| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
| Processo: | 
 | ||
| Relator: | JOSÉ ANTÓNIO MOITA | ||
| Descritores: | EMBARGO DE OBRA NOVA RATIFICAÇÃO DE EMBARGO DE OBRA NOVA INOVAÇÃO SERVIDÃO DE AQUEDUTO SERVIDÃO DE PASSAGEM | ||
|  |  | ||
| Data do Acordão: | 10/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
|  |  | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
|  |  | ||
| Sumário: | Sumário do Acórdão Tendo resultado provada perfunctoriamente factualidade integradora dos requisitos essenciais do procedimento cautelar de embargo de obra nova, bem como o circunstancialismo especifico para a pretendida ratificação judicial do embargo realizado extrajudicialmente e da inovação abusiva entretanto levada a cabo pelos Apelantes improcede necessariamente o recurso interposto por estes últimos que visava a improcedência da ratificação peticionada pelo Apelado. | ||
|  |  | ||
|  |  | ||
| Decisão Texto Integral: | Apelação nº 1510/25.2T8FAR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Cível de Faro - Juiz 1 Apelantes: AA e mulher BB Apelado: CC * * I-RELATÓRIO CC, residente no Sítio 1 ..., ... Cidade 1 instaurou o presente procedimento cautelar especificado de embargo de obra nova (ratificação), contra AA e mulher BB, ambos residentes no mesmo Sítio 1, freguesia e concelho de Cidade 1, pedindo a ratificação do embargo extrajudicial, por si efectuado, relativamente a obra executada a mando dos Requeridos, consistente na edificação de um muro que passaria a impedir o Requerente de ter acesso ao furo/poço artesiano existente no prédio dos Requeridos, cuja captação da água está, com base em servidão de aqueduto, a cargo do Requerente (enquanto proprietário do prédio dominante) e de ter acesso a passagem a pé e de carro, com base em servidão de passagem. Citados, vieram os Requeridos deduzir oposição, reconhecendo as servidões constituídas a favor do prédio do Requerente e devidamente registadas na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1, bem como a existência das obras a ser pelos próprios executadas e que consistem num muro com portão de entrada para a sua propriedade e outro muro com porta, deixando 7 metros de área para que o Requerente possa efectuar as manobras com o carro sem dificuldade. Quanto à servidão de aqueduto a favor do prédio do Requerente esclareceram os Requeridos que apenas se permite utilização da água proveniente do furo mas não o acesso ao poço, ao mesmo tempo que dizem que o Requerente deve ter acesso ao prédio deles Requeridos quando as circunstâncias o imponham, para inspeccionar o aqueduto através dos óculos de observação ou caixas de visita, ou para nele fazer a limpeza, em caso de entupimento. Acrescentaram ainda os Requeridos, no que respeita à servidão de passagem, que a construção dos muros e colocação de portões não impede que o Requerente continue a estacionar o carro no mesmo local que anteriormente, nada tendo sido alterado com as obras que os Requeridos fizeram uma vez que o acesso continua livre e desimpedido Foi designada data para a audiência final, a qual se realizou.. No decurso da audiência, o Requerente, com base na continuação da obra por parte dos Requeridos, não obstante o embargo extrajudicial e conclusão da mesma, nos termos do n.º 1 do artigo 402.º do CPC requereu se julgasse procedente a providência e se condenassem os Requeridos a destruir a totalidade do muro entretanto levantado colocando-se o espaço físico tal como retratado na fotografia 7 junto com requerimento inicial. Opuseram-se a tal os Requeridos por considerarem dever ser improcedente a presente providência cautelar. Finda a audiência final foi proferida decisão que contempla o seguinte dispositivo: “V.DECISÃO Pelo exposto, julgando-se procedentes o presente procedimento cautelar de embargo de obra e incidente de destruição de inovação de obra, por provados, o Tribunal decide: i. Ratificar o embargo extrajudicial efectuado pelo Requerente no dia 09.05.2025 das obras executadas pelos Requeridos no prédio destes, sito no Sítio 1 e descrito na mesma Conservatória como prédio misto, sob o n.º 4562/19900126 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 6495 e na matriz rústica sob o artigo 23737, na zona que dá acesso ao poço ou furo artesiano; ii. Dispensar o cumprimento do disposto pelo artigo 400.º do CPC, uma vez concluída a obra após efectuado o embargo extrajudicial; iii. Condenar os Requeridos a destruir o muro entretanto construído onde está o traço a vermelho no doc. 6 junto com o req. inicial, destruição essa que poderá sê-lo apenas na medida necessária ao acesso do Requerente ao furo artesiano e equipamento, sem prejuízo de as partes poderem acordar outra forma e modo de exercer a servidão para esse fim específico (acesso ao poço e equipamento). iv. Fixa-se o valor da causa, o indicado pelo Requerente (€17.500,00) – cfr. artigos 304.º, n.º 3, al. d), e 305.º, n.º 4, ambos do CPC. v. Custas pelos Requeridos.” * Inconformados com a decisão vieram os Requeridos apresentar recurso de apelação da mesma para este Tribunal da Relação alinhando no requerimento recursivo as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES: A) O Recorrido é o dono e possuidor de um prédio urbano, localizado no Sítio 1, freguesia e concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o nº 4559/19900126 e inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o nº 7704. B) O prédio aludido em 1. confronta a norte com o prédio dos Recorrentes, descrito na mesma Conservatória como prédio misto, sob o n.º 4562/19900126 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 6495 e na matriz rústica sob o artigo 23737. C) Sobre o prédio dos Recorrentes impende a favor do prédio do Recorrido uma servidão de passagem de pé e de carro e uma servidão de aqueduto, ambas constituídas por acordo escrito, mediante a forma de escritura pública outorgada no dia 22 de Fevereiro de 1994, no Cartório Notarial de Cidade 2, do Notário licenciado, Dr. DD, em que foram intervenientes os anteriores proprietários dos prédios aludidos em 1. e 3. D) Na mesma escritura, quanto à servidão de aqueduto, fez-se constar o seguinte: “E pelos primeiros outorgantes foi igualmente dito, que pelo preço de quarenta mil escudos, constituem a favor da constituinte do segundo outorgante, uma servidão de aqueduto, consistindo o encargo na condução da água do furo artesiano existente no prédio serviente, e pertencente aos proprietários do prédio serviente, ao prédio dominante perto da extrema nascente do prédio serviente, num sentido norte-sul, por meio de cano subterrâneo a uma profundidade de um metro e ao longo de cerca de trinta metros. Essa água destina-se exclusivamente ao uso próprio dos proprietários do prédio dominante, será produzida por estes, tendo eles para o efeito que pagar as despesas de electricidade e reparações, em igualdade de circunstâncias com os proprietários do prédio serviente, que venham a tornar-se necessárias do equipamento existente. “ E) No dia 9 de Maio de 2025, logo pela manhã, o Recorrido deu conta da presença de um empreiteiro