Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | CRISTINA DÁ MESQUITA | ||
| Descritores: | PROCESSO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESA LISTA DE CREDORES IMPUGNAÇÃO RECURSO | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | A decisão proferida no âmbito do PER sobre a impugnação da lista provisória de créditos elaborada pelo sr. Administrador Judicial Provisório é diretamente recorrível, nos termos do disposto no artigo 644.º, n.º 1, alínea a), enquanto decisão final de incidente processual, não tendo o recorrente interessado de aguardar pela decisão da homologação do plano de recuperação para dela recorrer ao abrigo do disposto no artigo 644.º, n.º 3, do CPC. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 3014/24.1T8STR-B.E1 (2.ª Secção) Relatora: Cristina Dá Mesquita Adjuntas: Maria Emília Melo e Castro Maria Domingas Simões Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1. A Caixa Geral de Depósitos, SA, credora nos presentes autos de revitalização da sociedade (…) – Moagem de Cereais, SA, interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo de Comércio de Santarém, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, que julgou improcedentes, por não provadas, as impugnações apresentadas pelos Credores Banco (…), SA, Caixa Geral de Depósitos, SA, (…) – Sucursal em Portugal, e (…) – Entreposto Comercial Agrícola, CRL, relativamente ao crédito reclamado por … (entretanto falecido), decidindo que este deve manter-se reconhecido pelo montante de € 1.575.580,00. I.2. A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões: «1. A sentença proferida julgou improcedente as impugnações apresentadas (nomeadamente a impugnação da credora/ora recorrente), ao crédito reconhecido aos herdeiros do credor (…), no valor de € 1.575.580,00. 2. No entanto, tal decisão não está correta. 3. O crédito terá alegadamente sido constituído por escritura de mútuo com hipoteca, outorgada em 23 de setembro de 2019, onde alegadamente foi concedido pelo particular (…) um empréstimo no valor de € 500.000,00. 4. Sucede que os herdeiros não fizeram prova de que tal quantia foi entregue à sociedade, nem na data da escritura, nem em data próxima à sua celebração. 5. Em 25 de outubro de 2019, foi celebrado outro documento onde alegam as partes mutuar a quantia de € 970.000,00, à sociedade. 6. Mais uma vez os herdeiros não juntaram prova da quantia mutuada. 7. Para garantia das quantias mutuadas foi constituída hipoteca sobre o prédio urbano composto de armazéns para actividade industrial e logradouro, denominado (…), situado em (…), freguesia de (…), concelho de Alcanena, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo (…), da União de Freguesias de (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcanena sob o n.º (…), que se encontram registadas mediante a Ap. (…), de 03/10/2019 e a Ap. (…), de 20/11/2019. 8. A simples existência das escrituras não é suficiente para a prova da entrega das quantias. 9. Tendo o crédito sido impugnado cabia ao alegado credor a prova do crédito de que se arroga. 10. Existem indícios suficientes para fazer crer que estamos perante uma simulação de negócio. 11. Pois o credor (pessoa singular) alega que emprestou à devedora a quantia de € 1.470.000,00. 12. Os empréstimos foram alegadamente efetuados no espaço de um mês. 13. Apesar do elevado empréstimo a devedora no final do ano de 2020 apresenta-se a um PER (processo n.º 1/20.2T8STR). 14. Com a constituição da referida hipoteca e do alegado crédito, pretende o credor reclamante, em conluio com a devedora, aprovar um acordo/plano que vai prejudicar todos os restantes credores. 15. O acordo apresentado prevê o pagamento da totalidade do capital aos herdeiros do credor (…) e perdões de 80% e 90% para os restantes credores. 16. Acordo este que foi assinado pelo único credor que efetivamente é beneficiado com a sua homologação. 17. Não podiam as partes desconhecer que ao fingirem este “empréstimo” ao qual associaram uma garantia real hipotecária, estariam a prejudicar os seus credores. 18. O facto do crédito em questão ter sido reconhecido em PER anterior não pode ser suficiente para afastas a impugnação feita nos presentes autos. 19. Conforme o próprio Tribunal a quo referiu na sentença proferida a decisão proferida no PER não faz caso julgado fora do processo. 20. Pelo que tem de ser revogado o argumento utilizado pelo Tribunal a quo. 21. Para prova das quantias mutuadas o credor juntou cheques emitidos de janeiro de 2020 a fevereiro de 2022. 22. Cheques estes que são emitidos muito após a data dos contratos celebrados, nomeadamente muito após a data da última tranche, Dezembro de 2019. 23. Pelo que os cheques juntos não podem fazer prova, sem mais, das quantias mutuadas. 24. Não pode a impugnante/Recorrente deixar de referir que as próprias partes justificaram os empréstimos com a existência de relações comerciais entre eles, o que poderia facilmente justificar a realização de alguns pagamentos ao longo do tempo. 