Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
950/15.0GBABF.E1
Relator: LAURA MAURÍCIO
Descritores: PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO
NULIDADE
ORGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
Data do Acordão: 06/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO O RECURSO INTERLOCUTÓRIO
Sumário:
I - O princípio da investigação exige que o tribunal se empenhe no apuramento da verdade material, não só atendendo a todos os meios de prova relevantes que os sujeitos processuais (principalmente, o Ministério Público e o arguido) lhe proponham, mas também, independentemente dessa contribuição, ordenando, oficiosamente, a produção de todas as provas cujo conhecimento se lhe afigure essencial ou necessário à descoberta da verdade e, portanto, que o habilitem a proferir uma sentença justa.

II - A omissão de diligência de prova reputada de essencial para a descoberta da verdade constitui uma nulidade sanável.

III - Os órgãos de polícia criminal podem e devem colher notícias do crime, descobrir os seus agentes e praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição, nada impedindo que os agentes de investigação, em audiência, deponham sobre o conteúdo dessas diligências, incluindo sobre o conteúdo das conversas havidas com suspeitos que, entretanto, foram constituídos arguidos e mesmo que estes, na audiência, se remetam ao silêncio.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Albufeira- Juiz 1, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi submetido a julgamento o arguido AA.
*
Em 4.04.2018 foi proferido despacho com o seguinte teor (transcrição):
“Veio o Ministério Público requerer que se inquira uma testemunha, não oferecida no rol da acusação - HC - Guarda Principal da GNR que teve intervenção na investigação das origens do incêndio em causa nos autos
A defesa disse nada a opor.

Cumpre decidir.
Lê-se no art. 340.º, n.º 4, al. a) do Código Processo Penal que os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, excepto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa.

No caso vertente a prova ora requerida - esta testemunha - manifestamente podia ter sido junta com a acusação, não o tendo sido.

Assim sendo o critério para deferir o requerido é o de a prova em causa ser indispensável para a descoberta da verdade.

Com efeito, perscrutados os autos, designadamente fls. 25 e 25 verso, verifica-se que a intervenção da testemunha em questão foi, essencialmente, à posteriori dos factos:

. inquirir outras pessoas no decurso da investigação,
.inquirir o arguido quando o mesmo já era suspeito da prática do ilícito em causa,
. elaborar um relatório fotográfico.

Posto o que antecede é patente que a prova requerida não é indispensável à descoberta da verdade.

Desde logo, o depoimento indirecto da testemunha sobre o que terá ouvido dizer a outras testemunhas, é inadmissível como prova sem que se tente pelo menos ouvir estas. Assim sendo o valor autónomo como prova do depoimento de HC é pouco ou nenhum.

No que toca às declarações do arguido também o tribunal não poderá valorar o que a testemunha lhe ouviu dizer quando o mesmo já era visado na investigação.

Por fim, o relatório fotográfico elaborado pela testemunha já se encontra junto aos autos, pelo que não se vislumbra o que a prova ora requerida acrescentaria, nesta parte, à prova já existente nos autos.

A conclusão forçosa é a de que a inquirição da testemunha ora indicada não assume relevo de maior. Embora tal não se evidencie de forma assinalável sempre diremos que o depoimento ora requerido poderia eventualmente vir a revestir pertinência relativamente ao objecto instrutório. Todavia, a fase processual em que se procede à exploração de prova eventualmente pertinente para o objecto da causa - o inquérito - está ultrapassada. E, nestes termos face ao critério que impera na fase judicial para aferir a admissibilidade de novas provas oferecidas na audiência, a imprescindibilidade dessa prova para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, é patente que a conclusão sobre essa imprescindibilidade é negativa.

Pelo exposto, por não considerar indispensável para a descoberta da verdade o meio de prova ora requerido, que manifestamente podia ter sido junto com a acusação, ao abrigo do disposto no artigo 340.º, n.º 4, al. a) do Código de Processo Penal, indefiro o requerido.”

*
Na sequência de tal despacho de indeferimento o Ministério Público arguiu nulidade, nos termos seguintes (transcrição):

“Face ao indeferimento à inquirição da testemunha HC, requerido pelo Mº Pº, entendemos que não obstando à posição assumida, a testemunha podia ter sido junta com a acusação, consideramos que efetivamente ela é indispensável para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.

Não obstante, a sua intervenção ter sido à posteriori, (a posteriori, entenda-se, do início do incêndio, pois terá chegado enquanto o incêndio deflagrava; Efetivamente elaborou um relatório fotográfico e outros relatórios), o seu depoimento não será indireto. Depoimento indireto foi o de PS e RG quanto ao que este lhe relataram quanto à causa de incêndio que apurou.

O apuramento da causa de incêndio poderá ter não só a ver com diligências que pode ter feito; Efetivamente, a questão de ter interrogado ou não arguido, está vedada a sua leitura ao Tribunal na fase de inquérito, pois só poderá ter acesso à prova produzida em fase de julgamento.

O que se lhe visava não era isso mas, apenas o apuramento da causa do incêndio. Esteve in loco, tem os meios e conhecimentos necessários para apurar a fonte de ignição, o local exato onde deflagrou e, bem assim - relativamente à análise a máquina agrícola em questão - a questão de a maquinaria ter ou não ter sistema de retenção de faíscas e faúlhas; A sua perceção e análise no local terá sido feita para tirar a sua conclusão, não é uma coisa que se lhe diga ou transmita, efetivamente teria de ter sido percecionado pelo próprio. Esta inquirição é de todo relevante para a boa decisão da causa, porquanto o crime que se encontra acusado o arguido se imputa desde ele que não tenha tomado todas as devidas e necessárias precauções para fazer a esta limpeza do terreno.

Assim sendo, poe estas circunstâncias, o seu depoimento é, com certeza, indispensável e imprescindível para a descoberta da verdade e boa decisão da causa. O indeferimento e omissão desta diligência, que é essencial para a descoberta da verdade, constitui uma nulidade nos termos do disposto no art. 120.º, n.º1 e nº2 alínea d) do Código de Processo Penal, o que se argui.”

Na sequência desta arguição de nulidade foi proferido o seguinte despacho (transcrição):

“Foi proferido despacho pelo qual se indeferiu um requerimento de prova apresentado pelo do Ministério Público durante a audiência, pelos fundamentos aí elencados.

Veio o Ministério Público arguir que o indeferimento do seu requerimento de prova constituir nulidade nos termos do artigo 120.º n.º 2 al.d) do Código de Processo Penal, uma vez que se omitiu diligência essencial para a descoberta da verdade.

Posto o que precede é patente que aquilo que se pretende decidido, já foi alvo de pronúncia do Tribunal.

Com efeito, sobre a questão suscitada no requerimento ora apresentado - saber se a prova requerida no requerimento oferecido pelo Ministério Público na audiência é ou não essencial para a descoberta da verdade - já o Tribunal se pronunciou no mencionado despacho de indeferimento. O mesmo assenta, de forma explícita, no entendimento de que a prova em questão não é prova indispensável para a descoberta da verdade.

