Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1718/08.5PBSTB.S1.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: ROUBO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
Data do Acordão: 09/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: I - Só quando se reúnam na mesma pessoa as qualidades de titular dos direitos patrimoniais e pessoais atingidos pela conduta do agente, pode considerar-se que a pluralidade de ofendidos implica o concurso efectivo de crimes, uma vez que a punição pelo crime autónomo de roubo depende e assenta na dupla vertente patrimonial e pessoal.
II – Assim, se o arguido apenas visou apropriar-se de um único bem ou de bens de um único património, mesmo que tenham sido várias as pessoas atingidas na sua pessoa como meio para atingir o fim de ilegítima apropriação patrimonial, não se verifica concurso efectivo de crimes de roubo, se apenas uma das pessoas, ou nenhuma delas, é dono ou titular de direito patrimonial relevante sobre a coisa.
III - Verifica-se, antes, uma relação de concurso efectivo entre o crime de roubo - cujo preenchimento típico se basta com a violência sobre uma pessoa desde que aquela constitua meio de atingir o crime fim - e o crime, ou crimes, contra a integridade física ou contra a liberdade, sofrido pelas demais pessoas atingidas.
Decisão Texto Integral:
1718/08.5PBSTB.S1.E1
*
Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório

1. Na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, foi acusado pelo MP em processo comum com intervenção do tribunal coletivo A, solteiro, nascido a 08-07.1989, em Setúbal, residente em Setúbal, atualmente a cumprir pena no Estabelecimento Prisional de Lisboa, a quem o MP imputara a prática, em concurso efetivo, de dois crimes de roubo agravado, previsto e punido pelo art.º 210.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

2. Realizada a Audiência de discussão e julgamento, o tribunal coletivo decidiu condenar o arguido pela prática, em concurso efetivo, de dois crimes de roubo simples, previstos e punidos pelos artigos 210º nº 1, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão por cada crime. Realizado o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas foi o arguido condenado na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

3. – Inconformado, recorreu o arguido, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«CONCLUSÕES:
1.ª – O Tribunal a quo e a sentença de que se recorre erra, no que toca à configuração do facto ilícito praticado, como a prática de dois crimes de roubo em concurso efectivo.
2.ª – Os factos em apreciação consubstanciam somente um crime de roubo simples, porquanto estamos perante uma única resolução criminosa, inexistindo consciência e/ou intenção, segundo o padrão do homem médio, da prática de dois crimes de roubo, pois que há apenas uma entidade lesada no roubo, pese embora a prática do ilícito tenha sido realizada pelo exercício da violência sobre dois terceiros.
3.ª - O Arguido, à data da prática dos factos tinha menos de 21 anos pelo que lhe é aplicável o Regime Penal Especial para Jovens consagrado no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.
4.ª - A sentença de que se recorre padece de erro porquanto ao afastar a aplicação daquele regime especial, não fundamentou, como lhe competia, aquele afastamento.
Mais,
5.ª - A Douta Sentença recorrida, não fundamentou porque entende inexistirem razões para crer que da atenuação da pena resultem vantagens para a reinserção social do jovem, mesmo porque não considerou qualquer relatório social do Arguido.
6.ª - Desconsiderou a globalidade da actuação e situação pessoal e social do mesmo, à data da alegada prática dos factos, alheando-se, igualmente, da actual situação do Arguido.
7.ª - A decisão foi proferida ao arrepio dos princípios orientadores do processo penal, nomeadamente, do princípio “in dubio pro reo”.
8.ª – O Arguido não foi detido em flagrante delito, ninguém, antes ou durante o julgamento, o reconheceu como Autor dos factos e nenhum dos objectos apreendidos foi identificado como tendo sido usado pelo Autor dos factos ilícitos.
9.ª - O Arguido negou sempre a prática dos factos, afirmando que o boné lhe havia sido colocado, posteriormente, na cabeça.
10.ª - Não existem outras provas, nomeadamente impressões digitais, que assegurem ter sido o Arguido a manusear os objectos apreendidos.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por Sentença Absolutória do Arguido com fundamento no princípio “in dubio pro Reo”.
Se tal não se entender, e por mera cautela, deve a Decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que exare que se está em presença de um único crime de roubo, devendo, em conformidade, ser substituída a pena atribuída, aplicando-se ao Arguido o Regime Penal Especial para Jovens »

4. – Notificado para o efeito, o MP junto do tribunal a quo apresentou a sua resposta, concluindo pela total improcedência do recurso.

5.- Nesta Relação, o senhor magistrado do MP apresentou o seu parecer, concluindo no mesmo sentido.

6Notificado da junção daquele parecer, o arguido nada acrescentou.

7 – O acórdão recorrido (Transcrição parcial)

