Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ELISABETE VALENTE | ||
Descritores: | CASO JULGADO CADUCIDADE EXERCÍCIO DE DIREITO CONTRATO DE EMPREITADA VEÍCULO AUTOMÓVEL REPARAÇÃO AUTOMÓVEL DEPOSITÁRIO | ||
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Data do Acordão: | 11/25/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I – Se numa acção posterior estão em causa factos novos, posteriores à acção anterior, inexiste Autoridade de caso julgado à excepção das questões apreciadas e decididas na primeira acção. II – Se o prazo de caducidade só começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido, isso implica que não haja litígio judicial pendente quanto ao tipo de direito em causa. III - Sendo a impugnação da matéria de facto uma actividade dirigida a um fim específico e cuja existência é condicionada por tal escopo não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual inútil o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual. IV -Estando em causa um contrato de empreitada e a obrigação de reparação, impende ainda sobre o empreiteiro a obrigação reparação e de guarda da viatura, de forma a poder restituí-la ao dono, sendo certo que é o mesmo quem deve tomar o conjunto de precauções e medidas de modo a impedir que tal veículo sofra danos até à sua recolha, o que se prende com as condições físicas de recolha da coisa e do seu acesso por pessoas estranhas, pois esse dever de guarda é instrumental do dever de restituição da coisa (sumário da relatora). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório. CLEANCASH, LDA. (A), pessoa colectiva n.º 509599583, com sede na Rua Dr. Rui Hasse Ferreira, Bloco 2, 1.º, B, Guimarota, 2410-386 Leiria, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a Manuel Brígida & Filhos, Lda. (R), pessoa colectiva n.º 502015195, com sede na Rua Ribeira do Casal, 2025-398 Amiais de Baixo, Pedindo: - que se declare resolvido o contrato de empreitada celebrado entre A e R; - a condenação da R no pagamento da quantia de 8.815,41€, acrescida de juros de mora, à taxa aplicável aos actos comerciais, vencidos desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Alegou, para tanto e em síntese que, por sentença transitada em julgado, a R foi condenada a entregar à A o veículo com a matrícula 99-69-SJ após o pagamento da quantia de 7.134,00€, acrescida da quantia de 79,35€ a título de juros vencidos. A A procedeu ao pagamento da quantia em que foi condenada mas, quando se deslocou às instalações da R para proceder ao levantamento do veículo, foi-lhe recusada a restituição dos documentos, tendo ainda constatado que a reparação por esta efectuada padecia de diversas anomalias, que comunicou à R. A R, apesar de instada para o efeito, não devolveu os documentos e recusou-se a proceder à eliminação dos defeitos existentes. A reparação destes defeitos ascende actualmente à quantia de 8.815,41€, quantia pedida. A R contestou, por excepção, alegando que a A não comunicou os invocados defeitos no prazo de 30 dias, nem exerceu os seus direitos no prazo de um ano. No mais, impugnou os factos alegados pela A, alegando que todos os trabalhos acordados foram realizados. Concluiu pela procedência das excepções ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da acção. Realizou-se audiência prévia, com prolação de despacho saneador que relegou para final a apreciação das excepções de caducidade invocadas pela R, identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova. Foram ainda admitidos os requerimentos probatórios, incluindo a perícia requerida pela A. Procedeu-se ao julgamento da causa. Após, foi proferida sentença, tendo o tribunal julgado: 1) totalmente improcedentes, por não provadas, as excepções de caducidade invocadas pela R e, em consequência, delas foi absolvida a A; 2) A acção totalmente procedente, por provada e, em consequência: a) foi declarada a resolução do contrato de empreitada celebrado entre A e R para reparação do veículo com a matrícula 99-69-SJ; b) Foi condenada a R a pagar à A a quantia de 8.815,41€ (oito mil oitocentos e quinze euros e quarenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa aplicável aos actos comerciais, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento; A R recorreu formulando as seguintes conclusões (transcrição): “I – Vem o presente recurso interposto da douta decisão que julgou a acção procedente, decretando a resolução do contrato de empreitada e condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 8.815,14, acrescida de juros moratórios e de custas; II – Entende a R. que, ao contrário do decidido, a acção deveria ter improcedido, quer por razões de natureza adjectiva (caducidade), quer em resultado do devido enquadramento e valoração da matéria de facto, após a ampliação / alteração requerida, que entende relevante e que, com a correcta aplicação do Direito, imporiam decisão diversa; III – A R. deduziu a excepção de caducidade, quer por inobservância dos prazos legais aplicáveis, quer para a denúncia dos defeitos, quer para a instauração da competente acção; IV - A Autora, ora Recorrida, quando confrontada com a carta que recebeu em 04.11.2016 (A-I) - recusando, então, a existência da empreitada - optou por não fazer a verificação da mesma, tal como se prevê o nº1, do artº 1218º, do Código Civil (CC) mesmo sabendo que a reparação se encontrava concluída; V – Do teor dessa, cujo teor consta descrito na douta sentença, dúvidas não restarão que, a partir de 28.10.2016 se considerava a reparação concluída, sem necessidade de qualquer outra intervenção; VI - E que, por esse facto, a primeira estava em perfeitas condições de poder verificar o estado da viatura, a partir de 04.11.2016 o que só não fez, pelos motivos conhecidos e que lhe são imputáveis; VII - Foi a Autora quem, voluntariamente, se omitiu de verificar a conformidade dos serviços prestados, facto que não seria impedido pelo direito de retenção invocado pela R., que apenas sujeitava o levantamento da viatura ao pagamento da factura, mas nunca impediu a verificação da mesma, facto que, aliás, nunca foi alegado; VIII - Na apreciação da excepção de caducidade, a Mmª Juiz depois de fundamentar o seu conceito de “entrega de obra”, veio a considerar (sem mais explicação) que o prazo de 30 dias previsto no nº1, do artº 1220º, do CC, apenas se iniciou com o trânsito em julgado da sentença identificada em A, dos factos provados; IX – Entendimento do qual se discorda a R., desde logo, porque tal afirmação, sem mais, não cumpre o ónus de fundamentação exigível na prolação da sentença e ofende mesmo preceitos legais imperativos; X – A fixação da data de início do prazo de caducidade, nos termos em que foi decidido, contraria o disposto no artº 329º, do CC, que preceitua que “o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido”, não havendo qualquer disposição legal que, no caso concreto, fixe nova data para o começo da contagem da caducidade; XI - Considerando-se que a data de entrega da obra – entenda-se, da viatura reparada – deverá ter-se por verificada em 04.11.2016, data da recepção da carta