e a videovigilância da totalidade da planta industrial do cliente, efectuada a partir de computador e monitor instalados em divisão específica existente naquelas instalações e ao qual estavam ligadas várias câmaras espalhadas por toda a unidade industrial, (iii) funções de controlo do sistema de alarme, (iv) bem como na verificação do peso/pesagem das viaturas pesadas à entrada e saída daquelas instalações, efectuada através de báscula aí existente e respectivo software, e da qual retiravam o vigilante o respectivo registo de pesagem para entrega nos serviços administrativos do cliente.
11. O sistema de videovigilância, o sistema de alarme e a báscula acima referidos pertencem à Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A.
12. Desde data não concretamente apurada, mas não posterior a 1 de Janeiro de 2020, e até 31 de Dezembro de 2020, exerceram as suas funções de vigilantes, por conta, sob as ordens e autoridade da 1.ª Ré Prosegur, nas instalações da sociedade Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A., sitas na Zona Industrial Matadouro, 7200-232 Reguengos de Monsaraz: (i) o Autor A…, (ii) o Autor B… (iii) D… e (iv) C….
13. Os referidos vigilantes actuavam de forma organizada, executando as funções descritas em 10.
14. Para o exercício das referidas funções, os vigilantes acima identificados utilizavam, para além do sistema de videovigilância, do sistema de alarme e da báscula acima referidos, fardas, registos de relatórios e bastões de rondas, que pertenciam à 1.ª Ré Prosegur e que continham o modelo e imagem identificativos da mesma.
(Quanto às comunicações trocadas entre os Autores e as Rés)
15. Por cartas datadas de 10 de Dezembro de 2020, enviadas pela 1.ª Ré Prosegur a cada um dos Autores, e por estes recebidas, a primeira comunicou aos mesmos que:
«(…) Somos por esta via, e para além do abordado verbalmente, a informar que o serviço por nós prestado ao cliente Maporal – Matadouro De Porco De Raça Alentejana, S.A. e no respectivo(s) estabelecimento(s) sito em MAPORAL – MATADOURO, ZONA INDUSTRIAL MATADOURO, 7200-232 REGUENGOS DE MONSARAZ e ao qual estava afecto e a prestar trabalho, foi adjudicada a outra empresa de segurança privada, a Ronsegur Rondas e Segurança, LDA, com efeitos a partir de 01 de Janeiro de 2021.
Na sequência de tal perda do serviço de vigilância por nós prestado e adjudicação da mesma operação, no mesmo estabelecimento, àquela nova empresa de segurança privada, constata-se que se mantém e transmite aquele enquanto unidade económica para um novo operador, o qual deve herdar e manter os postos de trabalho e respectivos contratos de trabalho do pessoal vigilante que presta funções no local, ao abrigo do regime da transmissão do estabelecimento previsto no artº 285º do CT.
Assim sendo, e sem prejuízo da consulta de que será objecto, decorridos que sejam 10 dias uteis a contar da presente, nos termos e ao abrigo do nº1 do artº 286º do CT, e que desde já se agenda para o dia 30 de Dezembro de 2020, através do telefone 22 619 59 02 entre as 10.00h e as 12.30h, somos a informar que da referida transmissão de estabelecimento, e consequente assunção da posição de entidade empregadora de Vossa Exa no contrato de trabalho celebrado entre as partes em [2 de Novembro de 2006 / 11 de Agosto de 2010], não resultam quaisquer consequências de maior ou substanciais em termos jurídicos ou económicos, porquanto se mantém tal contrato de trabalho vigente, agora com uma nova entidade patronal, e respectiva categoria e antiguidade contratual (para todos os efeitos), bem como a correspectiva retribuição. A transmissão do estabelecimento, por via da data de produção de efeitos do contrato / adjudicação contratual, terá lugar no dia 01 de Janeiro de 2021.
Uma vez que a transmissão do estabelecimento ora comunicada não resulta de nenhum contrato celebrado entre a Prosegur, como transmitente, e a terceira e nova empresa de segurança privada como transmissária, mas de simples sucessão de prestadores de serviço num mesmo estabelecimento fruto de adjudicação do serviço por parte de um terceiro, o cliente a este ultima, inexiste tal contrato e respectivo conteúdo que possa ou tenha de ser comunicado.
Para o efeito também informamos tal transmissão e sucessão contratual aos serviços com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral nos termos do artº 285º, nº 8 CT, bem como também foi por nós comunicada à Ronsegur Rondas e Segurança, LDA. (…)».
16. Por carta datada de 10 de Dezembro de 2020, enviada pela 1.ª Ré Prosegur à 2.ª Ré Ronsegur, e por esta recebida, a primeira comunicou à segunda que:
«(…) O serviço por nós prestado ao cliente Maporal – Matadouro De Porco De Raça Alentejana, S.A. e no respectivo(s) estabelecimento(s) sito em MAPORAL – MATADOURO, ZONA INDUSTRIAL MATADOURO, 7200-232 REGUENGOS DE MONSARAZ, na sequência da adjudicação que vos foi feita por parte do mesmo cliente, com efeito a partir de 01 de Janeiro de 2021, passa a ser prestado pela V/ empresa.
