Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | ACÁCIO NEVES | ||
| Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA INCUMPRIMENTO DEFINITIVO PERDA DE INTERESSE EXPURGAÇÃO DE HIPOTECA | ||
| Data do Acordão: | 01/30/2014 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Sumário: | O incumprimento definitivo de contrato promessa de compra e venda, face ao disposto no nº 1 do art. 808º do C. Civil, não emerge da simples mora mas sim, após a mora, da falta de realização da prestação em prazo razoavelmente fixado pelo credor, e ainda da perda do credor, em consequência da mora, na realização da prestação, sendo que, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, a perda do interesse na prestação deve ser apreciada objectivamente. Haverá que considerar como justificada a perda de interesse por parte dos promitentes compradores na realização da escritura quando a promitente vendedora revela incapacidade para proceder ao cancelamento das hipotecas que oneram o imóvel. Só uma pessoa sem um mínimo de discernimento e de prudência aceitaria proceder à realização da escritura da prometida compra e venda da fracção autónoma, sem que a promitente vendedora procedesse previamente à expurgação das hipotecas que sobre a mesma recaíam, sujeitando-se a, por força da execução do crédito hipotecário, ficar sem a fracção, podendo acontecer a que o valor do ónus seja igual ou até superior ao valor da fracção (e nada nos autos nos diz que tal não possa acontecer). E, aceitando realizar a escritura de compra e venda, sem o cancelamento das hipotecas, os promitentes compradores deixariam de poder invocar e fazer valer o direito de retenção que ora invocam na qualidade de promitentes compradores e com base na tradição do imóvel. Sumário do relator | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam nesta Secção Cível os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: V... e mulher, N... intentaram, em 22.03.2011, a presente acção declarativa ordinária contra H..., Lda e C..., S.A., pedindo, após esclarecimento nesse sentido, a solicitação do tribunal (vide fls. 273 e 279): - que fosse proferida sentença que declare definitivamente incumprido, por facto imputável à 1ª ré, o contrato promessa sub judice e em consequência que fosse a 1ª ré condenada a restituir aos autores a quantia de € 240.000,00 a título de reembolso, em dobro, do que estes prestaram àquela, a título de sinal e pagamento do preço de aquisição da fracção autónoma por estes prometida adquirir, acrescida de juros de mora que se vencerem desde a citação até integral pagamento; - cumulativamente, que fosse reconhecido aos autores o direito de retenção sobre a fracção prometida adquirir para garantia do integral pagamento do crédito que lhes assiste, resultante do incumprimento do contrato promessa pela 1ª ré, com o correspondente direito a serem graduados e pagos com preferência sobre os demais credores desta, nomeadamente a 2ª ré, na qualidade de credor hipotecário; - e que ambas as rés fossem condenadas a reconhecer que os autores detêm sobre a fracção autónoma o aludido direito de retenção nos moldes referidos. Alegaram para tanto e em resumo que celebraram com a 1ª ré um contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual esta lhes prometeu vender determinada fracção autónoma, pelo preço de € 120.000,00, quantia essa que pagaram na data do contrato, a título de sinal e preço, que a 1ª ré veio a constituir, a favor da 2ª ré e com base em empréstimo por esta concedido, hipoteca sobre o prédio de que faz parte a fracção prometida vender, que houve tradição da fracção prometida, estando os autores a residir na mesma e que a 1ª ré, apesar de diversas solicitações nesse sentido, nunca chegou a marcar a escritura de compra e venda e que, tendo os autores marcado dia e hora para a realização da escritura, a 1ª ré não compareceu. Na acção declarativa ordinária apensa, nº 1087/11.6TBSLV, intentada em 20.09.2011, por J… igualmente contra as mesmas rés, veio aquele pedir: - que fosse declarada a resolução do contrato promessa que celebrou com a 1ª ré, por incumprimento definitivo e culposo desta; - que a 1ª ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 260.000,00, correspondente ao dobro da quantia paga a título de sinal, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação e até integral pagamento; - que se declare que o tor detém a posse da fracção prometida; - e que seja reconhecido a favor do autor o direito de retenção sobre tal fracção, enquanto o autor não for pago do seu referido crédito; Alegou para tanto e em resumo que celebrou com a 1ª ré um contrato promessa de compra e venda de um outra fracção autónoma do mesmo prédio, tendo entregue a esta, a título de sinal, a quantia de € 130.000,00, que o prédio de que faz parte tal fracção se encontra onerada com hipotecas constituídas pela 1ª ré a favor da 2ª ré e que não tendo a 1ª ré marcado a escritura no prazo previsto foi ele autor a marcar a escritura, dando disso conhecimento à 1ª ré, e com a indicação de que considerava haver incumprimento definitivo da promessa caso a mesma não comparecesse, o que sucedeu. Na outra acção declarativa ordinária apensa, nº 1089/11.2TBSLV, intentada em 19.09.2011, por R… igualmente contra as mesmas rés, veio aquele pedir: - que fosse declarada a resolução do contrato promessa que celebrou com a 1ª ré, por incumprimento definitivo e culposo desta; - que a 1ª ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 207.000,00, correspondente ao dobro da quantia paga a título de sinal, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação e até integral pagamento; - que se declare que o autor detém a posse da fracção prometida; - e que seja reconhecido a favor do autor o direito de retenção sobre tal fracção, enquanto o autor não for pago do seu referido crédito; Alegou para tanto e em resumo que celebrou com a ré H..., Lda um contrato promessa de compra e venda de um apartamento, tendo entregue a esta € 103.500,00 a título de sinal, que aquela fracção se encontra onerada com hipotecas constituídas por aquela ré a favor da outra ré e que a ré incorreu em incumprimento definitivo, uma vez que não marcou a escritura no prazo acordado e dado que, tendo ele autor marcado a escritura de compra e venda, dando disso conhecimento à ré H..., Lda, a esta e bem assim da consideração do incumprimento definitivo da promessa caso não estivesse presente, a mesma não compareceu. A 1ª ré, H..., Lda contestou as acções, alegando em resumo que a não celebração das escrituras se dever ao facto de isso estar dependente da concretização de operação financeira que permitisse o distrate das hipotecas, o que ainda não sucedeu e era do conhecimento dos autores. Da mesma forma, em todas a acções a 2ª ré, C... apresentou contestação, nas quais se defendeu por impugnação. Os autores ainda replicaram, mantendo as suas posições. Foi, em cada uma das acções, proferido despacho saneador, procedendo-se ainda à selecção da matéria de facto, com a elaboração dos factos assentes e da base instrutória. Instruídos os processos, veio a ter lugar a realização da audiência de discussão e julgamento, no âmbito da qual foi ordenada a apensação das duas últimas referidas acções. Seguidamente, foi proferida sentença, nos termos da qual as acções foram julgadas procedentes: - Condenando-se a ré H..., Lda a pagar aos autores V... e N... a quantia de € 240.000,00, acrescida de juros vincendos à taxa legal; - E declarando-se que os autores V... e N..., até ao pagamento daquele montante, têm direito de retenção sobre o apartamento designado pela letra I, correspondente ao 3º andar A e lugar de parqueamento na cave com o nº 10, do prédio descrito na CRP de Silves sob o nº 2061/20040708; - Condenando-se a ré H..., Lda a pagar ao autor R… a quantia de € 207.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde 3.10.2011; - E declarando-se que o autor R…, até ao pagamento daquele montante, tem direito de retenção sobre o apartamento designado pela letra C, correspondente ao 1º andar esquerdo A e lugar de parqueamento, na cave com o nº 2, do lote 2 do prédio descrito na CRP de Silves sob o nº 2061/20040708; - Condenando-se a ré H..., Lda a pagar ao autor J… a quantia de € 260.