enviada pela R. e na qual a viatura foi colocada na disponibilidade da Autora (data em que o empreiteiro colocou o dono da obra em condições de poder fazer a verificação)b“o dies a quo” do direito de reclamação de eventuais defeitos, previsto no nº1, do artº 1220º, do CC, começou a correr no dia imediato, ou seja, em 05.11.2016, terminando o prazo de 30 dias, para a denúncia dos defeitos, em 04.12.2016; XII – Denúncia que só ocorreu em 07.12.2018 (I), mais de dois anos após o prazo legal previsto para o efeito, facto que consumou a caducidade do direito da Autora, nos termos constantes daquele normativo, conjugado com a parte final, do nº1, do artº 1224º, também do CC; XIII – A presente acção, enquanto efeito interruptivo da verificação da caducidade, só foi interposta em 17.05.2019 - mais de dois anos e meio após a entrega da obra/viatura - ultrapassando, em muito, os prazos previstos nos nºs 1 e 2, do artº 1224º, do CC, o que determina a caducidade do direito da Autora, também no que respeita à interposição da acção; XIV – Com efeito, na senda da douta fundamentação expendida acerca da caducidade e dos seus efeitos, bem como do regime jurídico aplicável, forçoso é concluir que os direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização já haviam caducado, à data da denúncia e da interposição da acção; XV - Porque não foram exercidos dentro dos prazos previstos nos já citados arts. 1220, nº1 e 1224º, ambos do CC; XVI – Caducidade que se deixa reiterada e que cabe a este Tribunal reapreciar e decretar, com a consequente revogação da decisão recorrida; XVII – Caso improceda a caducidade invocada, sempre a acção deverá improceder, também por não se verificarem os pressupostos de facto e de direito, considerados pela Mmª Juiz “a quo”, apreciação esta, sujeita a prévia modificação da matéria de facto apurada na douta sentença; XVIII – Resulta da sentença em apreço, que a resolução do contrato se fundamenta na verificação de 10 anomalias, identicadas em F), dos Factos Provados; XIX – Resulta, também, dos articulados respectivos e da própria sentença, que as questões a resolver na presente acção emergem do mesmo contrato de empreitada, que esteve na origem do processo nº 713/16.5 T8TNV (A), julgado neste mesmo juízo, pela mesma Digmª Juiz e que a questão concreta discutida em ambos os processos deriva da eventual prestação/realização dos serviços constantes da factura nº 2016/22 e do modo como estes terão sido efectuados; XX - Na fundamentação de facto da Decisão, a Mmª Juiz decidiu não atribuir qualquer credibilidade ao depoimento de C…, que realizou alguns trabalhos de pintura no veículo a pedido da ré, ao afirmar que os trabalhos contemplados na factura nº 2016/22 haviam sido realizados, o que só pode ser entendido como negação de prova da realização dos mesmos; XXI – Ao invés, sobre os mesmos factos, havia considerado na fundamentação da Decisão do anterior processo, o seguinte: Para prova do acordo existente entre autora (na pessoa do seu representante de facto, J…) e ré (na pessoa do seu representante D…) para a reparação do veículo pela segunda (alíneas E), F) – na parte impugnada – e G)) e prestação dos serviços constantes da factura (alínea J)) foram valorados os depoimentos conjugados de C…, pintor auto que presta alguns serviços à ré, N…, Â… e E…, administrativos da ré, os quais demonstraram conhecimento directo dos factos, relatando-os de forma isenta e credível. Mais concretamente, a testemunha C… confirmou ter efectuado serviços de pintura no veículo, a pedido da ré, tendo recebido desta a respectiva retribuição, e descreveu ainda as demais reparações que foram efectuadas por outros funcionários e por terceiros, das quais demonstrou ter conhecimento pormenorizado (nesta parte, em conjugação com as declarações de parte prestadas pelo representante legal da ré, D…, em sede de depoimento de parte e que, por não importarem confissão, foram valoradas livremente nos termos do art.361.º do Código Civil, mostrando-se credíveis). Todas estas testemunhas foram ainda uníssonas em afirmar que a reparação do veículo se prolongou por mais de um ano, uma vez que foi intervencionada ao longo do tempo, com interrupções. XXII – Em sede de recurso e com reapreciação da prova gravada, abrangendo os mesmos factos, este Tribunal da Relação, em acordão de 08.11.2018, relatado pelo Exmº Juiz Desembargador Vitor Sequinho dos Santos, considerou o seguinte: Assim, as testemunhas C…, N…, Â… e E…, cujos depoimentos foram, em tudo, credíveis, pois responderam prontamente a tudo o que lhes foi perguntado, dizendo aquilo que sabiam e reconhecendo a sua ignorância quando foi caso disso, afirmaram que o veículo dos autos permaneceu, em reparação, durante longo tempo na oficina da recorrida. C…, pintor de automóveis, foi um dos autores dessa reparação e descreveu, com pormenor, os problemas que o veículo apresentava e o trabalho que ele e o mecânico empregado da recorrida desenvolveram no sentido de os resolver. Referiu ter visto, uma vez, J… nas instalações da recorrida, a "vistoriar", quer a cabine, quer a grua do veículo, que o mesmo nunca foi utilizado pela recorrida e que outros veículos pertencentes a terceiros eram reparados nas instalações desta. XXIII – A actual decisão sobre a matéria da facto é contraditória com a fundamentação expressa nas conclusões anteriores, bem como, com o depoimento da testemunha C…, prestado nos presentes autos, sobre a mesma matéria; XXIV – No depoimento prestado em 23.09.2020, (das 15h43m e as 16h15) , depois de identificar a viatura da Autora, esclareceu que a mesma apresentava côr creme na zona da cabine, com uma grua vermelho alaranjada e com o fundo podre, à qual foi mudada a côr (3m a 3m22s, do seu depoimento); XXV – Mais referiu que havia trabalhado na viatura em causa, algumas vezes, de forma intermitente, num período espaçado de tempo, de mais de um ano (3m33s a 3m49s); XXVI – Mais esclareceu que orientou o bate chapa da R., P…, nos trabalhos de reparação (remoção e substituição) de chapa, que incidiu sobre a cabine da viatura, com a remoção de chapa podre e colocação de chapa nova, na zona dos estribos, pelo menos numa porta e nalguns pontos da parte dianteira e que, posteriormente, após ter sido decapada a grua, com recurso a jacto de areia, procedeu à pintura da cabine em tom creme, da grua em tom vermelho alaranjado, do chão da carroceria (onde aperta a grua), do chassis e das rodas (4m20s a 8m50s); XXVII – Afirmou que a viatura foi à oficina do electricista M… em Amiais de Baixo, pelo menos uma vez ou duas (9m18s a 9m55s) e que as intervenções que teve na mesma ocorreram nas instalações da R., ora em espaço coberto e fechado, ora em espaço coberto, mas aberto, tendo afirmado que durante as suas idas à empresa via a viatura em diversos locais, quer ao ar livre, quer em espaço fechado e mesmo num parque vedado aberto, adjacente à oficina (10m15s a 11m45s); XXVIII – Para além disto e estranhamente, no elenco dos factos provados, deu a Mmª Juiz como assente que o veículo apresentava as seguintes anomalias relativas aos trabalhos constantes da