Na sequência de tal perda e cessação do serviço de vigilância, seguida de adjudicação do mesmo à V/ empresa, constata-se que se mantém e transmite aquele enquanto unidade económica para um novo operador, o qual deve herdar e manter os postos de trabalho e respectivos contratos de trabalho do pessoal vigilante que presta funções no local, ao abrigo do regime da transmissão do estabelecimento previsto no artº 285º do CT.
Assim sendo, somos a comunicar formalmente que a partir daquela data passam aqueles vigilantes – cuja relação discriminada vos enviamos –, a prestar funções por conta e à ordem, e como trabalhadores subordinados dessa empresa, no mesmo local, e com a manutenção das respectivas categorias profissional, antiguidade, retribuição e demais condições resultantes do correspectivo contrato de trabalho.
Para o efeito informamos que demos cumprimento da nossa parte aos deveres de prévia informação e subsequente consulta dos trabalhadores em causa, tal como previsto nos nº 1 e 2 do artº 286º do CT, comunicando aos mesmos tal transmissão e sucessão contratual, com indicação da Vossa firma e morada para os devidos efeitos. A transmissão, por via da data de produção de efeitos do contrato/adjudicação contratual do cliente terá lugar no dia 01 de Janeiro de 2021.
Para além disso, demos conhecimento da mesma aos serviços com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral (artº 285º, nº8 do CT). (…)».
17. Por carta datada de 14 de Dezembro de 2020, enviada pela 2.ª Ré Ronsegur à 1.ª Ré Prosegur, e por esta recebida, a primeira comunicou à segunda que:
«(…) Vimos por este meio, no seguimento da V/ comunicação de 10 de Dezembro de 2020, esclarecer o seguinte, relativamente ao assunto em epígrafe:
Conforme tem sido jurisprudencialmente e doutrinalmente defendido, é N/ entendimento que não ocorre qualquer transmissão de estabelecimento com a V/ cessação de serviço de vigilância nas instalações Maporal – Matadouro de Porco de Raça Alentejana, S.A, com a adjudicação do mesmo serviço à Ronsegur, Rondas e Segurança, Lda.
Mais, indicamos que por força da sua pública filiação na Associação Nacional das Empresas de Segurança (AESIRF) e do disposto no artigo 1º, nº 3 da Portaria de extensão das alterações do contrato colectivo entre a AES e o STAD e outro, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego nº 34 de 15/09/2019 e que constitui a Portaria nº 307/2019, publicada no Diário da República, Série I, de 13/09/2019, encontra-se excluída do âmbito subjectivo de aplicação da Ronsegur, Rondas e Segurança, Lda., o disposto na cláusula 14ª do CCT, na versão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego nº 48 de 29/12/2018.
Assim, para a “Ronsegur, Rondas e Segurança, Lda.” o CCT aplicável será o celebrado entre a AESIRF – Associação Nacional das Empresas de Segurança e a ASSP – Associação Sindical da Segurança Privada (publicado no BTE nº 26/2019 de 15 de Julho), sendo certo que a cláusula 14ª, nº 2 do mesmo dispõe o seguinte: “2- Não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador.”
Face ao exposto, comunicamos a V. Exas que não tendo ocorrido transmissão de estabelecimento, daqui deriva que também não se transmitem para a “Ronsegur, Rondas e Segurança, Lda.” os contratos de trabalho dos V/ trabalhadores, que continuam a ser V/ funcionários, independentemente de terem encaminhado listagem com os seus dados pessoais e não obstante ter a Ronsegur ganho a concessão dos serviços de vigilâncias nas instalações Maporal – Matadouro de Proco de Raça Alentejana, S.A. (…)».
18. Por cartas datadas de 23 de Dezembro de 2020, enviadas pela 2.ª Ré Ronsegur a cada um dos Autores, e por estes recebidas, a primeira comunicou aos mesmos que:
«(…) Vimos por este meio, no seguimento de comunicação da sua entidade empregadora Prosegur, Companhia de Segurança, Lda. que nos forneceu os seus dados pessoais por entender que os seus funcionários devem passar a prestar funções por conta e à ordem da “Ronsegur, Rondas e Segurança, Lda.” pelo facto de lhe ter sido adjudicado a prestação de serviços de vigilância e segurança nas instalações da Maporal – Matadouro de Porco de Raça Alentejana, S.A, esclarecer V. Exa do seguinte:
Conforme tem sido jurisprudencialmente e doutrinalmente defendido, é N/ entendimento que não ocorre qualquer transmissão de estabelecimento com a cessação de serviço de vigilância nas instalações da Maporal – Matadouro de Porco de Raça Alentejana, S.A, pela Prosegur, Companhia de Segurança, Lda. com a adjudicação do mesmo serviço à Ronsegur, Rondas e Segurança, Lda. – neste sentido veja-se a título de exemplo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (P. 357/13.3TTPDL.L1.S1 de 06/12/2017) e Acórdão T.R. Porto (P.4094/19.7T8PRT.P1 de 21.10.2020), ambos disponível em www.dgsi.pt
Contudo, pese embora a Ronsegur, Rondas e Segurança, Lda. considere que não ocorre transmissão de estabelecimento na presente situação, face ao actual contexto social, encontra-se na disponibilidade de integrar os colaboradores a exercerem funções nas instalações da Maporal – Matadouro de Porco de Raça Alentejana, S.A.