25. Existem, ainda, cheques que não são emitidos à ordem da sociedade, pelo que também estes valores não podem ser considerados, os documentos juntos como n.º 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19. 26. Mais, os cheques por si só não provam a efetiva transferência das verbas, uma vez que não é pelo facto de existir um cheque emitido que o mesmo foi levantado/depositado, pelo que mal andou o Tribunal quando aceitou sem mais os mesmos. 27. As transferências juntas como docs. 20 e 21 não podem ser consideradas, uma vez que o depósito foi feito na conta de (…) e não na conta da empresa e são feitos por alguém que aparentemente tem o sobrenome (…). 28. Relativamente aos docs. 18 e 22, os mesmos tratar-se-ão de cheques ao portador, que só por si não fazer prova de que foram efetivamente levantados, nem podem fazer prova que foram entregues à devedora, pelo que não podem os mesmos fazer prova da alegada quantia mutuada à sociedade, sem um comprovativo de depósito na conta da mesma. 29. O tribunal a quo na sentença proferida nada refere em concreto quanto aos documentos juntos, fazendo apenas uma alegação genérica de que existiram transferências de valores. 30. Ora, tal não é suficiente para a prova da existência do crédito pelo que não pode o mesmo ser aceite. 31. Cabia ao Tribunal fazer a analise dos comprovativos que foram juntos e efetivamente pronunciar-se sobre a suficiência ou insuficiência dos mesmos para justificar um crédito no valor de € 1.575.580,00, o que não ocorreu. 32. Por fim, entendeu o Tribunal aceitar o alegado crédito uma vez que o mesmo estará refletido na contabilidade da devedora. 33. Porém não se aceita que tal seja suficiente para a prova do credor quando é manifesto que estamos perante uma simulação das partes. 34. O reflexo na contabilidade é um ato proveniente desse mesmo negócio simulado, pelo que tal terá de ser considerado insuficiente para justificar/provar a existência do crédito. 35. A Insolvente apresentou um plano ao abrigo do 17.º-I com a aprovação de um único credor (um particular com um crédito reconhecido de € 1.575.580,00). 36. Credor este que, segundo a lista de credores apresentada pelo sr. AJP, representa 36,74% dos créditos. 37. E conjuntamente com este credor pretende a Insolvente pretende homologar um acordo que lhe irá trazer um perdão de 80% e 90% das suas dívidas reais. 38. Pelo que é manifesto a existência de prejudicialidade e que ainda que assim não fosse é manifesto a existência de violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade. 39. É assim evidente a existência de simulação entre as partes. 40. Em face do exposto, deverá ser revogada a sentença proferida e sendo a mesma substituída por outra que julgue procedente a impugnação apresentada ao crédito reconhecido a (…), no valor de € 1.575.580,00, porquanto perante a impugnação apresentada o mesmo não conseguiu fazer a prova da concessão dos alegados empréstimos, devendo o mesmo ser retirado da lista de credores apresentada com as demais consequências legais. Nestes termos e nos demais de direito deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, revogada a decisão recorrida e ordenada a sua substituição por outra em conformidade. Assim decidindo, farão V. Exas. a costumada Justiça». I.3. Os herdeiros do credor (…) – (…) e (…), apresentaram resposta às alegações de recurso, as quais culminam com as seguintes conclusões: «1. Salvo melhor opinião, o Despacho sob censura não é suscetível de apelação autónoma e imediata, nos termos e ao abrigo dos n.os 1 e 2 do artigo 644.º do C.P.C.. 2. Porquanto a decisão que indefere ou decide a impugnação à lista provisória de créditos reconhecidos no âmbito do PER não se enquadra em nenhuma das decisões previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 644.º, nem constitui nenhuma das decisões referidas no n.º 1 do artigo 645.º, ambos do C.P.C.. 3. Não obstante, e no nosso modesto entendimento, apenas se poderia equacionar, por mero dever de patrocínio, o enquadramento do recurso do Despacho sob censura na alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do C.P.C., mas sem conceder. 4. E não se concede desde logo porque a referida inutilidade se verifica apenas nos casos em que o despacho recorrido produza um resultado irreversível, que torne a decisão do Tribunal ad quem completamente inútil, e não nas situações em que a procedência do recurso acarrete somente a mera inutilização de atos processuais. 5. Perante o exposto, e salvo melhor opinião, a decisão sobre as impugnações à lista provisória de créditos, proferida no Despacho sob censura, não se enquadra em nenhuma das situações previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 644.º do C.P.C. e, por isso, não é um caso de apelação autónoma, sendo assim passível de ser impugnada no recurso a interpor da decisão que ponha termo à causa, no caso, a sentença final. 