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde 22.9.2011; - E declarando-se que o autor J..., até ao pagamento daquele montante, tem direito de retenção sobre o apartamento designado pela letra B, correspondente ao r/c B e dois lugares de parqueamento, na cave com o nº 1 e na sub-cave com o nº 21, do lote 1 do prédio descrito na CRP de Silves sob o nº 2061/20040708. Inconformada, interpôs a ré C... o presente recurso de apelação, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões: 1ª - A apelante restringe este recurso ao conhecimento e apreciação da resolução do contrato promessa de compra e venda respeitante aos apelados V... e N... e efeitos daí advenientes, nomeadamente a condenação ao pagamento do dobro do sinal pela H... Lda., e declaração da existência do direito de retenção sobre este imóvel até ser paga aquela quantia; 2ª - Por efeito da sentença aqui recorrida a apelante vê a sua garantia hipotecária sobre a fracção autónoma prometida vender ser ultrapassada em grau e prioridade de pagamento, bem como também vê a possibilidade da cobrança do seu crédito diminuir em função do próprio montante do crédito dos promitentes compradores - que passa por força da resolução a ser o crédito dos promitentes compradores (dobro do sinal prestado) - daí resultando a sua legitimidade para a interposição deste recurso; 3ª - Para a resolução do contrato promessa em causa neste recurso não basta a simples mora, conforme resulta do art. 804º do Código Civil; 4ª - Da matéria de facto considerada provada pelo Tribunal não resulta que tenha havido perda objectiva de interesse por parte dos apelados no cumprimento do contrato promessa pelo que a sua resolução operada pelo Tribunal foi ilícita; 5ª - Ao considerar verificada a inexistência de capacidade financeira por parte da H... Lda. para expurgar as hipotecas que incidem sobre o imóvel o Tribunal a quo assumiu como premissa factual do seu raciocínio algo que não encontra respaldo nem aconchego na matéria de facto dada por provada; 6ª - Efectivamente não se vislumbra na douta fundamentação de facto nada que permita ao Tribunal a quo concluir pela inexistência de capacidade financeira da H... Lda. para desonerar as hipotecas; 7ª - Também não existem factos provados que permitam concluir com segurança que os aqui apelados não estavam interessados em realizar a escritura pública sem o ónus das hipotecas, pelo que o Tribunal não tinha elementos para assumir tal conclusão; 8ª - Também não está provado nem consta da fundamentação de facto qual o montante que seria necessário pagar para promover a desoneração das hipotecas, pelo que igualmente se afigura sem fundamento sólido a ilação tirada pelo Tribunal (assente num único facto provado: A existência de hipotecas); 9ª - Não se verificou assim a existência de qualquer advertência por parte dos apelados à promitente vendedora no sentido de que tomariam a falta de comparência à escritura como equivalendo ao incumprimento definitivo da promessa, nem fixaram qualquer prazo para que a devedora pudesse cumprir a sua prestação (a celebração do contrato prometido), ultrapassado o qual o contrato seria considerado por eles como definitivamente incumprido; 10ª - O pedido primeiro/principal dos apelados era o de judicialmente ser declarada cumprida a promessa por parte da ré H... Lda, o que é à partida totalmente incompatível com a “morte” contratual que a devolução do sinal em dobro implica, como aliás a douta sentença referiu, e consequentemente, com a declarada perda de interesse objectivo no cumprimento do contrato; 11ª - Não fora o próprio Tribunal a tomar a iniciativa – já em sede de julgamento - de notificar os apelados para optarem por algum dos pedidos cumulativos que apresentaram e nem sequer agora poderia afirmar que estes optaram pela resolução do contrato; 12ª - De qualquer forma não pode uma opção destas – tomada em peça processual de 08.11.2012 - já em contencioso, em fase de julgamento, e até por iniciativa do Tribunal que não dos próprios – servir para o Tribunal concluir dessa forçada opção que os apelados perderam objectivamente o interesse no contrato prometido; 13ª - De qualquer forma sempre tal perda de interesse teria de resultar de factos que se tivessem verificado em momento anterior ao da propositura da acção, e não já no decurso desta; 14ª - Nesta conformidade inexistem fundamentos para que o Tribunal pudesse concluir como concluiu: perda objectiva de interesse no contrato prometido por parte destes apelados. 