Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DOMINGAS | ||
Descritores: | DESPESA DE CONDOMÍNIO ACTA DA ASSEMBLEIA GERAL DE CONDÓMINOS TÍTULO EXECUTIVO | ||
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Data do Acordão: | 10/27/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I. A referência que no artigo 6.º do DL 268/94, de 25 de Outubro, é feita a “montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio”, remete para a acta em que é deliberada a aprovação de determinadas despesas (ordinárias ou extraordinárias) e fixada a comparticipação pelos condóminos, deliberação esta constitutiva da obrigação de pagamento da contribuição de cada um dos condóminos, valor que, não estando liquidado na acta, é susceptível de vir a ser liquidado por mero cálculo aritmético nas operações de liquidação que têm lugar nos termos do artigo 716.º, n.º 1, do CPC. II. A acta em que é deliberada a aprovação do valor da dívida acumulada de cada condómino em mora e encarregado o administrador de proceder à sua cobrança não constitui título executivo. (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2058/19.0T8STB-A.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal Juízo de Execução de Setúbal – Juiz 1 I. Relatório Por apenso à ação executiva para pagamento de quantia certa, a seguir a forma sumária do processo, que lhe é movida por Condomínio do Edifício (…) – Torre (…), veio a executada (…) – Investimentos Turísticos, SA (antes … – Club … de Férias, SA), deduzir embargos, tendo invocado a nulidade de todo o processo decorrente da ineptidão do requerimento executivo, que não identifica a fonte das obrigações cujo cumprimento coercivo pretende exercitar, impedindo a embargante de exercer cabalmente o contraditório e assim prejudicando o seu direito de defesa, e ainda a prescrição de todas as despesas em cobrança cujo vencimento tenha ocorrido em data anterior a 19 de Junho de 2014, nos termos do n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil, disposição legal que expressamente invocou. Em sede de impugnação negou ser a titular do direito de propriedade de diversas fracções a que respeitam as quotas de condomínio que a exequente pretende cobrar, facto desta conhecido, pelo que actua em claro abuso de direito ao instaurar acção executiva contra a embargante. Conclui pedindo a sua absolvição do pedido executivo; a não ser assim entendido, deverá ser reduzida a quantia exequenda ao montante de € 2.749,37. * Admitidos os embargos, foram os mesmos contestados pela exequente/embargada, a qual se pronunciou pela improcedência das excepções, impugnando o alegado na petição de embargos em adverso da sua posição nos autos. * Teve lugar tentativa de conciliação, que se frustrou. Foi proferido despacho a convidar o exequente a juntar aos autos as actas contendo as deliberações que aprovaram os valores que cada condómino ficou obrigado a pagar, quer a título de contribuições, quer das despesas cujo pagamento seria devido ao longo de vários anos, convite não acatado. Tendo o tribunal anunciado a intenção de conhecer antecipadamente do mérito da oposição, cumprido que foi o contraditório, veio a ser proferida decisão que decretou a procedência dos embargos, determinando a extinção da execução. * Inconformada, apelou a exequente/embargada e, tendo desenvolvido nas alegações as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: I. Vem o recorrente impugnar a sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou os embargos procedentes, e, em consequência, absolveu a embargante quanto ao pagamento das quantias pecuniárias peticionadas. II. Porquanto, no entender do tribunal a quo, a acta dada à execução não detinha força executiva nos termos do artigo 6.º do DL 268/94, de 25.10. III. Isto porque para o tribunal a quo somente é título executivo as actas em que sejam aprovados os valores das contribuições condominiais futuras. IV. Não sendo, para o tribunal a quo, dotada de força executiva as actas da AG de condóminos em que sejam deliberados e aprovados os montantes das contribuições já vencidas, pelos respetivos devedores. Ora, Venerandos Desembargadores, V. Entende o recorrente que o Tribunal a quo errou na decisão ora impugnada, violando, claramente, o disposto no artigo 6.