factura nº 2016/22 (bold nosso), de 28/10/2016 (alínea F); XXIX – O que se mostra contraditório e incompatível com a fundamentação de facto e, de forma expressa, se deve considerar como admissão da realização efectiva dos trabalhos facturados; XXX – Do que supra se expôs e resulta dos dois depoimentos prestados pela testemunha C…, entende a R. que fica demonstrada a efectiva prestação dos bens e serviços em apreço e, em consequência, deve este Tribunal, ao abrigo do disposto no nº1, do artº 662º, do C.P.C., alterar a decisão sobre a matéria de facto, no sentido de passar a constar que a Ré prestou os bens e serviços constantes da factura nº 2016/22, de 28/1072016, e com consequente eliminação do nº2, dos Factos Não Provados; XXXI – Da matéria de facto assente, com a alteração ora requerida, resulta evidente que a decisão recorrida considerou como fundamento da resolução do contrato de empreitada a verificação das anomalias identificadas em F), por contraposição aos serviços prestados constantes da factura supra identificada; XXXII - Importa realçar que, nenhuma alegação ou prova sobre o contéudo da empreitada, tal como solicitada pela Autora, em ordem a aferir de eventual desconformidade com algumas das “anomalias” invocadas, designadamente quanto à cor da grua; XXXIII – E registar que, sobre o estado da viatura, em 2014, apenas se sabe que saiu das instalações da Autora em reboque (relatório pericial – f) mas, em finais de 2016, tinha mais de 27 anos e esteve imobilizada cerca de 5 anos (desde 2014 – A/F), parte deles ao ar livre; XXXIV – Das 10 anomalias elencadas (F) - o tejadilho descolado e pendurado, interruptores, os faróis e para-brisas partidos e a falta de invólucro da coluna de direcção (que não se sabe se existia) - estas não têm qualquer correspondência directa com os trabalhos realizados, nem com a forma como o foram ou não; XXXV – Relativamente aos alegados problemas de motor e do chassis, não foi facturada qualquer intervenção no primeiro e o chassis foi apenas pintado (ao contrário do chão da carroceria, cujas chapas foram substituídas, como resulta da factura e do depoimento da testemunha C…) mas, importa não esquecer, que entre a conclusão da intervenção/obra e a chamada “peritagem” decorreram mais de três anos; XXXVI – No âmbito da “peritagem” realizada, a R. solicitou esclarecimentos ao Sr. Perito, que se entendem como relevantes, sobre a eventual possibilidade de as anomalias detectadas, à data da peritagem, poderem ter ocorrido após a disponibilização da viatura à Autora, quer pelo decurso do tempo, quer por actividade de terceiros; XXXVII – Sem resposta concreta, optou pelas evasivas constantes do Relatório Pericial (f), assessorado pelo digmº gerente da Autora, sem se assegurar da conformidade das respostas, como está implícito; XXXVIII – Do que fica exposto, para além da verificação da caducidade, resulta evidente que falham os pressupostos de facto que estiveram na base da decisão de decretar a resolução do contrato; XXXIX – E. em consequência, não pode deixar de considerar a inexistência de qualquer conduta culposa da R., na condução de todo o processo, ao contrário da Autora, que agiu ao longo do mesmo, em manifesto abuso de direito; XXXX - E, como tal, ilidida está a presunção de culpa invocada pela Mmª Juiz e que fundamentou, de direito, a douta decisão recorrida. TERMOS EM QUE, REVOGANDO A DECISÃO RECORRIDA, NOS TERMOS REQUERIDOS E SUPRA ALEGADOS, FARÃO V. EXAS. JUSTIÇA!!!!» Nas contra-alegações, a A formulou as seguintes conclusões (transcrição): “A) A Recorrente não se conforma com a sentença proferida nos autos, que julgou a ação procedente e, nessa medida, põe em crise a decisão recorrida alegando erro de julgamento quanto à exceção da caducidade e erros e vícios, consubstanciados em errada interpretação e valoração da prova produzida. B) A Recorrente, no que respeita à matéria de facto defende que o ponto 2 dos factos não provados foi incorretamente julgados e por isso deverá ser corrigido. C) A Recorrente aceitou os demais factos não provados, constantes dos pontos 1., 3., 4. e 5 e todos os factos dados como provados constantes das alíneas A) a T). D) A Recorrente deambula entre a (re) conhecida recusa da Autora/Recorrida no âmbito do Proc. 731/16.5T8TNV quanto à existência da contratação da empreitada e a carta enviada pela Ré à Autora datada de 28/10/2016 a comunicar a conclusão da reparação do veículo, por forma a asseverar a exceção de caducidade. E) Quando esta foi julgada não verificada suportada na factualidade que sustentava a causa de pedir apresentada em juízo pela Autora e subsumindo à causa o regime legal invocado pela Ré/ Recorrente na contestação e em absoluto respeito e cumprimento das disposições legais dos artigos 1220º, 1224º, 1218º, 331º e 342º, nº2 do Código Civil. F) Resulta de S) dos factos provados, sendo ainda afirmado pela Recorrente e corroborado pela Recorrida/ Autora, que no âmbito do Processo 731/16.5T8TNV, esta sempre recusou a contratação da empreitada, posição que só veio a inverter em consequência da confirmação da decisão da 1ª instância pelo Acórdão da Relação de Évora, que transitou em julgado em 17.12.2018, tornando-a definitiva. G) Decorre de C) e D) dos factos provados que a Autora em cumprimento da sentença confirmada pelo Ac. do TRE, ainda que antecipando-se ao seu trânsito em julgado, em 27.11.2018 procedeu ao pagamento à Ré da quantia em cujo pagamento havia sido condenada e no dia seguinte deslocou-se às suas instalações para proceder ao levantamento do veículo. H) Resulta de D) e F) dos factos provados, que somente no dia 28.11.2018 a Ré colocou na disponibilidade da Autora o veículo para verificação, o que está em conformidade com o disposto no artigo 329º do CC. I) Resulta de D) dos factos provados que a Autora verificou a obra em 28.11.2018 e, na sequência dessa verificação, ao tomar conhecimento dos defeitos, constantes de F) dos factos provados, recusou a aceitar a obra, efetuando, por carta dirigida à Ré datada de 30.11.2018, a sua denuncia e solicitando a reparação no prazo de oito dias, conforme decorre de H) dos factos provados. J) Deste modo, o prazo legal conferido ao dono da obra pelo artigo 1220º, nº 1 do Código civil para denunciar os defeitos, que se iniciou a 28.11.2018, foi respeitado pela Autora e assim obstou à caducidade. K) Por outro lado, a presente ação foi intentada em juízo em 17.05.2019 (conforme decorre de T) dos factos provados), donde resulta que o prazo estipulado pelo nº1 do artigo 1224º do CC foi igualmente observado e, nessa medida, obstou também à caducidade. L) Acresce que a Ré não provou, nem sequer alegou, a data da entrega da obra, quando esta é elemento integrante da exceção da caducidade e, por isso, constitui facto cuja prova incumbe ao empreiteiro, na medida em que se trata de facto impeditivo dos direitos do dono da obra, à eliminação dos defeitos- cfr. Artº 342º,nº 2 CC. M) Decorre ainda de A) dos Factos Provados, que no âmbito da sentença proferida no Proc. 713/16.5T8TNV, a Ré foi condenada a entregar à Autora o veículo, após o pagamento da quantia em que esta havia sido condenada, donde resulta evidente que a Ré só entregou o veio à Autora depois de concretizado aquele pagamento. N) Adicionalmente a “Jurisprudência tem entendido que o conceito de “entrega de obra” corresponde a uma entrega com obra terminada, sem qualquer necessidade previsível, de efetuar qualquer trabalho no âmbito da mesma empreitada.” Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-12-2014-proc. 157/12.8TBALD.C1. O) Assim deverá manter-se a decisão que julgou não verificada a caducidade. P) A Recorrente lança cortina de fumo ao alegar contradição/ confusão da Mma. Juiz a quo quanto à matéria de facto fixada e respetiva fundamentação. Q) No âmbito do Processo nº713/16.5T8TNV a questão em discussão foi a natureza da relação contratual estabelecida entre as partes – contrato de Comodato/ Contrato de Empreitada - tendo resultado provado este último. R) Nos presentes autos a questão a resolver é a resolução do contrato de empreitada celebrado entre Autora e Ré decorrente dos defeitos que tornaram a obra inadequada ao fim a que se destina e da recusa da Ré em proceder á sua reparação, com a consequente condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de € 8.815,41, acrescida de juros à taxa prevista para os juros moratórios comerciais, desde a citação até integral e efetivo pagamento e ainda nas custas judiciais. S) Assim, a génese desta é o contrato de empreitada, que resultou provado no âmbito do processo nº 713/16.5T8TNV, que correu termos no mesmo Juízo, pela mesma Juiz. T) No âmbito dos presentes autos, em que a empreitada é premissa e não questão, porque assente definitivamente no âmbito do Processo 713/16.5T8TNV, discutem-se os defeitos da obra realizada pela Ré e o direito da Autora a ser indemnizada em consequência do incumprimento contratual da Ré. U) A Recorrente insurge-se porque o tribunal a quo descredibilizou o depoimento de C… e extrai, de um excerto descontextualizado da fundamentação aduzida pela MmªJuiz a quo, a ilação de que esta não reconhece a realização dos trabalhos faturados. V) Inexiste contradição entre o conteúdo/ amplitude da empreitada, cujo âmbito resulta indesmentível do teor da fatura 2016/22 de 28.10.2016, junta aos autos e da comunicação do ilustre mandatário da Ré à autora de fls.114 e a anomalias decorrentes daquela, verificadas no veículo, que resultaram provadas. W) A argumentação da Mma. Juiz a quo, posta em crise, mostra-se coerente e congruente com o depoimento da referida testemunha na audiência de julgamento de 23.09.2020 (prestado entre as 15h 43m e as 16h 15m) - CD desde03:24 a03:50;04:20 a8:50;9:18 a9:55;15:33 a16:04;17:36 a20:00; 25:005 a 25:19 e 25:08 a 25:19, que evidência existirem grandes discrepâncias entre os trabalhos discriminados na fatura e o resultado final da obra. X) O depoimento de Carlos Martins resultou infirmado, no que tange aos trabalhos que disse ter realizado, quer pelo relatório pericial quer pelos esclarecidos prestados pelo Sr. Perito em audiência de julgamento de 23.09.2020 (entre as 10h 26m e as 11h:12m) – CD desde 34.02 a 34:34; 34:42 a 34:50; 35:30 a 35:35; 35:39 a 35:41; 35:53 a 36:13. Y) Também os trabalhos alegadamente executados por terceiros saíram infirmados pelo relatório pericial e pelos esclarecimentos do Sr. Perito - em audiência de julgamento de 23.09.2020 (entre as 10h 26m e as 11h:12m) CD 36:41 a 37:56; 38:12 a 39:42, que esclareceu não ter sido realizada a reparação elétrica, nem a substituição de óleos de motor, travões e direção e apenas ter sido substituído um tubo hidráulico. Z) De igual modo, inexiste contradição na fundamentação aduzida pela Mma Juiz a quo quando descredibiliza o depoimento de C… no que concerne à realização dos trabalhos contemplados na referida fatura e a valoração do depoimento da mesma testemunha no âmbito do Proc. 713/16.5T8TNV pela mesma Mmª Juiz “ a quo” e pelos Senhores Juízes Desembargadores, na medida em que as questões em discussão no âmbito de cada um dos processos são distintas. AA) Acresce que, para que o depoimento da testemunha C…, produzido no âmbito do Processo 713/16.5T8TNV, pudesse ter sido atendido, valendo como prova no âmbito dos presentes autos, impunha-se que a Ré tivesse junto nestes a gravação do seu depoimento prestado no âmbito daquele processo e indicado quais os concretos pontos do depoimento que pretendia que fossem atendidos e qual a matéria de facto em discussão nos autos que com eles pretendia provar, o que a Ré não fez, não obstante ter-lhe sido concedida essa oportunidade na audiência prévia. BB) Assim, deverá naufragar a pretensão da recorrente no que tange á alteração ampliação da matéria de facto e á eliminação do ponto 2 dos factos não provados. Tanto mais que a factualidade inserta neste ponto se mostra em flagrante contradição com a constante de B) J. dos factos provados. CC) Mais deverá manter-se a decisão recorrida, que julgou ação procedente, decretando a resolução do contrato de empreitada, em resultado das anomalias (decorrentes da empreitada cujo conteúdo/ amplitude resulta de B) J. dos factos provados, do teor da fatura 2016/22 de 28.10.2016 junta aos autos e da comunicação do I. Mandatário da Ré à Autora) verificadas e 16 provadas em E) dos factos provados e da recusa da Ré em proceder á sua eliminação, conforme resulta de Q) dos factos provados. DD) Acresce que, incumbindo sobre a Ré o dever de, durante o período de retenção do veículo e até à sua restituição, o guardar e conservar, de modo a devolvê-lo em perfeitas condições, quando extinta a obrigação de que ele servia de garantia, não são a idade do veículo, nem o invocado desgaste/ degradação provocada pela exposição aos elementos da natureza [que resultou infirmada pelos esclarecimentos do Sr. Perito em audiência de julgamento de 23.09.2020 (entre as 10h 26m e as 11h:12m) CD 05:16 a 6:36] nem eventuais atos de vandalismo, não provados, nem o interregno que mediou entre a conclusão da reparação a realização da peritagem, põem em crise as anomalias/defeitos, decorrentes da empreitada contratada, que resultaram provados e ditaram a procedência da ação. EE) Deste modo andou bem o tribunal a quo quando julgou procedente a ação, decretando a resolução do contrato de empreitada, em resultado das anomalias que resultaram provadas e da recusa da Ré em proceder á sua reparação/eliminação, condenando-a a pagar à Autora a quantia peticionada. Termos em que, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve improceder o recurso interposto pela Recorrente, assim se fazendo a acostumada justiça.” Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. Foram considerados na 1.ª instância provados os seguintes factos (transcrição): A) Por sentença proferida em 20/03/2018, transitada em 17/12/2018, no âmbito do Proc. n.