Assim, tendo em consideração que não ocorre qualquer transmissão de estabelecimento, a S/ integração na Ronsegur, Rondas e Segurança, Lda. depende da S/ aceitação expressa para o efeito, pelo que solicitamos que se digne esclarecer a S/ pretensão, nomeadamente, informando se pretende passar a exercer funções na Ronsegur, Rondas e Segurança, Lda. ou se pretende permanecer nos quadros da Prosegur, Companhia de Segurança, Lda.
Informamos V. Exa. que para que seja integrado na Ronsegur, Rondas e Segurança, Lda. terá que demonstrar possuir habilitação profissional válida para o exercício das funções e frequentar acção de formação por N/ ministrada, que o capacitará a exercer funções no local de acordo com as normas e procedimentos internos da Ronsegur, Rondas e Segurança, Lda. sendo certo que as acções de formação decorrerão entre os dias 29 e 30 de Dezembro de 2020, na sede da empresa, à Rua do Outeiro, Edf. Dos Carvalhinhos, n.º 1243, Lj. F, 4525-308 Canedo.
Assim, solicita-se que contacte a Ronsegur, Rondas e Segurança, Lda. através do nº 256 922 095, para agendar o dia e hora em que lhe será ministrada a formação, sob pena de (não o fazendo), considerarmos que se opõe à S/ integração e que pretende continuar a exercer funções na Prosegur, Companhia de Segurança, Lda., pelo que não será inscrito / frequentará a acção de formação, o que o (a) impossibilitará de ingressar na Ronsegur, Rondas e Segurança, Lda. (…)».
19. Em data não concretamente apurada, mas ocorrida em finais de Dezembro de 2020, o director-geral da Ronsegur (…) reuniu-se com os 4 vigilantes que prestavam, à data, funções nas instalações da Maporal.
20. Na referida reunião, o director-geral (…) comunicou aos vigilantes acima identificados que a 2.ª Ré Ronsegur admitiria os mesmos ao seu serviço, na condição de os mesmos se deslocarem até ao final do ano de 2020 à sua sede, sita em Canedo, onde deveriam receber uma formação e assinar novos contratos de trabalho.
21. A 2.ª Ré Ronsegur não esclareceu os Autores sobre as suas condições de trabalho, nomeadamente qual a totalidade da documentação que teriam de assinar, se mantinham a sua antiguidade, quais as funções e remuneração de cada um dos Autores.
22. Por cartas datadas de 30 de Dezembro de 2020, enviadas pela 2.ª Ré Ronsegur a cada um dos Autores, e por estes recebidas, a primeira comunicou aos mesmos que:
«(…) Na sequência da(s) nossa(s) anterior(es) missiva(s), em que manifestamos disponibilidade para ponderar a sua integração na Ronsegur, Rondas e Segurança, Lda., mediante, para além do mais, o cumprimento das condições constantes da referida carta, e verificando-se que V. Exa optou por não cumprir essas premissas, tendo manifestado intenção de não integrar os N/ quadros, informamos V. Exa que a Ronsegur, Rondas e Segurança, Lda. se encontra impossibilitada de ponderar a S/ integração.
Não se tendo verificado, pelas razões expostas na (s) N/ anterior(es) comunicação(ões), transmissão de estabelecimento, V. Exa deverá tratar todas as questões laborais com a sua entidade patronal, “Prosegur, Companhia de Segurança, Lda.” (…)».
23. Por cartas datadas de 30 de Dezembro de 2020, enviadas por cada um dos Autores à 1.ª Ré Prosegur, e por esta recebida, os primeiros comunicaram à segunda que:
«(…) Eu, [A… / B…], notificado da “transmissão” do estabelecimento venho por este meio, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 286 nº 1 e 2 do Código do Trabalho manifestar a minha oposição na transmissão do posto de trabalho na MAPORAL – MATADOURO, ZONA INDUSTRIAL MATADOURO, 7200-232 REGUENGOS DE MONSARAZ ao qual estava afecto e a prestar trabalho, para a empresa Ronsegur porquanto a mesma me causa sério prejuízos, considerando que o regime de organização do trabalho, nomeadamente em termos de horários, trabalho suplementar e trabalho em dias feriados.
Acresce que a Ronsegur não aceita a transmissão conforme nos comunicou e pretendia fazer novo contrato de trabalho sem nos comunicar as condições do mesmo.
Assim, atenta a minha oposição fundamentada, manter-se-á o meu vínculo contratual à vossa empresa, pelo que fico a guardar que me indiquem onde me devo apresentar no dia 1 de Janeiro de 2021 (…)».
24. Os Autores comunicaram à 1.ª Ré Prosegur a sua oposição à transmissão dos respectivos contratos de trabalho, nos termos acima descritos, por não lhes ter sido garantido pela 2.ª Ré Ronsegur que iriam manter a mesma antiguidade e demais direitos adquiridos.
25. Por cartas datadas de 5 de Janeiro de 2021, enviadas pela 1.ª Ré Prosegur a cada um dos Autores, e por estes recebidas, a primeira comunicou aos mesmos que:
«(…) Somos a acusar a recepção da Vossa missiva datada de 30 de Dezembro de 2020 e a responder à mesma.