º do citado DL 268/94, de 25.10, porquanto; VI. Atento o normativo constante no n.º 1 do artigo 6.º do DL n.º 268/94, de 25.10, entende o recorrente que as actas dadas à execução são titulo executivo contra o proprietário que não pagar o montante das contribuições devidas ao condomínio que hajam sido aprovadas em assembleia geral, uma vez que, do teor da acta se conclui que as “dívidas/montantes das contribuições devidas e outras despesas inerentes à conservação ou fruição das partes comuns” foram postas à deliberação e votação pela assembleia de condóminos, tendo as mesmas sido aprovadas pela maioria do quorum presente em AG, constando os respectivos montantes do teor da ordem de trabalhos das mesmas, contendo, desde logo, Indicação do apartamento; Nome do proprietário devedor; Ano ou despesa a que respeitam os montantes em divida; E a conclusão retirada, sem margem para dúvidas, que as dívidas apuradas são elas líquidas e exigíveis por já se encontrarem vencidas à data da AG. VII. Logo, a decisão proferida pelo Tribunal a quo que as actas junto aos autos não é título executivo não pode prevalecer! Porquanto, VIII. A interpretação feita por este Tribunal a quo é ela restritiva, fora do enquadramento e espírito consagrado no artigo 6.º, n.º 1, do DL 268/94, de 25.10, pois certo é que a expressão “contribuições devidas ao condomínio” pode ser interpretada no sentido de “contribuições em dívida ao condomínio” ou no sentido de “contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio” desde que estejam vencidas; como é o caso! Logo, IX. No sentido tomado nas presentes conclusões vai o AC. do TRP no Proc. n.º 7855/11.1TBMAI.P1, datado de 10/01/2013, in www.dgsi.pt, que continha o seguinte sumário: “I - As actas das reuniões das assembleias de condóminos constituem títulos executivos quando deliberem sobre o montante de contribuições devidas ao condomínio, já apuradas ou futuras, desde que sejam certas, líquidas e exigíveis“. X. E ainda o Ac. do Tribunal da Relação de Évora, datado de 17.2.2011, no processo n.º 4276/07.4TBPTM.E1, em que foi relatora a Dra. Maria Alexandra Moura Santos, in www.dgsi.pt, ao qual se adere integralmente nos seus fundamentos, a expressão ínsita no artigo 6.º, n.º 1, do DL 268/94, de 25/10: “contribuições devidas ao condomínio”, abarca tanto as “contribuições em dívida ao condomínio” (contribuições já apuradas) como as “contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio” (contribuições futuras), desde que certas, exigíveis e líquidas (artigo 802.º do CPC) uma vez que estes três requisitos condicionam a admissibilidade da acção executiva, devendo estas características da obrigação exequenda já constar da acta da assembleia geral de condóminos. Ademais, não faz sentido restringir a força executiva apenas à acta em que se delibera o montante da quota-parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar e não concedê-la à acta em que, por o condómino não ter pago, conforme o deliberado em assembleia anterior, se delibera sobre o montante da dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial. XI. E, mais recentemente, no mesmo sentido da presente apologia vai o Acórdão do TRE datado de 12.9.2019, proferido no Processo n.º 3751/18.0T8OER-A.E1, em que foi relator o Dr. José Manuel Barata, in www.dgsi.pt. Posto isto, XII. Entende o recorrente que o Tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos. XIII. Pois que as contribuições condominiais devidas pela executada nos presentes autos, tituladas e aprovadas em AG de condóminos, em conformidade com os respetivos títulos executivos (actas) dados à execução, são dotadas da necessária força executiva, atento o disposto no artigo 6.º, n.