Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDO BENTO | ||
Descritores: | DOCUMENTAÇÃO DOS ACTOS PRESIDIDOS PELO JUIZ NULIDADE PROCESSUAL MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO ABERTURA DE JANELAS FRESTAS SERVIDÃO DE VISTAS | ||
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Data do Acordão: | 09/18/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO CÍVEL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I – Invocada desconformidade entre o que foi ditado ou ocorrido e o que consta da acta, a redacção final compete ao juiz, após ouvir as partes presentes. II – A desconformidade referida no ponto anterior tem que ser invocada nos termos do nº 1, do artigo 205º, do Código de Processo Civil, contando-se o prazo a partir da notificação do conteúdo da acta. III - O êxito da impugnação da decisão de facto pressupõe que o conjunto de provas apresentadas sejam geradoras de uma convicção cujo único sentido inteligente e plausível conduza a uma decisão diferente da impugnada em termos de esta não poder razoavelmente subsistir. IV - A existência de barras verticais em aberturas que deitam directamente para um prédio vizinho, não as converte, ipso facto, em frestas. As festas cuja abertura é permitida devem situar-se a, pelo menos, 1,80 metros e altura e não devem ter numa das suas dimensões mais de 15 centímetros. V – Entre uma janela e uma fresta a diferença principal é funcional. A primeira permite ver directamente sobre o prédio confinante, enquanto a segunda não. VI - A servidão de vistas consiste, não no direito de impedir a construção no prédio vizinho, mas de impedir a tapagem das aberturas, forçando a observância da distância de 1,5 metros entre a construção e as aberturas. | ||
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Decisão Texto Integral: | * Tendo “A” embargado extrajudicialmente a obra que a “B” iniciava em prédio contíguo ao seu e que de acordo com o respectivo projecto seria colado às paredes deste, tapando-lhe as cinco janelas que deitam para o prédio onde se desenrolava a construção, violando-lhe a servidão de vistas constituída por usucapião, o Tribunal Judicial de … veio, depois, a indeferir a ratificação judicial desse embargo - à qual se opôs a requerida “B” - por inverificação dos requisitos da constituição da invocada servidão de vistas. PROCESSO Nº 879/08-2 * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA * RELATÓRIO Inconformado, recorreu o requerente para esta Relação em agravo oportunamente alegado - e no qual juntou diversas fotografias, invocando impossibilidade de oportuna junção e justificando-a com o resultado do julgamento em 1ª instância - invocando, como questão prévia, nulidade cometida na 1ª instância e impugnando a decisão da matéria de facto e a consequente solução jurídica. A requerida contra-alegou, questionando a oportunidade da junção da prova fotográfica, e defendendo a manutenção do julgado. Remetido o processo a esta Relação, foram, no despacho preliminar, admitidos os documentos apresentados com as alegações e seguidamente corridos os vistos. Ouvida a gravação dos depoimentos, nada continua a obstar ao conhecimento do recurso. FUNDAMENTAÇÃO Na 1ª instância, foram considerados indiciariamente provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa: 1. A favor do requerente, “A”, encontra-se inscrita, desde 23 de Maio de 1984, na Conservatória do Registo Predial de …, a fls. 120 do livro 8-10, a aquisição em 24 de Fevereiro de 1984, por compra, do prédio urbano sito na Rua …, nº …, em …, descrito naquela conservatória sob o número 3260 da freguesia de …; 2. Ali, o requerente, “A”, reside, ininterruptamente, há mais de quarenta anos, juntamente com a sua família; 3. A favor da requerida, “B”, encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de …, a aquisição, por compra, do prédio urbano sito na Rua …, números …, … e …, em …, descrito naquela conservatória sob o número 3332 da freguesia de …; 4. Os prédios identificados em 1 e 3 são prédios vizinhos e confinantes entre si; 5. A requerida, “B” iniciou, em 18 de Janeiro de 2007, os trabalhos preparativos para a construção de diversos edifícios no prédio identificado em 3; 6. O início dos trabalhos foi acompanhado da presença de operários, materiais e máquinas da construção civil no prédio identificado em 3; 7. Um aviso referente ao "Alvará de Licença de Construção n.º … emitido para essa obra foi colocado em local bem visível da mesma; 8. O requerente, “A”, apercebeu-se do começo dos trabalhos; 9. Após rumores sobre a possibilidade de a requerida, “B” vir a construir um edifício junto ao prédio identificado em 1, o requerente, “A”, deslocou-se à Câmara Municipal de …; 10. Ali, o requerente, “A”, tentou averiguar da veracidade desses rumores; 11. Isso aconteceu já depois do dia 18 de Janeiro de 2007; 12. As funcionárias administrativas que, então, o receberam não lhe puderam responder; 13. Alguns dos filhos do requerente, “A”, dirigiram-se também à Câmara Municipal de …; 14. Ali, os ditos filhos do requerente, “A”, foram recebidos por um técnico que os informou de que estaria prevista a construção de um edifício colado ao prédio identificado em 1: 15. Isso aconteceu depois da deslocação referida em 9; 16. Os filhos do requerente, “A”, informaram-no, então, de que a requerida, “B”, iria construir um edifício colado ao prédio identificado em 1; 17. Uma filha do requerente que é licenciada em urbanismo e um colega seu dirigiram-se, posteriormente e já durante a última semana de Março de 2007, à Câmara Municipal de … para, de uma vez por todas, saberem, exactamente, o que é que e como é que a requerida, “B”, iria construir e, nomeadamente, saberem se iria construir junto ou colado ao prédio identificado em 1; 18. O requerente, “A”, foi informado, na sequência desta deslocação que foi feita à Câmara Municipal de …, de que, efectivamente, o projecto de construção da requerida, “B”, contemplava a construção de três módulos de edifícios para habitação; 19. Informaram-no, ainda, de que um desses três módulos seria implantado junto à sua casa e que a parede de trás de uma das novas construções seria erigida colada à parede da sua casa; 20. A parede da casa do requerente, “A”, que se refere em 19 tem, presentemente, cinco aberturas; 21. O requerente, “A”, mandou abrir há mais de 35 anos quatro dessas aberturas, em concreto, as aberturas identificadas a fls. 18 e 135 dos autos como "1ª”, "2.ª", "3.ª" e "4.