Assim sendo, no entender do Tribunal, patentemente não se verifica a hipótese de nulidade prevista no artigo 120.º n.º 2 al.d) do Código de Processo Penal: nos termos em que o Tribunal já antes se pronunciou, a diligência requerida não é indispensável para a descoberta da verdade. Motivo pelo qual nenhuma nulidade existe, devendo uma reação contra a decisão que indeferiu o requerimento do Ministério Público ser feita eventualmente por via de recurso, e não através de arguição de nulidade.

Pelo exposto, indefiro a arguição de nulidade.”
*
Na audiência de julgamento de 11 de Abril de 2018, o Ministério Público fez o seguinte requerimento (transcrição);

“ O Ministério Público apesar de já o ter feito anteriormente, vem novamente requerer a inquirição do militar HC que efetuou o relatório de fls. 25 e o registo fotográfico de fls. 28 e 29, porquanto do que aqui relata o arguido, o início deste incêndio terá ocorrido da berma para o interior do terreno e não no próprio interior do terreno, e afirma que apesar de esta máquina não ter sistema de retenção de faíscas ou de faúlhas também não precisaria do mesmo (pela própria) forma de funcionamento, e não poderia ser possível lançar faíscas ou faúlhas.

Atendendo a que este militar teve perceção no local direta - percecionou as próprias máquinas; o arguido referiu que efetivamente o militar até o ajudou a transportar as máquinas; terá tido a oportunidade de fazer a sua análise das causas deste incêndio e do seu início - requer-se ao abrigo do artigo 340.º do Código de Processo Penal, por se entender que se afigura imprescindível para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, a inquirição do mesmo. “

Sobre tal requerimento foi proferido o seguinte despacho (transcrição):
“Sobre o ora requerido pelo Ministério Público entendo que a prova produzida desde que (foi requerida) a inquirição deste mesmo militar não é de molde a assumir relevância de maior para a decisão da causa.

Desde logo se me afigura prova de muito pouca substância a mera descrição, por parte do militar, de máquinas, designadamente da roçadora que seria usada pelo arguido quando deflagrou o incêndio. Com efeito, esta mera descrição não se me afigura ser prova de substância sobre a verdade ou não dos factos objeto dos autos.

No mais, os conhecimentos desta testemunha vertidos no mencionado auto de fls. 25 e 25 verso parecem assentar em declarações do próprio arguido, pelo que também aqui a inquirição do militar não se me afigura ser elemento de prova de valia maior.

Assim sendo, nos termos que antes já se decidiu sobre a inquirição deste militar, indefiro o requerido pelo Ministério Público.”
*
Na sequência de tal despacho de indeferimento o Ministério Público arguiu nulidade, nos termos seguintes (transcrição):

“Por dever de ofício e por assim entender a nível de direito, a omissão desta diligência agora requerida de inquirição de militar configura uma omissão de diligência que se reputa essencial para a descoberta da verdade, o Ministério Público vem arguir a sua nulidade ao abrigo do disposto no art. 120.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Penal.”

Na sequência desta arguição de nulidade foi proferido o seguinte despacho (transcrição):

“Foi proferido despacho pelo qual se indeferiu um requerimento de prova apresentado pelo do Ministério Público durante a audiência, pelos fundamentos aí elencados.

Veio o Ministério Público arguir que o indeferimento do seu requerimento de prova constituir nulidade nos termos do artigo 120.º n.º 2 al.d) do Código de Processo Penal, uma vez que se omitiu diligência essencial para a descoberta da verdade.

Posto o que precede é patente que aquilo que se pretende decidido, já foi alvo de pronúncia do Tribunal. Com efeito, sobre a questão suscitada no requerimento ora apresentado - saber se a prova requerida no requerimento oferecido pelo Ministério Público na audiência é ou não essencial para a descoberta da verdade - já o Tribunal se pronunciou no mencionado despacho de indeferimento. O mesmo assenta, de forma explícita, no entendimento de que a prova em questão não é prova indispensável para a descoberta da verdade.

Assim sendo, no entender do Tribunal, patentemente não se verifica a hipótese de nulidade prevista no artigo 120.º n.º 2 al. d) do Código de Processo Penal: nos termos em que o Tribunal já antes se pronunciou, a diligência requerida não é indispensável para a descoberta da verdade. Motivo pelo qual nenhuma nulidade existe, devendo uma reação contra a decisão que indeferiu o requerimento do Ministério Público ser feita eventualmente por via de recurso, e não através de arguição de nulidade.

Pelo exposto, indefiro a arguição de nulidade.”
*
Inconformado com tais decisões, o Ministério Público interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

1- Vem o presente recurso interposto dos despachos proferidos nas audiências de 4 e 11 de Abril de 2018, cujas actas ainda não se encontram disponíveis em versão final, que não declarou as nulidades tempestivamente arguidas pelo Ministério Público relativamente aos precedentes despachos, que indeferiu duas das diligências de prova por si requeridas abrigo do disposto no art.340º, nº1 do Cód. Proc.Penal;

2- Na sequência da prova produzida, o Ministério Público formulou dois requerimentos em que requeria, ao abrigo do art.340º, nº1 do Cód. Proc. Penal, a inquirição do militar da GNR-EPNA, HC, por ser essencial à descoberta da verdade e boa decisão da causa;

3- O Mmo Juiz a quo indeferiu tais requerimentos, sufragando um entendimento que, salvo o devido respeito, é de todo inaceitável por representar a violação de um dos princípios basilares do nosso processo penal – o da investigação ou da verdade material plasmado no art.340º, nº1 do Cód. Proc. Penal;

4- O referido princípio da investigação ou da verdade material significa, mesmo no quadro de um processo penal orientado pelo princípio do acusatório (art. 32º, nº5 da Constituição), que o tribunal de julgamento tem o poder-dever de investigar por si o facto submetido a juízo, isto é, de fazer a sua própria “instrução” sobre o facto, em audiência, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade, sem estar em absoluto vinculado pelos requerimentos e declarações das partes, com o fim de determinar a verdade material;

5- O exercício do poder de apreciação do condicionalismo legal inscrito no nº1, do art.340º do Cód. Proc. Penal, isto é, o juízo de necessidade ou desnecessidade da diligência de prova requerida é feito pelo próprio Tribunal na imediação do julgamento. E, para aferir tal necessidade de indagação e total esclarecimento, deve o julgador socorrer-se de todos os meios de prova possíveis e legais, não podendo reter-se e ficar-se numa atitude passiva, expectante e em tudo dependente das provas que os sujeitos processuais tenham carreado para o processo. Deve, pois, o Juiz produzir todos esses meios de prova que o habilitem a uma decisão condenatória ou absolutória;