º 1, do DL 268/94, de 25.10”. Conclui requerendo a revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que declare que as actas dadas à execução são título executivo bastante, determinando o prosseguimento da acção executiva. Contra alegou a embargante, defendendo naturalmente a manutenção do decidido. * Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, constitui única questão a decidir determinar se as actas da assembleia de condóminos que deliberem sobre os montantes em dívida por cada condómino constituem título executivo bastante à luz do disposto no artigo 6.º do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro. * II. Fundamentação De facto É a seguinte a factualidade que, sem impugnação, vem dada como assente na decisão recorrida: 1. A execução baseia-se em acta de assembleia de condóminos realizada em 14.08.2018 (acta n.º 35). 2. Da referida acta consta a seguinte deliberação, referente ao segundo ponto da ordem de trabalhos (Análise das quotas em atraso, medidas a tomar): “… foi aprovado por unanimidade dos votos presentes, os montantes das contribuições em dívida por cada condómino devedor e que infra se fixam em anexo à presente acta como Doc. n.º 1 com um total de 39 páginas, numeradas de 1 a 39 e que faz parte integrante da mesma, para valerem como título executivo nos termos legais, ao qual esta Assembleia-geral dá, desde já, poderes ao Administrador para contratar advogado a fim de intentar as competentes acções executivas em virtude de tal incumprimento para com o condomínio, sendo que as contribuições em dívida e ora aprovadas pela Assembleia-geral são as que se passam a fixar e discriminar infra de acordo com o nome do condómino devedor, fracção a que respeita, referente ao ano ou despesa ou encargo e respectivo valor da dívida a que respeitam à data de 31 de Dezembro de 2017. Foi colocado à deliberação para aprovação as dívidas constantes do doc. n.º 1, pela Assembleia-geral os montantes das contribuições em dívida pelos Condóminos, montantes que à data desta assembleia se encontram vencidos (…) e (…) foi aprovado por unanimidade dos votos presentes, o montante das contribuições em dívida por cada condómino devedor e que infra se fixam no relatório evidenciado, para valerem como título executivo nos termos legais”. 3. O documento 1, com 39 páginas, faz referência a valores em dívida por parte da embargante relativamente às seguintes frações: - “AP/10” (Apartamento 403/outubro), indicando um valor em dívida de € 1.080,72; - “AAC/02 (Apartamento 702/fevereiro), indicando um valor em dívida de € 912,89; - “AAAC/12” (Apartamento 702/dezembro), indicando um valor em dívida de € 1.724,28; - “AAAG/02” (Apartamento 706 – fevereiro), indicando um valor em dívida de € 1.124,84; - “AAAG/05” (Apartamento 706 – maio), indicando um valor em dívida de € 1.124,84; - “AAAG/12” (Apartamento 706 – dezembro), indicando um valor em dívida de € 1.564,14; - “AAAI/10” (Apartamento 708 – outubro), indicando um valor em dívida de € 1.157,97; - “AAAL/09” (Apartamento 711 – setembro), indicando um valor em dívida de € 1.613,44; - “AAAL/11” (Apartamento 711 – novembro), indicando um valor em dívida de € 1.764,22; - “AAAL/12” (Apartamento 711 – dezembro), indicando um valor em dívida de € 261,86; - “AAAO/03” (Apartamento 802 – março), indicando um valor em dívida de € 1.716,67; - “AAAO/05” (Apartamento 802 – maio), indicando um valor em dívida de € 859,61; - “AAAO/10” (Apartamento 802 – outubro), indicando um valor em dívida de € 920,09; - “AAAR/11” (Apartamento 805 – novembro), indicando o valor em dívida de € 1.236,45; - “AAAU/03” (Apartamento 808 – março), indicando um valor em dívida de € 1.273,35; - “AAAU/04” (Apartamento 808 – abril), indicando um valor em dívida de € 1.751,05; - “AAAU/05” (Apartamento 808 – maio), indicando um valor em dívida de € 802,38; - “AAAU/06” (Apartamento 808 – junho), indicando um valor em dívida de € 1.750,37; - “AAAU/12” (Apartamento 808 – dezembro), indicando o valor em dívida de € 1.769,22; - “AAAAG/05” (Apartamento 906 – maio), indicando um valor em dívida de € 1.629,29; - “AAAAJ/03” (Apartamento 909 – março), indicando um valor em dívida de € 1.552,83; - “AAAAR/02” (Apartamento 1005 – fevereiro), indicando o valor em dívida de € 700,89; - “AAAAZ/02” (Apartamento 1011 – fevereiro), indicando valor em dívida de € 1.827,51. 