6. Em face do exposto, pugnamos pela rejeição liminar das alegações de recurso, dada a ausência de verificação dos pressupostos de admissibilidade previstos na legislação processual civil, aplicável in casu, 7. Termos em que, salvo melhor opinião, deverá rejeitar-se liminarmente o Recurso interposto, o que se requer. SEM PRESCINDIR, 8. Para a hipótese, meramente académica, de se admitir o recurso, sempre se terá de concluir pela inadmissibilidade do recurso por incumprimento do n.º 1 do artigo 639.º do C.P.C., aplicável ex vi do artigo 17.º do C.I.R.E., uma vez que a Apelante apresenta as suas alegações sem formular conclusões, limitando-se a reproduzir, de forma literal, o anteriormente alegado. 9. Termos em que, salvo melhor opinião, deverá a presente Apelação interposta ser rejeitada, nos termos do artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do C.P.C.. SEM PRESCINDIR, 10. Salvo melhor opinião, a notificação prevista nos artigos 17.º- I, n.º 2, alínea a) e 17.º-D, n.º 2, aplicável ex vi do n.º 3 do artigo 17.º-I, ambos do C.I.R.E., destina-se unicamente aos credores que não intervieram no acordo extrajudicial e que constam da lista de créditos relacionados pela empresa. 11. Pelo que os Apelados, que outorgaram o referido acordo extrajudicial, não têm de reclamar o seu crédito no âmbito dos presentes autos. 12. Contudo, mesmo que se entendesse que os credores que outorgam o acordo deveriam reclamar os seus créditos – o que não se concede –, essa reclamação sempre deveria ser apresentada por todos os herdeiros do credor falecido (…), uma vez notificados para o efeito. 13. O que, em todo o caso, não se verificou, pelo que, salvo melhor opinião, nunca lhes poderão ser imputadas as consequências da ausência de reclamação de créditos. 14. Para além do exposto, crê-se que os Apelados também não tinham de comprovar, através de documentos, a existência do seu crédito no requerimento inicial apresentado. 15. Não obstante o exposto, notificados para o efeito, os Apelados procederam à junção dos comprovativos de transferência das quantias mutuadas, bem como do comprovativo de IBAN da conta da qual o credor falecido (…) efetuou as transferências. 16. Pelo que se encontra comprovada a totalidade do crédito dos Apelados, por documentos juntos aos autos, tanto pela Requerente, como pelos Apelados. 17. Através da resposta apresentada pela Requerente às impugnações dos Credores e respetivos anexos, datada de 06 de dezembro de 2024, de fls….., com a ref.ª citius 11225896 e do requerimento apresentado pelos Credores, e ora Apelados, e respetivos anexos, datado de 07 de janeiro de 2025, de fls….., com a ref.ª citius 11299637. 18. Da análise dos comprovativos juntos aos autos, verifica-se que o credor falecido (…) emprestou a quantia global de € 1.619.980,00 (um milhão e seiscentos e dezanove mil e novecentos e oitenta euros), tendo a entrega do referido montante sido efetuada em diversas tranches ao longo de vários anos, através de cheques bancários, transferências bancárias e ainda em numerário, de acordo com a vontade das partes envolvidas. 19. Desta forma, as transferências efetuadas pelo falecido credor (…), os cheques por este emitidos e os valores entregues em numerário destinaram-se unicamente ao cumprimento dos contratos de mútuo acima melhor identificados, inexistindo qualquer outro fundamento para a sua entrega. 20. Tendo o credor falecido (…) efetuado transferências para as contas bancárias indicadas pela legal representante da Requerente, emitido cheques a favor das pessoas, singulares e coletivas, de acordo com as indicações fornecidas pela mesma, e procedido à entrega dos valores em numerário à representante legal da Requerente. 21. Transferências e cheques emitidos da conta de que era titular no Banco (…), S.A.. 22. Tendo, por isso, direta ou indiretamente, entrado na esfera jurídica da Requerente os valores mutuados e demonstrados nos autos, nos termos indicados pela sua representante legal. 23. Veja-se, aliás, que o referido crédito foi parcialmente reconhecido no âmbito do Processo Especial de Revitalização que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Comércio de Santarém, Juiz 1, sob o n.º 1/20.2T8STR. 24. Assim como consta do elenco dos factos provados no âmbito da ação pauliana instaurada pelo aqui credor Banco (…), S.A. contra o credor falecido (…), (…) e a ora Requerente, que correu termos no Juízo Local Cível de Torres Novas, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, sob o n.º 112/22.0T8TNV. 25. Reconhecimento parcial que se justifica pelo facto de o anterior Processo Especial de Revitalização ter sido instaurado a 31 de dezembro de 2019 e de, até essa data, o credor (…) apenas ter disponibilizado à Requerente a mencionada quantia. 26. Contudo, e conforme supra referido, o credor falecido (…) mutuou ainda a quantia global de € 499.980,00 (quatrocentos e noventa e nove mil, novecentos e oitenta euros) em datas posteriores, o que totalizou a referida quantia de € 1.619.980,00 (um milhão, seiscentos e dezanove mil, novecentos e oitenta euros), já parcialmente liquidada. 