6- Daqui resulta que o tribunal deve, oficiosamente, ou a requerimento das partes, ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário á descoberta da verdade e à boa decisão da causa, não estando, obviamente, circunscrito aos meios de prova constantes da acusação, da contestação ou da pronúncia:

7- No contexto da produção da prova, as diligências em causa configuravam-se como manifestamente essenciais e imprescindíveis uma vez que em sede audiência de discussão e julgamento, no decurso dos depoimentos dos militares PS e RG, questionados sobre as causas e origem do incêndio, bem como se a roçadora tinha ou não tinha sistema de retenção, tudo o que sabem dizer (e disseram) é o que lhes foi transmitido pelo seu colega do EPNA – HC, que foi chamado ao local e ficou a cargo da investigação nesse momento, atenta a matéria em causa e que a parir da sua chegada só ficaram a controlar a situação;

8- Tal configura, nesta parte, um depoimento indireto sobre tais factos, pelo que de acordo com o plasmado no art.129º do Cód. Proc. Penal e ao abrigo do disposto no art.340º do mesmo diploma deveria o mesmo ter sido chamado a prestar depoimento, o que foi requerido e indeferido;

9- Facto assente é que o arguido efetivamente estava no local a realizar trabalhos de limpeza do terreno, usando uma roçadora de fios e enquanto o fazia deflagrou um incêndio que depois foi combatido pelos Bombeiros;

10- Importando apurar a origem e causas do mesmo, o tipo de máquina utilizada e se de alguma forma, o arguido causou o mesmo ou contribuiu para isso, com algum comportamento negligente e censurável, nomeadamente, por não ter tomado as devidas precauções na realização daqueles trabalhos, como se impõe naquela época do ano, torna-se necessário saber se a roçadora de fios utilizada pelo arguido tinha ou não sistema de retenção de faíscas e faúlhas, e se foi tal uso que terá causado o mesmo, o qual seria proibido naquela época do ano atendendo às condições atmosféricas e se teria provocado alguma faísca, conforme o que consta da acusação e é elemento para preenchimento do tipo de ilícito de que o arguido se encontra acusado, só aquele militar (HC) poderia esclarecer, em depoimento válido e valorável;

11- No nosso entender, o poder do art.129º, tal como o do 340º, nº1 do Cod. Proc. Penal configura um poder-dever quando tais factos sejam essenciais para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, como é o caso;

12- Saliente-se que a isso mesmo faz o Mmo. Juiz referência no seu despacho de indeferimento, donde a nosso ver resulta que labora em equívoco quanto ao requerido, pois que não é essa testemunha que prestará depoimento indireto, fora as testemunhas PS e RG que o fizeram no que toca às causas e origem do incêndio, não sabendo concretizar as caraterísticas da roçadora porquanto fora o seu colega que ficou ao encargo da situação logo que chegou ao local, inclusive, o nível de risco de incêndio;

13- Acresce que o Mmo. Juiz a quo apenas aferiu da alegada não indispensabilidade de inquirição da testemunha após ir ler elementos que constam dos autos em sede de inquérito, não só o relatório de fls.25 indicado no requerimento, mas igualmente diligências de inquérito realizadas pela testemunha no decurso da investigação entre as quais inquirições. Lamentavelmente, terá sido isso que induziu e erro de que os conhecimentos que a testemunha teria de ouvir dizer de outras pessoas, desprezando os eventuais conhecimentos técnicos que se presume tenha face às funções que desempenha e que certamente não caberão só aos agentes da Polícia Judiciária em matéria de incêndios;

14- Destarte, o conhecimento que o mesmo tem e sobre o qual se pretendia depoimento, o qual não se circunscreve aos conhecimentos técnicos decorrentes da sua atividade mas também ao conhecimento direto e circunstanciado que o mesmo tem quanto à factualidade em discussão, considerando que a testemunha se deslocou ao local quando ainda o incêndio se encontrava em curso e a ser combatido;

15- Aliás, tal deslocação aliada aos conhecimentos técnicos especializados fizeram que fosse de sua competência apurar as causas do mesmos, fonte e local de ignição “vistoria” que fez à roçadora, perceção e exame direto da mesma, para fazer constar que a mesma não teria sistema de retenção:

16- Refira-se ainda, salvo o devido respeito, que ao contrário da posição assumida pelo Mmo. Juiz a quo, apurar tais caraterísticas da máquina roçadora é de todo importante para se apurar se o arguido teve algum comportamento que contribuiu para o incêndio e este lhe seja censurável, por ação ou omissão. Desde logo, confirmar o nível de risco de incêndio, sendo certo que naquela altura do ano, pleno Verão, desenvolver trabalhos de limpeza de vegetação arbórea. Seca, noma hora de calor, exige que se tomem várias precauções, particularmente no tipo de máquinas que se está a usar, nomeadamente para que do seu uso não resultem faíscas pu faúlhas, que possam provocar um incêndio, ou pelo menos, que se assegurem por usar maquinaria adequada a diminuir tal risco, no caso, que tivesse sistema de retenção, intenção que levou o legislador a introduzir profundas alterações ao Cód. Penal nesta matéria;

17- São estas dúvidas que cumpre tentar desvanecer com a inquirição da testemunha decorrente da sua ciência direta, de modo a apurar a verdade dos factos, particularmente, se a roçadora tinha ou não este sistema de retenção, o modo como apurou esta testemunha o local provável do início de incêndio e porquê, se a causa deste teria ou não sido essa utilização de roçadora sem sistema de retenção;

18- Tais dúvidas parecem-nos, por ora, ultrapassáveis com tal depoimento, pois que o relatório fotográfico e informação plasmada não são suficientes para o fazer, nomeadamente, por não resultar claro, a nosso ver, a razão de ciência das suas conclusões, mormente se conforme foi afirmado pelo Mmo. A quo se as mesmas lhe advieram só do que lhe disse o arguido, à data ainda não constituído, ou mesmo das diligências de inquirição de testemunhas que levou posteriormente a cabo. Ou se, pelo contrário e conforme se depreendeu do depoimento das testemunhas PS e RG, foram conclusões extraídas da visualização dos eventos em causa quando estes ainda decorriam aliado aos conhecimentos técnicos decorrentes do exercício normal das suas funções enquanto militar da GNR-EPNA;

19- Ademais, sempre se acrescente que, tendo o arguido prestado depoimento, salvo o devido respeito, sempre poderia a testemunha relatar o que lhe foi dito no momento, quando ainda não era arguido, ainda que obviamente sujeito à livre apreciação da prova;

19- Aparenta-se-nos, salvo o devido respeito, que a decisão recorrida não apreciou o núcleo essencial da questão suscitada pelo Ministério Público, ateve-se a considerações meramente formais, meramente externas, não incidentes sobre a efetiva necessidade ou desnecessidade substantiva das duas diligências requeridas, na sua finalidade da descoberta da verdade;