4. No requerimento executivo, o exequente alega, além do mais, o seguinte: “(…) 1. No dia 14.4.2018, reuniram em assembleia-geral ordinária os condóminos do Edifício (…) – Torre (…), sito em (…), concelho de Portimão, prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º (…), em regime de propriedade horizontal, sito no concelho de Portimão e freguesia de (…). 2. Entre outros pontos da ordem de trabalhos constantes na acta n.º 35, ponto 2.º (contribuições condominiais vencidas) e 3.º (Orçamento para o Ano de 2018) da ordem de trabalhos, que corporizou as deliberações tomadas na assembleia supra mencionada, foram deliberados pelo condomínio exequente os valores das contribuições em dívida pelos condóminos devedores e referentes ao orçamento aprovado, ora executados na presente acção executiva, cujos montantes se encontram explanados no teor vertido no doc. n.º 1 bem como, nos anexos 1 e 2 que o complementam, e que se juntam para os legais efeitos. 3. A executada, apesar de devidamente interpelada, até à data ainda não procedeu ao pagamento devido das suas contribuições condominiais que infra se descrevem, com referência à contribuição devida por fracção autónoma devida com reporte para o teor vertido na acta n.º 35 e ainda para o documento n.º 2 que ora se juntam. 4. Logo, dando-se por totalmente transcrito o teor da acta n.º 35 (doc. nº 1) e doc. nº 2 que se juntam, temos que a executada é devedora ao exequente dos montantes melhor identificados no teor do citado doc. n.º 2, que expressam os montantes das contribuições condominiais ordinárias e extraordinárias devidas pela executada desde o ano de 2013 até ao ano de 2018, com expressa menção ao respetivo item no montante global de € 4.120,23. 5. A que acrescem, ainda, com referência ao teor da acta n.º 35 e seu anexo 1, os seguintes montantes referentes a contribuições extraordinárias nos anos de 2010 e 2011 (referente a obras) que são devidos pela executada, em conformidade com os factos infra mencionados: A) Fracção AAAC/02 – Apartamento n.º 702/ Fevereiro Reparação e Pintura Exterior Edifício 2010 – € 23,76; Reparação e Pintura Exterior Edifício 2011 – € 74,47; B) Fracção AAAC/02 – Apartamento n.º 702/Dezembro Reparação e Pintura Exterior Edifício 2010 – € 23,76; Reparação e Pintura Exterior Edifício 2011 – € 74,47; C) Fracção AAAO/03 – Apartamento n.º 802/Março Reparação e Pintura Exterior Edifício 2010 – € 23,76; Reparação e Pintura Exterior Edifício 2011 – € 84,47; D) Fracção AAAO/05 – Apartamento n.º 802/Maio Reparação e Pintura Exterior Edifício 2010 – € 23,76; Reparação e Pintura Exterior Edifício 2011 – € 74,47; E) Fracção AAAO/10 – Apartamento n.º 802/Outubro Reparação e Pintura Exterior Edifício 2010 – € 23,76; Reparação e Pintura Exterior Edifício 2011 – € 74,47; F) Fracção AAAR/11 – Apartamento n.º 805/Novembro Reparação e Pintura Exterior Edifício 2010 – € 23,76; Reparação e Pintura Exterior Edifício 2011 – € 74,47; G) Fracção AAAU/03 – Apartamento n.º 808/Março Reparação e Pintura Exterior Edifício 2010 – € 23,76; Reparação e Pintura Exterior Edifício 2011 – € 77,86; H) Fracção AAAU/04 – Apartamento n.º 808/Abril Reparação e Pintura Exterior Edifício 2010 – € 23,76; Reparação e Pintura Exterior Edifício 2011 – € 77,86; I) Fracção AAAU/05 – Apartamento n.º 808/Maio Reparação e Pintura Exterior Edifício 2010 – € 23,76; Reparação e Pintura Exterior Edifício 2011 – € 77,91; J) Fracção AAAU/06 – Apartamento n.º 808/Junho Reparação e Pintura Exterior Edifício 2010 – € 23,76; Reparação e Pintura Exterior Edifício 2011 – € 77,91; K) Fracção AAAAJ/03 – Apartamento n.º 909/Março Reparação e Pintura Exterior Edifício 2010 – € 23,76; Reparação e Pintura Exterior Edifício 2011 – € 63,18. 6. Os montantes indicados no ponto antecedente perfazem a quantia global de € 1.118,37. 