º 713/16.5T8TNV, neste juízo, foi a ora autora (aí autora) condenada a pagar à ora ré (aí ré / reconvinte) a quantia de 7.134,00€, acrescida da quantia de 79,35€, a título de juros vencidos, à taxa aplicável aos actos comerciais, desde 28/11/2016 até 15/02/2017, e vincendos até efectivo e integral pagamento, e foi esta última condenada a entregar à autora o veículo ligeiro, de marca Unic, tipo esp. Plat. Elevatória, com a matrícula 99-69-SJ, após o pagamento da mencionada quantia, cfr. doc. de fls.14 e ss, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. B) Consta dos factos provados da sentença mencionada em A) que: “E. Em data que concretamente não foi possível, autora e ré acordaram que a segunda prestaria à primeira serviços de reparação no veículo identificado em A). F. Na sequência do acordado, em data que não foi possível apurar do verão de 2014, a ré deslocou-se às instalações da autora e daí retirou o veículo, levando-o para as suas instalações. G. Autora e ré não fixaram qualquer prazo para a reparação mencionada em E). H. Desde o verão de 2014 que o veículo permanece nas instalações da ré. I. Por carta datada de 28/10/2016, recepcionada em 04/11/2016, a ré comunicou à autora que a reparação do veículo mencionado em 1) se encontrava concluída, informando que poderia proceder ao seu levantamento após o pagamento da respectiva factura, cfr. doc. de fls.8 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. J. Em anexo à carta a ré enviou a factura n.º 2016/22, datada de 28/10/2016, com data limite de pagamento em 27/11/2016, no montante de 7.134,00€ relativa à prestação dos serviços de reparação referidos em E): reparação e pintura geral; desmontar, reparar caixa da viatura (cadeira elevatória), decapagem e pintura da estrutura elevatória; substituição chapas chão, pintar chassi viatura; construção e pintura do balde de transporte de trabalhadores; reparação eléctrica sem substituição de material (por sua ordem); ligação de fios e identificação das funções; substituição de óleos; substituição e reparação tubos hidráulica, cfr. doc. de fls.9 e 9verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (…) N. Por e-mail de 14/11/2016, a ré comunicou à autora que refutava a existência de qualquer relação de comodato da viatura em causa e que, tendo sido reparação por ordem da segunda, não procederia à sua restituição enquanto não fosse liquidada a factura mencionada em I), cfr. doc. de fls.13, cujo teor aqui se dá por reproduzido. (…) Q. Até à presente data, a autora não entregou à ré a quantia referida em J).” C) Em cumprimento da sentença, em 27/11/2018, a autora entregou à ré a quantia global de 10.043,39€. D) Nessa sequência, em 28/11/2018, o representante legal da autora deslocou-se às instalações da ré para proceder ao levantamento do veículo. E) Porém, a autora acabou por não proceder ao seu levantamento. F) Aquando do referido em D), o veículo apresentava as seguintes anomalias relativas aos trabalhos constantes da factura n.º 2016/22, de 28/10/2016: 1. Na cabine, a parte eléctrica encontrava-se pendurada e com os fios descarnados e partidos; 2. O tejadilho encontrava-se descolado e pendurado; 3. Os interruptores encontravam-se partidos; 4. Faltava o invólucro da coluna de direcção; 5. O motor apresentava fugas; 6. Faróis partidos; 7. Vidro do para-brisas partido; 8. Pintura do chassis com buracos e ferrugem; 9. Grua hidráulica e da grua sem funcionar; 10. Cor da grua alterada. G) Em 28/11/2018, o representante legal da autora solicitou o livro de reclamações onde escreveu, para além do mais, que “a carrinha não pode ser retirada das instalações da oficina devido ao não funcionamento de vários órgãos do veículo e devidamente facturados – farol partido; fios na parte do tablier todos descarnados, grua não funciona, chapa danificada. Pintura cor vermelha – e cor de origem na grua é preta. Não entrega dos documentos da viatura.”, cfr. doc. de fls.63, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. H) Por carta registada, com aviso de recepção, datada de 30/11/2018, a autora informou a ré que não tinham sido entregues os documentos da viatura, bem com comunicou as anomalias mencionadas em F), solicitando a sua reparação no prazo de oito dias, cfr. doc. de fls.64 a 67, cujo teor aqui se dá por reproduzido. I) A ré recebeu a carta mencionada em H) em 07/12/2018. J) Por carta datada de 13/12/2018, a ré comunicou à autora que nunca lhe foram entregues os documentos do veículo, que parte das anomalias referidas por esta dizem respeito a componentes onde não foi efectuada qualquer reparação, limitando-se a intervenção da ré à zona da plataforma onde a grua se encontra instalada e à própria grua e respectivos componentes eléctricos / hidráulicos, e as restantes decorriam do período de inactividade e abandono da viatura por parte da autora, resultando a cor da grua da responsabilidade da autora, recusando-se a assumir as responsabilidade de quaisquer das anomalias apontadas por esta, cfr. doc. de fls.68, cujo teor aqui se dá por reproduzido. K) A autora recebeu a carta referida em J). L) A autora respondeu por carta datada de 24/12/2018, recepcionada pela ré em 31//12/2018, nos termos que constam de fls.69 a 72, cujo teor aqui se dá por reproduzido, informando, para além do mais, que na primeira semana de janeiro de 2019 iria proceder ao levantamento da viatura a fim de ser efectuada peritagem da mesma. M) A pedido da autora, em 05/01/2019 a transportadora Auto Leal deslocou-se às instalações da ré a fim de proceder ao levantamento do veículo, tendo-lhe sido recusado a entrega por não se encontrar munida de credencial da autora a autorizar o seu levantamento. N) Por carta datada de 10/01/2019, a autora comunicou à ré que aquela transportadora iria proceder ao levantamento do veículo na semana de 14/01/2019 a 19/01/2019. O) Nessa sequência, o veículo foi retirado das instalações da autora pela referida transportadora. P) A reparação das anomalias identificadas em F) ascende à quantia de 8.815,41€. Q) Até à presente data, a ré não procedeu à eliminação das anomalias e recusa-se a fazê-lo. R) A primeira matrícula do veículo remonta a 01/04/1989. S) Até ao trânsito em julgado da sentença aludida em A), a autora sempre se recusou a assumir que havia acordado com a ré a prestação por esta dos trabalhos mencionados na factura n.º 2016/22. T) A presente acção foi instaurada em 17/05/2019. B) Factos Não Provados: Não se provou que: 1) Aquando da entrega do veículo à ré para a sua reparação foram-lhe entregues pela autora os documentos da viatura. 2) Os trabalhos identificados na factura n.º 2016/22, datada de 28/10/2016, respeitam apenas à estrutura da carroceria onde se encontra instalada a grua (grua e caixa / cadeira elevatória desta) e incidiram apenas sobre a decapagem e pintura da grua, da carroceria e do chassis, substituição da tubagem hidráulica da grua, parte eléctrica da mesma e verificação e substituição de óleos. 3) A factura n.º 2016/22 não contempla qualquer intervenção na cabine do veículo nem no motor. 4) Desde 28/10/2016 o veículo permaneceu no parque de estacionamento da ré, descoberto, ao sol e à chuva, e não é vigiado durante a noite nem aos fins de semana. 5) Antes do pagamento da factura, a ré nunca permitiu à autora o acesso ao veículo ou a verificação dos trabalhos realizados. 2 – Objecto do recurso. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso: 1.