Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
65/22.4T8PSR.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: PREFERÊNCIA
INDEMNIZAÇÃO
DESPESAS
BENFEITORIAS
REGISTO PREDIAL
Data do Acordão: 12/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. Produzido o efeito constitutivo típico da acção de preferência, os respectivos efeitos retroagem à data da alienação do bem, tudo se passando juridicamente, quanto à titularidade do direito transmitido, como se o negócio de alienação tivesse, desde o início, sido celebrado com o preferente.

II. Transitada em julgado a decisão deve o tribunal proceder à comunicação oficiosa da mesma à Conservatória do Registo Predial, para efeitos de registo, como decorre das normas dos artigos 3º, n.º 1, alínea c), e 8º-B, n.º 3, alínea a), do Código de Registo Predial.

III. Recai sobre o preferente a obrigação de restituir ao adquirente as despesas realizadas com a celebração do contrato e pagamentos de impostos, mas tal obrigação só pode subsistir se for comprovado o pagamento dessas despesas, não bastando para tanto que as mesmas estejam legalmente previstas.

IV. O adquirente (preferido) tem direito a ser reembolsado pelo preferente das despesas com a remoção dos resíduos e de limpeza dos terrenos, por serem despesas que o proprietário ou detentor dos prédios está obrigado a fazer, por imposição legal, porque necessárias para precaver os riscos de incêndios florestais, e, consequente, a perda da coisa.

Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação n.º 65/22.4T8PSR.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I – Relatório


1. AA e BB instauraram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra (1) CC, DD, EE, FF e GG, e (2) Foresmad – Gestão Florestal, Lda., e Salmad – Investimentos e Exploração Florestal., Lda., peticionando o reconhecimento do direito de preferência na aquisição dos prédios inscritos na respectivas matrizes prediais sob os arts. 13.º da secção AX, 21.º da secção AN e 33.º da secção AP, da freguesia de Local A e concelho de Cidade1 e, consequentemente, a tomada de posição de adquirentes no contrato de compra e venda celebrado em 12-11-2021.


2. Para o efeito, invocaram, em síntese, que são proprietários de um conjunto de prédios rústicos, com uma área inferior à unidade de cultura, confinantes com os supra referidos prédios rústicos, cuja área também é inferior à unidade de cultura para aquela zona, e que as 1ªs RR. não procederam à comunicação dos elementos essenciais do negócio posteriormente realizado com as 2.ªs RR., sendo certo que estas não são proprietárias de prédios rústicos confinantes com os aludidos prédios vendidos.


3. As 1ªs RR. não contestaram.


As 2ªs RR. apresentaram contestação, invocando a excepção de renúncia ao direito de preferência, defenderam-se por impugnação e deduziram reconvenção, reclamando dos AA. o pagamento de uma quantia global de 46.554,91€, a título de prejuízos (lucro cessante relativo à exploração da venda de madeira colhida naqueles prédios), benfeitorias, despesas com elaboração do contrato (honorários e IVA), despesas registrais, e pagamento de impostos (IMT).


4. Foi dispensada a realização da audiência prévia.


O pedido reconvencional foi admitido “relativamente ao pagamento dos gastos com a remoção dos resíduos florestais, adubagem, limpeza dos terrenos, levantamento e marcação de todos os marcos no terreno, celebração de documento particular autenticado, emolumentos registrais e pagamento de impostos, a que as rés atribuem um valor global de 12.954,91€”, e rejeitado quanto aos prejuízos invocados com futuros cortes de madeira, no valor de 33.600,00€.


Foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.


5. Na sequência do falecimento da R. CC, foram habilitadas como suas herdeiras as RR. DD e FF.


6. Realizou-se a audiência de julgamento, após o que veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu:

«a) Julgar totalmente procedentes os pedidos formulados pelos autores e, em consequência:

1) Reconhecer aos autores AA e BB o direito de preferência na aquisição do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1 sob o n.º 8741, sito em Vale 1, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 13.º secção AX, 10; do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1sob o n.º 8731, sito em Vale 2, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 21.º secção NA; do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1sob o n.º 8736, sito em Sítio 1, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 33.º secção AP, substituindo para o efeito as rés Foresmad – Gestão Florestal, Lda e Salmad – Investimentos e Exploração Florestal, Lda na posição de compradoras no âmbito do contrato de compra e venda celebrado em 12-11-2021 com os réus DD, EE, FF e CC (primitiva ré). [sublinhado nosso]