7. Reclamando, pois, o exequente à executada o pagamento da quantia global de € 5.238,60, ao qual acrescem juros moratórios à taxa legal em vigor, desde a citação até ao integral pagamento (…)”. 5. O documento n.º 2 a que alude o requerimento executivo (referente a valores em atraso) indica um valor total em dívida de € 4.120,23, discriminando do seguinte modo os montantes em dívida por referência a cada uma das frações ali referidas: - “AAAC/02” - Ap. 702/FEV, sendo o valor em dívida de € 373,44; - “AAAC/ 12” - Ap. 702/DEZ, sendo o valor em dívida de € 373,44; - “AAAO/ 03” - Ap. 802/MAR, sendo o valor em dívida de € 373,44; - “AAAO/ 05” - Ap. 802/MAI, sendo o valor em dívida de € 373,44; - “AAAO/ 10” - Ap. 802/OUT, sendo o valor em dívida de € 380,64; - “AAAR/ 11” - Ap. 805/NOV, sendo o valor em dívida de € 373,44; - “AAAU/ 03” - Ap. 808/MAR, sendo o valor em dívida de € 381,01; - “AAAU/ 04” - Ap. 808/ABR, sendo o valor em dívida de € 381,01; - “AAAU/ 05” - Ap. 808/MAI, sendo o valor em dívida de € 381,01; - “AAAU/ 06” - Ap. 808/JUN, sendo o valor em dívida de € 381,01; - “AAAAJ/03” - Ap. 909/MAR, sendo o valor em dívida de € 348,05. 6. As frações “AAAU”, “AAAC”, “AAAR”, “AAAO” e “AAAAJ” estão inscritas no registo predial a favor da embargante. 7. Por escritura pública de 25.10.1982, a embargante vendeu 1/12 avos indivisos da fração “AAAG” (com referência ao mês de fevereiro) a (…) e (…). 8. Por escritura pública de 08.02.1983, a embargante vendeu 1/12 avos indivisos da fração “AAAU” (com referência ao mês de março) a (…). * De Direito Os títulos executivos à luz do artigo 6.º, n.º 1, do DL 268/94, de 25 de Outubro Como se alcança das transcritas conclusões, a recorrente questiona o entendimento adoptado na decisão recorrida quando concluiu que os documentos dados à execução não constituíam título executivo, uma vez que o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94 só confere força executiva às actas da assembleia em que for tomada a deliberação a que se reporta o n.º 1 do artigo 1431.º do CC, bem como aquela em que se venha a deliberar a realização de quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, já não à ou às actas em que tenha sido deliberado aprovar os montantes em dívida por cada condómino. Tal como se reconhece na decisão recorrida, trata-se de questão que tem dividido a jurisprudência, afigurando-se, contudo, correcto o entendimento ali adoptado, o que se antecipa. Ensina o Prof. Lebre de Freitas que a acção executiva tem por finalidade a reparação efectiva dum direito violado, providenciando “(…) pela realização coativa de uma prestação devida”[1]. Pressupõe por isso “(…) a prévia solução da dúvida sobre a existência e a configuração do direito exequendo. A declaração ou acertamento (dum direito ou de outra situação jurídica; dum facto), que é o ponto de chegada da acção declarativa, constitui na acção executiva o seu ponto de partida”[2]. Vale isto por dizer que a pretensão material está “acertada”, no sentido de sobre ela não dever ter lugar mais nenhuma controvérsia no processo executivo. E é porque o título executivo contém esse acertamento que dele se diz constituir “base da execução”, por ele se determinando “o fim e os limites da acção executiva” (n.º 5 do artigo 10.º), isto é, o tipo de acção e o seu objecto, assim como a legitimidade activa e passiva para ela. Conforme se explicou no acórdão deste mesmo TR de 5 de Novembro de 2020 (proferido no processo 3152/10-0T8LLE-A.E1, disponível em www.dgsi.pt, subscrito pela ora relatora como 1.ª adjunta), dentre os vários títulos que podem servir de base à execução constam os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva – artigo 703.º, n.º 1, alínea d), do CPC, sendo um destes títulos precisamente aquele a que alude o artigo 6.º do mencionado DL 268/94, de 25 de Outubro. Dispõe-se no referido artigo 6.