15ª - E, assim sendo, inexiste fundamento fáctico e jurídico que permita declarar a existência de incumprimento definitivo pela H... Lda. 16ª - Pelo que não deveria ter esta sido condenada a pagar o dobro do sinal, nem tão pouco, a ver declarada a existência do direito de retenção. Termos em que deverá a douta sentença recorrida ser revogada, com as legais consequências. Contra-alegaram os autores V... e N..., pugnando pela improcedência do recurso. Dispensados os vistos legais, cumpre decidir: Perante o facto de o recurso ter sido restringido à decisão relativa à procedência da acção principal, em que são autores V... e N..., e face ao conteúdo das conclusões das alegações da apelante, enquanto delimitadoras do objecto do recurso, a única questão de que cumpre conhecer consiste em saber se, relativamente ao contrato promessa celebrado entre aqueles autores e a ré H..., Lda, inexiste incumprimento definitivo desta, devendo ser revogada a sentença na parte respeitante aos referidos autores. Factualidade assente, dada por provada na 1ª instância: 1) Em 2.8.2006, por escrito e pelo preço de 120.000 euros, logo pagos, os autores V... e N... prometeram comprar durante o 2º semestre de 2007 e a ré H..., Lda, prometeu vender, o apartamento designado pela letra I, correspondente ao 3ª andar A e lugar de parqueamento na cave com o nº 10, do prédio descrito na CRP de Silves sob o nº 2061/20040708; 2) Combinaram então que a marcação da escritura de compra e venda competiria à ré H..., Lda. 3) Em Setembro de 2007 a ré H..., Lda entregou a chave do apartamento aos autores V... e N..., que a partir daí o ocuparam; 4) Em 25.9.2010, os autores V... e N… e a ré H..., Lda acordaram na efectivação da escritura até ao final do mês de Dezembro de 2010; 5) Não tendo esta sido marcada, em 25.1.2011, os autores V... e N... avisaram a ré H..., Lda que haviam marcado a escritura para 15.3.2011, tendo a ré H..., Lda respondido que não compareceria por não ter sido efectuada a operação financeira, como sucedeu; 6) Em 1.7.2006, por escrito e pelo preço de 140.000 euros, o autor J... prometeu comprar durante o 2º semestre de 2007 e a ré H..., Lda prometeu vender, o apartamento designado pela letra B, correspondente ao r/c B e dois lugares de parqueamento, na cave com o nº 1 e na sub-cave com o nº 21, do lote 1 do prédio descrito na CRP de Silves sob o nº 2061/20040708; 7) Em Agosto de 2007 a ré H..., Lda entregou a chave do apartamento ao autor J..., que a partir daí o ocupou; 8) O autor J... entregou à ré H..., Lda o total de 130.000 euros, por conta do total do preço acertado; 9) Depois de vários pedidos desatendidos no sentido da marcação da escritura, o autor J... avisou a ré H..., Lda que havia marcado a escritura para 19.8.2011, avisando então aquela ré que consideraria a falta de comparência como incumprimento definitivo da promessa, não tendo a ré H..., Lda comparecido; 10) Em 30.8.2006, por escrito e pelo preço de 115.000 euros, pagos, o autor R… prometeu comprar durante o 2º semestre de 2007 e a ré H..., Lda prometeu vender, o apartamento designado pela letra C, correspondente ao 1º andar esquerdo A e lugar de parqueamento, na cave com o nº 2, do lote 2 do prédio descrito na CRP de Silves sob o nº 2061/20040708;Em Outubro de 2007 a ré H..., Lda entregou a chave do apartamento ao autor R..., que a partir daí o ocupou; 11) Depois de vários pedidos desatendidos no sentido da marcação da escritura, em 13.7.2011, o autor R… avisou a ré H..., Lda que havia marcado a escritura para 2.8.2011, avisando então aquela ré que consideraria a falta de comparência como incumprimento definitivo da promessa, não tendo a ré H..., Lda comparecido; 12) Sob a descrição genérica relativa ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º 2061/20040708 constam dois registos relativos a duas hipotecas voluntárias a favor da C..., S.A; 13) Os autores sabiam que os apartamentos estavam hipotecados a favor da ré C..., S.A., para garantir empréstimo concedido à ré H..., Lda. Apreciando: Conforme supra referido, no (único) recurso interposto da sentença, pela ré C..., ora em apreço, apenas foi objecto de impugnação a decisão proferida relativamente à acção principal, em que são autores V... e mulher – estando assim fora de causa as decisões proferidas relativamente às restantes acções apensas, em que são autores R… e J.... E, conforme igualmente supra referido, face ao teor das conclusões do recurso, está em causa saber se relativamente