2) ser ordenado o cancelamento das inscrições no registo predial das aludidas aquisições, decorrentes da apresentação 551 de 19-11-2021 e 550 de 19-11-2021. [cf. rectificação ordenada por despacho de 13/05/2025, Ref.ª 34375528]

b) Julgar parcialmente procedentes os pedidos deduzidos pelas reconvintes Foresmad – Gestão Florestal, Lda e Salmad – Investimentos e Exploração Florestal, Lda e, consequentemente, condenar os reconvindos AA e BB no pagamento da quantia de 569,27€ (quinhentos e sessenta e vinte e nove euros e vinte e sete cêntimos).

*


- Custas da acção a cargo dos autores e réus na proporção do seu decaimento acima fixado.


- Custas do incidente de litigância de má-fé pelos autores.


- Registe e notifique.

- Após o trânsito em julgado, comunique à Conservatória do Registo Predial – artigos 3.º, n.º 1, al. c) e 8.º-B, n.º 3, al. a), do Código do Registo Predial.»

7. Inconformadas recorreram as RR. Salmad – Inv. E Exploração Florestal, Lda., e Foresmad – Gestão Florestal, Lda., sustentando a alteração da sentença, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:


A) O Tribunal ordenou o cancelamento dos registos, mas tal pedido não foi requerido – logo, violou o disposto no artigo 609º nº1 do CP Civil;


B) A transmissão de prédios rústicos está sujeita ao pagamento de IMT à taxa de 5% - artigo 17º al. c) do CIS.


C) A transmissão de prédios rústicos está sujeita ao pagamento de imposto de selo à taxa de 0,8% - artigo 1.1 do CIS.


D) O registo dos prédios rústicos é obrigatório após a transmissão – cada prédio rústico adquirido por valor superior a 10.000,00€ paga 250,00€ e de valor inferior paga 75,00€ - art.º 28º, nº33.1.1, do Dec.Lei nº209/2012.


E) Logo, são devidos impostos e registos no montante de 1.703,06€, aos quais acresce o valor pago do DPA, conforme consta do facto provado 30.


F) Está demonstrado que as Rés adubaram, limparam, fizeram acessos, abriram caminhos nos terrenos em causa, estando os eucaliptos prontos a cortar.


G) Os terrenos em causa, estão implantados em zona de incêndios rurais.


Os actos praticados pela Ré nos terrenos, fazendo a sua limpeza e adubação, motivaram o crescimento dos eucaliptos, durante os três anos que já decorreram e evitaram que os mesmos fossem alvo de incêndios – logo, as benfeitorias feitas pelas Rés são necessárias e, como o Tribunal decidiu retirar o direito de propriedade às Rés, estas têm direito às benfeitorias feitas no terreno.


Pois, além de terem valorizado os terrenos, motivaram o crescimento das árvores estando prontas para corte.


Pelo que, ao decidir como decidiu, violou o disposto no artigo 216º do Código Civil.


H) Conforme consta dos factos dados como provados em 26, 27 e 28, foi assinado um contrato de compra e venda das madeiras.


Tal contrato é muito anterior à venda das propriedades.


Não foi declarado nulo.


Logo, é válido e deve manter-se em vigor.


Mas Vossas Excelências farão ao costumada Justiça!!!


8. Contra-alegaram os AA., pugnando pela improcedência do recurso e invocando a má-fé das RR./recorrentes.


9. O recurso foi admitido, como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.


10. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:


*


II – Objecto do recurso


O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:

i. Se ocorreu violação do artigo 609º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por ter sido ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor das RR., sem ter havido pedido nesse sentido dos AA. (preferentes);

ii. Se os reconvintes (preferidos) têm direito às despesas por impostos e registos (referidos na conclusão E); e

iii. Se têm direito às despesas pelas benfeitorias feitas no terreno.