ª” abertura; 22. As aberturas referidas em 20 têm as seguintes dimensões: .. a primeira - assim identificada a fls. 18 e 135 dos autos - situa-se a cerca de 1,01 metros do solo do prédio identificado em 1, tem 1 metro de altura e 1,01 metros de largura; .. a segunda - assim identificada a fls. 18 e 135 dos autos - situa-se a cerca de 1,07 metros do solo do solo do prédio identificado em 1, tem 1 metro de altura e 0,595 metros de largura; .. a terceira - assim identificada a fls. 18 e 135 dos autos - situa-se a cerca de 1,07 metros do solo do solo do prédio identificado em 1, tem 0,99 metros de altura e 0,595 metros de largura; .. a quarta - assim identificada a fls. 18 e 135 dos autos - situa-se a 0,90 metros do solo do solo do prédio identificado em 1, tem 1 metro de altura e 1,01 metros de largura; .. a quinta - assim identificada a fls. 18 e 135 dos autos - situa-se a 1,01 metros do solo do solo do prédio identificado em 1, tem não mais de 1,13 metros de altura e 0,54 metros de largura. 23. A primeira abertura e a quarta - assim identificadas a fls. 18 e 135 dos autos -têm quatro barras verticais; 24. A segunda abertura e a terceira - assim identificadas a fls. 18 e 135 dos autos -têm duas barras verticais; 25. Os espaços entre essas barras têm de largura, respectivamente: .. na primeira abertura - assim identificada a fls. 18 e 135 dos autos - 17, 16, 16 e 17 centímetros; .. na segunda abertura - assim identificada a fls. 18 e 135 dos autos - 15, 14,3 e 16 centímetros; .. na terceira abertura - assim identificada a fls. 18 e 135 dos autos - 15,5, 13, 7 e 16,3 e centímetros; .. na quarta abertura - assim identificada a fls. 18 e 135 dos autos - 16,5, 15,5, 16,5 e 16 centímetros; 26. As quatro aberturas referidas em 21 foram feitas com as características que apresentam hoje; 27. O prédio identificado em 1 foi construído com taipa e madeiras; 28. As aberturas referidas em 20 deitam para o prédio identificado em 3; 29. O prédio identificado em 3 tinha uma horta, com árvores, um poço, dois galinheiros de pequenas dimensões e uma arrecadação; 30. O requerente, “A”, a sua mulher os filhos de ambos e amigos usufruíram, até à presente data, das utilidades proporcionadas pelas aberturas referidas em 20, nomeadamente, das vistas para o prédio vizinho e da entrada de ar e luz; 31. A existência das aberturas referidas em 20 é perceptível a partir do exterior; 32. A abertura identificada como "5.ª" não tem qualquer barra vertical; 33. A abertura identificada como "5.ª" permite a quem quer que seja debruçar-se e projectar a parte superior do corpo; 34. A abertura identificada como "5.ª" apresenta as suas actuais características há, pelo menos, dezoito anos; 35. As aberturas referidas em 20 têm parapeitos; 36. Os ditos parapeitos não são salientes; 37. Pelas quatro aberturas referidas em 21, não se pode projectar a parte superior do corpo humano; 38. Pelas quatro aberturas referidas em 21, não é possível a quem quer que seja debruçar-se; 39. As quatro aberturas referidas em 21 permitem ver para o exterior e a passagem de luz e ar; 40. A 29 de Março de 2007, a requerida, “B”, não havia iniciado a construção de qualquer edifício junto do prédio identificado em 1, encontrando-se a obra em fase de movimentação de terras e demais trabalhos preparatórios, ao que se seguiria a estrutura de sapatas e de pilares; 41. Ali, o terreno encontrava-se, tão somente, limpo e preparado para o início desses trabalhos relativos à instalação de sapatas ou fundações; 42. A requerida, “B” já havia iniciado os trabalhos de realização das sapatas relativo ao módulo a construir junto da Rua …; 43. O requerente, “A”, dirigiu-se à obra no dia 27 de Março de 2007, pelas 16 horas; 44. Ali, e perante três testemunhas, o requerente, “A”, notificou verbalmente o gerente da requerida, “C” para suspender, imediatamente, o início dos trabalhos da obra; 45. Após a notificação verbal, o requerente, “A”, entregou ao gerente da requerida um exemplar do auto de embargo de obra nova, tendo o mesmo recusado assinar uma cópia do mesmo; 46. O requerente, “A”, dirigiu-se, seguidamente, ao encarregado da obra, “D”, na presença de três testemunhas; 47. Informou-o de que a obra deveria ser suspensa de imediato, não a podendo continuar; 48. O requerente, “A”, entregou ao encarregado da obra uma cópia do auto de embargo; 49. O encarregado da obra assinou, então, uma cópia do auto de embargo; 50. A construção da edificação nova colada à casa do requerente, “A”, impede-o e aos demais membros da família de continuarem a desfrutar de vistas para o prédio vizinho; 51. Impedirá, ainda, a entrada de ar e luz; 52. A filha do requerente, “E”, chegou a manifestar interesse na compra de um dos apartamentos a edificar pela opoente; 53. O prédio identificado em 1 possuía um quintal; 54. Averbou-se, em 10 de Maio de 1946, na descrição do prédio identificado em 1, ter sido verificado que no quintal do prédio identificado em 1 foi construído um anexo, com quatro compartimentos; 55. O requerente, “A”, foi notificado, em 3 de Setembro de 1997 e 23 de Outubro de 1997, pelo Presidente da Câmara Municipal de …, para colocar "uma grelha na janela da sua habitação", "por forma a que se não mantenha, como nunca existiu, a janela que agora se configura"; 56. O requerente, “A”, recebeu, posteriormente, uma carta do Presidente da Câmara Municipal de …, com data de 30 de Outubro de 1997, onde se pode ler, entre o mais, o seguinte: "o prédio de V. Exa. apresenta quatro situações claras de frestas, (embora eventualmente do interior possam configurar vãos de janela); e a quinta situação que agora se apresenta com a configuração de janela, era de facto fresta, cujos elementos construídos caíram sobre o telhado da propriedade municipal ( ... )". 57. A Câmara Municipal de … sempre considerou "frestas" as aberturas referidas em 20; 58. O requerente, “A”, não colocou quaisquer colunas na denominada "5.a" abertura; 59. O requerente, “A”, foi, novamente, notificado, em 1999, para proceder à recolocação de um gradeamento nessa abertura; 60. O requerente, “A”, não procedeu em conformidade com o que lhe foi determinado; 61. As aberturas referidas em 20 encontravam-se por cima do telhado de uma casa de habitação onde viveu a testemunha “F”; 62. As ditas aberturas estão rebocadas no seu interior, mas não no exterior; 63. A obra da requerida foi licenciada pela Câmara Municipal de …; 64. A dita obra consiste na construção de doze apartamentos, três lojas e cinco garagens; 65. Um dos edifícios a construir será encostado à empena do prédio identificado em 1; 66. As aberturas referidas em 20 não foram licenciadas; 67. A suspensão dos trabalhos acarreta e continuará a acarretar para a requerida, “B”, prejuízos; 68. A suspensão dos trabalhos irá colidir com os compromissos contratuais assumidos, perante o empreiteiro, fornecedores e mão-de-obra; 69. O custo da obra está estimado em novecentos mil euros; O RECURSO Como se disse, depois de suscitada uma questão prévia, o objecto do recurso consiste assenta na impugnação da decisão de facto, como se depreende das conclusões que, após convite à sintetização das 105 inicialmente formuladas, o recorrente formulou e que são as 43 seguintes: Quanto à questão prévia. 