Veio Vossa Exa. deduzir oposição à transmissão do estabelecimento prevista no artº 285º do CT e resultante da assunção do serviço por nós prestado no mesmo local e cliente aonde tinha o seu posto de trabalho, Maporal – Matadouro De Porco De Raça Alentejana, S.A., por nova empresa de segurança privada na sequência de adjudicação efectuada a esta por aquele cliente.
Para o efeito, em termos resumidos, invoca simplesmente que a transmissão lhe causa sérios prejuízos, considerando o regime de organização do trabalho, e que a Ronsegur não aceita a mesma e pretende fazer um novo contrato de trabalho, sem comunicar as condições do mesmo.
Tal fundamentação para efeito do exercício do direito de oposição à transmissão é meramente genérica e conclusiva, e despedida da alegação minimamente objectiva de quaisquer factos e circunstâncias concretas que permitam alicerçar, de forma suficiente, semelhante argumentação (de cariz meramente adjectiva ou adverbial). Mesmo que se admita que se possa basear em meros juízos de prognose (por mais subjectivos que estes possam ser em função da perspectiva de cada qual), a mera reprodução do clausulado e termos gerais da norma não nos parece procedente para suportar o exercício de tal direito.
Assim sendo, como entendemos que sucede no caso, somos a comunicar que não aceitamos como boa e procedente a oposição à transmissão manifestada, e mantemos os termos da nossa anterior comunicação de transmissão do seu contrato de trabalho ao abrigo do artº 285º do CT.
Forma, aliás, de salvaguardar o seu emprego e fonte de sustento.
Mais ainda, informamos que como é do seu conhecimento a empresa Ronsegur manifestou interesse em integrá-lo nos seus quadros de pessoal.
Neste contexto, o regime da transmissão de estabelecimento no caso, não só tem aplicação legal, como se justifica também à luz dos desideratos de tutela da manutenção do contrato de trabalho e da empregabilidade dos trabalhadores que o animam (…)».
(Quanto à prestação de serviços pela 2.ª Ré Ronsegur no matadouro da sociedade Maporal)
26. Em 4 de Novembro de 2020, a 2.ª Ré Ronsegur e a sociedade Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A. celebraram um escrito denominado de ‘contrato de prestação de serviços de vigilância n.º 228/2020’, mediante o qual declararam que a primeira prestaria à segunda os serviços de vigilância/segurança, nas instalações desta sitas na Zona Industrial Matadouro, 7200-232 Reguengos de Monsaraz, com início no dia 1 de Janeiro de 2021, e mediante o pagamento de um preço acordado pelas partes.
27. A partir de 1 de Janeiro de 2021, a 2.ª Ré Ronsegur passou a prestar os referidos serviços de vigilância nas instalações da sociedade Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A.
28. Os serviços prestados pela 2.ª Ré nas instalações da Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A., a partir de 1 de Janeiro de 2021, coincidem com os serviços até então prestados pela 1.ª Ré Prosegur à referida sociedade e melhor discriminados no ponto 10., tendo a mesma ao seu serviço 4 vigilantes no referido local, igualmente organizados em regime de turnos rotativos e alternados.
29. Nem a 1.ª Ré Prosegur, nem a 2ª Ré Ronsegur aceitaram os Autores como seus trabalhadores, a partir do dia 1 de Janeiro de 2021.
30. Em 1 de Janeiro de 2021, os Autores tinham a respectiva formação profissional e o cartão profissional de vigilantes actualizados e em vigor.
31. A partir de 1 de Janeiro de 2021, C… e D… continuaram a exercer funções de vigilantes, nas instalações da sociedade Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A., sitas na Zona Industrial Matadouro, 7200-232 Reguengos de Monsaraz, agora por conta e no interesse da 2.ª Ré Ronsegur.
32. Os referidos vigilantes C… e D… deslocaram-se à sede da 2.ª Ré Ronsegur, no dia 30 de Dezembro de 2020, onde assinaram documentos denominados de ‘contratos de trabalho’ e frequentaram uma acção de formação relacionada com o regulamento interno e manual de procedimentos da empresa, riscos profissionais e medicina do trabalho, e apresentação da plataforma de processamento de salários.
33. Os custos com a referida deslocação dos vigilantes C… e D… à sede da 2.ª Ré Ronsegur foi suportado exclusivamente pelos primeiros.
34. A 2.ª Ré Ronsegur não utiliza, nos serviços por si prestados à sociedade Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A., fardas, impressos, bastões de ronda, alvarás ou licenças da 1.ª Ré Prosegur.
35. Os trabalhadores da 2.ª Ré Ronsegur que exercem funções nas instalações da sociedade Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A. utilizam fardas e registos de relatórios (de ocorrências ou registo de entradas/saídas de pessoas) fornecidas pela 2.ª Ré, com o modelo e imagem identificativos da mesma.
36. Além dos equipamentos acima referidos, os trabalhadores da 2.ª Ré utilizam igualmente o sistema de videovigilância, o sistema de alarme e a báscula de pesagem acima referenciados, no âmbito das respectivas funções.