20- Sem mais e sem atentar que, perante o dito requerimento do Ministério Público, se impunha ao julgador o tal apontado poder-dever de procura dos meios probatórios tendentes à demonstração da realidade da vida e das coisas, de forma a descortinar a verdade e criar os suportes de uma boa e correta decisão da causa, de forma a “fazer justiça”, deixando de lado um mero fundamentalismo legalista;

21- Meios de prova que um bom e diligente julgador poderia (deveria) até solicitar por si mesmo, ou, no mínimo, deveria ponderar da efetiva conveniência, utilidade e necessidade da sua produção;

22- A produção de tais meios de prova, decorrente e imposta pelo princípio da investigação, não sofre os limites que a este impõe o comando legal (art. 340º do Cód. Proc. Penal). Na verdade, eles afiguram-se como necessários para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (princípio da necessidade); são adequados ao objeto da prova (princípio da adequação – art.340º. nº3 do Cód. Proc. Penal) e não são de obtenção impossível (princípio da obtenibilidade – art.340º. nº4, al.b) do Cód. Proc. Penal);

23- No nº1, do art.340º do Cód. Proc. Penal está expresso o poder vinculado do Tribunal ordenar a produção dos meios de prova necessários à descoberta da verdade e boa decisão da causa. Não usando desse poder-dever, isto é, atuando em sentido negativo (não uso), violou-se o disposto em tal comando legal;

24- No contexto da produção da prova, as diligências em causa configuravam-se como manifestamente essenciais, independentemente de ser para condenar ou absolver o arguido, para a descoberta da verdade e para se obter uma decisão justa, sem recursos puramente formais ao princípio do in dúbio pro reo;

25- O Tribunal optou, de modo conformista, pela renúncia à atuação dos seus poderes de investigação para acabar por se estribar no princípio in dúbio pro reo sem que previamente tenha esgotado todas as vias de afastamento da insanabilidade da dúvida;

26- A omissão de diligências que possam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade material acarreta uma nulidade (art.120º, nº2, al.d) do Cód. Proc. Penal), vício este que deve ser arguido, nesta caso concreto no próprio ato, porque o sujeito processual assistiu ao ato em que ela foi cometida, até ao final da audiência de julgamento (cfr. neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Portuguesa, 2ª edição atualizada, pág. 856);

27- E o Ministério Público arguiu efetivamente, nos próprios atos, tal vício no que respeita aos despachos que lhe indeferiu as duas diligências necessárias de prova que havia requerido, o que fez ao abrigo do disposto nos arts.118º, nºs 1 e 2 e 120º, nº1, 2, al.d) e 3, al.a) do Cód. Proc. Penal e não em sede de recurso final como refere o Mmo. Juiz a quo;

28- Como consequência, nos termos do art.122º do Cód. Proc. Penal, impõe-se a nulidade dos atos praticados, pelo que o julgamento deverá ser repetido com vista à produção de prova essencial omitida e deste modo evitar um non liquet como aconteceu no caso em concreto;

29- Pelo exposto, porque o despacho recorrido padece de nulidade por ter violado o disposto no art.340º, nº1 e 129º do Cód. Proc. Penal, deve ser revogado e substituído por outro que as declare e, em consequência, determine a repetição do julgamento.

Por despacho de 20 de setembro de 2018, o recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito.

O arguido não respondeu ao recurso.
Concluído o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu absolver o arguido da prática do crime de incêndio florestal por negligência, previsto e punido pelo artigo 274º, nºs 1 e 4 do Código Penal, de que vinha acusado

Inconformado com a sentença, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da sentença absolutória proferida e dos despachos proferidos nas audiências de 4 e 11 de Abril de 2018, cujas actas ainda não se encontram disponíveis em versão final, que indeferiu as nulidades arguidas pelo Ministério Público relativamente a duas das diligências de prova por si requeridas abrigo do disposto no art.340º, nº1 do Cód. Proc. Penal;

2. A inquirição do militar da GNR-EPNA-HC, ao abrigo do disposto no art.340º do CPP era indispensável para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, permitiria desvanecer dúvidas que se suscitaram e estão vertidas em sede de sentença, decorrentes da sua ciência direta, de modo a apurar a verdade dos factos, particularmente, se a roçadora tinha ou não este sistema de retenção, o modo como apurou esta testemunha o local provável do início de incêndio e porquê, se a causa deste teria ou não sido essa utilização de roçadora sem sistema de retenção e onde;

3. Tal inquirição permitiria ultrapassar a dúvida que conduziu a absolvição do arguido com base na errada aplicação do princípio do in dúbio pro reo;

4. O Mmo Juiz a quo indeferiu tais requerimentos, sufragando um entendimento que, salvo o devido respeito, é de todo inaceitável por representar a violação de um dos princípios basilares do nosso processo penal – o da investigação ou da verdade material plasmado no art.340º, nº1 do Cód. Proc. Penal;

5. O tribunal deve, oficiosamente, ou a requerimento das partes, ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, não estando, obviamente, circunscrito aos meios de prova constantes da acusação, da contestação ou da pronúncia; Deve, pois, o Juiz produzir todos esses meios de prova que o habilitem a uma decisão condenatória ou absolutória;

6. No contexto da produção da prova, as diligências em causa configuravam-se como manifestamente essenciais e imprescindíveis uma vez que em sede de audiência de discussão e julgamento, no decurso dos depoimentos dos militares PS e RG, questionados sobre as causas e origem do incêndio, bem como se a roçadora tinha ou não tinha sistema de retenção, tudo o que sabem dizer (e disseram) é o que lhes foi transmitido pelo seu colega do EPNA – HC, que foi chamado ao local e ficou a cargo da investigação nesse momento, atenta a matéria em causa e que a partir da sua chegada só ficaram a controlar a situação;

7. Tal configura, nesta parte, um depoimento indirecto sobre tais factos, pelo que de acordo com o plasmado no art.129º do Cód. Proc. Penal e ao abrigo do disposto no art.340º do mesmo diploma deveria o mesmo ter sido chamado a prestar depoimento, o que foi requerido e indeferido;

8. Importando apurar a origem e causa do mesmo, o tipo de máquina utilizada e se de alguma forma, o arguido causou o mesmo ou contribuiu para isso, com algum comportamento negligente e censurável, nomeadamente, por não ter tomado as devidas precauções na realização daqueles trabalhos, como se impõe naquela época do ano, torna-se necessário saber se a roçadora de fios utilizada pelo arguido tinha ou não sistema de retenção de faíscas e faúlhas, e se foi tal uso que terá causado o mesmo, o qual seria proibido naquela época do ano atendendo às condições atmosféricas e se teria provocado alguma faísca conforme o que consta da acusação e é elemento para preenchimento do tipo de ilícito de que o arguido se encontra acusado, só aquele militar (HC) poderia esclarecer, em depoimento válido e valorável;

9. No nosso entender, o poder do art.129º, tal como o do 340º, nº1 do Cód. Penal configura um poder-dever quando tais factos sejam essenciais para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, como é o caso;