27. Justamente, e conforme resulta dos documentos contabilísticos juntos pela Requerente aos autos, foi liquidado pela Requerente a quantia de € 44.000,00 (quarenta e quatro mil euros), reduzindo-se, assim, a quantia em dívida aos Apelados para € 1.575.580,00 (um milhão e quinhentos e setenta e cinco mil, quinhentos e oitenta euros). 28. Desta forma, cremos que se encontra devidamente comprovada a existência do crédito dos Apelados, através de documentos. 29. Não sendo, em todo o caso, exigível ao Tribunal a quo uma averiguação complexa e mais demorada sobre a sua existência e validade, mas tão só, um juízo de probabilidade séria de aqueles existirem. 30. Ao invés, a Apelante não logrou provar a existência de qualquer negócio simulado entre o falecido credor (…) e a ora Requerente. 31. Não colhendo o argumento de que o acordo extrajudicial celebrado entre a Requerente e os Apelados constitui um prejuízo para a Apelante, porquanto prevê que os credores de créditos comuns bancários receberão 20% do capital, acrescidos de juros vencidos e vincendos, e spread, nos próximos 10 anos, iniciando-se o seu ressarcimento com a prolação da sentença de homologação do acordo. 32. Encontrando-se, assim, observado o princípio da igualdade, previsto no artigo 194.º do C.I.R.E., aplicável a este Acordo por força do n.º 4 do artigo 17.º-I também do C.I.R.E.. 33. Deste modo, o acordo apresentado assenta as diferenciações de tratamento entre as diferentes classes de créditos em razões objetivas, justificadas e consubstanciadas, não deixando, em cumprimento do artigo 216.º do C.I.R.E., de colocar os credores numa situação substancialmente melhor que aquela que resultaria da ausência deste. 34. Em face do exposto, cremos que inexistem dúvidas sobre a existência do crédito dos Apelados, devidamente comprovado nos autos através dos documentos juntos pelos mesmos e pela Requerente, uma vez notificados para o efeito, na sequência das impugnações apresentadas. 35. Não sendo, em todo o caso, exigível aos Apelados a reclamação do seu crédito, nem ao Tribunal a quo uma análise exaustiva da referida documentação. 36. Destarte, e salvo melhor opinião, cremos que não merece censura a decisão proferida pelo Tribunal a quo. 37. Nestes termos, e salvo melhor opinião, deverá improceder in totum o presente recurso. Nestes termos e nos mais de Direito, deve o Venerando Tribunal da Relação de Évora considerar improcedente o recurso interposto pela Apelante, confirmando o douto Despacho recorrido, nos termos acima defendidos. Fazendo-se, assim, a habitual e necessária JUSTIÇA». I.4. O recurso foi recebido pelo tribunal a quo. Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, ambos do CPC). II.2. As questões a decidir são as seguintes: 1 – Questões prévias: 1.1. Recorribilidade da decisão. 1.2. Inadmissibilidade do recurso. 2 – Avaliar se ocorreu erro de julgamento de direito. II.3. FUNDAMENTAÇÃO II.3.1. FACTOS O tribunal recorrido não elencou factos provados. II.3.2. Questões prévias II.3.2.1. Recorribilidade da decisão Está em causa no presente recurso uma decisão judicial que julgou improcedente a impugnação da lista provisória de créditos elaborada pelo sr. Administrador Judicial. Na perspetiva dos recorridos (herdeiros do credor …) o despacho recorrido não é suscetível de apelação autónoma e imediata, nos termos do disposto no artigo 644.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, sendo apenas passível de ser impugnada no recurso a interpor da decisão que venha a por termo à causa, no caso, da sentença final. Vejamos. Uma das circunstâncias que podem obstar ao conhecimento do recurso é a verificação de que a decisão recorrida não é passível de recurso autónomo, à luz do disposto no artigo 644.º, n.º s 1 e 2, do CPC, devendo a sua impugnação ser remetida para o recurso a interpor da decisão final, nos termos do disposto no artigo 644.º, n.º 3, do CPC. Essa é a questão que cumpre aqui apreciar. No âmbito do processo de insolvência, a matéria dos recursos está regulada pela norma geral do artigo 14.º do CIRE e por algumas normas específicas, como os artigos 17.º-F/9, 40.º/3, 42.º, 73.º/5, 78.º/2, 158.º/4, 188.º/5, 207.º/2, do CIRE. Nos termos do disposto no artigo 17.º/1, do CIRE as normas do Código de Processo Civil – incluindo portanto as respeitantes aos recursos – aplicam-se com as devidas adaptações, desde que não contrariem o disposto no CIRE. Como supra assinalámos, decisão recorrida foi proferida no âmbito de processo especial de revitalização[1] (PER) e julgou improcedentes as impugnações apresentadas pelos credores Banco (…), SA, Caixa Geral de Depósitos, SA (ora recorrente), (…) – Sucursal em Portugal e (…) – Entreposto Comercial Agrícola, CRL contra a lista provisória de créditos na parte em que foi reconhecido o crédito de (…), no montante de € 1.575.580,00. É consabido que o PER se destina à recuperação do devedor que se encontra em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente. No âmbito deste processo especial, qualquer credor tem um prazo de 20 dias contados a partir da publicação no portal Citius do despacho de admissão do requerimento previsto no artigo 17.º-C, n.