1. A Acta de Inspecções ao local foi notificada no mesmo dia da douta Sentença, impedindo o ora Agravante de suscitar desconformidades essenciais, nos termos do artigo 159º do C.P. Civil, o que constitui uma omissão que era nulidade nos termos dos artigos 201°, 204° e 205° do C. P. Civil, o que se requer, Quanto aos factos dados como provados em 34. 2. Os factos indiciariamente provados identificados com o nº 34 e o facto não provado r) foram incorrectamente julgados pelo Tribunal "a quo"', devendo ser alteradas as respectivas respostas. 3. a) Quanto às duas versões: uma primeira, pelas testemunhas “G”, “H” e “I”, segundo a qual esta abertura não sofreu alterações ao longo dos anos e uma segunda, pelas testemunhas “J” e “F”, os quais afirmam que - até 1988/1989 ou 1990 - existiu uma barra vertical naquela abertura e que a mesma caiu e nunca mais voltou a ser colocada. 4. Os factos relatados nos depoimentos das testemunhas “G”, “H” são credíveis, claros e inequívocos, conforme transcrições passadas. Quanto à inexistência de qualquer barra/barras na identificada 5a janela, assim, como o depoimento da testemunha “K”, a qual é omitida na douta sentença. 5. Os depoimentos das testemunhas “J” e “F”, que afirmam ter existido uma barra naquela 5a janela são falsos e ambos desconhecem qual o tipo de material que caiu em cima do telhado e o seu depoimento revela conhecimento prévio de elementos do processo. 6. Conclui-se, assim, que o Tribunal não poderia ter considerado como provável a existência de uma barra/pilar de cimento na 5a abertura e consequentemente que houve alteração das suas características desde há 18/19 anos. 7. b) Entende o ora Recorrente, com o devido respeito, que os depoimentos das testemunhas “G” e “I” merecem a credibilidade do Tribunal, pois, melhor do que as testemunhas “F” e “J”, presenciaram e tiveram conhecimento directo dos factos pois quer uma quer outra viveram e conviveram sempre na casa do ora Recorrente, desde que o mesmo foi viver para sua actual casa há cerca de 50 anos. 8. c) A correspondência trocada entre a Câmara M. de …, refere-se a uma grelha "Colocação de grelha em janela", "RECOLOCAÇÃO DE GRELHA NA FRESTA", na recolocação de um gradeamento ... " .Ora, é evidente que um gradeamento não é uma barra, uma trave, ou um pilar em cimento. 9. A única conclusão a que se pode chegar do Processo administrativo existente na C. Municipal de … é que nunca existiu qualquer barra ou pilar naquela janela, mas tão somente uma grade, grade essa amovível e segura pelos pregos, em cima e em baixo, idêntica ou similar àquela que a Acta de inspecção ao local faz referências fls. 361, § 8". 10. d) Para além da peritagem revelar a inexistência de indícios de qualquer barra na denominada 5ª abertura, constatou, também, o Tribunal "a quo" na 1ª e na 2ª Inspecção ao local pela inexistência de indícios de terem existido ali quaisquer pilaretes ou barras verticais. 11. As fotografias confirmam, que a velha parede das janelas construída em taipa e madeira revela, por um lado, que diversos bocados de taipa têm vindo a cair há muitos anos e que já houve várias aplicações de reboco em diversos sítios da parede em virtude da queda de bocados da taipa. 12. Pelos factos expostos, deveria, consequentemente, o Tribunal ter declarado indiciado que: existem ali quatro aberturas, com a sua actual configuração, há mais de trinta e cinco anos e uma quinta abertura com as mesmas características e configuração desde que foi feita. 13.f) Até porque o Tribunal deu como não provado o facto de terem existido barras naquela 5ª abertura (até há 18 anos) ou mesmo de terem caído para cima do telhado - facto ai) e aj) . 14. e) Na Motivação, o Tribunal "a quo" considera:- "que se surpreendeu uma relevante discrepância nos seu relatos a propósito das características da denominada 5" abertura e que" essa contradição deu azo, inclusivamente, a acareação, entre algumas das aludidas testemunhas. 15. e que" a discrepância em causa não ficou sanada, já que - como adiante melhor se verá - as testemunhas em causa mantiveram o que haviam dito, fizeram-no com convicção e os demais elementos probatórios carreados nos autos também não permitiram que se considerasse (sequer) indiciada uma das versões apresentadas em detrimento da outra, ficando, por força isso, prejudicada a descoberta da verdade material. 16. Entende o ora Recorrente, que havia razões suficientes e justificadas para o Tribunal "a quo" não ficar convencido sobre a credibilidade das declarações das testemunhas “J” e “F”, conforme acima se referiu, para além das quatro testemunhas apresentadas pelo ora Agravante afirmaram, inequivocamente. Que a 5ª janela nunca teve qualquer barra e a perícia e as duas inspecções ao local, revelam não existirem indícios de tal ou tais barras. 17. Considerou, mesmo assim, o Tribunal "a quo" que se encontra prejudicada a descoberta da verdade material. 18. Em virtude da imperiosa necessidade da descoberta da verdade, tentou o ora Agravante, investigar tudo o que conseguisse, pelo que junta diversas fotografias, cuja existência o ora Agravante desconhecia até à data da prolação da sentença recorrida e que se encontravam em poder de terceiros e que vêm permitir, documentalmente, a descoberta da verdade, nomeadamente a fotografia do Livro "AS MAIS BELAS VILAS E ALDEIAS DE PORTUGAL" com edição datada de 1984. Quanto aos factos provados a 37 e 38. 19. Os factos indiciariamente provados e provados identificados com o n° 37 e 38 foram incorrectamente julgados pelo Tribunal "a quo" devendo, por isso, serem alteradas as respectivas respostas para não provados. 