10. Destarte, o conhecimento que o mesmo tem e sobre o qual se pretendia depoimento, o qual não se circunscreve aos conhecimentos técnicos decorrentes da sua actividade mas também ao conhecimento directo e circunstanciado que o mesmo tem quanto à factualidade em discussão, considerando que a testemunha se deslocou ao local quando ainda o incêndio se encontrava em curso e a ser combatido;

11. Aliás, tal deslocação aliada aos conhecimentos técnicos especializados fizeram que fosse de sua competência apurar as causas do mesmos, fonte e local de ignição, “vistoria” que fez à roçadora, percepção e exame directo da mesma, para fazer constar que a mesma não teria sistema de retenção;

12. Refira-se ainda, salvo o devido respeito, que ao contrário da posição assumida pelo Mmo. Juiz a quo, apurar tais características da máquina roçadora é de todo importante para se apurar se o arguido teve algum comportamento que contribuiu para o incêndio e este lhe seja censurável, por acção ou omissão;

13.São estas dúvidas que cumpre tentar desvanecer com a inquirição da testemunha decorrente da sua ciência directa, de modo a apurar a verdade dos factos, particularmente, se a roçadora tinha ou não este sistema de retenção, o modo como apurou esta testemunha o local provável do início de incêndio e porquê, se a causa deste teria ou não sido essa utilização de roçadora sem sistema de retenção;

14. Tais dúvidas parecem-nos, por ora, ultrapassáveis com tal depoimento, pois que o relatório fotográfico e informação plasmada não são suficientes para o fazer, nomeadamente, por não resultar claro, a nosso ver, a razão de ciência das suas conclusões, mormente se conforme foi afirmado pelo Mmo. A quo se as mesmas lhe advieram só do que lhe disse o arguido, à data ainda não constituído, ou mesmo das diligências de inquirição de testemunhas que levou posteriormente a cabo. Ou se, pelo contrário e conforme se depreendeu do depoimento das testemunhas PS e RG, foram conclusões extraídas da visualização dos eventos em causa quando estes ainda decorriam aliado aos conhecimentos técnicos decorrentes do exercício normal das suas funções enquanto militar da GNR-EPNA;

15. Ademais, sempre se acrescente que, tendo o arguido prestado depoimento, salvo o devido respeito, sempre poderia a testemunha relatar o que lhe foi dito no momento, quando ainda não era arguido, ainda que obviamente sujeito à livre apreciação da prova;

16. Sem mais e sem atentar que, perante o dito requerimento do Ministério Público, se impunha ao julgador o tal apontado poder-dever de procura dos meios probatórios tendentes à demonstração da realidade da vida e das coisas, de forma a descortinar a verdade e criar os suportes de uma boa e correcta decisão da causa, de forma a “fazer justiça”, deixando de lado um mero fundamento legalista;

17. A produção de tais meios de prova, decorrente e imposta pelo princípio da investigação, não sofre os limites que a este impõe o comando legal (art.340º do Cód. Proc. Penal), Na verdade, eles afiguram-se como necessários para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (princípio da necessidade), são adequados ao objecto da prova (princípio da adequação – art.340º, nº3 do Cód. Proc. Penal) e não são de obtenção impossível (princípio da obtenibilidade – art.340º, nº4, al.b) do Cód. Proc. Penal);

18. No nº1, do art.340º do Cód. Proc. Penal está expresso o poder vinculado do Tribunal ordenar a produção dos meios de prova necessários à descoberta da verdade e boa decisão da causa. Não usando desse poder-dever, isto é, actuando em sentido negativo (não uso), violou-se o disposto em tal comando legal;

19. No contexto da produção da prova, as diligências em causa configuravam-se como manifestamente essenciais, independentemente de ser para condenar ou absolver o arguido, para a descoberta da verdade e para se obter uma decisão justa, sem recursos puramente formais ao princípio do in dúbio pro reo;

20. O Tribunal optou, de modo conformista, pela renúncia à actuação dos seus poderes de investigação para acabar por se estribar no princípio in dúbio pro reo sem que previamente tenha esgotado todas as vias de afastamento da insanabilidade da dúvida, o que viola as regras basilares em que assenta este mesmo princípio;

21. Por outro lado temos uma contradição insanável no ponto a) dos factos não provados, não só pela dupla negativa utilizada que o converte num facto positivo, como com a própria motivação, porquanto aí se refere que o arguido declarou que a roçadora não possui sistema de retenção, independentemente de considerar que não precisa, além de não constar da fundamentação a respectiva valoração destas declarações, como se impunha;

22. As próprias declarações das testemunhas RG e PS, supra transcritas e que se dão por reproduzidas, impunha decisão diversa quer quanto à inquirição do militar HC quer quanto aos factos não provados;

23. Pelo exposto, porque a sentença recorrida padece de nulidade por ter violado o disposto no art.340º, nº1 e 129º do Cód. Proc. Penal, deve ser revogada e substituída por outra que as declare e, em consequência, determine a repetição do julgamento e produção de prova suplementar com a inquirição do militar HC.
*
Por despacho de 20 de setembro de 2018, o recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito.

O arguido não respondeu ao recurso.
No Tribunal da Relação, o Exmº Sr. Procurador da República emitiu Parecer no sentido da procedência dos recursos.

Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo sido apresentada resposta.

Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência.

Fundamentação

Delimitação do objeto do recurso

Nos termos do disposto no art.412º, nº1, do C.P.P., e conforme jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes das motivações apresentadas, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no art.410º, nº2, do C.P.P., mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, págs.74; Ac.STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, págs.96, e Ac. do STJ para fixação de jurisprudência de 19.10.1995, publicado no DR I-A Série de 28.12.1995.

São, pois, as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o Tribunal ad quem tem de apreciar.

No caso dos autos, face às conclusões da motivação dos recursos, são as seguintes as questões submetidas à nossa apreciação:

A) – No recurso interlocutório (em cuja apreciação o recorrente declarou manter interesse):

- nulidade por omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, em violação do preceituado nos arts. 129.º e 340.º do Código de Processo Penal;

B) - No recurso do acórdão:

- contradição insanável entre os factos provados e não provados e a fundamentação probatória;

- erro notório na apreciação da prova;

- erro de julgamento.

É do seguinte teor a sentença recorrida no que concerne a factos provados, factos não provados e motivação:

“II. Fundamentos
Factos
Factos provados

Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1. Durante parte da manhã e da tarde do dia 3 de Junho de 2015 o arguido AA procedeu à limpeza de um terreno de MG sito em Orada, próximo da Marina de Albufeira, e contiguo à residência desta.

2. Tal terreno era constituído por vegetação espontânea e algumas árvores.

3. Durante aquelas limpezas o arguido usou uma roçadora mecânica.

4. Por volta das 15 horas, quando o arguido ainda limpava o terreno com a roçadora, teve inicio um incêndio no mencionado terreno que queimou uma área concretamente não apurada mas aproximadamente um quarto de hectare, tendo ardido vegetação.