de construção civil e da realização de trabalhos de construção civil, na zona que dá acesso ao poço ou furo existente no prédio dos Recorrentes. F) Ao dirigir-se ao empreiteiro, de nome EE, o mesmo informou o Recorrido da existência de licença camarária para a construção e realização de obras de edificação de muros e portão. G) Nesse dia 9 de Maio estavam apenas executadas as fundações com vista a erigir-se o muro. H) Com efeito, pretendiam os Recorrentes erigir um muro e colocar um portão com vista a impedir a terceiros o acesso à sua propriedade e, assim, proteger a sua família e animais de estimação. I) Uma vez concluídas as obras de construção do muro e colocação de portão, alegou o Recorrido que ficaria impedido de aceder ao poço, ao equipamento de bombagem e sistemas eléctricos no mesmo existente, para efeitos de proceder a qualquer reparação ou manutenção do equipamento, o que contradiz as declarações do Recorrente AA. J) O Recorrido, em virtude de os Recorrentes se encontrarem ausentes do seu prédio, dirigiu-se, nesse mesmo dia 9 de Maio, cerca das 14h30, ao empreiteiro da obra, Sr. EE, e disse-lhe de viva voz que procedesse à imediata paragem dos trabalhos que estavam a ser levados a efeito, pois, a concretização dos mesmos impossibilitariam o acesso do Recorrido ao poço ou furo de água; L) O conteúdo da comunicação verbal feita pelo Recorrido não foi perfeitamente entendido pelo empreiteiro da obra, tendo o mesmo sido comunicado aos Requerentes não pelo recetor da referida comunicação, mas pelo filho, FF. M) Para se ter a convicção de que tal conteúdo foi verdadeiramente compreendido pelo empreiteiro da obra, seria necessário ouvir o mesmo, o que não aconteceu. (Gravação com inicio às 14:21 do minuto 8:21 ao minuto 8:30 com tradução do minuto 8:31 ao minuto 8:38). N) Até porque, pelas declarações prestadas pelo Recorrente AA (gravação com inicio às 14:21 – minuto 7:40 ao minuto 7:58, tradução do minuto 08:00 ao minuto 8:36) foi o filho do construtor (FF) e não o construtor, Sr. EE que comunicou ao Recorrente AA que os vizinhos e mais duas pessoas que não se identificaram exigiram que a obra parasse pois caso contrário iriam interpor uma ação em Tribunal contra o mesmo e os trabalhadores. O) Para além disso, o Sr. FF transmitiu ao Recorrente AA que os vizinhos disseram que tinham acesso direto ao furo, mas nunca a palavra “embargo” foi mencionada – gravação iniciada às 14h21 do minuto 6:15 ao minuto 6:47 e tradução do minuto 6:50 ao minuto 7:30 e ainda na mesma gravação do minuto 9:37 ao minuto 9:50 e tradução do minuto 11:04 ao minuto 11:14) P) O Tribunal a quo refere no segundo parágrafo da página 7 da douta decisão que “….foram unânimes quanto à comunicação por parte do Recorrido ao empreiteiro – assumindo os Recorrentes que nesse mesmo dia tomaram conhecimento do sucedido através do empreiteiro – referindo-se apenas, porém ao acesso ao furo/poço….”, sem mencionar que a construção do muro possa ser impedimento para tal. Q) Ou seja, não ficou provado que o empreiteiro tenha entendido bem o conteúdo da comunicação verbal feita pelo Recorrido, acompanhado de duas testemunhas, nem que tal conteúdo tenha sido transmitido de forma integral aos Requeridos. R) Até porque as ameaças de interposição de uma ação judicial contra o construtor e os trabalhadores causaram medo nos mesmos ao ponto de deixarem imediatamente a obra, sem entenderem o que estava em causa. S) Na verdade o Recorrido nunca deixou de ter acesso ao poço/furo, equipamento de bombagem e sistemas elétricos. T) Em declarações prestadas perante o douto Tribunal a quo, os Recorrentes confirmaram que nunca iriam deixar de autorizar a entrada do Recorrido no seu prédio para aceder ao poço, equipamento de bombagem e sistema elétrico, em face da existência da servidão de aqueduto, dando assim cumprimento à mesma e quer esteja no local um muro e portão, será sempre necessária a autorização dos mesmos para que o Recorrido possa aceder – min 3:27 a 3:37 (tradução min 3:38 a 3: 52 da gravação iniciada às 14:39 - 14:45 do Requerido: AA ) U) No entanto, o Recorrido nunca se dirigiu aos Recorrentes para solicitar autorização para entrar na sua propriedade a fim de proceder a qualquer reparação ou manutenção do equipamento existente. V) Pelo contrário, sempre entrou sem pedir qualquer autorização, tal como declarou em sede de depoimento de parte, quando afirmou ter entrado pelo menos 2 vezes no prédio dos Recorrentes sem autorização (depoimento de CC – do min 11:56 ao min. 13:55 da gravação com inicio às 15h15) X) O que foi tambem corroborado pela testemunha GG (depoimento - gravação com início às 15:30 do minuto 15:00 ao minuto 15:18) Z) O Tribunal a quo decidiu pela procedência da ratificação do embargo extrajudicial efetuado pelo Recorrido no dia 09.05.2025 das obras executadas pelos Requeridos no prédio destes, sito no Sítio 1 e descrito na mesma Conservatória como prédio misto, sob o n.º 4562/19900126 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 6495 e na matriz rústica sob o artigo 23737, na zona que dá acesso ao poço ou furo artesiano; AA) Condenando os Recorrentes a destruir o muro entretanto construído destruição essa que poderá sê-lo apenas na medida necessária ao acesso do Recorrido ao furo artesiano e equipamento, sem prejuízo de as partes poderem acordar outra forma e modo de exercer a servidão para esse fim específico (acesso ao poço e equipamento). BB) O Tribunal a quo decidiu que há factos alegados pelos Recorrentes na oposição deduzida pelos mesmos que não integram os factos indiciariamente provados ou não provados por se tratarem de matéria considerada irrelevante para a decisão, como seja, a existência de “dois processos crime contra os Recorridos por entrarem e violarem repetidamente o direito de propriedade dos Requeridos” – auto de notícia 360/23.5... e NUIPC 158/24.3... – página 6 da douta decisão do Tribunal a quo. CC) Não se tratando de mera impugnação ou matéria conclusiva ou de direito, mas antes de matéria de facto que justifica e fundamenta a razão pela qual os Recorrentes construíram o muro. DD) O facto de o Recorrido ter entrado sem autorização no prédio dos Recorrentes por diversas vezes e haver inclusivamente queixas crime contra o mesmo, fundamenta a decisão dos Recorrentes de construírem um muro a fim de resguardar e preservar a sua privacidade e a sua segurança e a dos animais que tem (gravação com inicio as 14h21 do minuto 3:15 ao minuto 3:34 e tradução do minuto 3:35 ao minuto 3:57) EE) Dado que desde Julho do ano passado (2024) que o Recorrido ameaça os trabalhadores que os Recorrentes têm contratado para executarem diversos trabalhos de reparação no seu prédio (gravação iniciada às 14:21 do minuto 4:59 ao minuto 5:20 e tradução do minuto 5:21 ao minuto 5:48- declarações do Requerido AA). FF) Os Recorrentes apenas querem proteger a sua integridade e privacidade, bem como a dos seus animais de estimação. GG) A apreciação da matéria de facto não teve em consideração as declarações prestadas pelos Recorrentes, nomeadamente as que constam dos artigos 10º, 12º, 13º, 17º, 20º, 21º, 22º, 26º, 28º e 29º do presente recurso (II. dos Factos) das alíneas H), L), M), N), O), Q), R), T), U), V), X), CC), DD) EE), FF) das CONCLUSÕES supra, mas a contrario só fundamentou a douta Decisão nas declarações do Recorrido e testemunhas que deram origem aos pontos 11, 12, 16, 17 e 19 da douta Decisão do Tribunal a quo. HH) O Tribunal a quo apreciou erradamente a prova carreada nos autos, nomeadamente a prova testemunhal, na medida em que pelas declarações dos Recorrentes e das declarações do Recorrido e da testemunha GG, supra indicadas em GG) impunha-se decisão diversa. II) Para mais, deve tambem a decisão recorrida ser revogada porque não respeitar urna correta subsunção dos factos alegados ao direito aplicável, enfermando do vicio de má interpretação da lei, em violação do disposto do nº1 do artigo 62º da CRP, artigo 80º, artigo 1543º, n.