º 5, do CIRE, para reclamar os seus créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório (artigo 17.º-D/2). À luz do artigo 17.º-D/2, do CIRE os credores devem indicar, nas respetivas reclamações: i. a proveniência dos seus créditos, data de vencimento, montante de capital e juros; ii. as condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas, como resolutivas; iii. a sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida e, neste último caso, os bens ou direitos objeto da garantia e respetivos dados de identificação registral, se aplicável; iv. a eventual existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes; V. a taxa de juros moratórios aplicável. De acordo com o disposto no artigo 17.º-D/4, do CIRE, a lista provisória de créditos pode ser impugnada no prazo de cinco dias úteis contados da sua publicação no portal Citius, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos ou na incorreção do montante, da qualificação ou da classificação dos créditos relacionados, designadamente por inexistência de suficientes interesses comuns, devendo a impugnação, nos casos de incorreção da classificação dos créditos relacionados, ser acompanhada de proposta alternativa de classificação dos créditos. Segue-se a decisão, pelo juiz, sobre as impugnações, o qual decidirá com base nos elementos que acompanham os requerimentos, designadamente documentos, não havendo, assim, resposta às impugnações ou lugar a uma audiência de julgamento. Para proferir decisão sobre a impugnação o juiz dispõe de um prazo de cinco dias úteis a contar do termo do prazo de cinco dias úteis para a impugnação. No PER a reclamação de créditos destina-se: i. à delimitação do universo dos credores que podem participar nas negociações; ii. à delimitação do universo de credores que têm direito de voto; e iii. ao apuramento da base de cálculo das maiorias necessárias para aprovação do plano de recuperação. A reclamação de créditos em sede de PER visa, assim, legitimar o credor a intervir nas negociações e a calcular o quorum deliberativo e a maioria prevista no artigo 17.º-F/3, do CIRE. A questão da recorribilidade da decisão proferida no âmbito do PER é controvertida, quer na doutrina, quer na jurisprudência, havendo quem defenda que a decisão que conhece as impugnações só poderá ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final, mas apenas no caso de aprovação do PER, nos termos do artigo 644.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [2] e quem defenda que a decisão judicial sobre as impugnações é diretamente recorrível e não apenas por via do recurso da decisão de homologação[3]. Quanto a nós, perfilhamos o entendimento de que tal decisão é passível de apelação autónoma. Não obstante a decisão proferida no âmbito do PER relativa às impugnações da lista provisória de créditos aí apresentadas valer apenas para efeitos do PER, não gozando assim, de força de caso julgado material (mas apenas de forma de caso julgado formal) porquanto a questão pode ser apreciada novamente em sede de insolvência ou em outro processo, tal decisão não deixa de dirimir uma questão controvertida – a indevida inclusão ou exclusão de créditos ou a incorreção do montante, da qualificação ou da classificação dos créditos relacionados – que deve ser objeto de pronúncia antes da decisão de homologação/não homologação do plano de revitalização na medida em que a aprovação do plano de recuperação é calculada por referência à lista provisória de créditos, nos termos do disposto no artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE. E, não obstante, a singeleza da tramitação da impugnação da lista provisória de créditos (resultante da circunstância de não estar prevista resposta às impugnações ou a realização de uma audiência de julgamento) e do caráter célere e perfunctório da apreciação dos créditos pelo julgador, a mesma não deixa de constituir uma tramitação própria de um incidente processual, na medida em que no centro do mesmo está uma questão controvertida (reconhecimento de um crédito reclamado) surgida no decurso do processo (processo de revitalização) que, em regra, deve ser decidida antes da decisão da questão principal objeto do litígio (a aprovação ou não aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização) e cuja sede própria é a decisão final[4]. De acordo com o disposto no artigo 644.º, n.º 1, alínea a), do CPC, cabe recurso de apelação autónoma da decisão proferida em 1ª instância que ponha termo a incidente processado autonomamente. A propósito da parte final daquele dispositivo legal, afirma Abrantes Geraldes[5]que «a apelação autónoma apenas abarca “os incidentes processados autonomamente”, condição que se reporta aos incidentes da instância processados por apenso, como ocorre com a habilitação, mas que é extensiva a outros incidentes tramitados no âmbito da própria ação, desde que sejam dotados de autonomia.» Assim sendo, a decisão do julgador de rejeição final das impugnações integra-se na previsão do artigo 644.º, n.