« 2.1- Factos Provados
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1. No dia 03.09.2008, pelas 19H25, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado «Supermercado B», sito na (…), em Setúbal, com o propósito de se apoderar de bens com expressão económica que encontrasse no seu interior.
2. Na execução desse seu propósito, o arguido decidiu levar consigo um objeto que aparentava ser uma arma de fogo e uma mochila de cor verde.
3. Com o intuito de ocultar a sua identidade, o arguido colocou na cabeça um boné de cor preta, da marca e com os dizeres «(…)», que lhe ocultava quase a totalidade da face.
4. Na prossecução do supra aludido objetivo, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial «B» e entrou no seu interior, empunhando o referido objeto que aparentava ser uma arma de fogo.
5. O arguido dirigiu-se de imediato à funcionária C, que se encontrava a trabalhar como operadora na caixa nº 2, empunhando a referida arma na sua direção, ao mesmo tempo que dizia «Isto é um assalto!».
6. Perante tal circunstância, e uma vez que a funcionária C não conseguia abrir a caixa registadora, o arguido desferiu-lhe uma pancada na cabeça com o cano da referida arma, causando-lhe uma escoriação no couro cabeludo, que provocou de imediato o seu sangramento.
7. O arguido dirigiu-se então à funcionária D, que se encontrava a trabalhar na caixa nº 1, dizendo: «Abre a caixa e dá-me o dinheiro!», e desferiu-lhe de imediato um empurrão.
8. Em ato contínuo, o arguido retirou a gaveta da caixa registadora e colocou-a dentro da mochila que trazia consigo, e dirigiu-se novamente à funcionária C, que já havia logrado abrir a sua caixa, e daí retirou todas as notas de Euro aí guardadas, encetando de imediato fuga do local, no sentido da Estrada dos Ciprestes.
9. Agindo desse modo, o arguido logrou subtrair a quantia total de € 719,22.
10. O arguido veio a ser intercetado momento depois pelos agentes da EIC de Setúbal, quando se encontrava junto ao supermercado «(…)», na (…), em Setúbal, aparentando ter passado por uma zona de vegetação, tendo pasto seco no cabelo e na roupa que trazia vestida.
11. Na sequência da interceção do arguido, foram realizadas diligências numa zona de descampado, nas traseiras de um prédio, sito na referida Estrada, tendo aí sido apreendido:
1. a mochila de cor verde, da marca «(…)», contendo no seu interior:
- uma gaveta de caixa registadora;
- uma reprodução de uma arma de fogo,
- um boné de cor preto, da marca e com os dizeres «(…)»;
2. um saco de plástico contendo no seu interior:
- a quantia monetária de € 719,22;
- duas facturas do «(…)», elaborado pela Operadora D;
- dois talões de compra emitidas pelo estabelecimento comercial «(…)»;
12. Submetido o aludido boné com os dizeres «(…)» a exame pericial, foram detectados no mesmo cabelos humanos que, após exame comparativo, revelou que «há identidade de poliformismos dos cabelos detectados no gorro e na zaragatoa bucal recolhida ao arguido».
13. Ao agir do modo acima descrito, o arguido previu e quis molestar e intimidar dos ofendidos, com o propósito concretizado de fazer seus os bens que encontrasse no estabelecimento acima referido, bem sabendo que os mesmos não lhes pertencia e que agiam contra a vontade dos legítimos proprietários.
14. Agiu sempre deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.

Mais se apurou que:
15. Quando se encontrava em liberdade o arguido vivia com os seus pais, ambos já reformados.
16. Trabalhou como assistente de mecânica numa oficina.
17. Desde há cerca de cinco anos que se encontra detido em cumprimento de pena.
18. Quando sair pretende ir trabalhar para a Suíça onde vivem as suas irmãs.
19. No Estabelecimento Prisional concluiu o 9º ano de escolaridade.
20. O arguido foi condenado:
- por acórdão de 16.10.2006, transitado em 03.11.2006, da Vara Mista do Tribunal de Setúbal, pela prática em 24.04.2006, em concurso efetivo de um crime de desobediência, um crime de condução sem habilitação legal, um crime de roubo, e um crime de evasão, na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por dois anos com regime de prova e 165 dias de multa à taxa diária de €4,00. Por despacho de 12.09.2012 foi revogada a suspensão e ordenado o cumprimento da pena efetiva.
- por sentença de 17.01.2008, transitada em 17.03.2008, do 2º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 16.03.2007, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €8,00. Pena que foi convertida em prisão subsidiaria.
- por sentença de 31.03.2008, transitada em 17.06.2008, do 1º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 31.03.2008, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5,00. Pena que foi convertida em prisão subsidiaria.
- por sentença de 14.07.2008, transitada em 29.06.2009, do 2º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 12.02.2006, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €8,00. Pena que foi convertida em prisão subsidiaria
- por sentença de 20.10.2008, transitada em 11.12.2008, do 1º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 01.03.2008, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 7 meses de prisão.
- por sentença de 15.10.2008, transitada em 21.05.2008, do 1º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 27.09.2008, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução por um ano.
- por sentença de 29.01.2009, transitada em 18.03.2009, do 3º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 27.01.2007, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 160 dias de multa à taxa diária de €5,00. Pena que foi convertida em prisão subsidiaria.
- por sentença de 10.02.2009, transitada em 21.05.2009, do 1º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 25.01.2009 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano subordinada ao pagamento da quantia de €500,00 a uma instituição de solidariedade social.
- por sentença de 05.03.2009, transitada em 07.04.2009, do 3º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 08.02.2001, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência, na pena de 10 meses de prisão a cumprir em dias livres.
- por acórdão de 12.03.2009, transitado em 14.04.2009, da Vara Mista do Tribunal de Setúbal, pela prática em 01.09.2007, de um crime de furto qualificado na pena de 3 anos de prisão.
- por sentença de 01.04.2009, transitada em 23.04.2009, do 2º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 16.07.2008, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 36 períodos de prisão.
- por sentença de 29.05.2009, transitada em 02.07.2009, do 3º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 01.03.2008, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena de 36 períodos de prisão.
- por acórdão de 16.07.2009, transitado em 09.09.2009, da Vara Mista do Tribunal de Setúbal, pela prática em 09.2007, de um crime de furto simples, um crime de furto de uso e um crime de roubo, na pena única de 10 meses de prisão.
- por sentença de 24.09.2009, transitada em 15.10.2009, do 2º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 05.04.2008, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por dois anos com regime de prova.
- por sentença de 22.03.2010, transitada em 21.04.2010, do 3º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 05.02.2008, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 240 dias de multa à taxa diária de €5,00.
- por sentença de 12.03.2010, transitada em 26.04.2010, do 2º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 15.10.2007, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de furto de uso, na pena única 130 dias de multa à taxa diária €5,00.
- por sentença de 09.06.2010, transitada em 14.09.2010, do 2º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 22.09.2008, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano.
- por acórdão de 06.12.2010, transitado em 18.01.2011, da Vara Mista do Tribunal de Setúbal, pela prática em 07.01.2009, de dois crimes de furto simples, na pena única de 10 meses de prisão.
- por sentença de 10.12.2010, transitada em 24.01.2011, do 2º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 29.07.2007, de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 9 meses de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade.
- por sentença de 26.04.2012, transitada em 30.05.2012, do 1º Juízo Criminal de Setúbal, pela pratica em 13.05.2009 de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 4 meses de prisão.
2.2 Factos não provados:
Não ficaram por provar factos com interesse para a decisão da causa.
***