º 1 do art. 1565º e artigo 1356º todos do C.C.” * O Recorrido respondeu ao recurso pugnando pela respectiva improcedência e confirmação da decisão recorrida. * O recurso é o próprio e foi correctamente admitido pelo Tribunal a quo quanto ao modo de subida e efeito fixado, nada se impondo alterar a tal propósito. * Colheram-se os Vistos. * II – OBJECTO DO RECURSO Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, que assim fixam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos, ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. artigo 5º, nº 3, do CPC) O Tribunal da Relação também não pode conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas na medida em que os recursos se destinam apenas a reapreciar decisões proferidas. Neste sentido as questões a decidir traduzem-se no seguinte: 1-Impugnação da decisão relativa à matéria de facto; 2-Reapreciação do mérito da decisão recorrida consistente em apurar da verificação, ou não, no caso vertente dos pressupostos legais para o embargo de obra nova e respectiva ratificação judicial. * III - Fundamentação de Facto Consta discriminada na decisão final recorrida a seguinte matéria de facto: “Dos factos O Tribunal considera indiciariamente provados os seguintes factos com relevância para a decisão do procedimento cautelar: 1. O Requerente é o dono e possuidor de um prédio urbano, localizado no Sítio 1, freguesia e concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o nº 4559/19900126 e inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o nº 7704. 2. Este prédio, na matriz urbana, consta como tendo a área coberta de 130 m2 e descoberta de 1398 m2, no total a área de 1528 m2. 3. O prédio aludido em 1. confronta a norte com o prédio dos Requeridos, descrito na mesma Conservatória como prédio misto, sob o n.º 4562/19900126 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 6495 e na matriz rústica sob o artigo 23737. 4. Sobre o prédio aludido em 3. impende a favor do prédio aludido em 1. uma servidão de passagem de pé e de carro e uma servidão de aqueduto, ambas constituídas por acordo escrito, mediante a forma de escritura pública outorgada no dia 22 de Fevereiro de 1994, no Cartório Notarial de Cidade 2, do Notário licenciado, Dr. DD, em que foram intervenientes os anteriores proprietários dos prédios aludidos em 1. e 3. 5. No que respeita à servidão de passagem consta da escritura pública: “Que pela presente escritura e pelo preço de sessenta mil escudos, constituem a favor do prédio urbano, no mesmo Sítio 1, da freguesia e concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 – sob o número quatro mil quinhentos e cinquenta e nove – onde se mostra registada a favor da constituinte do segundo outorgante através da cota G-3, inscrito na respetiva matriz, sob o artigo número seis mil e sessenta e quatro, uma servidão de passagem de pé e de carro a exercer no sentido norte-sul, numa faixa de terreno com o comprimento de vinte e três metros, nos primeiros dez metros fica a servidão a uma distância de cinco metros da extrema nascente do prédio serviente, torcendo depois para nascente, e seguindo no troço final, numa extensão de oito metros junto à extrema nascente do prédio serviente, até entrar no prédio dominante na sua extrema norte. A servidão tem o seu início a norte, no primeiro metro, uma largura de três metros nos restantes nove metros da parte inicial tem uma largura de seis metros, na parte seguinte em que torce para nascente tem uma largura de três metros, tendo a parte final uma largura de dois metros vírgula cinco. A proprietária do prédio dominante, ficam ainda com o direito de poder estacionar na segunda parte da servidão descrita, precisamente na faixa que torce para nascente, podendo ainda na parte anteriormente descrita, ou seja, nos nove metros iniciais, com a largura de seis metros fazer inversão de marcha. Os proprietários do prédio serviente também podem igualmente utilizar a servidão de passagem nos seus primeiros dez metros, no sentido norte-sul, conforme anteriormente descrito. A construção e manutenção dos acessos aos prédios dos outorgantes e da servidão descrita, será paga em partes iguais pelos proprietários dos dois prédios.”. 6. Na mesma escritura, quanto à servidão de aqueduto, fez-se constar o seguinte: “E pelos primeiros outorgantes foi igualmente dito, que pelo preço de quarenta mil escudos, constituem a favor da constituinte do segundo outorgante, uma servidão de aqueduto, consistindo o encargo na condução da água do furo artesiano existente no prédio serviente, e pertencente aos proprietários do prédio serviente, ao prédio dominante perto da extrema nascente do prédio serviente, num sentido norte-sul, por meio de cano subterrâneo a uma profundidade de um metro e ao longo de cerca de trinta metros. Essa água destina-se exclusivamente ao uso próprio dos proprietários do prédio dominante, será produzida por estes, tendo eles para o efeito que pagar as despesas de electricidade e reparações, em igualdade de circunstâncias com os proprietários do prédio serviente, que venham a tornar-se necessárias do equipamento existente. Declarou em seguida o segundo outorgante, que aceita as presentes servidões nos termos exarados, em nome da sua representada.”. 7. O Requerente adquiriu o prédio identificado em 1. no mês de Junho de 2020, cuja aquisição se encontra registada por Ap. 1893 de 02/07/2020. 8. No dia 9 de Maio de 2025, logo pela manhã, o Requerente deu conta da presença de um empreiteiro de construção civil e da realização de trabalhos de construção civil, na zona que dá acesso ao poço ou furo aludido em 6. 9. Ao dirigir-se ao empreiteiro, de nome EE, conforme este se apresentou, o mesmo informou o Requerente da existência de licença camarária para a construção e realização de obras de edificação de muros e portão, conforme assinalado nas fotografias correspondentes aos docs. 4 a 8 juntos com o requerimento inicial; 10. Nesse dia 9 de Maio estavam apenas executadas as fundações com vista a erigir-se o murro. 11. Com efeito, pretendiam os Requeridos erigir um muro – onde está o traço a vermelho no doc. 6 junto com o req. inicial – e colocar um portão – onde se indica o traço a verde no doc. 6 junto com o req. inicial – com vista a impedir a terceiros o acesso à sua propriedade e, assim, proteger a sua família e animais de estimação. 