º 1, alínea a), do CPC, sendo, portanto, diretamente recorrível. II.3.2.2. Os recorridos defendem que o recurso não é admissível por incumprimento do disposto no artigo 639.º, n.º 1, do CPC aplicável ex vi artigo 17.º do CIRE, ou seja, porque a apelante apresenta as suas alegações sem formular conclusões, limitando-se a reproduzir, de forma literal, o anteriormente alegado. A falta de síntese das conclusões de recurso que é invocada pelos recorridos não pode ser equiparada a uma omissão de conclusões. Ao prever que o recorrente deve indicar nas suas conclusões, de forma sintética os fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão, o artigo 639.º, n.º 1, do CPC visa permitir ao tribunal a uma fácil apreensão das razões nas quais o recorrente sustenta a sua pretensão de anulação ou de alteração da decisão. Se apesar da prolixidade das conclusões, o tribunal consegue apreender os fundamentos do recurso, como é o caso, deve o recurso ser admitido. II.3.2.3. Reapreciação do mérito da decisão No presente recurso está em causa a decisão do tribunal de primeira instância que julgou improcedentes as impugnações apresentadas pelos credores supra identificados contra a lista provisória de créditos elaborada pelo sr. Administrador Judicial Provisório, concretamente por dela constar, como reconhecido, o crédito de (…), no montante de € 1.575.580,00. Defende a apelante que os herdeiros de (…) não lograram fazer prova das quantias alegadamente mutuadas por seu pai à sociedade devedora, pois a simples existência da escritura pública e do documento particular autenticado juntos aos autos não são suficientes para a prova da entrega das quantias ali referidas; que os cheques juntos aos autos foram emitidos muito após a data dos contratos celebrados, nomeadamente, muito após a data da última tranche, dezembro de 2019; que existem cheques que não são emitidos à ordem da sociedade, mas sim de terceiros, pelos que os valores constantes dos mesmos não podem ser considerados; e que os cheques por si só não provam a efetiva transferência de verbas. Aduz que a contabilidade da devedora não é suficiente para justificar um crédito no valor de € 1.575.580,00 porque «é manifesto que estamos perante uma simulação das partes e o reflexo na contabilidade é um ato proveniente desse mesmo negócio simulado, pelo que tal terá de ser considerado insuficiente para justificar/provar a existência do crédito». Vejamos. Os contratos que deram origem ao invocado direito de crédito de … (e, por conseguinte, dos respetivos herdeiros, uma vez que aquele já faleceu) encontram-se formalizados em dois documentos, a saber: i. uma escritura pública de mútuo com hipoteca, datada de 23.09.2019, através da qual (…) declarou que concedeu à sociedade (…) – Moagem de Cereais, SA, ali representada pelos seus membros do Conselho de Administração (…), (…) e (…), um empréstimo no montante de quinhentos mil euros, e a referida sociedade, através dos seus representantes acima identificados, se confessou devedora de tal quantia; e ii. um contrato de mútuo com hipoteca, formalizado através de documento particular, autenticado, datado de 25 de outubro de 2019, e outorgado entre (…) e a sociedade (…) – Moagem de Cereais, SA, ali representada pelos seus membros do Conselho de Administração (…) e (…), através do qual estes últimos declararam que a supra referida sociedade solicitou a (…) um empréstimo no montante de novecentos mil euros, do qual já recebeu a quantia de trezentos mil euros, sendo os restantes seiscentos mil euros entregues à representada dos primeiros contraentes em duas tranches de trezentos mil euros cada, uma durante o mês de novembro de 2019 e a outra durante o mês de dezembro de 2019. Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora (artigo 371.º/1, do CC); logo, no que respeita às declarações emitidas pelas partes perante o oficial público, a eficácia probatória de prova plena reporta-se apenas ao conteúdo extrínseco das declarações, não se estendendo à veracidade do que por elas foi afirmado. O documento particular cuja autoria esteja reconhecida nos termos previstos no artigo 375.º/1, do Código Civil faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento (artigo 376.º/1, do CC). De acordo com o disposto no artigo 377.º do Código Civil, os documentos particulares autenticados nos termos da lei notarial têm a força probatória dos documentos autênticos. No caso sub judice as declarações contidas quer na escritura pública acima referida, quer no documento particular autenticado acima referidos provam apenas que as partes outorgantes emitiram as declarações ali consignadas. Acresce que o contrato de mútuo é um contrato real quoad constitutionem, isto é, trata-se de um contrato real quanto à sua constituição porquanto a entrega da coisa objeto do contrato ao outro outorgante insere-se no processo de formação do contrato (artigo 1142.º do Código Civil). Donde, a sua completude normativa e a consequente existência do dever de restituir o valor mutuado dependem da prova do que esse valor foi efetivamente entregue ao mutuário[6]. Ónus de prova que recai sobre o mutuante, enquanto facto constitutivo do direito de crédito que o mesmo se arroga sobre o devedor (artigo 342.