2.2 Motivação da Decisão de Facto:
O Tribunal formou a sua convicção com base na prova pericial constante de fls. 53, 60 e 103 aos vestígios lofoscópicos recolhidos e ao DNA do arguido; no auto de notícia de fls. 3; auto de apreensão de fls.6 a 9; fotografias de fls. 10 a 17, 32 e 33; conjugado com o depoimento das testemunhas C e D, ofendidas nos autos, E, agente da PSP que procedeu à detenção do arguido e à apreensão do dinheiro e da mochila que continha a gaveta da caixa registadora e o boné onde vieram a ser detetados os vestígios de cabelo do arguido, prova apreciada de acordo com as regras de experiência comum e de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Saliente-se que «a regra da livre apreciação da prova em processo penal não se confunde com a apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objetivos, genericamente suscetíveis de motivação e controlo».
Nos meios em que é legalmente admissível fundar a convicção do tribunal há que se distinguir a prova direta, aquela que se refere aos factos probandos e é diretamente percecionada ou comprovada por provas reais (como as apreensões); da prova indireta ou indiciária, que se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com auxílio das regras de experiência comum e da normalidade, uma ilação quanto ao tema da prova através de presunções judiciais.

As ofendidas C e D descreveram de modo esclarecedor e preciso a forma como o arguido atuou dizendo que era um individuo com roupa escura e um boné que lhe tapava a cara, apontou-lhes uma arma e disse que era um assalto. Trazia uma mochila onde colocou o dinheiro que tirou das caixas registadoras. C afirmou que levou com a pistola na cabeça e ficou logo a sangrar e D disse que ele lhe deu um empurrão para tirar o dinheiro e a gaveta das moedas que pôs na mochila.
Tendo-lhes sido exibidas as fotografias de fls. 10, 11 e 12 afirmaram que não poderem reconhecer com segurança se era a arma, a mochila e o boné que o assaltante trazia mas afirmaram que eram idênticos a estes.

A testemunha E afirmou que quando foi participado o assalto foram informados das características do suspeito, da roupa que vestia e do local para onde tinha encetado a fuga tendo-lhes sido dito que o suspeito tinha fugido na direção da Estrada dos Ciprestes. O carro patrulha dirigiu-se logo para este local para tentar intercetar o suspeito. Cerca de 5/10 minutos após a participação intercetaram o arguido que correspondia à descrição do suspeito e que vinha todo suado, numa atitude de fuga, sempre a olhar para trás, tendo na roupa vestígios de pasto. Perante isto decidiram fazer uma busca pelo trajeto de onde ele vinha, num descampado por detrás da estrada dos ciprestes. Nesse local (como esta retratado nas fotografias de fls. 14 a 17) encontraram uma mochila que no seu interior tinha um boné, a gaveta da caixa registadora e a arma. Noutro local próximo encontraram o saco com o dinheiro junto de talões do supermercado, tendo apreendido todos estes objetos. A testemunha esclareceu ainda que este descampado fica muito próximo da residência do arguido como mostrou nas fotografias que lhe foram exibidas.
A testemunha F, agente da PSP que também se encontrava no local aquando da detenção do arguido confirmou a direção de onde este vinha e a apreensão que foi feita após a busca que fizeram pelo trajeto daquele.
Da conjugação da prova pericial e documental enunciada com o depoimento das testemunhas resulta que, de imediato e logo após ter sido participado o roubo, por ter sido dada a indicação da direção para onde o suspeito tinha fugido, os agentes da PSP que se dirigiram para este local depararam-se com o arguido que para além de corresponder às características dadas pelas ofendidas vinha de um descampado numa conduta claramente de fuga. Perante estas circunstâncias seguiram o trajeto por onde o arguido vinha e vieram a apreender o produto do roubo, a réplica da arma e o boné que após exame se comprovou ter sido usado pelo arguido. Note-se que entre a ocorrência dos factos, a interceção do arguido e as diligências de recolha de prova decorre um período temporal muito curto que revela claramente a participação do arguido nos mesmos.

A conjugação dos elementos probatórios enunciados à luz dos princípios da experiência comum e da razoabilidade inerente ao acontecer dos factos, permite concluir, sem margem para dúvidas, pela participação do arguido nos factos. De facto, se nenhum dos elementos probatórios só por si é suficiente para comprovar a participação do arguido, a conjugação de todos, analisados à luz das regras da experiência da vida, de acordo com juízos de normalidade comuns a qualquer cidadão e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, permite concluir, pela ocorrência dos factos como se descreveu na factualidade provada e da sua autoria pelo arguido, não existindo qualquer outra explicação plausível para os mesmos perante a prova recolhida.

O arguido negou a prática dos factos afirmando que os agentes da PSP o detiveram à porta de sua casa e já na esquadra colocaram o boné na sua cabeça querendo o incriminar pelo sucedido.
A versão do arguido não mereceu qualquer credibilidade não só por ser contrariada por toda a prova produzida mas também por ser inverosímil e completamente infundada a teoria do arguido de que foi vitima da ação dos agentes policiais que o detiveram sem qualquer motivo ou explicação, não conseguindo este explicar porque razão, a ser assim, os agentes policiais fizeram a busca no descampado próximo da sua residência e encontraram o objeto do roubo, a mochila com objetos do supermercado e o boné com vestígios do seu DNA.

A situação pessoal e socioeconómica do arguido resultou das declarações prestadas pelo mesmo em audiência de julgamento.
Os antecedentes criminais resultaram do teor do CRC de fls. 145.

3. O Direito:
3.1. Enquadramento jurídico-penal dos factos provados
O arguido vem acusado da prática, em concurso efetivo, de dois crimes de roubo agravado.