20. O 8 § da Acta de inspecção ao local - Fls. 362 - refere: - Verifica-se que a cabeça de um indivíduo do sexo masculino não cabe nos espaços existentes entre os pilares , mas a cabeça de um indivíduo do sexo feminino cabe. 21. Na Acta de inspecção deveria ter ficado a constar que quer a Exma Srª Juíza quer o mandatário do Requerente se debruçaram e projectaram a cabeça pela janela, factos que em virtude da omissão não foram tidos em consideração na decisão ora recorrida. 22. Aliás, determinou o relatório da perícia em resposta à questão "É possível a passagem da parte superior do corpo humano - a cabeça - por entre as colunas verticais das janelas? diz "É possível, mas com algumas dificuldades (cabeça)". 23. Justifica-se, assim, que o Tribunal da Relação de Évora corrija a matéria dando como provado que pelas quatro aberturas referidas em 21, se pode projectar a parte superior do corpo humano e que é possível a quem quer que seja debruçar-se - facto 38 - o que se requer. Quanto aos factos dados como não provados em h), i), I) n) e o). Os factos não provados identificados em h), i), l) n) e o) foram incorrectamente julgados pelo Tribunal "a quo" devendo, por isso, serem alteradas as respectivas respostas para provados. 24. A prova produzida é clara e inequívoca, nomeadamente o depoimento da testemunha “G”, quanto ao acordo, autorização, do proprietário do prédio vizinho para a abertura das janelas (de 4 janelas - a 1ª, 2ª, 3ª e 4ª pois a 5ª já existia) - sendo que as testemunhas da ora Recorrida não infirmaram estas declarações - factos h) e n). 25. Quanto a esta 5ª abertura, o proprietário do prédio anterior ao ora Recorrente adquiriu a servidão predial de vistas por acordo, ou, e não se podendo provar este acordo, já havia adquirido, por usucapião, o direito de servidão de vistas, no máximo 20 anos após a sua feitura, ou seja, não se provando a antiguidade da 5ª abertura antes de 1954 (cf. Fotografia junta como Doc, N° 3), deverá contar-se o lapso de tempo de 20 anos para se considerar constituída a servidão predial de vistas por usucapião - 1974. 26. Ficou provado o devassamento do prédio vizinho com o arremesso de objectos, através das aberturas, conforme, aliás, depoimentos das próprias testemunhas arroladas pela ora Recorrida. 27. Pelos motivos expostos nas alegações, deverá, consequentemente, declarar-se constituída a servidão predial voluntária de vistas, ou se assim não se entender, a servidão de vistas adquirida por usucapião pelo prédio do ora Recorrente, o que se requer. 28. Os pontos da matéria de facto expostos foram incorrectamente julgados impondo os meios probatórios indicados decisão diversa da ora recorrida. Erro na aplicação do direito aos factos provados. 29. Conhecida a definição de frestas, consideram-se janelas as aberturas que não só permitam a entrada de ar e luz, mas ainda a devassa do prédio vizinho, desfrutando as vistas e arremessando objectos e permitirem que uma pessoa se debruce e introduza a cabeça olhando para baixo para cima e para os lados. 30. Verificamos, como acima ficou exposto, que as indicadas 4 aberturas, têm estas características pelo que só é possível considerá-las janelas. 31. Ficou provado: - que o Recorrente, “A”, a sua mulher e os filhos de ambos e amigos usufruíram, até à presente data, das utilidades proporcionadas pelas aberturas referidas, nomeadamente, das vistas para o prédio vizinho e da entrada de ar e luz ( facto 30); - que permitem ver para o exterior (facto 39); - que permitam a devassa do prédio vizinho, através das vistas e do arremesso de objectos; - que permitam que a parte superior do corpo de uma pessoa - a cabeça - se projecte através delas, - que apoiando-se no parapeito (facto 3S) as pessoas podem debruçar-se pelas janelas sobre o prédio vizinho, conforme Acta da inspecção ao local e alteração da matéria de facto requerida. 32. Acresce que, como é possível verificar através da Acta de inspecção ao local que, a 4ª abertura está centrada na parede da divisão, possui caixilho de madeira pintado de branco, "veda luz", com uma moldura única e duas portadas, a 3ª e 2ª aberturas foram feitas a distâncias idênticas da parede e no meio delas está uma lareira, possuindo uma portada de madeira em cada uma e a 1ª abertura tem as mesmas características das anteriores e que as portadas das janelas se encontram em perfeito funcionamento, não registando sinal de empeno e estão prontas para utilização, sendo possível ver o Castelo, a Mesquita e o antigo Parque Infantil (fls. 362 e 363). 33. Ou seja, as janelas estão correctamente posicionadas em função das divisões em que se inserem, com um arranjo estético normal para a sua utilização e só estas janelas permitem que a habitação seja "habitável" e que as pessoas de idade que nela vivem possam "viver" condignamente como tem vindo a suceder há 40 anos. 34. Não são frestas nem janelas frestadas, aberturas de pequenas dimensões para entrada de ar e luz, normalmente vistas em armazéns, celeiros ou garagens, onde ninguém habita. 35. A designada abertura 1ª é uma janela e não 4 frestas (por ter 4 barras). A designada abertura 2ª é uma janela e não 2 frestas. A designada abertura 3ª é uma janela e não 2 frestas. A designada abertura 4ª é uma janela e não 4 frestas. 36. Só estas janelas permitem dar cumprimento ao determinado no Regulamento Geral das Edificações Urbanas, o qual obriga todos os compartimentos de habitação a terem um vão/janela directamente para o exterior a fim de evitar a insalubridade com os inerentes riscos para a saúde. 37. Como ficou provado (cf. facto al) só as indicadas janelas dão para o exterior, permitindo, em exclusivo, a entrada de ar e luz. 38. Os preceitos legais do RGEU, 58°, 71 ° e 73° sobre a matéria são normas relacionais aplicando-se às construções novas e destina-se a acautelar a salubridade dos edifícios, garantindo níveis mínimos de arejamento, iluminação natural e exposição solar (conforme Recomendação da Provedoria de Justiça e Acórdão juntos aos autos). 39. A Constituição da República Portuguesa, artigos 65° e 66° determina o direito a uma habitação em condições de higiene e conforto e a um ambiente de vida humano sadio, ora, a decisão recorrida ao permitir que se tapem as janelas em apreço violou os direitos Constitucionais indicados assim como os referidos preceitos do RGEU. 40. As normas constitucionais violadas são análogas aos direitos, liberdades e garantias sendo directamente aplicáveis pelos Tribunais. 