º/1, do Código Civil). A prova da entrega da quantia mutuada pode ser feita através da cópia de cheques, de ordens de transferência e de extratos bancários, por exemplo. No caso concreto os herdeiros de (…) juntaram prova documental aos autos. Concretamente, no seu requerimento de resposta às impugnações da lista provisória de créditos reconhecidos pelo sr. Administrador Judicial Provisório (datado de 06-12-2024), os ora apelados apresentaram um documento – numerado com o algarismo 4 – que consiste num extrato, datado de 02.12.2024 de uma conta com o código n.º (…) ali designada como “relativa a (…)” e extraído, ao que supomos, da contabilidade da sociedade devedora; e no seu requerimento de 07.01.2025, os herdeiros de (…) juntaram aos autos os seguintes documentos: a) um documento emitido pelo Banco (…) relativo a uma transferência para a conta de depósitos à ordem n.º (…), da titularidade da (…), Moagem Cereais, SA, no valor de € 100.000,00, com data de movimento e transferência de 27.05.2018 (doc. n.º 1). b) um documento proveniente do Banco (…) – denominado consulta de movimentos – relativo a uma transferência para conta n.º (…), ordenada por (…), no valor de € 10.000,00, com data movimento de 03-07-2019 (doc. n.º 2). c) um documento proveniente do Banco (…) relativo a uma transferência para a conta de depósitos à ordem n.º (…), da titularidade da (…), Moagem Cereais, SA, no valor de € 5.000,00, com data de movimento de 04.07.2019, ordenada por … (doc. n.º 3). d) um documento proveniente do Banco (…) – denominado consulta de movimentos – relativo a uma transferência para conta n.º (…), ordenada por (…), no valor de € 12.500,00, com data movimento de 12-09-2019 (doc. n.º 4). e) um documento proveniente do Banco (…) – denominado consulta de movimentos – relativo a uma transferência para conta n.º (…), ordenada por (…), no valor de € 12.500,00, com data movimento de 16-09-2019 (doc. n.º 5). f) um documento proveniente do Banco (…) – denominado consulta de movimentos – relativo a uma transferência para conta n.º (…), ordenada por (…), no valor de € 12.500,00, com data movimento de 17-09-2019 (doc. n.º 6). g) um documento proveniente do Banco (…) – denominado consulta de movimentos – relativo a uma transferência para conta n.º (…), ordenada por (…), no valor de € 12.500,00, com data movimento de 18-09-2019 (doc. n.º 7). h) um cheque emitido por (…), no montante de € 332.041,68, a favor de (…), SA, com data de 23.09.2019 (doc. n.º 8). Este valor de € 332.041,68 está refletido no doc. n.º 4 anexo ao requerimento de resposta da devedora às impugnações apresentadas à lista de créditos reconhecidos supra referido, e está ali descrito como “depósito-empréstimo de (…)”, com data de lançamento de 25.09.2019. i) um cheque emitido por (…), no montante de € 2.958,32, a favor de (…), com data de 23.09.2019 (doc. n.º 9). j) um cheque emitido por (…), no montante de € 80.000,00, a favor de (…), com data de 08.10.2019 (doc. n.º 10). K) um cheque emitido por (…), no montante de € 40.000,00, à ordem de (…) Portugal, Unipessoal, Lda., com data de 08.10.2019 (doc. n.º 11). l) um cheque emitido por (…), no montante de 100.000,00€, à ordem de (…), com data de 02.10.2019 (doc. n.º 12). m) um cheque emitido por (…), no montante de € 150.000,00, à ordem de (…), com data de 22.10.2019 (doc. n.º 13). n) um cheque emitido por (…), no montante de € 100.000,00, à ordem de (…), com data de 11.12.2019 (doc. n.º 14). o) um cheque emitido por (…), no montante de € 150.000,00, à ordem de (…), com data de 18.12.2019 (doc. n.º 15). p) um cheque emitido por (…), no montante de € 150.000,00, à ordem de (…), com data de 13.01.2020 (doc. n.º 16). q) um cheque emitido por (…), no montante de € 100.000,00, à ordem de (…), com data de 13.01.2020 (doc. n.º 17). r) um cheque emitido por (…), no montante de € 50.000,00, com data de 12.03.2020 (doc. n.º 18). s) um cheque emitido por (…), no montante de € 50.000,00, com data de 20.03.2020, a favor de … (doc. n.º 19); cruzando este documento com o documento n.º 20, verifica-se que aquele valor de € 50.000,00 foi depositado na conta do (…) Banco com o n.º (…). t) um cheque emitido por (…), no montante de € 50.000,00, com data de 09.02.2022 (doc. n.º 22). u) um documento emitido pelo (…) Banco, relativo a um depósito em numerário no montante de € 49.980,00 na conta n.