*


III – Fundamentação


A) - Os Factos


A.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:


1. Por via da ap. 2095 de 28-04-2016, encontra-se averbada a aquisição do direito de propriedade, por compra, a favor do autor relativo ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1sob o n.º 152, sito em Vale 1 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 9.º secção AX, com uma área de 57.040m2, composto de terra de cultura arvense e mato.


2. Por via da ap. 3 de 30-01-1995, encontra-se averbada a aquisição do direito de propriedade, por compra, a favor do autor, relativo ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1sob o n.º 626, sito em Sítio 1, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 14.º secção AX, com uma área de 53.560m2, composto de terra de cultura arvense, mato e oliveiras.


3. Por via da ap. 4 de 15-10-1998, encontra-se averbada a aquisição do direito de propriedade, por compra, a favor dos autores, relativo ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1 sob o n.º 4682, sito em Sítio 1, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 16.º secção AX, com uma área de 8.400m2, composto de cultura arvense, mato, oliveiras e figueira.


4. Por via da ap. 980 de 10-09-2010, encontra-se averbada a aquisição do direito de propriedade, por compra, a favor do autor, relativo ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1sob o n.º 4398, sito em Vale 2, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 67.º secção AN, com uma área de 7.800m2, composto de cultura arvense de charneca e mato.


5. Por via da ap. 622 de 14-04-2010, encontra-se averbada a aquisição do direito de propriedade, por compra, a favor do autor, relativo ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1sob o n.º 7961, sito em Vale 3, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 23.º secção AN, com uma área de 8.560m2, composto de duas parcelas cadastrais de mato e cultura arvense.


6. Por via da ap. 2128 de 16-12-2016, encontra-se averbada a aquisição do direito de propriedade, por compra, a favor do autor, relativo ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1sob o n.º 8490, sito em Sítio 2, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 23.º secção AX, com uma área de 29.920m2, composto de duas parcelas cadastrais de figueiras, mato olival, cultura arvense e citrinos.


7. Por via da ap. 2118 de 17-01-2022, encontra-se averbada a aquisição do direito de propriedade, por sucessão hereditária, a favor do autor, relativo ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1sob o n.º 10054, sito em Sítio 1, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 31.º secção AP, com uma área de 1.560m2, composto de cultura arvense, oliveiras e sobreiros.


8. Por via da ap. 777 de 03-08-2010, encontra-se averbada a aquisição do direito de propriedade, por sucessão hereditária, a favor do autor, relativo ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1sob o n.º 4789, sito em Sítio 3, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 18.º secção AX, com uma área de 7.200m2, composto de cultura arvense, oliveiras, mato e dependência agrícola.


9. Por via da ap. 550 de 19-11-2021, encontra-se averbada a aquisição do direito propriedade, por compra, a favor da ré Foresmad – Gestão Florestal, Lda, ali figurando como sujeitos passivos as rés DD, FF e a primitiva e falecida ré CC, relativo ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1sob o n.º 8741, sito em Vale 1, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 13.º secção AX, com uma área de 97.720m2, composto de cultura arvense, mato e oliveiras. [cf. rectificação efectuada pelo despacho de 13/05/2025, Ref.ª 34375528]


10. Por via da ap. 551 de 19-11-2021, encontra-se averbada a aquisição do direito de propriedade, por compra, a favor da ré Salmad – Investimentos e Exploração Florestal, Lda, ali figurando como sujeitos passivos as rés DD, FF e a primitiva e falecida ré CC, relativo ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1 sob o n.º 8731, sito em Vale 2, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 21.º secção AN, com uma área de 18.520m2, composto de cultura arvense, mato, dependência agrícola e oliveiras.


11. Por via da ap. 551 de 19-11-2021, encontra-se averbada a aquisição do direito de propriedade, por compra, a favor da ré Salmad – Investimentos e Exploração Florestal, Lda, ali figurando como sujeitos passivos as rés DD, FF e a primitiva e falecida ré CC, relativo ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1sob o n.º 8736, sito em Sítio 1, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 33.º secção AP, com uma área de 17.360m2, composto de cultura arvense, oliveiras, mato e sobreiros.


12. Os prédios mencionados em 1), 2) e 6) confrontam com o prédio referido em 9) (orientação não concretamente apurada).


13. Os prédios mencionados em 5) e 4) confrontam com o prédio referido em 10) (orientação não concretamente apurada).


14. Os prédios mencionados em 3), 8) e 7) confrontam com o prédio referido em 11) (orientação não concretamente apurada).