Dispõe o art. 210º, nº 1, do Código Penal «1. Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair (...), coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. 2. A pena é a de prisão de três a quinze anos se: a) qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir pelo menos por negligencia, ofensa à integridade física grave; ou b) se verificarem, singular ou cumulativa mente, quaisquer requisitos referidos nos nºs 1 e 2 do artigo 204º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no nº 4 do mesmo artigo…»

O roubo é um crime complexo que ofende, simultaneamente, bens jurídicos patrimoniais e pessoais, sendo que, a ofensa aos bens jurídicos pessoais surge como um meio de lesão dos bens patrimoniais.
A ofensa aos bens pessoais será levada a cabo por uma das formas previstas no nº 1, do art. 210º, do citado código, nomeadamente, através de violência e da intimidação.
A violência contra uma pessoa deverá ser entendida de forma abrangente, englobando quer a violência física, quer a psíquica, e ainda, a violência direta sobre o corpo da pessoa, e a violência indirecta .
A subtração da coisa móvel alheia pode, também, ser conseguida através de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física da pessoa, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, sendo que, nestes casos, se está perante o recurso a verdadeiros meios de constrangimento, em que se põe em causa a liberdade de acção ou de decisão do indivíduo.

Nos autos provou-se que o arguido usou de violência física e de violência psicológica direta empunhando, na situação descrita, um objeto que aparentava ser uma arma de fogo para intimidar e constranger as funcionárias do estabelecimento comercial a não resistir a quaisquer dos seus atos invasivos e, assim, se apropriar do dinheiro que se encontrava na caixas registadoras, o que conseguiu.
Embora não se tenha precisado a alínea pela qual se imputa a prática de um crime de roubo agravado previsto no nº 2, do artigo 210º, atenta a descrição dos factos apenas se poderia que fazer referência à circunstância prevista no artigo 204º n.º 2 alínea f) do Código Penal, ou seja, quando o mesmo seja cometido trazendo o agente, no momento do crime, arma aparente ou oculta.
No caso apreço, provou-se que o objeto arma utilizado pelo arguido era uma replica de uma arma de fogo, não possuindo por isso capacidade para efetuar qualquer disparo.
Tem sido entendido de forma maioritária, pela nossa jurisprudência, que o conceito de arma aparente ou oculta - art. 204.º, n.º 2, al. f) do Código Penal - não abrange a aparência de arma, isto é, o objeto que aparentando ser uma arma o não é.
Como se refere no Ac do S.T.J. de 17/01/2002, se o agente, munido de uma pistola simulada, fictícia ou de simples alarme, lograr, pelo medo com que tal pseudo-arma provoque na vítima, a apropriação ilícita de coisa móvel alheia, está ele incurso no crime de roubo previsto e punido pelo art. 210.º, n.º1, do C. Penal; mas não incorre na punição mais severa do n.º 2 do mesmo preceito.
Isto porque, defende a nossa jurisprudência, o que está na base da agravação prevista na al. f) do n.º 2 do artigo 204º é o perigo objetivo da utilização da arma, determinando uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima, ao mesmo tempo que permite que o agente se sinta mais confiante e audaz, e para que isto aconteça é necessário que esteja munido de uma arma eficaz.
Conclui-se assim, que o facto do arguido empunhar uma replica de uma arma, não obstante o receio e a maior intimidação que criou nas vitimas, não permite a qualificação do roubo, por integrar o conceito de violência previsto no nº 1, do artigo 210º do Código Penal.

Face ao exposto, preencheu o arguido com a sua conduta, os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de roubo, na forma simples, na pessoa das duas ofendidas visadas.

3.2. Medida Concreta da Pena a aplicar:
O crime de roubo é punível na moldura penal abstrata com pena de prisão de 1 a 8 anos.

No entanto verifica-se que, à data da prática dos factos aqui em causa o arguido tinha 19 anos de idade, pelo que, antes do mais, cumpre concretizar o poder-dever vinculado que decorre para o julgador do disposto no artigo 9.º do Código Penal que remete para o diploma dos jovens arguidos (Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro).
Com efeito, “a imposição de um regime penal próprio para os designados "jovens delinquentes” traduz uma das opções fundamentais de política criminal, ancorada em concepções moldadas por uma racionalidade e intencionalidade de preeminência das finalidades de integração e socialização, e que, por isso, comandam quer a interpretação quer a aplicação das normas pertinentes, quer, ainda, a avaliação das condições de aplicação. Isto porque, a delinquência juvenil, e em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta, é um fenómeno social muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvidas, obrigando, desde logo o legislador, a procurar respostas exigidas por este problema de indiscutível dimensão social” , e conferir ao julgador a possibilidade de “evitar que uma reacção penal severa, na fase latente da formação da personalidade, possa comprometer definitivamente a socialização do jovem” .
Ora, por força do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, sendo – como no caso concreto - aplicável pena de prisão, o juiz atenua especialmente a pena nos termos do disposto nos artigos 72.º e 73.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado. É, no entanto, entendimento uniforme na jurisprudência que o regime penal especial para jovens não é de aplicação automática, por isso, haverá que apreciar, no caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes. Não pode deixar de se ter presente a intenção do legislador expressa no ponto 7. do preâmbulo deste diploma legal, onde se diz “As medidas propostas não afastam a aplicação como –ultima ratio- da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos”.
Considerando que apesar de jovem o arguido já tem antecedentes criminais, inclusive pela prática de crimes de idêntica natureza ao dos autos com aplicação de penas de prisão, demonstrando as circunstâncias em que os factos foram praticados uma preparação e ponderação dos meios que revela uma maior ilicitude e não tendo o arguido manifestado interiorizar minimamente a censurabilidade destas condutas, entendemos não poder beneficiar desta atenuação. Por outro lado, o crime de roubo causa enorme alarme social pelo que atenuar especialmente a pena nestes casos se traduziria numa mensagem de permissividade face à reiteração destes crimes que não se justifica e não seria compreendida. Assim, não obstante a idade do arguido entende o tribunal não se justificar a atenuação da pena.