12. Uma vez concluídas as obras descritas em 9. a 11., o Requerente ficaria impedido de aceder ao poço, ao equipamento de bombagem e sistemas eléctricos no mesmo existente. 13. Para efeitos de proceder a qualquer reparação ou manutenção do equipamento aludido em 12., o Requerente necessita de analisá-lo e observá-lo previamente. 14. Para além do descrito em 11., a 9 de Maio de 2025, pretendiam ainda os Requerentes erigir um muro – onde está o traço azul no doc. 6 junto com o req. inicial. 15. Perante o descrito em 8. a 12., o Requerente, em virtude de os Requeridos se encontrarem ausentes do seu prédio, dirigiu-se, nesse mesmo dia 9 de Maio, cerca das 14h30, ao empreiteiro da obra, Sr. EE, e disse-lhe de viva voz que procedesse à imediata paragem dos trabalhos que estavam a ser levados a efeito, pois, a concretização dos mesmos impossibilitariam o acesso do Requerente ao poço ou furo de água; 16. Mais disse o Requerente, dirigindo-se ao empreiteiro da obra, Sr. EE, que procedia ao embargo dos trabalhos e que iria requerer ao Tribunal a ratificação judicial do embargo. 17. O conteúdo da comunicação verbal feita pelo Requerente foi perfeitamente entendido pelo empreiteiro da obra. 18. Nas circunstâncias descritas em 15. a 17., o Requerente estava acompanhado de duas testemunhas, HH e II. 19. Não obstante, nos dias seguintes ao descrito em 15. a 17., as obras continuaram a ser executadas, encontrando-se actualmente concluídas. 20. Com efeito, actualmente, onde está o traço a vermelho no doc. 6 junto com o req. inicial encontra-se um muro, e onde está o traço a verde no doc. 6 junto com o req. inicial encontra-se um portão. 21. Actualmente, onde está o traço a azul no doc. 6 junto com o req. inicial encontra-se um muro com uma porta. 22. Não obstante o descrito em 21., o local por onde passava o Requerente continua livre e desimpedido. 23. O presente procedimento cautelar deu entrada em juízo a 13.05.2025. * O Tribunal considera não provados os seguintes factos com relevância para a decisão do procedimento cautelar: a) O Requerente comunicou ao empreiteiro que a continuidade e conclusão das obras impediriam o exercício da servidão de passagem; b) A concretização dos trabalhos impossibilitou o exercício da servidão de passagem. * Os restantes factos alegados no requerimento inicial e oposição deduzida não integram os factos indiciariamente provados ou não provados por se tratarem de matéria considerada irrelevante para a decisão (como seja, da oposição, “Em data que não pode precisar, os Requerentes começaram a colocar pedras de diversos tamanhos na propriedade dos Autores, formando uma linha reta, com cerca de 20m de comprimento, 1,30m de largura na parte mais estreita e 2,40 de largura na parte mais larga, paralela em relação a todo o muro de pedra que, alegam ser sua propriedade, doravante identificada como “faixa de terreno”; “As referidas pedras, foram colocadas dentro da parte rústica do prédio serviente que, confronta a sul com o prédio dos Requerentes.”; “Os Requerentes alegaram que a área entre as pedras que lá colocam e o muro em pedra existente faz parte do imóvel, sua propriedade, apesar de toda a documentação existente que comprova exatamente no contrário.”; “Existem dois processos crime - auto de notícia 360/23.5... e NUIPC 158/24.3... contra os Requerentes por entrarem e violarem repetidamente o direito de propriedade dos Requeridos.”), mera impugnação ou matéria conclusiva ou de direito.” * 1- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto Resulta do artigo 662º, do CPC, o seguinte: “1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa“. Refere a propósito deste normativo o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil“, Almedina, 5ª ed., pág. 287), que: “O actual artigo 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava […], através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.“ Diz-nos também sobre este preceito o Conselheiro Fernando Pereira Rodrigues (“Noções Fundamentais de Processo Civil”, Almedina, 2ª edição atualizada, 2019, pág. 463-464), o seguinte: “A redação do preceito [662º, nº 1] não parece ter sido muito feliz quando manda tomar em consideração os “factos assentes” para proferir decisão diversa, que só pode ser daqueles mesmos factos considerados assentes, porque o que está em causa é modificar a decisão em matéria de facto proferida pela primeira instância. […] A leitura que se sugere como mais adequada do preceito, salvaguardada melhor opinião, é que ele pretende dizer que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, “confrontados” com a prova produzida ou com um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Nesta sede importa ainda recordar o teor dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, relativo à “Sentença”, que se traduz no seguinte: “4- Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.” “5- O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. Argumentam, a este propósito, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, Almedina, 4ª edição, 2019, pág. 709), o seguinte: “O principio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração[…]: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espirito, de acordo com as máximas de experiências aplicáveis.“ Assim, a prova submetida à livre apreciação do julgador não significa prova sujeita ao livre arbítrio do mesmo, como, aliás, bem se depreende da leitura do nº 4- do supra referido artigo 607º do CPC, que na sua primeira parte impõe ao juiz que analise “criticamente” as provas, indique as “ilações tiradas dos factos instrumentais” e especifique os “demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”. Neste domínio referem, outrossim, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (obra acima citada, pág. 745), o seguinte: “O juiz deve, pois, expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados.” Resulta, por seu turno, do artigo 640º do CPC, epigrafado “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto“, o seguinte: “1 - Quando seja impugnada a decisão relativa a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a ) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b ) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c ) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior , observa-se o seguinte: a ) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; […] “ A este propósito sustenta António Abrantes Geraldes (obra acima citada, págs. 168-169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações: “a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b )); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º , nº 1 , a )); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc ); d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação“, esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas no mencionado nº 1 e 2, a), do artigo 640º do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor“. Regressando ao caso concreto