º que é título executivo contra o proprietário em mora “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento dos serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio”. Face ao transcrito preceito, discute-se se apenas atribui força executiva à acta da reunião em que é deliberada a aprovação de determinadas despesas (ordinárias ou extraordinárias) e fixada a comparticipação pelos condóminos (tese mais restritiva) ou se é também título executivo a acta que contém a deliberação posterior que aprove a cobrança coerciva das quantias em dívida acumuladas por determinado condómino, com liquidação desses montantes (tese dita mais ampla). Vistos os termos da disposição legal que se analisa, dela resulta que as actas a que atribui força executiva são aquelas que contemplam i. a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio; ii. a fixação da quota-parte devida por cada condómino nessas despesas e contribuições; iii. a fixação do prazo de pagamento respetivo. Para determinar se o título aqui previsto tem natureza constitutiva da obrigação ou meramente recognitiva, haverá que confrontá-lo com o regime substantivo das contribuições para o condomínio (neste sentido, acórdão do TRC de 18 de Maio de 2020, proferido no processo 1546/19.2T8SRE.C1, acessível no mesmo sítio). Conforme se refere no mesmo aresto, “Os condóminos estão obrigados a contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, em regra em montante proporcional ao valor das respetivas frações (artigo 1424.º, n.º 1, do Código Civil). Para o efeito, cabe ao administrador elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano (al. b) do artigo 1436.º do Código Civil), o qual deverá ser sujeito a aprovação em Assembleia dos condóminos, convocada pelo administrador para a primeira quinzena de janeiro de cada ano (artigo 1431.º do Código Civil). Aprovado o orçamento, incumbirá ao administrador cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns (e outras para as quais tenha sido autorizado – artigo 1436.º, alíneas d) e h), do Código Civil) e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (artigo 1436.º, alínea e) do Código Civil). Da conjugação de tais normas poder-se-á afirmar que a deliberação a que se refere a alínea b) do artigo 1436.º do Código Civil – deliberação de aprovação do orçamento anual e definição da quota-parte de cada um dos condóminos – é constitutiva da obrigação de pagamento da contribuição de cada um dos condóminos”, termos em que “(…) é precisamente à Ata desta assembleia, em que é tomada a deliberação a que se reporta o n.º 1 do artigo 1431.º do CC, bem como aquela em que se venha a deliberar a realização de quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que o artigo 6.º vem conferir força executiva”. Tal entendimento é ainda aquele que, a nosso ver, obedece aos parâmetros interpretativos que se impõe observar, atenta a natureza da norma em questão: Explica o Prof. Rui Pinto[3] que na interpretação daquele normativo haverá que atentar em diversos parâmetros interpretativos, a saber: i. o da excepcionalidade das normas que preveem os títulos executivos, em razão do seu caráter restritivo dos direitos patrimoniais e mesmo processuais do devedor, do que resulta o afastamento da interpretação analógica; ii. o da discricionariedade legislativa na conformação do teor e requisitos de um dado título executivo; e iii. A conformidade à constituição da interpretação que há-de ser feita das normas que atribuem força executiva a um dado documento. Deste modo, e por respeito aos princípios da segurança jurídica e proibição da discricionariedade na aplicação da lei, “servindo de base à execução (cfr. artigo 10.º, n.º 5, do CPC) deve poder retirar-se do título executivo, com um grau de segurança razoável, a constituição ou o reconhecimento de uma certa obrigação, ainda que não vencida em face do título, contra certa pessoa. Em consequência, no estrito plano objetivo, ser a obrigação certa, líquida e exigível são carateres que podem ser determinados fora do título, como consente o artigo 713.º. No plano subjetivo, o título há-de permitir apurar quem são o credor e o devedor, e permitindo a legitimidade para a execução, nos termos do artigo 53.