Os critérios concedidos pelo legislador para a determinação da medida da pena, encontram-se previstos no art. 40º, 70º e 71º do Código Penal. É com base neles que ao juiz cabe “uma dupla (ou tripla) tarefa, dentro do quadro condicionante que lhe é oferecido pelo legislador. Determinar, por um lado, a moldura penal abstracta cabida aos factos dados como provados no processo. Em seguida, encontrar, dentro desta moldura penal, o quantum concreto da pena em que o arguido deve ser condenado. Ao lado destas operações – ou em seguida a elas - escolher a espécie ou o tipo de pena a aplicar concretamente, sempre que o legislador tenha posto mais do que uma à disposição do juiz” .

Se ficou já determinada a moldura penal abstracta da pena, cumpre agora proceder à determinação concreta da mesma.
Esta acha-se, antes de mais, em função da culpa do agente, das exigências de prevenção especial, ligadas à reinserção social e aos fins de prevenção geral, pugnando pela defesa da sociedade com consequente contenção de criminalidade. A estes motores de determinação da medida da pena acrescem todos os outros que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente de modo a proporcionar uma dupla função à pena a aplicar: por um lado, a mesma tem de ser justa e adequada ao caso concreto, por outro lado, tem de ser suficiente para desmotivar a generalidade das pessoas de seguirem ou enveredarem por comportamentos semelhantes.

Importa, porém, considerar, como alerta Figueiredo Dias, que através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção”
O art.40º do Código Penal determina qual a finalidade das penas, estipulando que, em caso algum, a medida da pena deverá ultrapassar a medida da culpa concreta do agente, funcionando esta como limite máximo da medida da pena a aplicar. Mais adianta este artigo que, as penas têm como finalidade a protecção de bens jurídicos – prevenção geral –, e a reintegração do agente na sociedade – prevenção especial.
É dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, que a medida concreta da pena deve ser determinada, em função das particulares e concretas exigências de prevenção especial e visando promover a reintegração social do agente .
Na determinação da medida concreta da pena, deverão ser consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal convocado, deponham quer a favor quer contra o agente (cf. art. 71º, nº 2 do Código Penal).

Aferindo dos critérios previstos no art. 71º do Código Penal em face da factualidade apurada importa salientar.
Agrava a ilicitude dos factos as circunstâncias e meios utilizados pelo arguido para concretização do seus intentos, procurando ocultar a sua identidade, munindo-se de uma réplica de uma arma de fogo e agredindo as ofendidas para se apropriar do dinheiro das caixas, o que revela revela uma agressividade e violência acima da média.
O arguido agiu com dolo directo e por isso intenso.
As exigências de prevenção geral são muito elevadas, dada a forte incidência deste tipo de crime na Comarca e o alarme social associado a estas condutas fazendo com que as pessoas tenham receio de andar na rua até durante o dia tal é a frequência deste tipo de ilícito.
O arguido apesar de muito jovem já tem inúmeros antecedentes criminais inclusive pela prática de crimes de idêntica natureza, para além de outros igualmente graves, encontrando-se a cumprir pena de prisão o que, no entanto, não foi suficiente para o fazer refletir sobre a gravidade destas condutas, sendo manifesto pela postura de indiferença perante os factos da acusação que este não interiorizou a gravidade deste crime existindo sério risco de, quando em liberdade, persistir nestas condutas ilícitas.

Ponderando todos estes fatores, entende-se adequado aplicar ao arguido uma pena que terá de se situar acima do limite médio da moldura abstrata pelo que se fixa em 5 anos e de prisão por cada um dos crimes de roubo cometido.
Nos termos do art. 77º, nº 1, do Código Penal, se o agente tiver praticado vários crimes é condenado numa única pena, na determinação da qual são considerados os factos e a personalidade do agente. Nos termos do nº 2, desta disposição legal o limite mínimo corresponde a pena máxima concretamente aplicada e o máximo à soma das mesmas.
No caso, apreciando a globalidade dos factos provados, destaca-se a idêntica natureza dos crimes em concurso, os antecedentes criminais do arguido revelador de uma clara propensão para a prática de crimes sendo que as condenações sofridas não foram suficientes para fazer o arguido refletir sobre o percurso que estava a levar e o impedir de reincidir na prática de outros ilícitos não só de igual como de maior gravidade. Revela ainda hoje o arguido que ao longo destes anos, não interiorizou a ilicitude das suas condutas voltando a reincidir nas mesmas sendo que só quando está em cumprimento da pena de prisão é que não pratica crimes.

Considerando as circunstâncias acima enunciadas na dosimetria da pena e a personalidade do arguido manifestada nos factos, designadamente as circunstâncias apuradas, a motivação, a sua conduta posterior e a existência de diversos antecedentes que nos permite inferir uma tendência para a prática de crimes e uma dificuldade de adotar um comportamento conforme à ordem jurídica quando se encontra em liberdade, entende-se ser adequado condenar o arguido na pena única de 8 anos de prisão.»