5. Acorreram à situação dois veículos com seis bombeiros de Albufeira, um veículo e cinco bombeiros de Silves, e um veículo com cinco bombeiros de Loulé, que combateram e extinguiram o incêndio.

6. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera, IP, disponibilizou nesse dia o índice de risco de incêndio florestal, do qual constava um risco de incêndio para a zona do concelho de Albufeira classificado como "Elevado".

7. O incêndio em questão não causou prejuízos.

8. O arguido está presentemente desempregado, fazendo trabalhos ocasionais de jardinagem, carpintaria e construção, pelos quais aufere valores variáveis, mas pelo menos € 350 por mês.

9. O arguido vive sozinho, não pagando renda da casa onde reside por aí tomar conta de animais da dona da casa.

10. O arguido tem três filhas, de 23, 20 e 14 anos de idade, e dois netos, de 3 e 4 anos.

11. As duas filhas mais velhas do arguido são financeiramente independentes.

12. O arguido não regista antecedentes criminais.

Factos não provados

Produzidas as provas ficaram por provar os demais factos da acusação relevantes para a decisão, designadamente:

a) A roçadora usada pelo arguido não tinha sistema de retenção de faíscas ou de faúlhas.

b) Da conduta do arguido resultou o lançamento de faíscas ou faúlhas para o terreno, o que deu origem ao incêndio.

c) O incêndio causou prejuízos não inferiores a € 110.

d) O arguido tinha conhecimento do índice do risco de incêndio disponibilizado pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera, IP.

e) O arguido bem sabia não lhe ser legalmente permitida a realização de uma limpeza de mato com a roçadora das características da que foi utilizada, naquela data e com aquelas condições.
*
Não nos pronunciamos quanto ao restante elenco da acusação uma vez que se reporta questões de direito ou encerra teor conclusivo, e por tais motivos não assume relevância para a presente decisão.

Motivação da decisão quanto aos factos
Para a formação da convicção quanto aos factos provados, o Tribunal baseou-se na apreciação crítica da prova produzida em audiência de julgamento ponderada, à luz das regras da experiência comum.

Os meios de prova pesados, com relevo para o objecto dos autos, foram os seguintes:
Declarações do arguido AA;
Testemunhos de RG, MG, e PS;
Documentos de fls. 3 e 25,26,28,31,32,39, 174, e 175.

Concretizando.

I Salvo no que incorporam declarações do arguido, tendo em consideração o disposto no art. 357º do CPP.

As provas produzidas demonstraram à saciedade os traços gerais dos acontecimentos descritos na acusação respeitantes ao dia 3 de Junho de 2015. Toda a prova produzida (declarações do arguido, testemunhos, documentação dos autos) foi convergente quanto à ocorrência de um incêndio no início da tarde daquele dia num terreno situado perto da marina de Albufeira; A prova foi igualmente incontroversa e bastante quanto às características gerais do terreno (declarações do arguido, testemunhos, documentos de fls. 26 e 27), à pequena dimensão do incêndio ', suas consequências (declarações do arguido; testemunho de MG), e ao seu combate e desfecho (declarações do arguido, testemunhos produzidos, documentos de fls. 3, 25, 26, e 39); Por fim, houve igualmente uníssono quanto a o arguido ter estado, naquele dia, a fazer a limpeza do terreno, roçando mato com uma roçadora mecânica (declarações do arguido, testemunhos ouvidos).

Quanto a tal quadro geral, nenhuma dúvida.

As provas produzidas em audiência foram porém manifestamente insuficientes para sustentar o libelo acusatório na parte em que ali se atribuía ao arguido a autoria, negligente, do incêndio. Ainda que se tenha produzido alguma prova (designadamente as declarações do arguido) que apontou (de forma incipiente, assinale-se) para a zona do terreno em que o incêndio deflagrou (sensivelmente, junto a uma estrada que li se situa), quanto à concreta origem do fogo, ao que causou a sua ignição, a prova produzida foi nenhuma. Não se demonstrou, por exemplo, que a roçadora mecânica usada pelo arguido não tinha sistema de retenção de faíscas: inexiste prova de qual o concreto instrumento usado (nem as testemunhas o sabiam nem, mais relevante, existe qualquer documentação nos autos sobre tal assunto) e nas suas declarações o arguido assinalou que a roçadora usada não carece de acoplagem de qualquer sistema autónomo com essa finalidade porque tal sistema está já integrado nas características físicas das roçadoras do tipo utilizado (de fio que gira dentro de uma bobina que serve de protecção). Não se demonstrou igualmente qual a zona concreta do terreno onde o arguido se encontrava - se próximo, se distante- quando se acendeu o fogo "junto à estrada". Por fim, nenhuma prova sustenta a concreta fonte da ignição do incêndio, designadamente se foram as faíscas ou faúlhas a que alude a acusação -cuja produção redundou indemonstrada- que a causaram ou se a deflagração teve (ou não pode ter tido) origem em alguma outra fonte.

2 A área ardida que levámos à matéria provada decorre da conjugação dos documentos instrutórios com os testemunhos e declarações do arguido; Embora se desconheça a metodologia usada para determinar a área mencionada na documentação dos autos, o que ali se indica coincidiu sensivelmente com o adiantado pela prova pessoal ouvida em audiência. O que menciona no facto 4 é pois uma aproximação, de cuja coincidência com a realidade ficámos plenamente convencidos; No entanto as provas não permitiram firmar um juízo definitivo sobre a concreta área queimada ou, sequer, sobre uma área mínima (pelo menos, uma área mínima com dimensão relevante para o objecto da causa).

Sobrou pois a singela conclusão que o arguido estava a trabalhar com uma roçadora de características concretas não apuradas num terreno, quando nesse terreno deflagrou um incêndio, desconhecendo-se todavia a concreta zona em que o fogo começou, e a que distância se encontrava o arguido. Qualquer pessoa de são critério suspeitará imediatamente que pode ter sido a intervenção do arguido a fazer deflagrar o incêndio; Mas evidentemente que fica muito longe a conclusão - ainda mais com o grau de certeza que se exige em direito penal - de que foi a conduta do arguido a provocá-lo. Ficou, nessa medida, por provar a imputação da acusação.
*
Quanto à restante factualidade provada e não provada, a convicção do Tribunal formou-se da forma a seguir descrita.

O facto 6 assenta no documento de fls. 32.
Os factos atinentes às condições familiares e financeiras do arguido assentam nas declarações deste último, nada havendo nos autos que coloque em causa a sua verdade.
A ausência de antecedentes criminais do arguido decorre do teor do CRC de fls.175.
Por fim, sobre os factos d) e e) não se produziu qualquer prova apta a convencer-nos da sua verdade.”

Apreciando
Dispõe o artº340º do C.P.P.:
1. O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2. (…)
3. Sem prejuízo do nº3 do artº328º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova e o respetivo meio forem legalmente inadmissíveis.