41. Sem prejuízo da requerida constituição da servidão predial de vistas, o Tribunal na quo" ao não considerar as aberturas na parede do ora Recorrente como janelas e, assim, insusceptíveis de puderem as mesmas, pelo decurso do tempo, virem a constituir uma servidão de vistas, fez uma errada interpretação dos arts. 1362° n° 1, 1363° nº 2. arts. 1547° e 1287° do Código Civil, que se consideram violadas. 42. Deverá, assim, ser decretada a requerida providência cautelar de obra nova com as demais consequências legais, nomeadamente, impõe-se concluir que sobre a ora Recorrida recai a proibição de edificar a obra dos autos a menos de metro e meio de distância em relação ao prédio do ora Recorrente. 43. Deve, assim ser revogada a sentença recorrida e substituída por decisão que, julgando procedente integralmente a acção, condene a Requerida como peticionado. O objecto do recurso compreende, pois, a apreciação das seguintes questões: - a questão prévia da nulidade por omissão de tempestiva notificação da acta de inspecção ao local; - a alteração da matéria de facto. - Quanto à questão prévia: Invocou o recorrente o que entende ser uma nulidade consistente na simultaneidade da notificação da acta da inspecção ao local e da decisão final da providência cautelar, o que o teria impedido de suscitar desconformidades essenciais entre o teor da dita acta e a realidade e configuraria nulidade nos termos dos art.ºs 201° e 204° CPC. O art, 159º CPC, depois de no nº 1 prescrever que a realização e o conteúdo dos actos processuais são documentados em acta, na qual são recolhidas as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais e de no nº 2 deferir a competência para a respectiva redacção ao funcionário judicial, sob a direcção do juiz, prescreve no nº 3 que, "em caso de alegada desconformidade entre o teor do que foi ditado e o ocorrido, são feitas consignar as declarações relativas à discrepância, com indicação das rectificações a efectuar, após o que o juiz profere, ouvidas as partes presentes, decisão definitiva, sustentando ou modificando a decisão inicial". E teria sido a omissão da tempestiva notificação da acta de inspecção ao local que teria impedido o recorrente de invocar as desconformidades entre o seu teor e o que na realidade teria ocorrido no acto de inspecção, designadamente quanto às dimensões das aberturas em causa nos presentes autos. Isto porque consta da referida acta "Verifica-se que a cabeça de um indivíduo do sexo masculino não cabe nos espaços existentes entre os pilaretes, mas a cabeça de um indivíduo do sexo feminino cabe" mas, segundo o recorrente, a Ex.ma Juíza teria experimentado debruçar-se e passar a sua cabeça por entre um dos espaços das barras, o que facilmente e à vista de todos teria conseguido, tal como, em seguida, o mandatário do recorrente que, à vista de todos, facilmente projectou a sua cabeça entre e para fora das barras e da janela, ficando fora da face exterior da parede ... Todavia, a irregularidade denunciada, concedendo a sua qualificação como nulidade, deveria ter sido suscitada na 1ª instância, face ao preceituado no nº 1 do art. 205° CPC e não perante a Relação. Com efeito, contando-se o prazo para a arguição a partir da notificação da acta e da decisão final, o processo nunca seria expedido para esta Relação antes de decorrido o prazo da arguição da nulidade; e a arguição perante o Tribunal Superior pressupõe a subida ao Tribunal Superior antes de decorrido o prazo da arguição (art, 205° nº3 CPC). Não tendo sido questionada pelo meio processual idóneo a conformidade do teor da acta à realidade, não podem ser ponderadas as razões contra aquela aduzidas pelo recorrente: a acta valerá com o teor que consta dos autos. Pelo exposto, indefere-se a arguição de nulidade. - Quanto à alteração da matéria de facto: Insurge-se o recorrente quanto ao julgamento como provados dos factos n° 34, 37, 38 e 66, a saber: 34. A abertura identificada como "5.ª" apresenta as suas actuais características há, pelo menos, dezoito anos; 37. Pelas quatro aberturas referidas em 21, não se pode projectar a parte superior do corpo humano; 38. Pelas quatro aberturas referidas em 21, não é possível a quem quer que seja debruçar-se; 66. As aberturas referidas em 20 não foram licenciadas. E contra o julgamento como não provados dos factos enunciados nas alíneas h), i), 1), n) e o) do elenco de factos não provados, a saber: h) Que as aberturas referidas em 21 foram abertas por acordo entre o então proprietário do prédio vizinho - de nome "”L”- e o requerente, “A”; i) Que o proprietário do prédio vizinho nunca se opôs à existência de janelas, sempre permitindo o devassamento do seu prédio com a vista; l) Que a realização das aberturas referidas em 21 obrigou, por iniciativa do requerente, “A”, devido à fragilidade dos materiais de construção utilizados em 1924, ao necessário suporte da estrutura, utilizando-se barras verticais nessas aberturas; n) Que as aberturas referidas em 20 foram feitas de forma pacífica, sem violência e com o acordo do proprietário do prédio vizinho; o) Que as aberturas referidas em 20 foram feitas com pleno conhecimento, autorização e colaboração do, então, proprietário do prédio identificado em 1. Segundo o recorrente, o julgamento de tais factos como provados e não provados assentaria em erro na apreciação das provas, designadamente, prova testemunhal, decorrente da desconsideração de depoimentos credíveis e da relevância atribuída a depoimentos de credibilidade discutível - uns e outros transcritos - e da incorrecta interpretação desses depoimentos, todos conjugados entre si e com os demais meios de prova produzidos, como a prova documental e a inspecção judicial. Compulsados os autos, ouvida a gravação dos depoimentos e ponderada a fundamentação da decisão da matéria de facto, não descortinamos razão para modificar esta. Com efeito, é sabido que o tribunal decide os concretos pontos de facto controvertidos com base na convicção que livre e prudentemente criou a partir das provas produzidas (art. 655° nº 1 CPC). Logo, o êxito da impugnação de tal decisão pressupõe a desconsideração de meios de prova constante do processo ou da gravação impositivos de decisão de facto diversa (art. 6900-A nº 1-b) CPC) , sejam elas provas dotadas de força legalmente definida, sejam provas sujeitas a livre apreciação judicial mas geradoras de uma convicção cujo único sentido inteligente e plausível fosse diferente do da decisão impugnada em termos de esta não poder razoavelmente subsistir. Ou seja, se na prova legal, a decisão da questão de facto violou normas jurídicas, nas provas submetidas à livre apreciação, a