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. Fundamentação


1. Delimitação do objecto do recurso.
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Em matéria de direito, o arguido põe em causa a qualificação jurídica dos factos, por considerar que apenas pode ser condenado pela prática de um e não de dois crimes de roubo;
Invoca ainda ter sido incorretamente preterido o regime especial para jovens.
Em matéria de facto, o recorrente alega terem sido “Erradamente julgados factos pelo tribunal a quo “.
Conclui dever ser absolvido em obediência ao princípio in dubio pro reo e, a não se entender assim, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que considere ter o arguido praticado um único crime de roubo, devendo ser substituída a pena, aplicando-se ao arguido o Regime Especial para Jovens.
Vejamos então, começando por apreciar os termos da questão suscitada pelo arguido em matéria de facto.
2. Decidindo
2.1. – A questão de facto.
Alega o arguido a respeito do julgamento em matéria de facto, que a decisão recorrida foi proferida ao arrepio do princípio in dubio pro reo, porquanto, no essencial, as ofendidas não reconheceram o arguido, nem a arma, a mochila ou o boné apreendidos nos autos e alegadamente usados pelo autor do assalto, sendo certo que o arguido negou a prática dos factos e afirmou que os agente da PSP o detiveram à porta de sua casa e já na esquadra colocaram o boné na sua cabeça. Conclui que inexiste, como prova documental, qualquer outra prova, por exemplo impressões digitais.
Como se vê da sua motivação e respetivas conclusões, o arguido não indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como as passagens das declarações a reapreciar pelo tribunal ad quem, que impusessem decisão diversa da recorrida, do mesmo modo que não invoca sequer o disposto no art. 412º do CPP ou pretender impugnar a decisão proferida sobre a matéria de factos nos termos daquele preceito, pelo que, em rigor, não pode considerar-se sequer que o arguido pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto naqueles termos.
Embora o arguido não mencione igualmente o art. 410º do CPP, a sua motivação de recurso ajusta-se antes à invocação de erro notório na apreciação da prova, previsto na al. c) do nº2 daquele preceito, tanto mais que menciona-se na apreciação crítica da prova que as ofendidas não reconheceram o arguido ou os objetos apreendidos e que a versão apresentada pelo arguido em audiência não mereceu credibilidade ao tribunal a quo, pelo que os reparos feitos pelo arguido resultam do texto da decisão recorrida.
Sem razão, porém.
Por um lado, o tribunal a quo analisa e explica de forma circunstanciada a prova indireta que serviu de base à sua convicção, nomeadamente as declarações dos OPC que encontraram o arguido e os objetos usados na execução do crime.
Por outro lado, contrariando frontalmente a afirmação do arguido de que não existe qualquer outra prova, designadamente impressões digitais, consta da factualidade provada (cfr nºs 11 e 12) e foi devidamente mencionado na apreciação crítica da prova, que no boné com os dizeres «(…)» encontrado no interior da mochila igualmente encontrada próximo do local onde o arguido foi intercetado pelos OPC, foram detetados cabelos humanos que, após exame comparativo, apresentavam identidade de poliformismos com os presentes na zaragatoa bucal recolhida ao arguido». Isto é, os cabelos presentes no gorro e a saliva através recolhida através de zaragatoa bucal tinham o mesmo ADN, pelo que fica demonstrado que aquele boné foi usado pelo arguido, não obstante o mesmo negar tal facto, estabelecendo-se uma ligação objetiva do arguido com o agente do crime tal como foi visto pelas ofendidas que, relacionado com os demais elementos circunstanciais analisados, não deixa quaisquer dúvidas sobre a autoria do crime.
A mera afirmação do arguido de que os OPC lhe colocaram o boné na cabeça depois dos factos é contrariado pelo depoimento destes e pelas regras da experiência comum, pelo que não se vê como pretende a defesa que lhe fosse reconhecida qualquer credibilidade.
Concluímos, assim, como aludido, não resultar demonstrado qualquer erro no julgamento da matéria de facto, nomeadamente por violação do princípio in dubio pro reo, antes o acórdão recorrido analisa de forma adequada e convincente a prova produzida, sem que o julgamento da matéria de facto dê e lugar a quaisquer dúvidas.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
2.2.A qualificação jurídica dos factos.
Sem desenvolvimentos sobre a questão, decidiu o tribunal a quo que o arguido preencheu com a sua conduta os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de roubo, na forma simples, na pessoa das duas ofendidas visadas, condenando o arguido pela prática, em concurso efetivo, de dois crimes de roubo simples, em termos similares aos constantes da acusação, embora aí se imputasse ao arguido a prática de dois crimes de roubo agravado, qualificação esta que o tribunal recorrido não confirmou.
Alega o arguido a este respeito que não está em causa a prática de dois crimes de roubo porquanto existe uma só resolução criminosa, um ofendido patrimonial e um ato, apesar de a violência inerente ao tipo de crime ter sido exercida sobre duas pessoas. Assim, apenas está em causa a prática de um crime de roubo simples.
Vejamos.
2.2.1. Como é sabido, o crime de roubo é um crime complexo, porquanto visa proteger bens jurídicos de natureza patrimonial – o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis - e pessoal, a liberdade individual de decisão e ação, de movimentos, a integridade física e mesmo a vida nos casos previstos no nº3 do art. 210º do C.Penal . vd Comentário Conimbricense II, p. 160.
Por outro lado, o tipo legal de roubo constitui uma categoria típica autónoma e não um mero furto agravado, essencialmente por duas razões.
Em primeiro lugar, o roubo pode ser um crime de tomar, pelo qual o agente subtrai a coisa, como no furto, mas também um crime de fazer entregar, diferentemente do furto.[1].
Em segundo lugar, o crime de roubo exige que tanto a subtração como o fazer entregar a coisa tenham lugar contra uma pessoa por meio de violência ou qualquer outro dos meios vinculativamente descritos no tipo legal, de modo que a ofensa de bens pessoais surge tipicamente como o meio de lesão dos bens patrimoniais. Numa formulação corrente e sugestiva, o crime contra as pessoas contido no roubo é o crime meio, enquanto o furto (grosso modo) constitui o crime-fim.
Por último, a natureza pessoal dos bens jurídicos necessariamente postos em causa pelo roubo implica que a uma pluralidade de ofendidos há de corresponder uma pluralidade de crimes a punir em concurso efetivo, pois sempre foi entendido na jurisprudência e doutrina que os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais não poderiam ser punidos como um só crime continuado, exceto tratando-se de uma mesma vítima, solução que foi acolhida positivamente no nº3 do art. 30º do C.Pneal com a revisão operada pela Lei 59/2007 de 4 de setembro.
Sempre se tem entendido, assim, que ao apropriar-se de bens de duas ou mais pessoas por meio de violência (ou outro meio típico) contra elas, o agente comete tantos crimes quantas sejam as pessoas desapropriadas dos bens e lesadas na sua pessoa de forma típica.
2.2.2. A questão colocada nos casos, como o presente, em que o património atingido é um só, pois os bens em causa integravam o mesmo estabelecimento, mas em que há uma pluralidade de pessoas vítima de ofensa a bem jurídico pessoal (v.g. a integridade física ou a liberdade individual sob qualquer das formas tuteladas no tipo legal), não se coloca necessariamente nos mesmos termos, contrariamente que ao parece implícito na decisão recorrida.
Nos casos, como o presente, de património único e unidade de resolução criminosa, a condenação do agente por tantos crimes de roubo quantas as pessoas ofendidas na sua pessoa como meio para atingir o fim de apropriação patrimonial[2], parece esbarrar com o problema da aparente duplicação da condenação na sua vertente patrimonial.
Na verdade, como pode ler-se no Ac STJ de 11.04.2002 (acessível em www.dgsi.pt), “…a subtracção de uma única coisa móvel alheia no valor de 5071000 escudos, com violência contra duas pessoas que a detém, não pode ser equiparada à subtracção de duas coisas móveis alheias, cada uma delas no valor de 5071000 escudos, detidas por cada uma das vítimas da violência, pois que naquela solução o mesmo bem jurídico patrimonial teria uma dupla tutela e um furto de uma coisa no valor de 5071000 escudos, seria transformado, nessa vertente, em dois crimes de furto de coisa de igual valor …”.
Embora o ataque pessoal a uma pessoa como meio de atingir o fim último da apropriação patrimonial ilegítima constitua elemento diferenciador do roubo face ao furto, a colocação do crime de roubo entre os crimes contra a propriedade não permite desconsiderar a vertente patrimonial do crime a ponto de ter lugar a condenação do agente por uma pluralidade de crimes de roubo exclusivamente com base na pluralidade de vítimas pessoais.