ª - Questão prévia do conhecimento oficioso - Saber se se verificam os pressupostos da caso julgado / autoridade de caso julgado. 2.ª Questão – Saber se a sentença é nula por falta de fundamentação. 3.ª Questão –Saber se há caducidade quanto à denúncia dos defeitos. 4ª Questão – Saber se deve ser alterada a matéria de facto. 5.ª Questão – Saber se se verificam os requisitos da resolução do contrato. 3 - Análise do recurso. 1ª Questão prévia do conhecimento oficioso - Saber se se verificam os pressupostos da caso julgado / autoridade de caso julgado. Como ensina Manuel Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, página 306), “o prestigio dos tribunais seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente» e numa razão de certeza ou segurança jurídica («sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa»). Segundo o mesmo autor (Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 305), o caso julgado material “consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão”. Ou, como diz Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, página 568), “a resjudicata obsta a que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, impede que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante uma composição, tendencialmente definitiva, dos litígios que os tribunais são chamados a resolver”, ou o mesmo autor (in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, página 568), “a res judicata obsta a que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, impede que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante uma composição, tendencialmente definitiva, dos litígios que os tribunais são chamados a resolver.” “Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos – e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos dessa decisão.” (Miguel Teixeira de Sousa, idem, páginas 578 e 579). A excepção do caso julgado, enquanto excepção dilatória, tem que ver com uma situação de identidade entre relações jurídicas, enquanto que a autoridade de caso julgado tem a ver com a existência de relações – já não de identidade jurídica – mas de prejudicialidade entre objectos processuais: julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes – incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção. É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art.º 581.º do CPC. Como distingue Rodrigues Bastos (in Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, páginas 60 e 61), “enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a exceção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”. A fronteira entre estas duas figuras jurídico-processuais encontra-se traçada no Acórdão da Relação de Coimbra de 28.09.2010, proferido no processo n.º 392/09.6TBCVL.C1 (Relator: Jorge Arcanjo), disponível em www.dgsi.pt: “A exceção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova ação, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objeto e pedido. A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 581º, do CPC.” Assim, o instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa; a função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado; a função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado. A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a excepção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica. O caso julgado não tem por que valer apenas como excepção impeditiva do re-escrutínio da mesma questão entre as mesmas partes (efeito negativo do caso julgado). Vale também como autoridade (efeito positivo do caso julgado), de forma que o já decidido não pode mais ser contraditado ou afrontado por alguma das partes em acção posterior – vide a este propósito Manuel Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 320, 321, Anselmo de Castro “Direito Processual Civil Declaratório”, III, p. 384 e Miguel Teixeira de Sousa “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ 325, p. 171 e seguintes, Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, páginas 38-39; Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 572; Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, p. 354. Como se pode ler no Acórdão da Relação de Guimarães de 16.03.2017, proferido no processo n.º 1486/11.3TBBCL.G1, “a autoridade de caso julgado só é aplicável quando, inexistindo identidade de partes, pedidos e causas de pedir, as relações de prejudicialidade entre objectos processuais impõem que o objecto da primeira decisão funcione como pressuposto indiscutível da nova decisão de mérito, a proferir na segunda causa, para impedir a contradição de julgados, constituindo assim a vinculação de um tribunal de uma acção posterior ao decidido numa acção anterior. A autoridade de caso julgado só é aplicável quando, inexistindo identidade de partes, pedidos e causas de pedir, as relações de prejudicialidade entre objectos processuais impõem que o objecto da primeira decisão funcione como pressuposto indiscutível da nova decisão de mérito, a proferir na segunda causa, para impedir a contradição de julgados, constituindo assim a vinculação de um tribunal de uma acção posterior ao decidido numa acção anterior”. A jurisprudência e a doutrina tem desenvolvido este conceito, próximo do conceito de “excepção de caso julgado” mas que com ele não se confunde e que abrange as situações de prejudicialidade com factos julgados em acção anterior, que não podem deixar de ser tomadas em conta, traduzindo uma situação de verdadeira autoridade de caso julgado, tornando os fundamentos da decisão anterior vinculativos em relação a nova acção, impondo a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito - vide a propósito, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, página 354, João de Castro Mendes, Ob. cit. páginas 38 e 39, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1985e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, Lisboa, 1973, páginas 60 e 61 e na jurisprudência – Acórdãos do STJ de 19.05.2010 e de 28.06.12, da Relação de Coimbra de 28.09.10 e da Relação de Lisboa de 12.07.12 in www.dgsi.pt. Neste enquadramento de que o sistema não pode admitir, sem limites, a discussão eterna de questões jurídicas, importa analisar de que forma a 1.ª acção encerra a discussão relativa ao objecto dos autos. Ora, sabendo que correu termos um processo anterior relativamente à situação dos autos, importa confrontar esse processo com os autos, verificando-se o seguinte: No processo anterior nº 713/16: Partes: Autora - Cleancash Lda Ré – Manuel Brígida e Filhos Pedido: a) Reconhecer à A o direito de propriedade do veículo; b) Restituir o veículo à A; c) Condenação da R a pagar à A uma indemnização pela privação do veículo; d) Condenação em sanção pecuniária por cada dia de atraso na restituição. Causa de pedir: Celebração de um contrato de comodato e recusa na entrega. A R deduziu reconvenção em que: - Nega o comodato - Alega que foi solicitada uma reparação, após a qual foi enviada a factura que não foi paga, cujo pagamento reclama. Na réplica a A: Alega que não solicitou a reparação. Decisão transitada: A acção foi julgada parcialmente procedente e em consequência: 1. A R foi condenada a reconhecer a A como dona e legitíma proprietária do veículo ligeiro de marca Unic tipo Esp. Plat. Elevatória com matrícula …. 