15. No dia 12-11-2021, as 1.ªs rés e a primitiva e falecida ré, na qualidade de primeiras contratantes e as 2.ªs rés, na qualidade de segunda (Foresmad) e terceira (Salmad) outorgantes, subscreveram o documento particular autenticado denominado de contrato de compra e venda.


16. No âmbito do referido documento, as rés e primitiva ré declararam vender à segunda outorgante, que declarou aceitar a referida venda, o prédio descrito em 9) pelo preço de 11.196,00€.


17. No âmbito do referido documento, as rés e primitiva ré declararam vender à terceira outorgante, que declarou aceitar a referida venda, o prédio descrito em 10) pelo preço de 1.500,00€.


18. No âmbito do referido documento, as rés e primitiva ré declararam vender à segunda outorgante, que declarou aceitar a referida venda, o prédio descrito em 11) pelo preço de 1.500,00€.


19. Não se encontra averbada a favor das 2.ªs rés o direito de propriedade relativo prédios confinantes com os prédios referidos em 9) a 11).


20. Os autores são primos das primeiras rés e da primitiva ré CC.


21. No dia 29 de Agosto de 2011, as 1.ªs rés e a primitiva ré CC, na qualidade de parte vendedora, e o autor, na qualidade de parte compradora subscreveram o documento denominado «Título de Compra e Venda», no âmbito do qual as primeiras declararam vender ao segundo um conjunto de prédios rústicos pelo preço global de 730,00€, já recebido naquela data.


22. No dia 27 de Agosto de 2012, as primeiras rés e a primitiva ré CC, na qualidade de parte vendedora, e o autor, na qualidade de parte compradora subscreveram o documento denominado «Título de Compra e Venda», no âmbito do qual as primeiras declararam vender ao segundo um conjunto de prédios rústicos pelo preço global de 1.745,00€, já recebido naquela data.


23. No dia 24 de Agosto de 2015, as 1.ªs rés e a primitiva ré CC, na qualidade de parte vendedora, e o autor, na qualidade de parte compradora subscreveram o documento denominado «Título de Compra e Venda», no âmbito do qual as primeiras declararam vender ao segundo um prédio rústico pelo preço de 680,00€, já recebido naquela data.


24. O autor propôs às 1.ªs rés a quantia de 13.000,00€ e posteriormente a quantia de 16.000,00€ para a aquisição de parte dos prédios que integravam a herança deixada por óbito de HH.


25. II, legal representante das 2.ªs rés é primo da autora.


26. As 1ªs rés e a primitiva ré CC, na qualidade de proprietárias ou primeiras contraentes, e a 2.ª ré Foresmad – Gestão Florestal, Lda, subscreveram o acordo denominado «Contrato de Venda de Madeira», datado de 6 de Agosto de 2021.


27. Do referido acordo, consta, entre outros, o seguinte considerando:

«OS PRIMEIROS CONTRAENTES ou PROPRIETÁRIOS são donos dos seguintes imóveis:

Prédio Rústico, "Vale 2", freguesia de Local A, do concelho de Cidade1 com a área de cerca de 1,852 ha (hectares), e que se encontra inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo número 21, da secção AN, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1sob o n 8731.

Prédio Rústico, "Sítio 1", freguesia de Local A, do concelho de Cidade1 com a área de cerca de 1,736 ha (hectares), e que se encontra inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo número 33, da secção AP, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1sob o n 8736.

Prédio Rústico, "Vale 1", freguesia de Local A, do concelho de Cidade1 com a área de cerca de 9,772 ha (hectares), e que se encontra inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo número 13, da secção AX, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade1sob o n 8741.

Prédio Rústico, "Sítio 4", freguesia de Sítio 5, do concelho de Cidade 2 com a área de cerca de 0,244 ha (hectares), e que se encontra inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo número 7, da secção CF, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 2sob o n 2845.

Prédio Rústico, "Sítio 4", freguesia de Sítio 5, do concelho de Cidade 2 com a área de cerca de 2,924 ha (hectares), e que se encontra inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo número 9, da secção CF, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 2sob o n 2846.