Na verdade, ainda que a pluralidade de crimes de roubo a punir em concurso efetivo dependa de ser mais que uma pessoa a ser objeto de violência, ameaça ou a ser colocada na impossibilidade de resistir, nenhuma destas circunstâncias é condição suficiente.
Só quando se reúnam na mesma pessoa as qualidades de titular dos direitos patrimoniais e pessoais atingidos pela conduta do agente, pode considerar-se que a pluralidade de ofendidos implica o concurso efetivo de crimes, uma vez que a punição pelo crime autónomo de roubo depende e assenta na dupla vertente patrimonial e pessoal. Não pode o arguido ser condenado pela moldura legal do crime de roubo mais que uma vez se apenas visou apropriar-se de um único bem ou de bens de um único património, mesmo que tenham sido várias as pessoas atingidas na sua pessoa pelo arguido como meio de atingir o fim último de ilegítima apropriação patrimonial. Nestas hipóteses, não se verifica concurso efetivo de crimes de roubo se apenas uma das pessoas, ou nenhuma delas, é dono ou titular de direito patrimonial relevante sobre a coisa. Existe, antes, uma relação de concurso efetivo entre o crime de roubo - cujo preenchimento típico se basta com a violência sobre uma pessoa desde que aquela seja meio de atingir o crime fim - e o crime, ou crimes, contra a integridade física ou contra a liberdade, sofrido pelas demais pessoas atingidas.
Para além do citado Ac STJ de 11.04.2002 (relator, Oliveira Guimarães), parece-nos aquele também o entendimento sugerido por Conceição Ferreira Cunha, para quem “ … não deverá ser punido de acordo com a mesma moldura legal, quer o agente que exerce violência apenas em relação a uma pessoa, quer em relação a várias, ainda que o bem que se pretende subtrair seja o mesmo, sendo preferível punir por roubo em concurso com o (s) crime(s) de ofensas corporais.” . cfr Comentário Conimbricense do C.Penal, II p. 164 – negrito nosso. Este entendimento da autora parece não valer apenas para os casos em que terceiro presta ajuda ao proprietário ou detentor, apesar de ser esse o exemplo apresentado, dado que a autora inclui no que designa por sujeito passivo do crime todos os casos em que a violência (grosso modo) contra uma pessoa constitui meio para subtrair ou constranger a que lhe seja entregue coisa móvel alheia, o que nos parece corresponder à referência ampla do tipo a meio de violência contra uma pessoa, sem outras especificações.
Concluímos, pois, ser a solução enunciada a que melhor se harmoniza com as regras e princípios que regulam entre nós o concurso de crimes. O concurso efetivo de crimes de roubo apenas tem lugar quando à pluralidade de pessoas atingidas na sua pessoa corresponde pluralidade de pessoas atingidas no seu património, dada a natureza unitária e complexa do crime de roubo, ao mesmo tempo que a punição por um único crime independentemente do número de pessoas atingidas na sua pessoa, não protege suficientemente os bens jurídicos de natureza pessoal tutelados pelo tipo legal de roubo. Bens jurídicos de natureza pessoal que, como escreveu Eduardo Correia, “ Trata-se de bens que se não podem desligar da personalidade, que apenas podem ser violados na pessoa que os cria com o só existir. Por isso, salvo fazendo violência às coisas, não pode o legislador protegê-los senão individualmente na pessoa dos seus portadores “ – Cfr Unidade e Pluralidade de Infracções – Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, pág. 122.
Já Pinto de Albuquerque entende que se verifica sempre concurso efetivo entre o crime de roubo e o crime de ofensas corporais [ou outro de natureza pessoal], sempre que a pessoa que tenha sofrido a violência não seja dono da coisa, de tal modo que em casos como o presente verificar-se-ia concurso efetivo entre um crime de roubo e dois crimes de ofensa à integridade física, por terem sido objeto de violência dois funcionários da caixa do supermercado. Tal entendimento, porém, não nos parece sufragável, pois, como referimos já, o preenchimento do tipo legal exige e basta-se com a violência contra uma pessoa como meio de subtrair ou constranger à entrega de bem móvel, pelo que a punição da violência contra uma das pessoas (ou a única) pessoalmente atingidas está necessariamente abrangida pela moldura legal do crime de roubo.
2.2.3. No caso presente, o arguido usou violência física contra as funcionárias C, operadora da caixa nº2, e D, operadora da caixa nº1, para lograr apropriar-se da importância de €719,22 que se encontrava naquelas caixas do supermercado, prevendo e querendo molestar fisicamente aquelas com o propósito concretizado de fazer seus os bens que encontrasse no estabelecimento, conforme descrito na factualidade provada, pelo que preencheu com a sua conduta os elementos constitutivos de um crime de roubo simples previsto e punível pelo art. 210º nº1 do C.Penal, para além de um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punível pelo art. 143º do C.Penal.
Todavia, uma vez que este último crime tem natureza semi pública e nenhuma daquelas funcionárias apresentou queixa, impõe-se a absolvição do arguido quanto a este mesmo crime por falta de legitimidade do MP para o respetivo procedimento criminal.
2.3. - Da pretendida aplicação do regime especial para jovens imputáveis ao arguido recorrente.
No essencial, o arguido recorrente alega que à data dos factos tinha apenas 19 anos de idade, sendo que todos os ilícitos cometidos se inserem no mesmo espaço temporal e circunstancialismo de adolescência conturbada, altura importantíssima para a formação da sua personalidade e carácter conforme ao direito, mas também o momento de maior fragilidade de suporte familiar, (…) que levou o Arguido a adotar comportamentos antijurídicos, naquela fase concreta da sua ainda curta vida, o certo é que o arguido é hoje um jovem diferente, empenhado nos seus estudos, ainda que levados a cabo no estabelecimento prisional, e cheio de objectivos para o futuro, não passando esses pela prática de comportamentos desconformes à ordem jurídica.
Sem razão, porém, na sua pretensão, essencialmente pelas mesmas razões que levaram o tribunal a quo a afastar expressamente a aplicação daquele regime especial, confirmando-se, assim, aquela mesma decisão.
Na verdade, apesar da sua juventude, o arguido apresenta um extenso rol de condenações anteriores, pela prática de crimes contra a propriedade, contra as pessoas e contra a realização da justiça, para além de 12 condenações por condução sem habilitação legal e uma por consumo de estupefacientes, sem que os termos otimistas da motivação de recurso tenham qualquer correspondência na factualidade provada, tanto mais que o arguido não assumiu sequer a prática dos factos, nada fez para minorar as consequências dos seus atos e cumpre já penas de prisão há cerca de 3 anos.
.
Assim, independentemente de considerarmos, em geral, que a rejeição da aplicação da atenuação especial relativa a jovens prevista no art. 4º do Dec-lei 491/82 pode ficar a dever-se a exigências de prevenção geral[3] e que tais necessidades são manifestas no caso presente, dada a gravidade dos factos, também as razões de prevenção especial ditadas pelos antecedentes do arguido e a sua atitude perante os factos praticados nos autos, não permitem a conclusão de que a aplicação do regime no art. 4º do Dec-lei 401/82 no caso concreto representaria uma vantagem para a sua reinserção social.
Pelo contrário, o historial pretérito do arguido demonstra estarmos perante uma personalidade que apresenta o seu quadro de desenvolvimento concluído, revelando um discernimento claro nas opções de vida que tomou e que, desse modo, dita a inadequação da aplicação daquele regime especial ao arguido recorrente.
2.4.. Dado que as pretensões do arguido em matéria de determinação da pena resultam apenas da alteração da qualificação jurídica dos factos e da invocada aplicação do regime especial para jovens delinquentes, nada mais há a decidir, impondo-se retirar apenas as devidas consequências do decidido em matéria de qualificação jurídica dos factos.
Assim, sendo o arguido absolvido da prática de um dos dois crimes de roubo simples p. e p. pelo art. 210º nº1 do C.Penal pelos quais vinha condenado na pena de 5 anos de prisão por cada um deles e na pena única de 8 anos de prisão, mantém-se apenas a condenação do arguido na pena de 5 anos de prisão pela prática de um daqueles crimes de roubo.
2.5.. Dado disposto no art. 50º do C.Penal impõe-se, assim, fundamentar sumariamente a inadequação da suspensão da execução daquela pena de 5 anos de prisão, nos antecedentes criminais do arguido, nas suas condições de vida e no seu comportamento omissivo posterior aos factos, bem como nas fortes necessidades de prevenção geral positiva ditadas pela elevada gravidade dos factos perpetrados.