4. Os requerimentos de prova são ainda indeferido se for notório que:
a) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; - (…), equivalendo a irrelevância a falta de pertinência da prova requerida com o thema probandi e significando a superfluidade que a prova requerida apenas confirmaria desnecessariamente a convicção já formada.

b) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, tendo a inadequação que ver com a idoneidade do meio para prova do facto a que se destina. Ou

c) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.

Este preceito, inserido no Livro VII – Do julgamento - Título II – Da audiência – Capítulo III – Da produção de prova – permite aos sujeitos processuais, durante a audiência, requerer a produção de meios de prova, mesmo que o não tenham feito no momento próprio.

Germano Marques da Silva escreve acerca da admissibilidade das provas requeridas pelas partes e sua rejeição, in Curso de Processo penal II, pág.117.: ” A preocupação do legislador em estabelecer o controlo judicial das provas (…) surge da necessidade de as limitar às que são imprescindíveis para a decisão, eliminando as que não têm que ver com os factos objeto do processo ou as que, ainda que tendo relação com eles, não representam novidade alguma que possa influir na decisão.”

O Código de Processo Penal harmoniza assim o princípio da investigação ou da verdade material, o princípio do contraditório e as garantias de defesa, de tal forma que nem o primeiro princípio nem as garantias sofrem restrição durante a audiência, mas o segundo princípio não deixa de ser aplicado a qualquer prova que o juiz considere necessária para boa decisão de causa.

Assim, as provas requeridas nesta fase processual devem, para além da sua admissibilidade e legalidade e para além de terem relação com o objeto do processo, representar novidade que possa influir na decisão da causa. Daí que o sujeito processual que as requer deva fornecer ao julgador, a quem são conferidos os poderes de disciplina na produção da prova, elementos necessários para que tal avaliação possa ser feita, isto é, deve, no requerimento, alegar as razões da eventual relevância ou utilidade da sua novidade para o desfecho da causa para que aquele possa aferir da notoriedade ou não, do seu carácter irrelevante ou supérfluo, inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa ou ainda da sua finalidade meramente dilatória.

Note-se que o julgador tem que harmonizar, por um lado, os princípios da investigação ou da verdade material, do contraditório e das garantias de defesa com os princípios da economia e celeridade processuais.

Valem, pois, as considerações de oportunidade e pertinência das provas requeridas.

Vejamos

Em primeiro lugar, o princípio da concentração estabelece a prossecução unitária e continuada dos atos, em especial durante a audiência de julgamento, de forma a garantir uma mais detalhada e fidedigna apreensão da prova produzida por parte do julgador. Por isso, e em segundo lugar, fora do quadro normal de oferecimento de provas [acusação/pronúncia (artigos 283.º, n.º 3, alíneas d), e) e f) / 308.º, n.º 2, do CPP) e contestação (artigo 315.º, do CPP)], a produção de novos meios de prova só é possível nos casos em que ao tribunal se afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa [princípio da necessidade – artigo 340.º, n.º 1, cit.]. Em terceiro lugar, impõe-se avaliar a relevância ou o desfasamento entre as diligências requeridas e o tipo de crime em discussão.

A filosofia ínsita no artº 340 do CPP e a sua invocação para o pedido de produção de prova já no decurso da audiência de Julgamento, radica, pois na necessidade de se proceder à produção de prova, obrigando o julgador, pelas exigências de prossecução da verdade material que enformam o nosso direito processual penal, a proceder a todas as diligências com vista à boa decisão da causa.

A omissão dessa diligência de prova reputada de essencial para a descoberta da verdade constitui uma nulidade sanável (portanto, dependente de arguição pelo interessado), nos termos do artigo 120.º, n.º 2, al. d), do Cód. Proc. Penal)[2].

Como se ponderou no acórdão da Relação de Guimarães, de 27.04.2009 (Des. Cruz Bucho), acessível em www.dgsi.pt, “a omissão de diligências que possam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade acarreta (…) uma nulidade relativa (sanável) prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, a arguir «antes que o acto esteja terminado» (artigo 120.º, n.º 3, al. a)), que servirá de eventual fundamento de recurso (cfr. art.º 410.º, n.º 3, do CPP)”.

Ora, no caso sub judice, depois de o arguido prestar declarações sobre o objeto do processo, e serem inquiridas as duas testemunhas arroladas na acusação, o Ministério Público, tendo-se apercebido da essencialidade de uma diligência de prova, apresentou um requerimento para a sua realização, requereu que o tribunal diligenciasse pela comparência em Tribunal, para ser inquirida, da pessoa que indicou e identificou, porque, alegadamente, o seu depoimento seria de singular importância para a descoberta da verdade.

E o tribunal indeferiu o requerimento de prova, basicamente, com o fundamento de que tal inquirição não se revela indispensável à descoberta da verdade material, a que acresceria a circunstância de tal depoimento ser indireto.

Como se pode ler no acórdão do STJ, de 05.05.2004, disponível em www.dgsi.pt (Relator: Cons. Sousa Fonte), “o princípio da preclusão é absolutamente incompatível com a estrutura do nosso processo penal – um sistema acusatório integrado pelo princípio da investigação, o que significa, em suma, que o esclarecimento do material de facto não pertence exclusivamente às partes, mas em último termo ao juiz, sobre quem recai o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente – independentemente das contribuições das partes – o facto submetido a julgamento”.

Com efeito, é consensual a ideia de que o Código de Processo Penal consagra um modelo de processo “basicamente acusatório integrado por um princípio subsidiário e supletivo de investigação oficial”[3].

Tal modelo postula uma atitude diferente daquela que assumiu o tribunal recorrido, pois que só é possível falar num due process of law que um Estado de Direito democrático exige quando, efetivamente, se assegura ao Estado a possibilidade de realizar o seu ius puniendi e aos cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra abusos que possam ser cometidos no exercício desse poder punitivo.

Para tanto, o tribunal não pode satisfazer-se com a “verdade formal” e tomar decisões escoradas em argumentos meramente formais.

O princípio da investigação exige que o tribunal se empenhe no apuramento da verdade material, não só atendendo a todos os meios de prova relevantes que os sujeitos processuais (principalmente, o Ministério Público e o arguido) lhe proponham, mas também, independentemente dessa contribuição, ordenando, oficiosamente, a produção de todas as provas cujo conhecimento se lhe afigure essencial ou necessário à descoberta da verdade e, portanto, que o habilitem a proferir uma sentença justa.

Revertendo ao caso sub judice, entendemos que indeferir a pretensão do Ministério Público com os fundamentos apresentados na decisão de indeferimento não garante, de todo, um processo justo, equitativo e próprio de um Estado de Direito.