28. Do referido acordo constam, entre outras, as seguintes cláusulas:

CLÁUSULA PRIMEIRA

(Objecto do Contrato)

Pelo presente contrato os PRIMEIROS CONTRAENTES vendem ao SEGUNDO CONTRAENTE, que por sua vez a aceita, 30% de toda a produção de madeira de eucalipto existente e a existir até aos cortes , os restantes 70% de produção pertencem ao SEGUNDO CONTRAENTE como pagamento de todas as operações a existir até aos cortes conforme mencionado na Cláusula Quarta , nas parcelas melhor identificadas no considerando “I“ e nos mapas / levantamentos que se anexam e que fazem parte integrante do presente contrato. (…)

CLÁUSULA QUARTA

(Das Operações Florestais e da determinação dos Custos)

1. Todas as operações para aumentar a produção de madeira

Serão suportadas pelo SEGUNDO CONTRAENTE

2. Durante a produção do primeiro corte serão efectuadas as seguintes operações: levantamento e marcação de todos os marcos, limpeza dos resíduos florestais existentes no interior dos imóveis, uma selecção de varas, uma gradagem e uma adubagem.

3. Durante a produção do segundo corte serão efectuadas as

Seguintes operações: duas selecções de varas, duas gradagens e duas adubagens.

4. O valor da madeira em pé tendo em vista o pagamento da madeira na altura do corte será o preço à porta da fábrica subtraindo todos os custos com as operações de corte, rechega e transporte.

29. No âmbito da execução do supra mencionado acordo, a 2.ª ré Foresmad despendeu as quantias de: 2.915,00€ com a remoção dos resíduos florestais nas linhas de água; 3.307,20€ em adubagem; 2.480,00€ com a limpeza dos terrenos; e 2.120,00€ com o levantamento e marcação de todos os marcos, relativamente aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial sob os números 8741 [mencionado em 9)], 2634, 8731 [mencionado em 10)], 2845, 8736 [mencionado em 11)], 8725, 8737 e 2634


30. A 2.ª ré Foresmad suportou o valor de 479,70€ a título de pagamento de honorários relacionados com a celebração do documento particular autenticado mencionado em 15).


31. A 2.ª ré pagou os emolumentos devidos com a inscrição no registo predial da aquisição do direito de propriedade de um conjunto de prédios rústicos, descritos na Conservatória do Registo Predial sob os números 8741 [mencionado em 9)], 2634, 8731 [mencionado em 10)], 2845, 8736 [mencionado em 11)], 8725, 8737 e 2634, a quantia total de 705,00€.


32. Em virtude da aquisição do imóvel referidos em 9), as 2.ªs rés liquidaram a título de imposto de selo a quantia de 89,57€.


*


A.2. E consideraram-se como não provados os seguintes factos:


a) Em momento anterior, à subscrição do acordo mencionado em 15) a 18), as rés e primitiva ré CC comunicaram aos autores a intenção de proceder à venda dos terrenos mencionados em 9) a 11), bem como o preço acordado para esse efeito.


b) Os autores só tiveram conhecimento do referido no ponto anterior durante o mês de Dezembro de 2021.


c) Já após os valores acordados com as 2.ªs rés, os autores passaram pela casa das 1.ªs rés, local onde estava a viúva, a filha e o genro e disseram para os mesmos que o comprador, o representante legal das 2.ªs rés, tinha falecido.


d) Em virtude da aquisição dos imóveis referidos em 9) a 11), as 2.ªs rés liquidaram a quantia de 858,64€ a título de IMT e imposto de selo.


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B) – Apreciação do Recurso/O Direito


1. As recorrentes invocam a violação pela sentença do disposto no artigo 609º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por haver ordenado o cancelamento dos registos, sem que tal pedido tivesse sido requerido.


A norma em causa, ao prever que “[a] sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”, consagra um dos princípios que enformam o direito processual civil – o princípio do dispositivo – que impede o juiz de extravasar o que lhe foi pedido pelas partes.


No caso em apreço, visavam os AA., com a presente acção, ver reconhecido o seu direito de preferência, com fundamento no disposto no artigo 1380º, n.º 1, do Código Civil, na venda dos prédios efectuada pelos 1ºs RR. aos 2º RR..