percebemos, ainda que de forma quase implícita, pois explicitamente os Apelantes apenas o fazem no tocante a um ponto de facto concreto conforme já veremos infra, que os Apelantes pretenderão impugnar a matéria descrita sob os pontos nºs 11, 12, 16, 17 e 19 do segmento respeitante aos factos considerados como provados na decisão recorrida. Com efeito, conjugando o exposto nas alíneas GG) e HH) das conclusões recursivas dos Apelantes parece resultar que estes últimos não estarão em consonância com o que se provou sob os identificados pontos de facto, sendo certo que dirigem a sua atenção essencialmente para a forma como o Tribunal a quo alicerçou a motivação expressa na decisão recorrida, (cfr. alínea GG)), fazendo referência a que se impunha decisão diversa no tocante aos pontos de facto 11, 12, 16, 17 e 19 (cfr. alínea HH)). Seja como for, se lermos com a devida atenção e na íntegra as conclusões recursivas verificamos que relativamente à matéria elencada sob os pontos 11., 12 e 19, do acervo de factos considerados como provados na decisão recorrida os Apelantes não referem a decisão que no seu entendimento deveria ser proferida sobre tais questões de facto, sendo certo que tão pouco o fazem no corpo das alegações, limitando-se a demonstrar o seu desagrado, inconformismo e irresignação com a solução a que chegou o Tribunal recorrido, mencionando segmentos pontuais de declarações e depoimentos de testemunhas relativamente ao facto contido no ponto 12. dos factos considerados como provados sem que se consiga alcançar qual a concreta e inequívoca solução proposta para o mesmo (cfr. teor dos pontso 10.º, 12.º e 13.º da motivação recursiva e das alíneas T), V) e X), das conclusões recursivas). Na verdade, dizer-se que “se impunha decisão diversa”, sem acrescentar mais nada é demasiado vago, pois não permite perceber se a solução pretendida pelos Apelantes seria de se dar como indiciariamente provado algo de diferente do que ficou expresso na sentença recorrida, desse modo restringindo, ou mesmo ampliando, o teor dos pontos de facto pretendidos censurar, ou de considerar tal matéria como não provada, ou indemonstrada. Diga-se, aliás, que, perante o que ficou expresso na alínea H) das conclusões recursivas, afigura-se que em essência nem sequer inexistirá discordância da parte dos Apelantes com o que resultou assente sob o ponto 11. dos factos considerados como provados. Dito isto teremos de considerar não ter sido cumprido adequadamente por parte dos Apelantes o ónus de obrigatória especificação no tocante ao disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, quanto aos factos provados contidos nos pontos 11., 12. e 19., quer em sede de motivação, quer de conclusões recursivas, pelo que acompanhando a linha orientadora decorrente do AUJ n.º 12/2023 (publicado no DR. n.º 220, 1.ª Série, de 14/11/2023 , no sentido de que “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações” (destaque a itálico nosso), decide-se rejeitar a impugnação da decisão relativa à matéria de facto quanto aos factos contidos nos pontos 11., 12. e 19 do acervo dos factos considerados como indiciariamente provados na decisão recorrida. Quanto aos factos contidos nos pontos 16. e 17. da matéria de facto considerada como indiciariamente provada na sentença recorrida e relembrando a menção expressa no artigo 24.º da motivação recursiva e na alínea Q) das conclusões recursivas dos Apelantes, designadamente quando afirmam no inicio “Ou seja, não ficou provado”, entende-se estarem suficientemente cumpridos todos os ónus de obrigatória especificação previstos nas alíneas a) a c) do n.º 1, do artigo 640.º do CPC. Assim, importa apreciar do mérito dessa impugnação já de seguida, começando por relembrar o conteúdo desses pontos de facto: “16. Mais disse o Requerente, dirigindo-se ao empreiteiro da obra, Sr. EE, que procedia ao embargo dos trabalhos e que iria requerer ao Tribunal a ratificação judicial do embargo. 17. O conteúdo da comunicação verbal feita pelo Requerente foi perfeitamente entendido pelo empreiteiro da obra.” Uma vez que os factos em apreço se complementam entre si iremos apreciar conjuntamente a impugnação relativa a eles. Os Apelantes indicam como meios concretos de prova com vista a infirmar os ditos factos, identificando os respectivos segmentos da gravação realizada, as declarações do Co-Apelante AA, Vejamos de que forma motivou o Tribunal a quo a solução que verteu na decisão recorrida no tocante aos pontos de facto ora em crise: “Para dar como indiciariamente provados e não provados os factos, o Tribunal teve em consideração a confissão dos factos pelos Requeridos, resultante quer da não impugnação de factos quer da confissão resultante da tomada de declarações de parte (Assentada); a análise dos documentos juntos, designadamente certidões prediais, cadernetas prediais, escritura pública, fotografias, levantamento topográfico; o depoimento das testemunhas II, HH e GG; e as declarações de parte do Requerente e dos Requeridos. A factualidade descrita em 8. a 18. e 22. foi dada como indiciariamente provada e os factos descritos em a) e b) foram dados como não provados, com base na conjugação do depoimento das testemunhas e declarações das partes com as fotografias (docs. 6 a 10 do req. inicial) e fotogramas (doc. 1 da oposição), elementos de prova que se revelaram coerentes entre si, não se suscitando quaisquer dúvidas. Foram unânimes quanto à comunicação por parte do Requerente ao empreiteiro – assumindo os Requeridos que nesse mesmo dia tomaram conhecimento do sucedido através do empreiteiro – referindo-se apenas, porém, ao acesso ao furo/poço (e não à servidão de passagem a pé ou de carro). Saliente-se que o Requerente e testemunha GG disseram que continuam a estacionar o carro no mesmo sítio e a passar por onde passavam, não obstante as obras realizadas pelos Requeridos. Do doc. 9 (conjunto de imagens do local) junto pelo Requerente na audiência conjugado com as fotografias (trabalhos concluídos) juntas pelo Requerido em audiência, verifica-se a permanência da passagem para o prédio do Requerente (no seguimento do muro com porta que acaba na estrutura do estacionamento). “ Vejamos, então. Os Apelantes pretendem infirmar a matéria considerada como indiciariamente provada sob os pontos 16. e 17. socorrendo-se, para tal, das declarações de parte prestadas pelo próprio Co-Apelante. Para além de as declarações de parte só por si, ou seja desacompanhadas da indicação de outros meios de prova, se revelarem francamente insuficientes para demonstrar, ainda que indiciariamente, a versão sustentada pelos Apelantes, verifica-se que o Tribunal a quo logrou incluir na sua motivação vários meios probatórios além das declarações das Partes, como seja os depoimentos das testemunhas inquiridas e vários documentos, que identificou e analisou criticamente deles extraindo as necessárias ilações que sustentaram a sua motivação, dessa forma cumprindo satisfatoriamente os pressupostos constantes dos n.ºs 5 e 6 do artigo 607.