37. A 2.ª Ré Ronsegur tem métodos de trabalho próprios, códigos de conduta próprios, normas de serviço próprias e procedimentos internos próprios, diversos dos da 1.ª Ré Prosegur.
38. A 2.ª Ré Ronsegur organizou a afectação dos seus vigilantes, elaborou mapas de horário de trabalho, planeamento de férias e substituição de trabalhadores tendo em vista o início da prestação de serviços de vigilância nas instalações da Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A.
39. A 1.ª Ré Prosegur não entregou à 2.ª Ré Ronsegur alvarás ou licenças para o exercício da actividade, nem quaisquer informações sobre as instalações da Maporal – Matadouro do Porco de Raça Alentejana, S.A. ou, ainda, as chaves das respectivas instalações.
40. Em 31 de Dezembro de 2020, cada um dos Autores auferia € 796,19, a título de retribuição mensal base.
41. Desde o dia 31 de Dezembro de 2020, os Autores não receberam qualquer quantia a título de retribuição, por parte da 1.ª Ré Prosegur e/ou da 2.ª Ré Ronsegur.
42. Em 2020, o Autor A… gozou 17 dias úteis de férias.
43. Em 2020, o Autor B… gozou 22 dias úteis de férias.

APLICANDO O DIREITO
Da transmissão do vínculo contratual
A questão essencial em apreciação no recurso consiste na identificação da figura jurídica de transmissão de empresa ou estabelecimento, para os fins do art. 285.º do Código do Trabalho, na versão ainda em vigor à data dos factos – a que lhe foi conferida pela Lei 14/2018, de 19 de Março, visto não ser aplicável a resultante da Lei 18/2021, de 8 de Abril, pois a adjudicação dos serviços de vigilância à 2.ª Ré foi contratada em 04.11.2020, logo, fora do período temporal previsto na norma transitória do art. 3.º desta última Lei (norma esta que dispõe no sentido da nova lei se aplicar “aos concursos públicos ou outros meios de selecção, no sector público e privado, em curso durante o ano de 2021, incluindo aqueles cujo acto de adjudicação se encontre concretizado.”)
A Secção Social desta Relação de Évora vem decidindo, de forma uniforme, que “I- Verifica-se uma transmissão de unidade económica, para efeitos do art. 285.º do Código do Trabalho, quando uma empresa de prestação de serviços de vigilância e segurança sucede, sem interrupções, a outra empresa de prestação de serviços de vigilância e segurança, por ter ganhado o concurso público e lhe ter sido adjudicado tal serviço, realizando-se a prestação com o mesmo cliente, no mesmo local, com os mesmos trabalhadores, a utilização dos mesmos indispensáveis meios de vigilância e segurança, pertencentes ao cliente, e tendo por objectivo a execução do serviço nas mesmas condições essenciais. II- A utilização de folhas de registo, relatórios e uniformes com modelos e imagens identificativos da empresa de segurança permitam a identificação da empresa responsável pela vigilância e segurança, mas não integram a unidade económica, no seu núcleo essencial identificativo.”[1]
Os autos demonstram que os AA. exerciam as funções inerentes à categoria de vigilante, sob as ordens e direcção da 1.ª Ré, nas instalações da cliente. Para o efeito utilizavam vários equipamentos pertencentes à cliente – o sistema de videovigilância, o sistema de alarme e a báscula – bem como outros equipamentos pertencentes à 1.ª Ré – fardas, registos de relatórios e bastões de ronda.
Em 04.11.2020, a cliente atribuiu os serviços de vigilância à 2.ª Ré e, nessa sequência, a 1.ª Ré informou-a quais os trabalhadores (em número de 4) que exerciam tais tarefas nas instalações da cliente. A 2.ª Ré apenas admitiu dois dos trabalhadores que já ali desempenhavam funções, mas recusou receber os aqui AA., apesar destes terem a respectiva formação profissional e o cartão de vigilantes em vigor. E passou a exercer os mesmos serviços que a 1.ª Ré anteriormente prestava, também com 4 vigilantes, dois transferidos da 1.ª Ré e outros dois que ali colocou.
Entendemos – na linha do que é a jurisprudência da Secção Social desta Relação de Évora – que a realização dos serviços de vigilância e segurança em instalações do cliente implicam, necessariamente, um conjunto de meios organizados que constitui uma unidade produtiva autónoma, com identidade própria, e com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, e como tal enquadrável nos n.ºs 1 e 5 do art. 285.º do Código do Trabalho.
A noção ampla de transmissão, acolhida nesta norma, não exige a existência de relações contratuais directas entre as duas empresas de segurança.
O que releva é a existência de uma unidade económica com autonomia técnico-organizativa e com identidade própria, e em sectores de actividade como o dos serviços de segurança e vigilância, a prossecução da actividade com um conjunto de trabalhadores que vinha executando de forma durável uma actividade comum, correspondendo a um número substancial dos vigilantes da empresa antecessora adequadamente estruturados, permite reconhecer a identidade da unidade económica, mesmo que não haja uma total coincidência na organização hierárquica.
E – ponto essencial – a 2.ª Ré assumiu dois dos trabalhadores que já ali desempenhavam funções de vigilância para a 1.ª Ré mas, porque precisava do mesmo número de vigilantes que a 1.ª Ré ali tinha, substituiu os AA. por outros dois trabalhadores.