º, o que não significa que tenha de os indicar sempre”. Com efeito, e tal como adverte o mesmo autor[4], “(…) a lei não exige que a obrigação do condómino seja líquida em face do título (…), mas que, pelo menos, seja liquidável em face do título – i.e., que indique a quota-parte (permilagem) de cada um. Nesta segunda eventualidade, caberão operações de liquidação por simples cálculo aritmético na própria execução nos termos do artigo 716.º, n.º 1”. Deste modo, somos a concluir que a referência que no artigo 6.º é feita a “montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio”, remete para a acta em que é deliberada a aprovação de determinadas despesas (ordinárias ou extraordinárias) e fixada a comparticipação pelos condóminos, deliberação esta constitutiva da obrigação de pagamento da contribuição de cada um dos condóminos, valor que, ou já está liquidado na acta ou é susceptível de vir a ser liquidado por mero cálculo aritmético nas operações de liquidação que têm lugar nos termos do artigo 716.º, n.º 1. A interpretação propugnada, que atribui força executiva apenas à acta da deliberação da qual nasce a obrigação de pagamento a cargo do condómino (acta constitutiva) não só é aquela que garante os valores da certeza e segurança jurídica, como é ainda a que melhor serve os desígnios declarados do legislador no Preâmbulo do DL 268/94, de 25 de Outubro, de tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal, ao dispensar a convocatória da assembleia de condóminos para produzir uma acta de cobrança, bastando que na execução instaurada com base na acta da aprovação das contribuições e despesas o condomínio credor “proceda à liquidação dos valores em mora. Visto as obrigações e encargos serem, normalmente, sujeitos a prazo de pagamento, a sua exigibilidade resulta do confronto entre o prazo declarado na ata e a data do requerimento executivo: o credor não tem de provar que o devedor não pagou no vencimento”[5]. Revertendo ao caso dos autos, e tal como se fez notar na decisão recorrida, a acta dada à execução, remetendo para os dois documentos anexos, nos quais se discriminam os montantes da dívida acumulada, quer a proveniente das contribuições condominiais ordinárias relativas a cada uma das fracções identificadas no período de 2013 a 2018, quer de alegadas contribuições extraordinárias referentes aos anos de 2010 e 2011, nada diz quanto ao modo como tais obrigações foram constituídas, não tendo sido juntas as actas em que foi deliberada a sua constituição. Deste modo, não tendo a exequente apresentando com a execução as actas das assembleias de condóminos que fixaram o valor das contribuições relativas às fracções alegadamente pertencentes à executada cujo pagamento peticiona – e apenas a estas, como se procurou demonstrar, a lei confere força executiva –, dando à execução acta remissiva para documentos anexos, nos quais se faz “um apanhado” da dívida, a qual não reúne os requisitos para valer como título executivo nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do DL n.º 268/94, de 25.10, nenhuma censura merece a decisão recorrida quando conheceu oficiosamente da excepção insuprível da falta de título (v., neste sentido, com recenseamento de abundante jurisprudência, o acórdão do STJ de 2 de Junho de 2021, proferido no processo 1549/18.4T8SLV-A.E1, acessível em www.dgsi.pt). Atento o exposto, improcedendo os fundamentos, do recurso, mantém-se a decisão recorrida. * III. Decisão Acordam os juízes da 2.ª secção cível do TRE em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida. Custas a cargo do recorrente. * Sumário: (…) * Évora, 27 de Outubro de 2022 Maria Domingas Alves Simões Ana Margarida Pinheiro Leite Vítor Sequinho dos Santos __________________________________________________ [1] Prof. Lebre de Freitas, “A acção executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, pág. 16. [2] Idem, pág. 28. [3] Novos Estudos de Processo Civil – A execução de dívidas do condómino”, Petrony, pág. 196. [4] Ob. citada, pág. 199. [5] Prof. Rui Pinto, idem, pág. 202. |