III. Dispositivo

Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, A, revogando o acórdão condenado na parte em que condenou o arguido pela prática, em concurso efetivo, de dois crimes de roubo simples, previstos e punidos pelos artigos 210º nº 1, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão por cada crime e, em cúmulo jurídico daquelas penas, na pena única de 8 (oito) anos de prisão.
Mais decidem, em substituição, manter a condenação do arguido pela prática de um crime de roubo simples p. e p. pelo art. 210º nº1 do C.Penal na pena de 5 (cinco) anos de prisão, absolvendo-o do crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143º do C.Penal, para o qual se convolaria nos termos expostos a condenação do tribunal a quo no segundo crime de roubo p. e p. pelo art. 210º nº1 do C.Penal, por falta de legitimidade do MP.
Manter no mais o acórdão condenatório recorrido.
Sem custas, atenta a procedência parcial do recurso e o disposto no art. 513º do C.P. na sua atual versão, introduzida pelo Dec-lei 34/2008 de 26 fevereiro.

Évora, 9 de setembro de 2014.
(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

António João Latas
Carlos Jorge Berguete

_________________________________________________
[1] Veja-se, José António Barreiros, Crimes Contra o Património,1996, p. 85.
[2] Vd neste sentido o Ac STJ de 16.06.1994, CJ/STJ II-2, p. 253 (relator, Sousa Guedes) e Ac RP de 24.10.2012 (relatora, Eduarda Lobo), bem como a declaração de voto de Maria do Carmo Silva Dias no Ac RP de 24.10.2007, acessíveis em www.dgsi.pt.
[3] Desde logo, afirma-se no Preâmbulo do Dec-lei 401/82 que, “As medidas propostas não afastam a aplicação – como última ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade …” – Vd sobre a questão, por todos, o citado Ac RP de 09.04.2008.