Se assim é, mantendo a 2.ª Ré o mesmo número de vigilantes que a 1.ª Ré havia colocado no local, e recebendo desta dois dos que já ali estavam, e continuando a utilizar parte dos equipamentos que ali se encontravam – os sistemas de videovigilância e de alarme e a báscula – podemos afirmar a transmissão da mesma entidade económica, e como tal a ocorrência da figura jurídica de transmissão de estabelecimento identificada no art. 285.º n.ºs 1 e 5 do Código do Trabalho.
Quanto ao argumento da actividade de segurança estar enquadrada num regime legal específico, tal não é relevante, pois “no limite impediriam que houvesse qualquer transmissão de parte de empresa nesta área económica. O que se exige é que haja uma unidade económica e não que do ponto de vista jurídico esta unidade estivesse imediatamente capaz de funcionar isoladamente.”[2]
Finalmente, quanto ao argumento relativo ao exercício do direito de oposição dos AA. à transmissão da posição do empregador nos seus contratos de trabalho, esta questão foi suscitada na petição inicial e deduzido o competente pedido contra a 1.ª Ré, com tal fundamento. A sentença apreciou expressamente este pedido e concluiu pela sua improcedência, pelo que, sendo os AA. os interessados na sua procedência, cabia-lhes recorrer desse segmento decisório, na sua qualidade de vencidos em tal pretensão – art. 631.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Não o tendo feito, esta questão está estabilizada e a 2.ª Ré não detém legitimidade para a invocar em sede de recurso.
Terminando, resta confirmar a sentença.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pela 2.ª Ré.

Évora, 13 de Julho de 2022

Mário Branco Coelho (Relator) – que apresenta declaração de voto
Paula do Paço
Emília Ramos Costa

Declaração de voto do Relator:
O Colectivo de Juízes é unânime quanto à fundamentação expressa no Acórdão e quanto à respectiva decisão.
O Relator entende, porém, que um outro fundamento também conduziria à mesma solução do pleito, e considera que o deverá publicitar, apesar desse fundamento não ter obtido vencimento no Colectivo.
Esse fundamento é o seguinte:
Analisando a matéria de facto, desde logo somos confrontados com a circunstância de cada uma das Rés ser filiada em associações patronais diferentes, a 1.ª Ré na AES e a 2.ª Ré na AESIRF, como tal vinculadas a convenções colectivas diferentes, e essa é a fonte do conflito que perpassa nos autos.
Com efeito, a AES celebrou com o STAD um contrato de colectivo de trabalho – publicado no BTE n.º 48/2018, de 29.12.2018, para vigorar de 01.01.2019 a 31.12.2020, embora renovando-se por períodos de 12 meses – que conferiu uma nova redacção à cláusula 14.ª, com a epígrafe “Sucessão do posto de trabalho”, subdividida em 16 números, transcrevendo-se a seguir os seus n.ºs 1, 2, 3 e 4, pelo seu interesse para a decisão da causa:
“1 – A presente cláusula regula a manutenção dos contratos individuais de trabalho em situações de sucessão de empregadores na execução de contratos de prestação de serviços de segurança privada, tendo por principio orientador a segurança do emprego, nos termos constitucionalmente previstos e a manutenção dos postos de trabalho potencialmente afectados pela perda de um local de trabalho ou cliente, pela empresa empregadora e, desde que, o objecto da prestação de serviços perdida tenha continuidade através da contratação de nova empresa ou seja assumida pela entidade a quem os serviços sejam prestados e quer essa sucessão de empresas na execução da prestação de serviços se traduza, ou não, na transmissão de uma unidade económica autónoma ou tenha uma expressão de perda total ou parcial da prestação de serviços.
2 – Para efeitos da presente cláusula definem-se os seguintes conceitos:
Prestadora de serviço cessante – A empresa que cessa a actividade de prestação de serviços de segurança privada, na totalidade ou em parte, num determinado local ou ao serviço de um determinado cliente;
Nova prestadora de serviços – A empresa que sucede à prestadora de serviços cessante na execução total ou parcial da prestação de serviços de segurança privada;
Beneficiária – A empresa utilizadora dos serviços prestados pela prestadora de serviços cessante e/ou nova prestadora de serviços.
3 – A mera sucessão de prestadores de serviços num determinado local de trabalho, ou cliente, não fundamenta, só por si, a cessação dos contratos de trabalho abrangidos, nomeadamente por caducidade, extinção do posto de trabalho, despedimento colectivo, despedimento por justa causa, ou, ainda, o recurso à suspensão dos contratos de trabalho.
4 – Nas situações previstas no número um da presente cláusula mantêm-se em vigor, agora com a nova prestadora de serviços, os contratos de trabalho vigentes com os trabalhadores que naquele local ou cliente prestavam anteriormente a actividade de segurança privada, mantendo-se, igualmente, todos os direitos, os deveres, as regalias, a antiguidade e a categoria profissional que vigoravam ao serviço da prestadora de serviços cessante.”
Foi este CCT objecto de Portaria de Extensão, publicada no BTE n.º 34/2019, de 15.09.2019, dispondo, no entanto, o respectivo art. 1.º n.º 3 que a extensão não era aplicável aos empregadores representados pela AESIRF.