decisão violou as regras da inteligência e da razoabilidade que devem presidir a toda a decisão jurídica; e quando estas violações sejam, manifestas e tal evidência resultar da prova gravada e apresentada à 2a instância, esta deve, em sindicância da decisão de facto da 1ª instância, alterar a decisão de facto. É o que resulta da conjugação dos art.s 6900-A nº 1 , al. a) e b) e 712° nº 1, al. a). b) e c) do C.P.C. Fora desses casos e em sede matéria de facto, continua a vigorar a regra da liberdade do juiz na apreciação das provas e na decisão segundo a convicção criada com tal apreciação, contida no art. 653° nº 1 C.P.C. Do exposto resulta que, decidida a questão de facto controvertida, a respectiva impugnação em sede de recurso não visa uma nova decisão sobre as mesmas questões diferente da da 1ª instância, com base nas mesmas provas, mas apenas e tão só aferir se o tribunal inferior violou os critérios jurídicos sobre a força legal dos meios de prova ou a razoabilidade e verosimilhança que deve presidir à liberdade na apreciação das provas segundo o prudente arbítrio. E, fora dos casos de provas cuja força esteja previamente estabelecida, a modificação da matéria de facto com base em provas sujeitas a livre apreciação - como o são os depoimentos de testemunhas, a perícia e a inspecção judicial (art.s 388°, 391° e 396° CC) - só terá lugar quando o erro na apreciação das provas for manifesto e evidente, porque, face às provas produzidas, a decisão razoável nunca poderia ser a que foi dada na 1ª instância; só nestes casos e não também naqueles em que a decisão poderia ser simplesmente outra é que a Relação está legitimada a intervir. Logo, está excluída a modificação da matéria de facto pela Relação, nos casos em que os meios de provas invocados pelo recorrente apenas permitiam - não forçavam - uma decisão diferente da impugnada; possibilitar por um lado, e impor, por outro, são realidades diversas. O que significa que a modificação da decisão de facto só terá lugar quando estas imponham decisão diversa e não também quando permitam, possibilitem, decisão diversa; ou, de outro modo dito, quando o erro na apreciação das provas for notório e evidente e não apenas meramente eventual ou plausível... O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa subverter o principio da livre apreciação da prova, de acordo com a prudente convicção do juiz, acerca de cada facto (Ac. Rel. Coimbra de 27-11-2001, Des. Helder Roque). Vêm todas estas considerações a propósito da impugnação da matéria de facto pela recorrente que, na sua alegação, interpretando, embora diversamente, as provas produzidas, não aponta, todavia, uma sequer cujo único sentido jurídico-racional fosse imperativa e vinculativamente diverso do da 1ª instância. Não se ignora - há que reconhecê-lo sobretudo quando estão em causa provas sujeitas à livre apreciação, e por muito que se diga que na apreciação das provas a liberdade não se confunde com a arbitrariedade - que as mesmas questões de facto e com as mesmas provas, se decididas por juízes diversos, possam eventualmente merecer decisões diferentes, qualquer delas, desde que fundamentada, de bondade indiscutível. É pela fundamentação, isto é, pela explicitação dos motivos que determinaram o juiz a, de entre os vários meios de prova que lhe foram presentes, optar por um ou uns em detrimento dos demais, e a decidir em conformidade que, nesse caso se afere a justeza da decisão de facto; a motivação da decisão de facto leva o juiz a "partilhar" com as partes e com a comunidade as razões que o determinaram na decisão neste ou naquele sentido, assim se justificando perante elas (hetero-controle) E não só perante elas. Também perante si, pois não falta quem sustente a exigência de fundamentação como instrumento de auto-controle do juiz na decisão da matéria de facto (auto-controle). Não significando a prova livre, prova arbitrária, caprichosa ou atrabiliária, isso significa que a liberdade de julgamento não legitima o juiz a julgar como lhe apetecer, sem provas ou até contra as provas. Como se disse, a apreciação das provas implica um exame crítico das mesmas do qual resultará a prevalência de umas sobre outras com a consideração de umas e a desconsideração de outras; a fundamentação é a explicitação das razões determinantes desta opção pela qual o juiz "explica" às partes e à sociedade as razões que o determinaram a credibilizar um meio de prova em detrimento de outro. A certeza do juiz acerca do facto controvertido "não o exime de maneira alguma da obrigação de seguir os procedimentos estabelecidos para a determinação do facto"; a certeza da sua convicção íntima deve propagar-se aos destinatários e interessados na sua decisão (para não referir a sociedade em geral) convencendo-os também e gerando assim uma certeza qualificada, ou seja, uma certeza compartilhada por uma generalidade de pessoas para cuja obtenção é necessário seguir determinados procedimentos (Cfr. Camelutti, A Prova Civil, 2005, p. 252); a motivação da decisão serve para o juiz se convencer e convencer os demais ... Portanto, o julgamento da matéria de facto, sendo um juízo eminentemente subjectivo, "objectiva-se" nos meios de prova interpretados, valorados e apreciados que o fundamentam e o erro (juridicamente relevante) na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente a contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios ou leis científicas, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas (e em todos estes casos o erro será mesmo notório e evidente) seja também - e para o que ora nos ocupa quando a valoração e apreciação das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial, mas - note-se - excluindo-o. Por outras palavras, quando a apreciação e valoração das provas produzidas "impuserem", "forçarem" decisão necessariamente diferente da proferida (art. 6900-A nº 1-b) e 712° nº 1-a e b) CPC). Não basta, pois - repetimos - que as provas permitam, dentro da liberdade de apreciação das provas, uma conclusão diferente; a decisão diversa a que aludem o art. 6900-A nº 1-b) e 712° nº 1 a) e b) CPC terá que ser a única possível ou, concede-se, no mínimo, a possível mas com elevada probabilidade, e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento. O erro na apreciação das provas relevante para a alteração da decisão de facto pressupõe, pois, que estas (as provas) deveriam conduzir a uma decisão necessária e forçosamente diversa e não uma decisão possivelmente