2. E a entregar à A o veículo referido após o pagamento da quantia mencionada. E no mais absolvida dos pedidos. 3. A reconvenção foi julgada totalmente procedente e, em consequência, a A foi condenada no pagamento de € 7.134,00 acrescida de € 79,35 a título de juros vencidos à taxa aplicável aos actos comerciais desde 28.11.2016 até 15.02.2017 e vincendos até efectivo e integral pagamento. Nos presentes autos: Partes: Autora - Cleancash Lda Ré – Manuel Brígida e Filhos Pedido: - que se declare resolvido o contrato de empreitada celebrado entre A e R; - a condenação da R no pagamento da quantia de 8.815,41€, acrescida de juros de mora, à taxa aplicável aos actos comerciais, vencidos desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Causa de Pedir: Com base no entendimento de que há empreitada da anterior sentença transitada em julgado, considerando os defeitos da reparação, o contrato deve ser resolvido. Sendo o enquadramento jurídico da questão, em causa nos autos, relativo ao contrato cuja existência a A negou na acção anterior, mas que foi reconhecido na sentença anterior (tendo a A sido condenada no pagamento da factura apresentada pela R correspondente à reparação), importa saber se pode ser discutida a resolução desse contrato (por colidir ou não com a autoridade de caso julgado que se formou com a decisão anterior). Vejamos: Dispõe o artigo 619.º, n.º 1 do CPC que “[t]ransitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”. O artigo em causa reporta-se e delimita os contornos do caso julgado material, ou seja, o caso julgado que se forma relativamente à decisão que, decidindo do mérito da causa, define a relação ou situação jurídica deduzida em juízo (a relação material controvertida), determinando que tal decisão tem força obrigatória dentro e fora do processo e impedindo, dessa forma, que a mesma relação material venha a ser definida em moldes diferentes pelo tribunal ou qualquer outra autoridade. Conforme resulta do disposto na norma citada, o caso julgado material vigora dentro dos limites estabelecidos nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sendo, portanto, delimitado através dos elementos que identificam a relação jurídica definida na sentença (as partes, o pedido e a causa de pedir) e é a definição dessa concreta relação jurídica (delimitada pelos referidos elementos) que se impõe por força da autoridade do caso julgado; significa isso, portanto, que a concreta relação material controvertida que foi objecto da decisão não pode voltar a ser discutida entre as mesmas partes e não pode vir a ser contrariada – antes deverá ser respeitada – por qualquer outra decisão. No caso dos autos, a resolução do contrato assenta em factos novos (defeitos de obra decorrente da empreitada conhecidos e denunciados após o transito em julgado daquela decisão). Alega a A que negava que a existência de uma empreitada, o que a impossibilitou de no âmbito daquela fazer valer as pretensões reclamadas no âmbito desta, pelo que, só procedeu à verificação da obra e à deteção dos defeitos, na sequência e após o trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do proc.º 713/16.5T8TNV. Em causa está a situação sequencial – após – a sentença antes proferida, com uma factualidade nova, que justifica o afastamento do caso julgado/autoridade de caso julgado (a A vem pedir a resolução do contrato, porque a R incumpriu a sua obrigação de eliminar os defeitos detectados após a primeira decisão) à excepção das questões apreciadas e decididas na anterior ação. 2.ª Questão – saber se a sentença é nula por falta de fundamentação. No ponto IX das conclusões a recorrente afirma que a sentença não está fundamentada na parte relativa à apreciação da caducidade . Mas não tem razão. Lê-se no art.º 615.º, n.º 1, al. b) do C.P.C e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando»: omissão (alínea b) - «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão». Mas vem sendo pacificamente defendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa - nomeadamente, a falta de discriminação dos factos provados, ou a genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito - , e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação (por todos, José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, página 703 e 704, e A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, página 332). Ora, é manifesto que a sentença não carece totalmente de fundamentação. Logo, e ao contrário do sustentado pela R, a sentença dos autos não padece de nulidade consistente na falta de fundamentação, improcedendo nesta parte o recurso. 3.ª Questão – Saber se há caducidade quanto à denúncia dos defeitos. A recorrente defende que os direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização já haviam caducado à data da denúncia e da interposição da acção, uma vez que não foram exercidos dentro dos prazos previstos nos artigos 1220.º, n.º 1 e 1224.º, ambos do CC, devendo considerar-se como data da entrega da obra o dia após a recepção da carta onde comunica o fim da reparação pois a partir dessa data o direito podia ser exercido, ou seja, a viatura podia ser levantada (Alega que a Autora, ora Recorrida, quando confrontada com a carta que recebeu em 04.11.2016 - recusando, então, a existência da empreitada - optou por não fazer a verificação da mesma, tal como se prevê o nº1, do artº 1218º, do Código Civil (CC) mesmo sabendo que a reparação se encontrava concluída e estava em perfeitas condições de poder verificar o estado da viatura, a partir de 04.11.2016 o que só não fez, porque não quis e só intentou a presente acção, enquanto efeito interruptivo da verificação da caducidade, só foi interposta em 17.05.2019 - mais de dois anos e meio após a entrega da obra/viatura). A sentença recorrida entendeu que o prazo de caducidade invocado agora pela recorrente só se iniciou com o trânsito em julgamento da sentença relativa ao processo anterior. Cumpre decidir: Concordamos com o entendimento da sentença. A caducidade é o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo prazo. Nos termos do art.º 329.º do CC, “o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido”. Antes de ser proferida a sentença anterior, as partes divergiam quanto ao tipo de contrato em causa e tal questão esteve em litígio judicial, o que impedia o início dos prazos em causa (se não sabia qual era o direito não se pode dizer que estivesse em condições de o exercer). Tanto basta para a improcedência do recurso nesta parte. 4.ª Questão – saber se deve ser alterada a matéria de facto. Embora de forma muito confusa, parece resultar das alegações que a recorrente pretende a ampliação da matéria de facto para constar o seguinte: “A Ré prestou os bens e serviços constantes da factura nº 2016/22, de 28/1072016” e a consequente eliminação do ponto 2 não provado (2) Os trabalhos identificados na factura n.