º do CPC. Acresce que da leitura da acta de audiência final verificamos que ficou incluído na assentada relativa aos factos que se consideraram confessados pelos Apelantes na sequência das respectivas declarações de Parte que prestaram naquele acto judicial, a qual, conforme se consignou expressamente em acta, não foi objecto de qualquer oposição/reclamação das Partes, que no dia 09 de Maio de 2025 “foi-lhes comunicado pela pessoa responsável pela execução da obra, EE, que, no local e nesse mesmo dia, cerca das 14h30m/15h00, se apresentara o requerente CC, a sua companheira […], que, dirigindo-se a EE, disseram que a obra não podia avançar pois tal impediria o acesso ao furo de água., de que decorre desde logo, mormente no tocante ao facto contido no ponto 17 dos factos indiciariamente provados, que o empreiteiro da obra EE terá entendido perfeitamente o que lhe fora comunicado pelo Apelado tanto mais que posteriormente o comunicou (ele próprio e não um terceiro), acertadamente aos Apelantes. Importa ainda salientar que a circunstância de não ter sido eventualmente utilizado pelo Apelado expressamente o termo técnico ”embargo”, mas antes a expressão “que a obra não podia avançar, pois tal impediria o acesso ao furo de água”, não constituiria qualquer óbice a que ficasse, como ficou, indiciariamente provado o propósito do Apelado de embargar os trabalhos em curso constante do facto contido sob o ponto 16, mesmo que não tivesse sido produzida, como foi, outra prova além das declarações de parte do Co-Apelante AA mencionadas na parte confessória na assentada documentada em acta. Do exposto resulta a improcedência da impugnação apresentada contra a matéria de facto vertida sob os pontos 16. e 17. dos factos considerados como indiciariamente provados. Invocaram ainda os Apelantes não ter sido levado à matéria de facto indiciariamente provada a existência de “dois processos crime contra os Recorridos por entrarem e violarem repetidamente o direito de propriedade dos Requeridos” (cfr. alíneas BB) e CC) das conclusões do recurso). Está em causa o facto articulado em 10 da oposição deduzida pelos Apelantes ao presente embargo de obra nova que tem a seguinte redacção: “Existem dois processos crime - auto de notícia 360/23.5... e NUIPC 158/24.3... contra os Requerentes por entrarem e violarem repetidamente o direito de propriedade dos Requeridos.” Sobre tal escreveu-se no segmento da motivação da decisão recorrida que: “Os restantes factos alegados no requerimento inicial e oposição deduzida não integram os factos indiciariamente provados ou não provados por se tratarem de matéria considerada irrelevante para a decisão (como seja, da oposição […] “Existem dois processos crime - auto de notícia 360/23.5... e NUIPC 158/24.3... contra os Requerentes por entrarem e violarem repetidamente o direito de propriedade dos Requeridos) […]” Diremos tão somente e desde logo que nenhuma prova passível de demonstrar indiciariamente o alegado (mormente os mencionados autos de notícia), foi apresentada, quer com a oposição ao procedimento cautelar, quer subsequentemente, a que se acrescenta que estando em causa factos em averiguação que terão sido objecto de denúncia e foram transpostos para auto de notícia, não é exacto dizer que existem já processos crime, sendo certo que ainda que já existissem, ou tenham, entretanto, passado a existir, sempre se esclarece que a factualidade alegada apenas poderia ter algum relevo no contexto dos presentes autos caso o processo, ou processos, tivesse(m) sido julgado(s) por decisão transitada em julgado. Na conformidade exposta improcede igualmente o pretendido aditamento factual à decisão relativa à matéria de facto descriminada na sentença recorrida, que assim se mantem incólume. 2-Reapreciação do mérito da decisão recorrida consistente em apurar da verificação, ou não, no caso vertente, dos pressupostos legais para embargo de obra nova e respectiva ratificação judicial. Em sede de petição inicial o Apelado requereru ao Tribunal a quo o seguinte: “Deve ser julgado procedente por provado o presente requerimento de ratificação judicial de embargo de obra nova a que o Requerente procedeu, no passado dia 9 do corrente mês de Maio e em consequência ser o mesmo judicialmente ratificado por forma a conferir-lhe plena validade e eficácia, ou seja, plena aptidão para a produção dos seus efeitos jurídicos.” No decurso da audiência final realizada em 14/07/2025 e conforme resulta da acta documentadora de tal acto judicial, perante a confirmação pelos Apelados de que os trabalhos de construção do muro e colocação de um portão tinham prosseguido após 09/05/2025 e estavam já concluídos o Apelante requereu o seguinte: “ Considerando ainda que como os próprios aqui o admitiram a mesma obra mereceu continuação tendo sido nesta data já finalizada conforme fotografias entregues pelo Requerido, obra essa que como os próprios também admitem, impede qualquer tipo de acesso do Requerente ao furo e sistema de funcionamento a ele conexo considera-se que houve objetivamente uma inovação abusiva da obra por parte dos Requeridos pelo que nos termos do nº1 do artigo 402 do C.P.C requer-se que seja julgada procedente a presente providencia cautelar de embargo de obra e seja igualmente mandado destruir a totalidade do muro entretanto levantado colocando-se o espaço físico retratado na fotografia 7 junto com requerimento inicial tal qual como aí se vê.” Os Apelantes opuseram-se ao então requerido e o Tribunal a quo deixou sucintamente expresso no despacho que seguidamente proferiu que: “O ora requerido pelo Requerente CC, dependendo da decisão a tomar pelo Tribunal sobre a ratificação do embargo da obra, oportunamente será decidido.” Invocam em sede recursiva os Apelantes a “violação do disposto no n.º 1 do artigo 62.º da CRP, artigo 80.º, artigo 1543.º, n.º 1, artigo 1565.º e artigo 1356.º todos do CC.” Vejamos de seguida se lhes assiste razão. Resulta do artigo 397.º do Código Civil (doravante apenas CC), o seguinte: “1. Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe causa ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente. 2.O interessado pode também fazer diretamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar. 3. O embargo previsto no número anterior fica, porém, sem efeito se, dentro de cinco dias, não for requerida a ratificação judicial.” Acompanhando Marco Carvalho Gonçalves (in “Providências Cautelares”, 3.ª edição, 2017, Almedina, pág. 280), diremos que constituem requisitos do procedimento cautelar especificado de embargo de obra nova “a execução de uma obra, trabalho ou serviço novo, que não se mostre já concluída, a ofensa de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse em consequência dessa obra e a existência de um prejuízo ou ameaça de prejuízo”. Trata-se de requisitos de verificação cumulativa. Para que seja possível decretar uma providencia cautelar de embargo de obra nova é então necessário que se tenha iniciado uma obra trabalho ou serviço, razão pela qual a providência não terá fundamento “se a obra ainda não se tiver iniciado, como sucede nos casos em que apenas exista um projeto de construção ou que estejam em causa atos meramente preparatórios da obra, tais como a obtenção das respetivas licenças de construção ou a deposição, no local da obra, dos materiais e equipamentos necessários à sua execução.” (obra citada, pág. 281) Complementa ainda o identificado Autor na obra mencionada que: […] estando em causa um embargo extrajudicial de obra nova, aquilo que releva é que a obra ainda não se encontre concluída aquando da realização do embargo, sendo indiferente o facto de a obra já se encontrar concluída por ocasião da ratificação do embargo.” (pág. 281-282). Neste mesmo sentido se pronunciam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre em anotação ao artigo 397.