Na revisão deste CCT publicada no BTE n.º 22/2022, 15.06.2020, a referida cláusula 14.ª foi mantida. Também este CCT foi objecto de Portaria de Extensão, publicada no BTE n.º 30, de 15.08.2020, efectuando a mesma ressalva.
Ponderando que os contratos de trabalho celebrados por ambos os AA. mencionam a aplicação do CCT celebrado entre a AES e o STAD – ponto 6 do elenco fáctico – e ponderando, também, os efeitos das Portarias de Extensão, podemos dar como adquirido que à relação laboral existente entre estes trabalhadores e a 1.ª Ré era aplicável o mencionado CCT, inclusive a respectiva cláusula 14.ª, por conjugação das normas contidas no art. 497.º n.ºs 1 e 2, e no art. 514.º n.º 1, ambos do Código do Trabalho.
Note-se que o contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho – art. 1.º do Código do Trabalho – e que uma das matérias onde as normas legais reguladoras de contrato de trabalho podem ser afastadas por aqueles instrumentos, desde que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores, é precisamente a respeitante à transmissão de empresa ou estabelecimento – art. 3.º n.º 3 al. m).
Em consequência, os aqui AA. beneficiavam das disposições mais favoráveis contidas na cláusula 14.ª do CCT celebrado entre a AES e o STAD, garantindo a manutenção dos seus contratos de trabalho em caso de sucessão de empregadores na execução de contratos de prestação de serviços de segurança privada e obviando a dúvidas interpretativas que têm sido suscitadas quanto ao campo de aplicação do art. 285.º do Código do Trabalho.
Sucede que a 2.ª Ré está filiada na AESIRF, que celebrou com um sindicato – a ASSP – a convenção colectiva de trabalho publicada no BTE n.º 26/2019, de 15.07.2019, cuja cláusula 14.ª n.º 2 exclui do “conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador.”
Esta convenção não foi objecto de portaria de extensão, nem tal está alegado.
As cláusulas das convenções colectivas a que estão sujeitas cada uma das Rés são contraditórias, porquanto uma prevê a manutenção dos contratos de trabalho em caso de “perda de um local de trabalho ou cliente, pela empresa empregadora”, enquanto a outra expressamente exclui essa situação do conceito de transmissão de estabelecimento.
Mas tal disparidade não pode ser resolvida em prejuízo dos AA., os quais beneficiavam das cláusulas previstas no CCT celebrado entre a AES e o STAD e não estavam sujeitos ao conceito restrito de transmissão de estabelecimento contido na segunda convenção colectiva. À situação deve aplicar-se o disposto no art. 498.º n.º 1 do Código do Trabalho, na redacção da Lei 14/2018, de 19 de Março, o qual prevê que em “caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que vincula o transmitente é aplicável ao adquirente até ao termo do respectivo prazo de vigência ou no mínimo durante 12 meses a contar da transmissão, salvo se entretanto outro instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial passar a aplicar-se ao adquirente.”
Não se argumente que o conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a que faz apelo esta norma é apenas o que resultar do art. 285.º do Código do Trabalho e não o que resultar dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho aplicáveis, desde que mais favoráveis aos trabalhadores, sob pena de tal interpretação afrontar o disposto no art. 3.º n.º 3 al. m) do Código do Trabalho e corresponder ao esvaziamento do conteúdo normativo da convenção colectiva, precisamente numa das suas áreas essenciais de regulação e de preservação dos postos de trabalho.
Júlio Gomes escreve que a norma do art. 498.º n.º 1, “consagrando uma excepção ao princípio da filiação, visa manter transitoriamente o regime convencional de modo a evitar mutações abruptas do mesmo, na sequência da transmissão. A nova norma é coerente com o ordenamento nacional. Desde que o regime de caducidade das convenções colectivas passou a prever a manutenção de certos efeitos da convenção, mesmo após a caducidade desta, que não seria coerente que através da transmissão da unidade económica se encontrasse um mecanismo para evitar essa ultra-actividade.”[3]
Pedro Furtado Martins, por seu turno, sustenta que “o art. 498.º só obriga o adquirente a respeitar as cláusulas normativas da convenção, querendo com isto significar que, em princípio, não fica aquele vinculado ao cumprimento de cláusulas que apenas tenham efeitos nas relações existentes entre os sujeitos que celebraram a convenção”, e acrescenta que a “obrigação que o art. 498.º estabelece de o adquirente aplicar a convenção colectiva pré-existente não implica o seu ingresso por imposição legal na posição jurídica que o transmitente tinha enquanto parte da convenção colectiva. Por isso consideramos que a transmissão não transforma o adquirente em parte da convenção. Apenas o obriga a aplicá-la, respeitando os direitos e deveres que dela emergem para as relações de trabalho em que passou a ocupar a posição de empregador, anteriormente detida pelo transmitente.”[4]
Assim, consagrando o art. 498.º n.º 1 do Código do Trabalho uma excepção ao princípio da dupla filiação, apesar do adquirente não ser parte da convenção, estará de todo o modo obrigado a manter o regime convencional nas situações de transmissão da titularidade da empresa ou do estabelecimento – a titularidade dos direitos e obrigações que resultavam para o transmitente da aplicação da convenção colectiva, transmitem-se ao adquirente, ope legis. Como afirma Luís Gonçalves da Silva, a propósito da estabilidade do regime convencional, “esta estabilidade tanto é alcançada com a manutenção do regime que vinculava o transmitente como com o exercício da autonomia colectiva e com a consequente manutenção de um regime convencional, uma vez que o adquirente pode celebrar uma convenção após a transmissão afastando a aplicação do instrumento que vinculava o transmitente.”[5]
Deste modo, beneficiando os trabalhadores, aqui AA., do conteúdo normativo constante do CCT celebrado entre a AES e o STAD, inclusive na parte em que este regulava a manutenção dos contratos de trabalho em caso de “perda de um local de trabalho ou cliente, pela empresa empregadora”, e sendo certo que a convenção colectiva podia regular esta matéria em condições mais favoráveis aos trabalhadores, tanto mais que as normas legais a tal não se opõem – referido art. 3.º n.º 3 al. m) – entendemos que estes não podem perder a protecção conferida por aquela convenção, apenas porque o novo prestador dos serviços de segurança no local onde desempenhavam as suas funções está filiado noutra associação patronal.