º (…), na data de 04.11.2021. É à prova documental acima referida que cumpre recorrer para avaliar se houve, ou não erro de julgamento do tribunal a quo. Os documentos referidos nas alíneas b), c), d) e), f) e g) – documentos comprovativos de movimentos registadas na conta da sociedade devedora – revelam que (…) transferiu para a conta da sociedade devedora, entre 03.07.21019 e 18.09.2019, portanto, antes da data da outorga daquela escritura pública supra mencionada, os valores de € 10.000,00, € 5.000,00 e € 50.000,00 (este último em 4 tranches de € 12.500,00 cada), num total de € 65.000,00. O documento aludido na alínea a) é referente a uma transferência, com data de 27.05.2018, no montante de € 100.000,00, para a conta da sociedade devedora. Neste documento não é identificado o nome do ordenante da transferência. Porém, cruzando este documento do qual consta que a transferência foi dada «por ordem de (…)» com o documento anexo ao requerimento apresentado por (…), na data de 03-02-2025, verificamos que aquele valor foi transferido de uma conta com o IBAN de (…). Por conseguinte, aquele valor de € 100.000,00, com data de movimento de 25.07.2018, foi dada por ordem de (…), tendo assim entrado na esfera jurídica da sociedade devedora. O documento referido supra na alínea h) é um cheque no montante de € 332.041,68, datado de 23.09.2019 e emitido a favor da sociedade devedora por (…). Tem a menção «não à ordem» o que significa que não podia ser endossado. Aquele documento prova que o (…) deu uma ordem de pagamento ao seu banco a favor da sociedade devedora. E esse valor está refletido no doc. n.º 4 anexo ao requerimento de 06-12-2024. Donde, se considerará que aquele valor também entrou na esfera jurídica da sociedade devedora. Vejamos agora os documentos referidos nas restantes alíneas supra indicadas: Os documentos referidos em j) e k) (ambos cheques) foram emitidos pelo credor (…) mas a favor de terceiros, o primeiro com a menção «não à ordem» e o segundo com a menção «à ordem de». Dado que não existe nos autos prova documental de que os valores nele mencionados, de € 80.000,00 e de € 40.000,00, respetivamente, entraram na esfera jurídica da sociedade devedora, não se pode considerar que aqueles valores foram entregues à sociedade devedora por força de qualquer um dos contratos de mútuo em causa nos autos. Os documentos referidos supra nas alíneas l), m), n), o), p) e q) consistem em cheques emitidos pelo credor (…) a favor de uma pessoa singular – (…) / (…) –, provavelmente a mesma (…) que é membro do Conselho de Administração da sociedade devedora, mas que não se confunde com esta última. O mesmo se dirá relativamente aos documentos referidos nas alíneas s) – um cheque emitido por (…) à ordem de (…) , no montante de € 50.000,00 – e u) – documento comprovativo de um depósito no montante de € 49.980,00 em conta titulada por (…). Os cheques mencionados nas alíneas r) e t) são cheques ao portador e não existe nos autos documentação que comprove que o respetivo valor foi entregue à sociedade devedora ou depositado numa conta da mesma. O documento referido supra na alínea i) é um cheque emitido por (…) mas a favor de um terceiro que não a sociedade devedora, ou seja, à ordem de (…) que aparece identificada na escritura pública de mútuo com hipoteca como a notária que formalizou aquela escritura. Por conseguinte, também este valor não pode ser considerado como valor mutuado pelo credor (…) à sociedade devedora. Resulta assim de todo o exposto que os herdeiros de (…) apenas lograram provar que aquele entregou à sociedade devedora, por conta dos contratos de mútuo e hipoteca celebrados e acima mencionados, o montante total de € 507.041,68, pelo que será apenas esse o valor do crédito reconhecido no âmbito dos presentes autos. Procede, assim, parcialmente a apelação, o que implica a revogação parcial da decisão recorrida, julgando verificado o crédito de (…) apenas no montante de € 497.041,68. Sumário: (…) III. DECISÃO Em face do exposto, acordam julgar a apelação parcialmente procedente e, em conformidade, revogam parcialmente a decisão recorrida, julgando verificado o crédito de (…) no montante de quinhentos e sete mil e quarenta e um euros e sessenta e oito cêntimos (€ 507.041,68). As custas são da responsabilidade da apelante e dos apelados na proporção do respetivo decaimento, sendo que a esse título apenas é devido o pagamento de custas de parte, uma vez que se mostram pagas as taxas de justiça devidas pelo impulso processual. Notifique. DN. Évora, 30 de outubro de 2025 Cristina Dá Mesquita Maria Emília Melo e Castro Maria Domingas Simões ___________________________________________ [1] Introduzido pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril. [2] Assim, Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização – Notas Práticas e Jurisprudência recente, Porto Editora, 2014, págs. 47 e 48, e Elisabete Assunção, Impugnação e Decisão da Impugnação da Lista Provisória de Créditos, no Âmbito do Processo Especial de Revitalização, Revista Julgar, n.º 31. [3] Assim, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2018, Almedina, pág. 408 e Luís Carvalho Fernandes/João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris Editora, pág. 155. [4] Vide Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 5.ª Edição Atualizada e Ampliada, Almedina, pág. 10. [5] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 56.º Edição, Almedina, pág. 204. [6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de junho de 2019, processo n.º 2920/16.1T8STS.A-P1.S1, consultável em www.dgsi.pt. |