Tendo a acção sido julgada procedente, e por via dela reconhecido aos AA. o direito real de aquisição previsto no n.º 1 do artigo 1410.º do Código Civil sobre os imóveis mencionados nos pontos 9) a 11) dos factos provados, tal implica a substituição das RR. –primitivas adquirentes (preferidas) – pelos AA. (preferentes), no negócio de compra e venda celebrado em 12/11/2021, no que respeita à aquisição dos tidos imóveis aos demais RR. (vendedores), o que não é posto em causa no recurso.


Efectivamente, produzido o efeito constitutivo típico da acção de preferência, os respectivos efeitos retroagem à data da alienação do bem, tudo se passando juridicamente, quanto à titularidade do direito transmitido, como se o negócio de alienação tivesse, desde o início, sido celebrado com o preferente.


E, para que esta decisão se torne eficaz não tem necessariamente o tribunal que ordenar o cancelamento dos registos de aquisição a favor dos RR. preferidos, mas tão só de proceder à comunicação oficiosa da mesma à Conservatória do Registo Predial, após o trânsito em julgado, para efeitos de registo, como decorre das normas dos artigos 3º, n.º 1, alínea c), e 8º-B, n.º 3, alínea a), do Código de Registo Predial.


Assim, e não tendo sido pedido o cancelamento de qualquer acto de registo, e tendo o tribunal ordenado a supra referida comunicação, deve eliminar-se o excerto decisório em causa.


2. Quanto à questão de saber se os reconvintes (preferidos) têm direito às despesas por impostos e registos, entendeu-se na sentença que lhes era devido o pagamento da quantia de € 569,27, a título de ressarcimento da quantia suportada pelas 2ªs RR. com a celebração do contrato e pagamento de impostos, posto que se provou que a 2ª R. suportou o valor de € 479,70 com a celebração do contrato, e € 89,57, referente a imposto de selo (cfr. pontos 30 e 32 dos factos provados).


Porém, entendem as recorrentes que também têm direito ao recebimento dos valores referentes a impostos e registos no montante de € 1.703,06, com o argumento de que o registo dos prédios rústicos é obrigatório e que a transmissão de prédios está sujeita a IMI.


Concorda-se que recai sobre o preferente a obrigação de restituir ao adquirente as despesas realizadas com a celebração do contrato e pagamentos de impostos, sob pena de enriquecimento sem causa, mas tal obrigação só pode subsistir se for comprovado o pagamento dessas despesas, não bastando para tanto que as mesmas estejam previstas legalmente. Ou seja, para que na esfera do primitivo adquirente nasça o direito ao ressarcimento das despesas e impostos, não basta que haja previsão legal que exija o pagamento, sendo também necessário que se comprove que o mesmo foi efectuado, e como resulta da matéria de facto apenas se tiveram como provadas as despesas a título de honorários relacionados com a celebração do contrato e as referentes a imposto de selo (cf. pontos 30) e 32) dos factos provados).


Por conseguinte, não têm os recorrentes direito aos montantes que reclamam.


3. No que se refere às despesas liquidadas pelas RR. a propósito da remoção de resíduos florestais nas linhas de água, adubagem, limpeza dos terrenos, levantamento e marcação de marcos, pelas quais reclamaram o pagamento da quantia de € 10.822,60, o tribunal recorrido enquadrou tal pretensão no regime das benfeitorias, indeferindo-a com os fundamentos seguintes:

«… de acordo com o art. 1273.º do C.C., o adquirente preferido é titular de um direito de restituição / reembolso relativamente às benfeitorias necessárias e úteis por si realizadas no imóvel cedido, procedendo-se ao cálculo dessa indemnização de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (previsto nos artigos 473.º a 482.º do C.C.) - veja-se neste sentido, douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-11-2015, processo n.º 480/11.9TBMCN.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.

Com efeito, de harmonia com o art. 216.º do C.C.,(i) «consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa»; (ii) podendo as benfeitorias ser necessárias, úteis ou voluptuárias; (iii) «são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.»