º do CPC (in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º”, 4ª. Edição, 2019, Almedina, pág. 165) a par de vários arestos de que destacamos o proferido no Tribunal da Relação de Coimbra em 02/11/2010 (Proc.º 77/10, relator Moreira do Carmo, acessível in www.dgsi.pt.)). Aqui chegados e espreitando a matéria de facto que resultou indiciariamente provada na decisão recorrida percebemos pela leitura conjugada da factualidade descrita nos pontos de facto 8., 10., 11., 14. e 15. a 18. da fundamentação de facto daquela, que o Apelado procedeu no dia 09/05/2025 a um embargo extrajudicial de obra nova (construção de muro e colocação de portão), levada a cabo pelos Apelantes, aceitando-se que a realização das fundações integra já trabalhos essenciais para execução dos muros pretendidos erigir, consubstanciando desse modo o inicio da execução da obra nova e não apenas actos preparatórios da mesma, pelo que se considera preenchido o primeiro requisito que temos estado a abordar. Passando a analisar o segundo requisito verifica-se que o procedimento cautelar em apreço só poderá ser decretado quando da execução da obra nova levada a cabo pelo Requerido resulte para o Requerente ofensa de um direito real ou pessoal de gozo. Está em causa, desde logo, o direito de propriedade, mas também direitos reais menores de gozo, devendo excluir-se do elenco os titulares de um direito real de garantia, (desde que este não pressuponha a posse da coisa), bem como os meros detentores. Como afirma Marco Gonçalves na obra citada, que vimos seguindo de perto “[…], o embargo de obra nova encontra justificação sempre que dela decorra uma limitação ao uso e fruição da coisa, ainda que esse direito já se achasse legalmente comprimido, sendo certo que para o decretamento de um embargo de obra nova ou ratificação judicial do mesmo torna-se “necessária a verosimilhança do direito que se diz ameaçado.” (págs. 283-284). Conforme percebemos pela definição constante do artigo 1543.º do CC, as servidões prediais, voluntárias, ou legais, incluindo as servidões de passagem e de aqueduto, traduzem-se em encargos impostos num prédio em proveito exclusivo de outro pertencente a dono diferente, cujo titular passa a beneficiar de um direito real menor de gozo enquanto proprietário do prédio dominante. Regressando de novo aos contornos do caso em apreço percebemos que entre os anteriores proprietários dos prédios identificados no presente procedimento cautelar foi contratualizada por escritura pública uma servidão “de passagem de pé e de carro”, bem como uma “servidão de aqueduto”, sendo o ora Apelado o dono e possuidor do prédio urbano dominante e os ora Apelantes donos e possuidores do prédio misto serviente (cfr. pontos 1. a 4. dos factos considerados como indiciariamente provados). Resulta igualmente do facto indiciariamente provado descrito sob o ponto 6 que quanto à servidão de aqueduto ficou expresso na mencionada escritura pública que tal encargo consistia “na condução da água do furo artesiano existente no prédio serviente e pertencente aos proprietários do prédio serviente, ao prédio dominante perto da extrema nascente do prédio serviente, num sentido norte-sul, por meio de cano subterrâneo a uma profundidade de um metro e ao longo de cerca de trinta metros. Essa água destina-se exclusivamente ao uso próprio dos proprietários do prédio dominante, será produzida por estes, tendo eles para o efeito que pagar as despesas de electricidade e reparações, em igualdade de circunstâncias com os proprietários do prédio serviente, que venham a tornar-se necessárias do equipamento existente.” Decorre do artigo 1564.º do CC que: “As servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respetivo titulo; na insuficiência do título, observar-se-á o disposto nos artigos seguintes.” Por seu turno resulta do artigo seguinte, ou seja do artigo 1565.º do CC, que: “1-O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação.” 2- Em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente.” Já o artigo 1566.º, ainda do CC, preceitua que: “1- É lícito ao proprietário do prédio dominante fazer obras no prédio serviente, dentro dos poderes que lhe são conferidos no artigo anterior, desde que não torne mais onerosa a servidão.” Ora bem, baixando de novo aos contornos que o caso concreto nos fornece, mormente no que tange à matéria de facto considerada como indiciariamente provada na decisão recorrida, impõe-se desde logo esclarecer que perante o que se encontra descrito sob o ponto 22. dos aludidos factos teremos que considerar que o direito dos Apelados decorrente da constituição a favor do seu prédio da servidão “de passagem de pé e de carro”, não terá sido lesado pela edificação do muro com porta uma vez que apesar dessa construção “o local onde passava o Requerente continua livre e desimpedido”. O cerne da questão encontra-se, pois, no tocante ao direito do Apelado decorrente da constituição da servidão de aqueduto a favor do seu prédio. Quanto a esta percebemos, através da conjugação da matéria factual indiciariamente provada elencada e constante dos pontos 6., 12. e 13., que a servidão de aqueduto constituída voluntariamente por acordo escriturado pelas primitivos donos dos prédios dominante e serviente se traduziu no encargo de condução da água do furo artesiano existente no prédio serviente ao prédio dominante, destinando-se a água conduzida ao uso próprio dos proprietários do prédio dominante, actualmente o Apelado, o qual, além do mais, terá que realizar e pagar reparações no equipamento existente, sendo certo que no local do poço existe um equipamento de bombagem de água e sistemas electricos importando a manutenção dos mesmos, ou qualquer reparação a efectuar neles, análise e observação prévia por parte do Apelado. Por outras palavras, diremos que no caso concreto a servidão de aqueduto constituída sobre o prédio dos Apelantes importa, ou estende-se, à análise/observação regular por parte do Apelado, com vista a poder assegurar em tempo útil a respectiva manutenção/conservação através das necessárias reparações, dos equipamentos que permitem a condução da água em condições adequadas a partir do furo/poço para o prédio dominante, pelo que a colocação de um muro e portão constitui efectivamente um obstáculo físico passível de ofender o direito do Apelado decorrente da servidão de aqueduto que beneficia o prédio dominante de que é dono. Na parte final do n.