diferente; se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão, diversa da proferida, mas sem excluir a razoabilidade desta, neste caso pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior; a decisão proferida com base na convicção criada no espírito de juiz por uma interpretação e valoração (ainda que discutíveis) das provas produzidas contida no perímetro de liberdade definido (e consentido) pela livre apreciação das provas não pode ser alterada, a menos que contra ela se apresentem provas irrefutáveis, já existentes nos autos e desconsideradas ou supervenientes. Por outras palavras: fora dos casos de prova legalmente tarifada, a sindicância da decisão de facto pela 2a instância deve limitar-se à aferição da sua razoabilidade e probabilidade em face das provas produzidas; logo, o controle, pela Relação, da decisão proferida sobre a matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação ou a transcrição dos depoimentos prestados em audiência, deve respeitar a liberdade de apreciação da prova da 1ª instância que permite ao juiz formar livremente a sua convicção sobre os factos. E só nos casos em que constatar uma flagrante desconfonnidade entre os elementos de prova produzidos e a decisão é que deve intervir, corrigindo e alterando a decisão; a segunda instância em matéria de facto verifica apenas se a convicção expressa pelo tribunal a quo na fundamentação da decisão da matéria de facto tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os demais elementos existentes nos autos podem exibir perante si. É sabido que a 1ª instância por força do princípio da imediação tem, necessariamente, uma percepção da prova muito mais completa do que aquilo que é trazido, mediante a gravação, aos juízes do tribunal de recurso. Por isso, a aplicação prática dos princípios da imediação, da apreciação crítica das provas e da liberdade de julgamento conduz a que a análise das provas gravadas só pode abalar a convicção criada pelo Juiz da 1ª Instância, traduzida nas respostas aos quesitos, e determinar a alteração destas, em casos pontuais e excepcionais (Cfr. AC. STJ 24-01-2002, Cons. Ferreira de Almeida, Proc. N° OIB3954, sumário acessível na INTERNET através de http://wwvv.dgsi.pt .. No mesmo sentido, a Relação do Porto entendeu que a reanálise das provas gravadas pela Relação só pode conduzir à alteração da matéria de facto em casos pontuais e excepcionais, quando, não se tratando de confissão ou de qualquer facto só susceptível de prova através de documento, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas" (Cfr. Ac. 19-03-2002, Des. Emídio Costa, sumário acessível na INTERNET através do mesmo site). Por conseguinte, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto, em que assenta a decisão recorrida, caso seja evidente a má apreciação e valoração feitas na 1ª instância. É que a Relação «visa mais corrigir um julgamento errado do que proferir um novo julgamento sobre a matéria de facto controvertida», a ela cabe a última palavra «não como tribunal de segunda (ou de nova) primeira instância, mas como tribunal corrector ou fiscalizador dos juízos proferidos pelo colectivo» (A. Varela in RlJ 125/306 nota 1 e 308). Repetimos: o que se trata em recurso da matéria de facto não é a obtenção de uma nova decisão da questão de facto, de um novo julgamento, mas apenas de controlar e eventualmente corrigir um julgamento errado. Deste modo, a divergência quanto ao decidido pelo Tribunal de 1ª instância na fixação da matéria de facto será relevante no Tribunal Superior apenas quando resultar demonstrada pelos meios de prova indicados pelo recorrente a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário, para que aquele se verifique, que os mencionados meios de prova se mostrem inequívocos no sentido pretendido pelo mesmo recorrente. (Cfr. Ac da RC de 3/10/2000 (C.J. ano XXV, tomo IV, pág.27). E pela audição dos depoimentos gravados e pela análise da prova documental e por inspecção, não vemos que a decisão sobre a matéria de facto, maxime sobre os pontos concretos contra cuja decisão a apelante se insurge possa ser apodada de destituída de razoabilidade e de verosimilhança, tendo em conta o conjunto da prova produzida e não apenas os depoimentos invocados pela recorrente nem muito menos ainda apenas certas passagens destes, adrede desinseridas do conjunto global do depoimento bem como do conjunto dos depoimentos prestados. Importa reconhecer, no entanto, tendo em conta a douta argumentação expendida na alegação que se a decisão proferida na 1ª instância fosse a agora preconizada pela apelante, de igual modo não poderia ser impugnada. Significa isto que, se é certo que a decisão proferida não garante a exclusão do erro de apreciação das provas (maxime, testemunhal), também a decisão preconizada pela recorrente não pode assegurar a certeza. É que "por maior que possa ser o escrúpulo colocado na procura da verdade e copioso e relevante o material probatório disponível, o resultado ao qual o juiz poderá chegar conservará, sempre, um valor essencialmente relativo: estamos no terreno da convicção subjectiva, da certeza meramente psicológica, não da certeza lógica, daí tratar-se sempre de um juízo de probabilidade, ainda que muito alta, de verosimilhança (como é próprio de todos os juízos históricos"(Cfr. Liebman, Manual de Direito Processual Civil, 1973, Milano). Tendo a decisão sobre a fixação dos factos da causa sido proferida dentro do perímetro de razoabilidade permitida pela liberdade judicial de apreciação das provas não é passível de modificação. Se isto é válido para o julgamento da matéria de facto, por maioria de razão valerá em sede de procedimento cautelar, em que não estão em causa provas mas meros indícios probatórios ou provas sumárias. Por outro lado, o nº 4 do art. 383° CPC expressamente exclui as influências do julgamento da matéria de facto e da decisão da providência cautelar no julgamento da acção principal, o que significa que, como atrás se referiu, que a mesma controvérsia fáctica, decidida com base nestas mesmas provas, eventualmente por juízes diferentes, pode ter decisão diversa. Uma palavra, por fim, quanto aos documentos - fotografias - apresentados com as alegações e cuja impossibilidade de junção no momento processual anterior, pelas razões invocadas, se concede. Concedendo que os mesmos se refiram ao prédio do recorrente, há que reconhecer não serem suficientemente nítidas para permitir concluir pela (in)existência de rebocos e de barras