Relativamente a esta matéria ficou provado nos presentes autos que: «no âmbito da execução do supra mencionado acordo, a 2.ª ré Foresmad despendeu as quantias de: 2.915,00€ com a remoção dos resíduos florestais nas linhas de água; 3.307,20€ em adubagem; 2.480,00€ com a limpeza dos terrenos; e 2.120,00€ com o levantamento e marcação de todos os marcos, relativamente aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial sob os números 8741 [mencionado em 9)], 2634, 8731 [mencionado em 10)], 2845, 8736 [mencionado em 11)], 8725, 8737 e 2634» – cfr. ponto 29).

Desde logo, vejamos qual o tipo de benfeitorias reclamadas pelas rés.

Relativamente à remoção dos resíduos florestais nas linhas de água, limpeza dos terrenos e adubagem importa referir que: (i) estas operações não se destinam evitar a perda, destruição ou deterioração dos prédios em causa (não são benfeitorias necessárias) e, por outro lado, (ii) os réus nada alegaram (conforme lhes competia – cfr. art. 5.º n.º 1, do C.P.C.) quanto ao aumento do valor dos aludidos prédios rústicos em função da realização destas operações (também não são benfeitorias necessárias).

Ademais, as operações em causa obedecem a uma lógica de ciclo (conservação periódica dos terrenos), não se afigurando crível que, volvidos 3 anos, os autores beneficiariam dos resultados das mesmas.

Relativamente ao levantamento e marcação dos marcos, haverá que lançar mão da fundamentação acima exposta a propósito da impossibilidade de subsunção desta operação nas categorias de benfeitorias úteis e necessárias.

Contudo, neste ponto haveria ainda que convocar o regime plasmado no n.º 1 do art. 1273.º do C.C., de acordo com o qual «[T]anto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.» Caso o levantamento das benfeitorias não possa ser feito sem detrimento da coisa, então terá de ser accionada a norma prevista no n.º 2 do mesmo artigo, de acordo com a qual o titular do direito satisfará ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

No caso em concreto, o levantamento desta benfeitoria (implantação de marcos) podia ser realizado sem detrimento dos prédios rústicos em causa. Pelo que, também com base neste fundamento, as rés não teriam direito à indemnização reclamada.

Por conseguinte, falece a razão às rés quanto a esta matéria.»

As recorrentes discordam, argumentando, no essencial que “está demonstrado que as Rés adubaram, limparam, fizeram acessos, abriram caminhos nos terrenos em causa, estando os eucaliptos prontos a cortar”; que “os terrenos em causa, estão implantados em zona de incêndios rurais”; que “os actos praticados pela Ré nos terrenos, fazendo a sua limpeza e adubação, motivaram o crescimento dos eucaliptos, durante os três anos que já decorreram e evitaram que os mesmos fossem alvo de incêndios – logo, as benfeitorias feitas pelas Rés são necessárias e, como o Tribunal decidiu retirar o direito de propriedade às Rés, estas têm direito às benfeitorias feitas no terreno”; e que “além de terem valorizado os terrenos, motivaram o crescimento das árvores estando prontas para corte”.


E a este respeito, além de referirem os factos dados como provados nos pontos 27), 28) e 30), que se reportam ao contrato de venda de madeira, datado de 6 de Agosto de 2021, que celebraram com as 1ª RR. e a primitiva R. CC,, no âmbito da execução do qual executaram as tarefas ali mencionadas e despenderam os montantes indicados no ponto 29 dos factos provados, e mencionam os depoimentos das testemunhas JJ e KK, colaboradores das RR., que foram ouvidas a tais matérias.


Porém, as recorrentes não pedem a alteração da matéria de facto nem pedem o aditamento de factos que hajam alegado e tenham como provados.


Aliás, o que se vê das suas alegações é que assentam a sua pretensão, precisamente, nos factos provados, discordam apenas da solução jurídica alcançada.


Importa começar por lembrar que a parte do pedido reconvencional respeitante aos prejuízos invocados com os futuros cortes de madeira, no valor pedido de € 33.600,00, foi rejeitado no saneador, não havendo recurso de tal decisão, pelo que ainda que se concluísse, que as árvores estavam prontas para corte, transitado em julgado a decisão que rejeitou a pretensão dos reconvintes, tal pretensão não poderia ser reapreciada, nem se nos afigura que esta seja a pretensão das recorrentes, mas sim invocar o dito contrato para efeitos do reembolso das despesas efectuadas.