Com efeito, o conhecimento que a pessoa cuja inquirição se pretende e sobre o qual se pretendia depoimento, não se circunscreverá aos conhecimentos técnicos decorrentes da sua atividade mas também ao conhecimento direto e circunstanciado que o mesmo tem quanto à factualidade em discussão, considerando que a mesma se deslocou ao local quando ainda o incêndio se encontrava em curso e a ser combatido; sendo que tal deslocação aliada aos conhecimentos técnicos especializados fizeram que fosse de sua competência apurar as causas do mesmo, fonte e local de ignição, “vistoria” que fez à roçadora, e perceção e exame direto da mesma.

E, tal como refere o Ministério Público nas conclusões do recurso intercalar interposto

“16- Refira-se ainda, salvo o devido respeito, que ao contrário da posição assumida pelo Mmo. Juiz a quo, apurar tais caraterísticas da máquina roçadora é de todo importante para se apurar se o arguido teve algum comportamento que contribuiu para o incêndio e este lhe seja censurável, por ação ou omissão. Desde logo, confirmar o nível de risco de incêndio, sendo certo que naquela altura do ano, pleno Verão, desenvolver trabalhos de limpeza de vegetação arbórea. Seca, noma hora de calor, exige que se tomem várias precauções, particularmente no tipo de máquinas que se está a usar, nomeadamente para que do seu uso não resultem faíscas ou faúlhas, que possam provocar um incêndio, ou pelo menos, que se assegurem por usar maquinaria adequada a diminuir tal risco, no caso, que tivesse sistema de retenção, intenção que levou o legislador a introduzir profundas alterações ao Cód. Penal nesta matéria;

17- São estas dúvidas que cumpre tentar desvanecer com a inquirição da testemunha decorrente da sua ciência direta, de modo a apurar a verdade dos factos, particularmente, se a roçadora tinha ou não este sistema de retenção, o modo como apurou esta testemunha o local provável do início de incêndio e porquê, se a causa deste teria ou não sido essa utilização de roçadora sem sistema de retenção;

18- Tais dúvidas parecem-nos, por ora, ultrapassáveis com tal depoimento, pois que o relatório fotográfico e informação plasmada não são suficientes para o fazer, nomeadamente, por não resultar claro, a nosso ver, a razão de ciência das suas conclusões, mormente se conforme foi afirmado pelo Mmo. A quo se as mesmas lhe advieram só do que lhe disse o arguido, à data ainda não constituído, ou mesmo das diligências de inquirição de testemunhas que levou posteriormente a cabo. Ou se, pelo contrário e conforme se depreendeu do depoimento das testemunhas PS e RG, foram conclusões extraídas da visualização dos eventos em causa quando estes ainda decorriam aliado aos conhecimentos técnicos decorrentes do exercício normal das suas funções enquanto militar da GNR-EPNA;

19- Ademais, sempre se acrescente que, tendo o arguido prestado depoimento, salvo o devido respeito, sempre poderia a testemunha relatar o que lhe foi dito no momento, quando ainda não era arguido, ainda que obviamente sujeito à livre apreciação da prova”.

Nesta perspetiva, o seu depoimento será imprescindível para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, impondo-se a sua audição.

E, quanto ao alegado depoimento indireto a que foi feita referência na decisão recorrida, dir-se-á que ao abrigo do disposto nos artigos 55.º, n.º 2, 249.º e 250.º do CPP, os órgãos de polícia criminal podem e devem colher notícias do crime, descobrir os seus agentes e praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição, nada impedindo que os agentes de investigação, em audiência, deponham sobre o conteúdo dessas diligências, incluindo sobre o conteúdo das conversas havidas com suspeitos que, entretanto, foram constituídos arguidos e mesmo que estes, na audiência, se remetam ao silêncio.

Aos órgãos de polícia criminal, em tais circunstâncias, não está vedado ter com determinadas pessoas conversas que não são formalizadas em auto, podendo essas conversas reportar-se a factos que estão em investigação e a fonte de informação pode até ser um suspeito do crime investigado.

Não obstante a jurisprudência não ter sido uniforme, pode considerar-se adquirido que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detetados e constatados durante a investigação.

Quando se está “ (…) no plano da recolha de indícios de uma infração de que a autoridade policial acaba de ter notícia, compete então às autoridades, nos termos do art. 249º do CPP, praticar “os atos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime”. Estas “providências cautelares” são fundamentais para investigar a infração, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial devam praticá-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art. 249º, nº 1).

Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.

Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os atos a realizar no inquérito.

O que o art. 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido (…).” (cfr. Ac. do STJ, de 15/02/2007, acessível in www.dgsi.pt).

Assim, e revertendo ao caso concreto, verifica-se que o contacto do agente cuja inquirição se pretende com o arguido ocorreu ainda numa fase da aquisição da notícia do crime, prévia à instauração do inquérito e numa altura em que o ora arguido não tinha ainda o estatuto de arguido, configurando recolha de informação e não “conversa informal”, pelo que não ocorrerá qualquer depoimento indireto nem violação do disposto no art.129º, 356º ou 357º do CPP.

Por tudo o que se vem expondo, não pode manter-se o despacho recorrido, por violação da norma do art.º 340.º do Cód. Proc. Penal, e há que extrair as consequências dessa violação.

A solução que temos por juridicamente correta é a proposta por Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, 2.ª edição actualizada, 1054, que vê na omissão de diligências probatórias que podiam/deviam ser ordenadas, oficiosamente ou a requerimento, pelo tribunal uma nulidade sanável (artigo 120.º, n.º 2, al. d), do Cód. Proc. Penal) que pode ser invocada em sede de recurso ou uma irregularidade a ser arguida nos termos do art.º 123.º da mesma Codificação, conforme se trate de diligência essencial ou simplesmente necessária à descoberta da verdade”.

O recorrente, como vimos, arguiu a nulidade do despacho e, perante o indeferimento da arguição, recorreu daquela decisão.

É essa nulidade que, reconhecendo-lhe razão, se impõe aqui declarar, extraindo-se as respetivas consequências dessa declaração.

Face ao supra decidido, fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelo Ministério Público no recurso pelo mesmo interposto da sentença.
*
Decisão
Face a tudo o exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em, concedendo provimento ao recurso interlocutório, declarar nulos os despachos proferidos pelos quais foi indeferido o requerimento de prova apresentado pelo Ministério Público/recorrente e, em consequência:

- anular a sentença recorrida;

- determinar que, admitido aquele requerimento de prova, seja reaberta a audiência para inquirição, como testemunha, da pessoa indicada pelo Ministério Público, sem prejuízo da realização de outras diligências que se entenda necessárias à descoberta da verdade e boa decisão da causa, após o que deverá ser proferida nova sentença.

- No mais, mostra-se prejudicado o conhecimento das questões suscitadas no recurso interposto da sentença pelo Ministério Público.

- Sem tributação.

Elaborado e revisto pela primeira signatária

Évora, 4 de junho de 2019
---------------------------------
Laura Goulart Maurício

---------------------------------
Maria Filomena Soares