º 1 do artigo 1561.º do CC estatuiu-se que “as quintas muradas só estão sujeitas ao encargo quando o aqueduto seja construído subterraneamente.” Parece resultar daqui que relativamente a quintas muradas sobre que passe a incidir o encargo de servidão de aqueduto poderá estar inviabilizado o livre acesso do dono do prédio dominante ao prédio serviente. Seja como for, tal previsão não se mostra aplicável ao caso em apreço visto que à data da constituição da servidão de aqueduto não estava edificado qualquer muro entre o prédio serviente e o dominante, sendo certo ainda que, como resulta da própria epigrafe do artigo 1561.º mencionado, a previsão do mesmo respeita a servidão legal de aqueduto e não a servidão constituída voluntariamente. Isto dito, consideramos igualmente preenchido o segundo requisito necessário ao decretamento do embargo de obra nova. Passemos então à análise do terceiro pressuposto ou requisito para a procedência do embargo traduzido na existência de um prejuízo ou ameaça de prejuízo. Significa isto que a construção do muro e do portão a que se alude no ponto 11 e 12. dos factos considerados como indiciariamente provados na decisão recorrida e cuja execução foi concluída na pendência destes autos conforme consta expresso no ponto 19. dos aludidos factos tem de causar ou ameaçar causar prejuízo ao Apelado. Importa desde já mencionar que para uma boa franja da jurisprudência o termo “prejuízo” mencionado no artigo 397.º, n.º 1, do CPC, mais não pretendeu significar que um dano jurídico, traduzido na ilicitude do facto. Conforme dá nota Marco Gonçalves (obra citada, pág. 287), cuja pensamento continuamos a seguir, “[…] ainda que o requerente do embargo de obra nova se encontre dispensado de alegar e provar os danos concretos que para ele resultam do começo de uma obra, trabalho ou serviço novo, já o deve fazer em relação aos «factos em que se traduz ou virá a traduzir a violação do seu direito, isto é, da forma como será prejudicado ou ofendido esse direito através da execução da nova obra»“ Da análise dos factos considerados como indiciariamente provados na decisão recorrida mormente do que se encontra descriminado sob os pontos 12. e 13. pensamos que o Apelado logrou fazer prova sumária da ameaça de prejuízo ao seu direito resultante da obra erigida pelos Apelantes, designadamente no tocante à necessidade de conservação/reparação dos equipamentos logísticos que permitem a produção da água no furo/poço, visto que ficando impedido de aceder sem restrições a este último não terá o Apelado a possibilidade de prever e prevenir atempadamente intervenções necessárias, traduzidas na adequada manutenção, conservação, ou reparação junto do furo artesiano, o que poderá mesmo colocar em causa a normal produção da água para o seu prédio. Concorda-se, assim, com a argumentação aduzida a este respeito pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, que passamos a recordar: “Diga-se que, de facto, não falamos no presente caso da passagem pelo prédio dos Requeridos para acompanhar a condução da água, mas sim da faculdade que também tem o Requerente de acesso ao prédio dos Requeridos quando as circunstâncias o imponham, para inspeccionar o aqueduto e o reparar por forma a “produzir a água”, sendo esse o contexto em que os Requeridos devem facultar-lhe a entrada no seu prédio (serviente) - in Lições de Direito Civil (Direitos Reais), publicadas por David Augusto Fernandes, 4ª ed., p. 346 apud Ac. STJ de 23.10.2008 P. 08B2004 disponível em www.dgsi.pt, citado em parte pelos Requeridos na oposição. Ora, a construção do muro e portão que veda o prédio serviente, sem mais, prejudica, pelo menos, a conservação da servidão por parte do proprietário do prédio dominante”. Na conformidade acabada de expor cremos que também o último requisito legal identificado se mostra preenchido no caso em apreço. Da leitura dos factos considerados indiciariamente como provados na decisão recorrida sob os pontos 8., 15. a 18. e 23. resulta ainda que o Apelado cumpriu tempestivamente o prazo mencionado na parte final do n.º 1, do artigo 397.º do CPC, assim como os pressupostos processuais previstos no n.º 2 do artigo 397.º do CPC relativos à forma e modo de execução do embargo extrajudicial de obra nova, tendo, outrossim, requerido tempestivamente em juízo a ratificação judicial do embargo a que procedera, uma vez que o fez em quatro dias. A tal acresce que tendo resultado ainda indiciariamente provado sob o ponto 19 que não obstante a comunicação do embargo extrajudicial de obra nova feito pelo Apelado as obras pretendidas pelos Apelantes continuaram a ser executadas tendo sido concluídas existia fundamento para o Apelado reagir, como reagiu, em sede de audiência final, à inovação abusiva prevista no artigo 402.º do CC, pedindo a destruição da parte inovada. Resta dizer que nenhuma razão assiste aos Apelantes quando mencionam a violação de preceitos constitucionais, designadamente o disposto no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, assim como as normas de direito ordinário substantivo contidas no artigo 1356.º e 80.º, do CC, os quais se reconduzem, respectivamente, ao direito à propriedade privada, direito de tapagem e reserva sobre a intimidade da vida privada, dado que nada se provou que permita concluir que a não manutenção do muro construído, impeditivo do Apelado aceder sem restrições ao local do poço/furo artesiano, implique devassa à reserva de vida privada dos Apelantes, assim como que constitua um ataque ao direito à propriedade privada, atendendo a que o direito de propriedade não é um direito absoluto podendo o seu conteúdo sofrer limitações, ou restrições, como bem decorre do artigo 1305.º do CC, quando estatui que “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”, não sendo de olvidar que encargos resultantes de servidões legais, ou constituídas voluntáriamente, integram as ditas restrições. Em todo o caso, cabe ainda sublinhar que no âmbito do presente procedimento cautelar cabia apenas aos Apelantes tentar colocar em crise os factos alegados pelo Apelado subsumíveis aos requisitos da providência que fomos analisando paulatinamente, o que não lograram conseguir, tendo os mesmos resultado indiciariamente provados conforme vimos, não relevando outros fundamentos tais como eventual prejuízo do seu direito de propriedade, ou de outros direitos conforme alegaram. Isto dito, resta reconhecer o naufrágio das conclusões recursivas dos Apelantes devendo, como tal, manter-se o sentido da decisão impugnada neste recurso, a qual não se afigura ser merecedora de censura. * V- DECISÃO Face a todo o exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso de apelação interposto pelos Apelantes AA e BB e consequentemente decidir o seguinte: 1-Confirmar a decisão recorrida; 2-Condenar os Apelantes nas custas processuais devidas (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC). * Notifique. * ÉVORA, 08 de Outubro de 2025 (José António Moita-Relator) (Elisabete Valente – 1.ªAdjunta) (Filipe Aveiro Marques - 2.º Adjunto) |