Os AA. não concorreram para essa circunstância, e se beneficiam da manutenção dos seus postos de trabalho em caso “perda de um local de trabalho ou cliente, pela empresa empregadora”, essa regra aplica-se à nova empresa que sucedeu na prestação dos serviços de segurança, por força do mencionado art. 498.º n.º 1 do Código do Trabalho, independentemente da convenção a que esteja vinculada.
Aliás, seria absurdo que, estando a 1.ª Ré obrigada a diversas obrigações de comunicação estipuladas na cláusula 14.ª do CCT celebrado entre a AES e o STAD, inclusive com o dever de comunicar “à nova prestadora de serviços, no prazo de dez dias úteis, contados desde o conhecimento da perda de local de trabalho ou cliente, a listagem dos trabalhadores transferidos para a nova prestadora de serviços” e ainda quais “os trabalhadores que, por acordo se manterão ao seu serviço”, e, em simultâneo, a fornecer-lhe vários elementos de identificação dos trabalhadores abrangidos pela sucessão – n.ºs 7 e 8 daquela cláusula 14.ª – a nova prestadora ignorasse simplesmente tais comunicações, como se as regras convencionais aplicáveis ao contrato de trabalho dos trabalhadores em exercício de funções no local lhe fossem absolutamente indiferentes.
Por esta via, encontramos a solução do litígio – a 2.ª Ré estava obrigada a respeitar o CCT que vinculava a 1.ª Ré em todo o seu conteúdo normativo, e como tal a aceitar os AA. que exerciam funções de vigilante no cliente.
De todo o modo, como consta do Acórdão, sempre o mesmo resultado seria obtido face às regras contidas no art. 285.º n.ºs 1 e 5 do Código do Trabalho, na versão da Lei 14/2018, pois efectivamente estamos perante uma transmissão de empresa ou estabelecimento que constitui uma unidade económica, de acordo com o conceito legal.
Em resumo, o Relator também entende que:
· A convenção colectiva de trabalho pode regular as matérias respeitantes à transmissão de empresa ou estabelecimento, em sentido mais favorável aos trabalhadores.
· Como tal, a convenção colectiva de trabalho pode estabelecer normas relativas à manutenção dos contratos de trabalho em caso de perda de um local de trabalho ou cliente, pela empresa empregadora – in casu, na área da prestação de serviços de vigilância e segurança.
· Os trabalhadores que beneficiam das condições mais favoráveis assim estabelecidas, não perdem a protecção conferida por tal convenção, apenas porque o novo prestador dos serviços de segurança no local onde desempenhavam as suas funções está vinculado a outra convenção, que exclui do “conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador.”
Tais são os termos da minha declaração de voto.
a) Mário Branco Coelho

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[1] Sumário do Acórdão desta Relação de 11.02.2021 (Proc. 100/20.0T8SNS.E1), relatado pela 1.ª Adjunta e publicado em www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, no domínio das empresas de vigilância e segurança, pronunciaram-se os Acórdãos desta Relação de Évora de 28.01.2021 (Proc. 959/18.1T8BJA.E1), de 10.03.2022 (Proc. 1746/20.2T8PTM.E1), de 24.03.2022 (Proc. 620/20.7T8STR.E1) e de 30.06.2022 (Proc. 2082/20.0T8FAR.E1), todos publicados no mesmo local.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2021 (Proc. 445/19.2T8VLG.P1.S1), também publicado na DGSI.
[3] “Algumas Reflexões Críticas Sobre a Lei n.º 14/2018, de 19 de Março”, publicado no Prontuário de Direito do Trabalho, 1.º Semestre de 2018, pág. 100.
[4] “Efeito da Aquisição de Empresas nas Relações de Trabalho”, in Aquisição de Empresas (coord. Paulo Câmara), Coimbra Editora, 2011, pág. 265.
[5] In “Nótula sobre os efeitos colectivos na transmissão da empresa”, Revista Sub Judice, Jan.-Mar., 2004, págs. 127 a 135, encontrando-se a passagem citada na pág. 130.