Quanto às ditas despesas efectuadas pelas recorrentes, mencionadas no ponto 29) dos factos provados, como ali consta, as mesmas foram realizadas no âmbito da execução do referido contrato de compra e venda de madeiras, ao qual os AA. são alheios, não os vinculando.


No entanto, as despesas com a remoção dos resíduos florestais nas linhas de água, no valor de € 2.915,00, e as de limpeza dos terrenos, no valor de € 2.480,00, são despesas a que o proprietário ou detentor dos prédios estava obrigado a fazer, por imposição legal, para precaver os riscos de incêndios florestais, e consequente perda da coisa, sob pena de sanções legais, como é do conhecimento geral, e nessa medida, entende-se que as mesmas devem seguir o regime das benfeitorias necessárias, assistindo aos reconvintes o direito a serem ressarcidos das quantias despendidas (cf. artigos 216º e 1273º, n.º 1, do Código Civil).


No mais, concorda-se com o decidido, pois, como se diz na sentença, não foram alegados quaisquer factos que demonstrem que com a realização das demais despesas tenha resultado aumento do valor dos prédios em causa.


Deste modo, procede parcialmente a pretensão das recorrentes quanto às despesas supra referidas.


4. Em sede de contra-alegações, vieram os recorridos invocar a litigância de má-fé das recorrentes, por falta de fundamento das suas pretensões e por vir referir, novamente, “o suposto contrato de compra e venda de madeiras”, tendo o pedido com ele relacionado sido rejeitado no despacho saneador, que dele não recorreram.


A este respeito, não é despiciendo recordar que os AA. já haviam antes formulado tal pretensão condenatória, mas a sentença concluiu-se que: « Cotejada a decisão de facto acima exposta e o subsequente enquadramento jurídico afigura-se não existir fundamento (os autores identificam o fundamento subjacente à sua pretensão como sendo um «pedido completamente infundado») para a condenação das rés nesta sede. Efectivamente, os fundamentos legalmente previstos para a condenação como litigante de má-fé não deverão ser confundidos com a discordância na interpretação e aplicação do direito, sob pena de alargar de forma intolerável o âmbito deste instituto.»


É certo que no recurso, as recorrentes voltam a referir-se ao aludido contrato de compra e venda das madeiras, mas não cremos que com tal referência pretendessem invocar o direito aos lucros cessantes, cuja pretensão foi rejeitada em sede de apreciação liminar do pedido reconvencional, mas antes procurar demonstrar a valorização do prédio pelos actos praticados na execução desse contrato, embora sem razão.


Por conseguinte, entende-se não haver fundamento para a condenação das recorrentes como litigantes de má-fé, à luz do disposto no artigo do Código de Processo Civil.


5. Em face do exposto, procede parcialmente a apelação, quanto à eliminação do excerto decisório relativo ao cancelamento dos registos e quanto ao pagamento das despesas relativas à remoção dos resíduos florestais nas linhas de água, no valor de € 2.915,00, e às de limpeza dos terrenos, no valor de € 2.480,00, alterando-se a sentença em conformidade com o decidido, mantendo-se, no mais. a sentença recorrida.


As custas ficam a cargo dos recorrentes e recorridos, na proporção do respectivo decaimento (cf. artigo 527º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).


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C) – Sumário […]


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IV – Decisão


Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente e, em consequência:

1. Eliminar o ponto 2 da alínea a) do dispositivo;

2. Alterar a alínea b) do dispositivo e julgar parcialmente procedentes os os pedidos deduzidos pelas reconvintes Foresmad – Gestão Florestal, Lda e Salmad – Investimentos e Exploração Florestal, Lda e, consequentemente, condenar os reconvindos AA e BB no pagamento da quantia de € 5.964,27 (cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros e vinte e sete cêntimos); e

3. Manter a sentença quanto ao mais decidido, não se condenando os recorrentes como litigantes de má-fé.


Custas a cargo das Recorrentes e Recorridos na proporção do decaimento.


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Évora, 16 de Dezembro de 2025


Francisco Xavier


Sónia Moura


Ricardo Miranda Peixoto


(documento com assinatura electrónica)