ou pilaretes (que bem poderiam estar recolhidos e não à superfície da parede exterior) nas aberturas discutidas nem pelas dimensões destas. Eis porque, a nosso ver, a decisão de facto - seja quanto aos considerados provados, seja quanto aos não provados, não pode ser alterada: os meios de prova indicados pelo recorrente, seja isoladamente considerados, seja conjugados entre si, apenas permitem, sem imporem forçosa e necessariamente, decisão diversa da proferida. Posto isto, ponderemos as consequências jurídicas dos factos apurados tendo em conta a pretensão do recorrente que a 1ª instância desatendeu, entendendo que as quatro aberturas, sendo qualificadas como janelas, não permitiam, todavia, por força das barras verticais nelas existentes, que alguém se debruçasse nem projectar a parte superior do corpo humano, servindo apenas para a passagem de luz e ar e, quanto à quinta, por falta de demonstração do prazo de usucapião. Não concordamos. Inequivocamente, estamos perante aberturas que deitam directamente sobre o prédio vizinho, proibidas pelo art. 1360° nº 1 CC. A existência de barras verticais, em quatro delas, não as converte ipso facto em frestas, cuja abertura é excluída dessa proibição (art. 1363° nº 1 CC). Com o efeito, as festas cuja abertura é permitida devem situar-se a, pelo menos, 1,80 metros e altura e não devem ter numa das suas dimensões mais de 15 centímetros (art. 1363° nº 2 CC). As aberturas em causa não respeitam esta altura (cfr. N° 22). E, se bem que se desconheça a espessura e o material de que são feitas as referidas barras verticais, o certo é que, por via delas, as janelas são "convertidas" em várias aberturas, algumas das quais, por via da sua dimensão, se configurariam como frestas, não fora a sua localização inferior a 1,80 metros. Escrevem, a propósito, Pires de Lima e Antunes Varela: "Toda a abertura que não obedeça, quer pelas suas dimensões quer pela respectiva localização, aos requisitos indicados neste preceito (art. 1363° CC) não pode ser qualificada como abertura de tolerância (fresta, seteira ou óculo para a luz), devendo considerar-se sujeita, por conseguinte, ao regime que o nº 1 do art. 1360° estabelece para as janelas (. . .)" (Cfr. Código Civil Anotado, vol. III, 2a ed., p. 223). Ora, a existência de janelas em contravenção do art. 1360° nº 1 CC, pode importar a constituição de servidão de vistas por usucapião (art. 1362° nº 1 CC). E neste caso, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras o espaço mínimo de 1,5 metro, correspondente à extensão dessas obras (art. 1362° n º 2 CC). Ainda, segundo Pires de Lima e Antunes Varela: "Abrindo-se uma fresta, seteira ou óculo, fora das condições prescritas na lei (a fresta tem, por exemplo, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros ou está situada abaixo de um metro e oitenta centímetros), e decorrido o prazo necessário para haver usucapião, o proprietário adquire uma servidão, que, denominada ou não, servidão de vistas, está sujeita ao regime geral de servidões ... " Nesse caso, o proprietário vizinho não poderá levantar nenhum edifício ou contramuro, que vede tais aberturas, por ter sido adquirido não só o direito de manter as referidas aberturas em condições diferentes das legais, mas também o direito de impor ao proprietário vizinho a observância do disposto no nº 2 do artigo 1362° Com efeito, se o dono da abertura adquire por usucapião o direito de a manter, não pode deixar de se lhe reconhecer o direito de impedir que o vizinho a vede. Além disso, tratando-se de uma servidão, ela fica sujeita ao disposto no artigo 1568°, o qual não permite ao proprietário do prédio serviente estorvar o seu uso" (Cfr. ob. cit., p. 225-226). No caso dos autos, como se disse, as aberturas em que, mercê das barras verticais, foram convertidas as quatro janelas não permitem, pela sua localização a menos de 1,80 metros de altura, a qualificação juridicamente relevante de frestas; e, pela respectiva dimensão - igualou inferior a 15 centímetros -só duas delas poderiam merecer tal qualificação. O critério de distinção entre a janela e a fresta é eminentemente funcional: a janela destina-se a ver e a deixar passar luz e ar, enquanto a fresta serve fundamentalmente estas funcionalidades, não se destinando a ver, o que não significa que através delas não se possa ver... Ora, todas as aberturas são dotadas de parapeitos (cfr. N° 35) - o que, à partida, inculca a sua qualificação como janelas - permitindo ver para o exterior, para além obviamente da passagem de ar e de luz, muito embora em quatro delas não seja possível projectar-se a parte superior do corpo humano nem debruçar-se (Cfr, nº 37, 38, 39). Por outro lado, quatro dessas aberturas existem há mais de 35 anos (dr. N° 21). O que significa que o poder de facto correspondente ao exercício do direito real de servidão se exerce há mais de 35 anos. A servidão de vistas consiste, não no direito de impedir a construção no prédio vizinho, mas de impedir a tapagem das aberturas, forçando a observância da distância de 1,5 metros entre a construção e o prédio (art. 1362°n02 CC), o que representa um encargo ou desvantagem sobre o prédio vizinho em favor do prédio dominante (art, 1543° CC). Não tendo sido demonstrado na providência cautelar o respectivo título de aquisição - o alegado acordo do proprietário do prédio contíguo - nem se presumindo tal título, a posse é não titulada (art. 1259° nº 1 e 2 CC). Como tal, presume-se de má-fé (art. 1260° nº 2 CC). Logo, o tempo de exercício do poder correspondente a tal servidão necessário para usucapir o direito real de servidão é de 20 anos (art. 1296° CC). Assim, pelo menos indiciariamente, há que reconhecer a servidão de vistas invocada pelo requerente, impeditiva da construção pela requerida a menos de 1,5 metros da parede do prédio do requerente. Daí que, devendo o embargo extrajudicial por ele efectuado ser ratificado - não quanto à totalidade da obra, mas apenas e tão só quanto à parte desta contígua ao prédio do requerente, enquanto não for respeitada a distância mínima de 1,5 metros - se imponha o provimento do agravo e a revogação da douta decisão recorrida. ACÓRDÃO Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em, concedendo provimento ao agravo, revogar a decisão e ratificar o embargo extrajudicial da obra nova apenas na parte imediatamente confinante com o prédio do requerente. Custas pela requerida (art. 453° nº 1 e 446° nº 1 CPC). Évora e Tribunal da Relação, 18.09.2008 |