º 2016/22, datada de 28/10/2016, respeitam apenas à estrutura da carroceria onde se encontra instalada a grua (grua e caixa / cadeira elevatória desta) e incidiram apenas sobre a decapagem e pintura da grua, da carroceria e do chassis, substituição da tubagem hidráulica da grua, parte eléctrica da mesma e verificação e substituição de óleos.). Baseia-se no depoimento da testemunha C… (prestado no processo anterior e nestes autos) e no facto da fundamentação da matéria de facto estar em contradição com este depoimento. Porém, não se vislumbra o interesse na matéria cuja ampliação de pretende, nem a recorrente o explica. Note-se que a A já foi condenada – na sentença anterior - a pagar à R o valor da factura em causa, o que cumpriu, sendo despiciendo consagrar nesta acção que a R prestou os bens e serviços constantes dessa factura. Também não se vislumbra a alegada “contradição sobre os mesmos factos, tal como julgados em 1.ª instância”, até porque a prova produzida no processo anterior não pode ser “utilizada” no nosso processo, nem pode tal prova ser objecto de análise nos nossos autos, como parece pretender a recorrente. Nesta acção, só importa analisar se a existência de defeitos (art.º 10.º da petição inicial) e a recusa da R em pagar, justifica a resolução do contrato, pelo que a ampliação pretendida não terá relevância neste silogismo (De resto, da análise da contestação verifica-se que tal facto não foi sequer alegado nesses precisos termos: os serviços referidos nos arts. 24º as 27º da contestação não coincidem totalmente com o teor da factura). Logo, sendo a impugnação da matéria de facto uma actividade dirigida a um fim específico e cuja existência é condicionada por tal escopo não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual inútil o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual. Donde, improcede nesta parte o recurso. 5.ª Questão – Saber se se verificam os requisitos da resolução do contrato. A sentença considerou que a resolução tem cabimento porque, aquando do levantamento da viatura, esta apresentava as anomalias enunciadas na al. F) e a R se recusou à reparação das mesmas. A recorrente discorda, invocando que não se verificam os pressupostos jurídicos para tal, mas não se vislumbra claramente os argumentos pelos quais discorda da conclusão jurídica da sentença. Alega que: “xxXI – Da matéria de facto assente, com a alteração ora requerida, resulta evidente que a decisão recorrida considerou como fundamento da resolução do contrato de empreitada a verificação das anomalias identificadas em F), por contraposição aos serviços prestados constantes da factura supra identificada; XXXII - Importa realçar que, nenhuma alegação ou prova sobre o contéudo da empreitada, tal como solicitada pela Autora, em ordem a aferir de eventual desconformidade com algumas das “anomalias” invocadas, designadamente quanto à cor da grua; XXXIII – E registar que, sobre o estado da viatura, em 2014, apenas se sabe que saiu das instalações da Autora em reboque (relatório pericial – f) mas, em finais de 2016, tinha mais de 27 anos e esteve imobilizada cerca de 5 anos (desde 2014 – A/F), parte deles ao ar livre; XXXIV – Das 10 anomalias elencadas (F) - o tejadilho descolado e pendurado, interruptores, os faróis e para-brisas partidos e a falta de invólucro da coluna de direcção (que não se sabe se existia) - estas não têm qualquer correspondência directa com os trabalhos realizados, nem com a forma como o foram ou não; XXXV – Relativamente aos alegados problemas de motor e do chassis, não foi facturada qualquer intervenção no primeiro e o chassis foi apenas pintado (ao contrário do chão da carroceria, cujas chapas foram substituídas, como resulta da factura e do depoimento da testemunha C…) mas, importa não esquecer, que entre a conclusão da intervenção/obra e a chamada “peritagem” decorreram mais de três anos; XXXVI – No âmbito da “peritagem” realizada, a R. solicitou esclarecimentos ao Sr. Perito, que se entendem como relevantes, sobre a eventual possibilidade de as anomalias detectadas, à data da peritagem, poderem ter ocorrido após a disponibilização da viatura à Autora, quer pelo decurso do tempo, quer por actividade de terceiros; XXXVII – Sem resposta concreta, optou pelas evasivas constantes do Relatório Pericial (f), assessorado pelo digmº gerente da Autora, sem se assegurar da conformidade das respostas, como está implícito; XXXVIII – Do que fica exposto, para além da verificação da caducidade, resulta evidente que falham os pressupostos de facto que estiveram na base da decisão de decretar a resolução do contrato; XXXIX – E. em consequência, não pode deixar de considerar a inexistência de qualquer conduta culposa da R., na condução de todo o processo, ao contrário da Autora, que agiu ao longo do mesmo, em manifesto abuso de direito; XXXX - E, como tal, ilidida está a presunção de culpa invocada pela Mmª Juiz e que fundamentou, de direito, a douta decisão recorrida.” Em primeiro lugar, não nos parece que a sentença recorrida se tenha baseado como fundamento da resolução do contrato de empreitada a verificação das anomalias identificadas em F), “por contraposição aos serviços prestados constantes da factura supra identificada” mas sim porque não foi cumprida a obrigação de resultado (reparação) inerente ao contrato celebrado. Por outro lado, estando assente que houve um contrato de empreitada e a obrigação de reparação (considerando a sentença anterior), impende ainda sobre o empreiteiro a obrigação reparação e de guarda da viatura, de forma a poder restituí-la ao dono, sendo certo que é o mesmo quem deve tomar o conjunto de precauções e medidas de modo a impedir que tal veículo sofra danos até á sua recolha, o que se prende com as condições físicas de recolha da coisa e do seu acesso por pessoas estranhas, pois esse dever de guarda é instrumental do dever de restituição da coisa, estando estreitamente conexionada com a obrigação de resultado da restituição, não se traduzindo, por isso, numa pura obrigação de meios. Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 1188.º do CC, aqui subsidiariamente aplicável, em caso de privação da coisa, o depositário só fica exonerado das obrigações de guarda se a causa dessa privação não lhe for imputável, o que significa que recai sobre ele o ónus de prova deste pressuposto legal, em conformidade com o preceituado no n.º 2 do artigo 342.º do mesmo Código. No caso vertente, da prova produzida decorre que, ainda que fosse como diz a recorrente, a mesma continuava adstrita ao dever de guarda do veículo, no âmbito do contrato de empreitada em foco, e que não provou que não lhe sejam imputáveis os danos provados, presumindo-se, portanto, que violou culposamente o seu dever de guarda – neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.04.2014, proferido no processo n.º 1706/11.4TBALQ.L1 (relator: Manuel Gomes), in www.dgsi.pt. Tanto basta para a improcedência total do recurso. 4 – Dispositivo. Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida. Custas pela recorrente. Évora, 25.11.2021 Elisabete Valente (relatora) Ana Margarida Leite Cristina Mesquita |