ao contrato promessa de compra e venda celebrado entre aqueles autores, V... e mulher, e a ré H..., Lda, existe ou não incumprimento definitivo desta. Para o efeito, haverá que ter em consideração que, conforme tem sido entendido na jurisprudência, e resulta do disposto no nº 1 do art. 808º do C. Civil o incumprimento definitivo não resulta da simples mora mas sim, após a mora, da falta de realização da prestação em prazo razoavelmente fixado pelo credor, e ainda da perda do credor, em consequência da mora, na realização da prestação, sendo que, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, a perda do interesse na prestação deve ser apreciada objectivamente. Conforme se alcança da sentença - aceitando o entendimento de que apenas o incumprimento definitivo, que não a simples mora, dá lugar à resolução do contrato, - o tribunal considerou que existe incumprimento definitivo da ré H..., Lda (promitente vendedora) – e daí a condenação desta no pagamento, aos autores V... e mulher, da quantia de € 240.000,00, correspondente ao dobro do sinal prestado, para além do reconhecimento do direito de retenção. Isto, apesar de reconhecer que a situação dos autores/apelados V--- e mulher, ora em causa, se mostra diferente da situação dos outros autores (R… e J...) uma vez que estes, tendo marcado a escritura, advertiram a ré H... de que tomariam a falta de comparência à escritura como equivalente ao incumprimento definitivo da promessa, fixando assim um prazo à promitente vendedora para o cumprimento da prestação (celebração do contrato prometido), sem que esta tivesse posto em causa a razoabilidade do prazo assim fixado – o que não sucedeu com aquele que, embora também tenham marcado a escritura, não fizeram a chamada interpelação admonitória, ou seja, não advertiram aquela devedora de que considerariam a promessa incumprida caso a mesma faltasse ao cumprimento da sua prestação. Apesar da inexistência de interpelação admonitória (uma das situações que dá lugar ao incumprimento definitivo), o tribunal considerou como verificado o incumprimento definitivo com base na perda do interesse na prestação, por parte dos autores V… e mulher. E, para o efeito teve em consideração por um lado, a manutenção das hipotecas, considerando ainda a propósito disso que, a exemplo de qualquer pessoa na sua situação os autores V… e mulher, face à posição assumida na sua petição inicial, não querem assumir tais ónus e que apenas a possibilidade da respectiva expurgação os compelia ao cumprimento da sua promessa. E, por outro lado, teve em consideração a falta de capacidade financeira da promitente vendedora, a ré H..., para expurgar as hipotecas, incapacidade essa que, ainda segundo o tribunal emerge do quadro geral deste processo, incluindo as acções apensas. É contra tal entendimento que se manifesta a ré apelante que começa por considerar que nada resulta da factualidade provada de onde se possa concluir no sentido da incapacidade financeira da ré promitente vendedora para expurgar as hipotecas. Todavia, a nosso ver, sem razão. É certo que a acção foi interposta em 22.03.2011, ou seja pouco depois do prazo acordado para a realização da escritura (até ao final de Dezembro de 2010). Todavia, não se pode olvidar que, no contrato promessa inicial, havia sido acordado que a escritura, cuja marcação seria da responsabilidade da ré H..., seria realizada durante o 2º semestre de 2007 (vide documento de fls. 70 e 71), o que aponta desde logo no sentido da existência de dificuldades na expurgação das hipotecas incidentes sobre o prédio. Aliás, nesse mesmo sentido e em face da factualidade dada por provada, aponta o facto de nos outros contratos promessa relativos aos outros autores (dos processos apensos) e que têm por objecto fracções autónomas do mesmo prédio (estando assim igualmente afectadas pela referidas hipotecas), também ter sido acordado que as escrituras se realizariam no 2º semestre de 2007 e o facto de, apesar de vários pedidos de tais autores (igualmente promitentes compradores) no sentido da marcação da escritura, a ré H... (a mesma promitente vendedora) não ter procedido, conforme lhe competia, à marcação da escritura, não tendo comparecido também às escrituras que entretanto foram marcadas por aqueles outros autores. Ademais o facto de a ré H... ter justificado a sua não comparência à escritura marcada pelos autores V… e mulher com o facto de não ter sido efectuada a operação financeira, destinada ao distrate das hipotecas, também aponta claramente no mesmo sentido. E o certo é que, conforme se alcança da certidão do registo predial de fls. 24 e sgs, as hipotecas em causa foram constituídas para garantia de valores avultados (a 1ª até ao valor de € 1.789.165,00 e a 2ª até ao valor de € 383.392,50), sendo ainda certo que, sendo o prédio constituído por 26 fracções autónomas (letras “A” a “AC”), dessas apenas houve cancelamentos parciais das hipotecas (na respectiva parte) relativamente a 7 fracções (D, N, R, S, J, A e O) – de onde resulta que o valor das responsabilidades da ré H... para com a ré C... (beneficiária das hipotecas) não pode deixar de ser considerado elevado. E, em conjugação com isso, não podemos esquecer a grave crise financeira que, conforme é público e notório, tem vindo a afectar o negócio do imobiliário – o que mais reforça a conclusão relativa à incapacidade da ré H... para expurgar as hipotecas. E, para além disso, ainda existe um outro elemento a considerar: o facto de os autores V… e mulher terem pago logo no acto da celebração do contrato promessa a totalidade do preço que foi acordado (€ 120.000,00) – o que significa que, nada mais tendo a receber destes, a ré H... não tinha a receber ainda qualquer quantia com a qual pudesse proceder ou facilitar o distrate da hipoteca na parte relativa à fracção em causa. Ademais, a ré H... (que nem sequer recorreu da sentença) nem sequer alegou ter capacidade financeira para “limpar” as hipotecas, da mesma forma que nem sequer alegou qualquer prazo ou outros elementos concretos de onde se pudesse concluir que isso viria a suceder, limitando-se a fazer referência às “dificuldades inesperadas e imprevisíveis na obtenção de crédito” e que “é necessário tempo” (?) para que as diligências e operações em curso na banca permitam o pagamento dos valores da hipoteca. Diz ainda a ré apelante que não existem factos provados que permitam concluir com segurança que os aqui apelados não estavam interessados em realizar a escritura pública sem o ónus das hipotecas, pelo que o Tribunal não tinha elementos para assumir tal conclusão. Também aqui sem razão. Desde logo porque, no lugar dos autores V… e mulher, só uma pessoa sem um mínimo de discernimento e de prudência aceitaria proceder à realização da escritura da prometida compra e venda da fracção autónoma, sem que a promitente vendedora procedesse previamente à expurgação das hipotecas que sobre a mesma recaíam, sujeitando-se a, por força da execução do crédito hipotecário, ficar sem a fracção, podendo acontecer que o valor do ónus seja igual ou até superior ao valor da fracção (e nada nos autos nos diz que tal não possa acontecer). E, nessa situação, deixariam de poder invocar e fazer valer o direito de retenção que ora invocam na qualidade de promitentes compradores e com base na tradição do imóvel. É certo que os autores V… e mulher, na sua petição inicial pediram em primeiro lugar a execução específica do contrato, só depois tendo pedido a condenação da promitente vendedora na restituição do sinal em dobro (vindo a desistir daquele primeiro pedido em sede de audiência). Todavia, cumulativamente com a execução específica, pediram que, previamente e em prazo concedido para o efeito, a ré promitente vendedora procedesse ao cancelamento das hipotecas. Isto, para depois pedirem que, caso tal não ocorresse, a ré promitente vendedora fosse condenada na restituição do sinal em dobro – o que significa que nunca foi sua intenção, bem pelo contrário, proceder á realização da escritura sem que a 1ª ré tivesse procedido à expurgação das hipotecas na parte incidente sobre a fracção. De resto, ainda que a solicitação do tribunal, o facto de virem a desistir do pedido de execução específica (e do pedido de prévio cancelamento das hipotecas) aponta claramente nesse sentido, o que é de resto, bem compreensível, face à apensação das outras duas acções, nas quais os ali autores também estavam a braços com a mesma situação – o que só podia levá-los a considerar como estando fora de causa a possibilidade de a 1ª ré proceder ao cancelamento das hipotecas em ordem à realização da escritura. |